No dia 14 de
setembro celebramos a Festa da Exaltação da Santa Cruz. Aproveitamos a ocasião
para propor as meditações da Via Sacra presidida pelo Papa Francisco junto ao
Coliseu romano na Sexta-feira Santa de 2017.
As meditações, preparadas
pela teóloga francesa Anne-Marie Pelletier, seguiram o esquema da “Via Sacra Bíblica”, com algumas modificações.
Como ilustrações,
propomos as doze esculturas que compõem a Via Sacra do Santuário de Nossa
Senhora de Ta’ Pinu, em Malta, que também seguem um esquema sui generis.
Departamento das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice
Sexta-feira Santa
Via Sacra presidida pelo Papa Francisco
Coliseu, Roma - 14 de abril de 2017
Meditações: Sra. Anne-Marie Pelletier
Versículo introdutório
Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi, quia per tuam Sanctam Crucem redemisti mundum. Domine, miserere nobis.
Santo Padre: Em
nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Introdução
Por fim, a Hora
chegou. O caminho de Jesus pelas estradas poeirentas da Galileia e da Judeia,
ao encontro dos corpos e dos corações atribulados, impelido pela urgência de
anunciar o Reino... esse caminho detém-se aqui, hoje. Na colina do Gólgota.
Hoje a cruz atravanca a estrada. Jesus não irá mais longe.
Impossível ir
mais longe!
Aqui o amor de
Deus obtém a sua medida plena: amor sem medida.
Hoje, o amor do
Pai, que deseja que todos os homens se salvem por intermédio do Filho, vai até
ao extremo, onde deixamos de ter palavras, onde ficamos desorientados, onde a
nossa religiosidade é ultrapassada pelo excesso dos desígnios de Deus.
Com efeito, o
sucedido no Gólgota é, contra todas as aparências, questão de vida, de graça e
de paz. Trata-se, não do reino do mal que conhecemos demasiado bem, mas da
vitória do amor.
E, precisamente
sob a mesma cruz, trata-se do nosso mundo, com todas as suas quedas e os seus
sofrimentos, os seus apelos e as suas revoltas, tudo aquilo que clama a Deus,
hoje, a partir das terras de miséria ou de guerra, nas famílias dilaceradas,
nas prisões, nas barcaças sobrecarregadas de migrantes...
Tantas lágrimas,
tanta miséria no cálice que o Filho bebe por nós.
Tantas lágrimas,
tanta miséria que não acabam perdidas no oceano do tempo, mas são recolhidas
por Ele, para ser transfiguradas no mistério de um amor em que o mal é
consumido.
É da invencível
fidelidade de Deus à nossa humanidade que se trata no Gólgota.
É um nascimento
que lá se realiza!
Devemos ter a
coragem de dizer que a alegria do Evangelho é a verdade deste momento!
Se o nosso olhar
não alcança esta verdade, então continuamos prisioneiros nas redes do
sofrimento e da morte. E tornamos vã, para nós, a Paixão de Cristo.
Oração
Senhor, os
nossos olhos estão ofuscados. Como acompanhar-Vos tão longe?
“Misericórdia” é
o vosso nome. Mas este nome é uma loucura.
Rompam-se os
odres velhos dos nossos corações!
Curai o nosso
olhar para que se ilumine com a boa notícia do Evangelho, na hora em que
estamos ao pé da Cruz do vosso Filho.
E nós poderemos
celebrar “a largura, o comprimento, a altura e a profundidade” (Ef 3,18) do amor de Cristo, com o coração
consolado e encandeado.
I Estação: Jesus é condenado à morte
Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do Evangelho segundo Lucas (Lc 22,66)
Ao amanhecer, os
anciãos do povo, os sumos sacerdotes e os mestres da Lei reuniram-se em
conselho e levaram Jesus ao tribunal deles.
Do Evangelho segundo Marcos (Mc 14,64-65)
Então todos o
julgaram réu de morte. Alguns começaram a cuspir em Jesus. Cobrindo-lhe o
rosto, o esbofeteavam e diziam: “Profetiza!”. Os guardas também davam-lhe
bofetadas.
Meditação
Não foram
necessários muitos debates para se pronunciarem os homens do Sinédrio. Já há
muito tempo que a causa estava decidida. Jesus deve morrer!
Já pensavam
assim aqueles que queriam atirá-Lo pela encosta abaixo da colina, quando, na
sinagoga de Nazaré, Jesus abrira o livro e aplicara a Si mesmo as palavras de
Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a
unção para... proclamar um ano da graça do Senhor” (Lc 4,18.19).
Já quando curara
o paralítico na piscina de Betesda, inaugurando o sábado de Deus que liberta de
todas as escravidões, se multiplicaram as murmurações homicidas contra Ele (cf. Jo 5,1-18).
E ao longo do
último trecho de estrada, enquanto subia a Jerusalém para a Páscoa, o nó
fora-se apertando inexoravelmente: Ele não escaparia mais aos seus inimigos (cf. Jo 11,45-57).
Mas devemos ir, com
a memória, ainda mais longe, começando em Belém. Desde os dias do seu
nascimento, Herodes decretara que Ele devia morrer. A espada dos esbirros do
rei usurpador massacrou os meninos de Belém. Então Jesus escapou à sua fúria;
mas só durante certo tempo. A verdade é que a sua não passava de uma vida
pendente. No pranto de Raquel pelos seus filhos que já não existem, ressoa,
intermitente, a dolorosa profecia que Simeão anunciará a Maria (cf. Mt 2,16-18; Lc 2,34-35).
Oração
Senhor Jesus,
Filho predileto, que viestes visitar-nos, passando entre nós a fazer o bem,
trazendo de volta à vida aqueles que habitam na sombra da morte, vós conheceis
os nossos corações tortuosos.
Afirmamos ser
amigos do bem e de querer a vida; mas somos pecadores e cúmplices da morte.
Proclamamo-nos
vossos discípulos, mas tomamos estradas que se perdem longe dos vossos
pensamentos, longe da vossa justiça e da vossa misericórdia.
Não nos
abandoneis às nossas violências.
Que não se esgote
a vossa paciência para conosco.
Livrai-nos do
mal!
Pai nosso...
“Povo meu, que te fiz Eu? Em que te contristei? Responde-me” (cf. Mq 6,3).
II Estação: Jesus
é renegado por Pedro
Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do Evangelho segundo Lucas (Lc 22,59-62)
Passou mais ou
menos uma hora, e outro insistia: “Certamente, este aqui também estava com ele,
porque é galileu!”. Mas Pedro respondeu: “Homem, não sei o que estás dizendo!”.
Nesse momento, enquanto Pedro ainda falava, um galo cantou. Então o Senhor se
voltou e olhou para Pedro. E Pedro lembrou-se da palavra que o Senhor lhe tinha
dito: “Hoje, antes que o galo cante, três vezes me negarás”. Então Pedro saiu e
chorou amargamente.
Meditação
No pátio do
Sinédrio, ao redor de um braseiro, Pedro e mais alguém se aquecem naquelas
horas frias da noite, entrecortadas por idas e vindas febris. No interior, a
sorte de Jesus está prestes a ser decidida, frente a frente com os seus
acusadores. Pedirão a sua morte.
Como uma maré
que sobe, ao redor cresce a hostilidade. Como se incendeia o restolho, assim
cresce e se multiplica o ódio. Bem depressa uma multidão vociferante vai exigir
de Pilatos a graça para Barrabás e a condenação de Jesus.
Difícil
declarar-se amigo de um condenado à morte sem ser transpassado por um arrepio
de terror. A intrépida fidelidade de Pedro não consegue resistir às suspeitas
da criada, a porteira do lugar.
Reconhecer que é
discípulo do rabi galileu seria dar
mais peso à fidelidade a Jesus do que à própria vida! Quando se exige tal
coragem, a verdade tem dificuldade em encontrar testemunhas... Os homens estão
feitos de um modo tal, que muitos preferem a mentira à verdade; e Pedro
pertence à nossa humanidade. Trai, por três vezes. Depois se cruza com o olhar
de Jesus. E as suas lágrimas caem, amargas e contudo doces, como água que lava
a imundície.
Brevemente,
alguns dias mais tarde, junto de outras brasas acesas, na margem do lago, Pedro
reconhecerá o seu Senhor Ressuscitado, que lhe confiará o cuidado das suas
ovelhas. Pedro aprenderá o perdão sem medida que o Ressuscitado pronuncia sobre
todas as nossas traições. E terá parte em uma fidelidade que, a partir de
então, lhe fará aceitar a própria morte como uma oferta unida à de Cristo.
Oração
Senhor, nosso
Deus, quisestes que fosse Pedro, o discípulo renegado e perdoado, a receber o
encargo de guiar o vosso rebanho.
Imprimi nos
nossos corações a confiança e a alegria de saber que, em Vós, podemos
atravessar os precipícios do medo e da infidelidade.
Fazei que,
instruídos por Pedro, todos os vossos discípulos sejam as testemunhas do olhar
que Vós pousais sobre as nossas quedas. Que jamais as nossas durezas ou os
nossos desesperos tornem vã a Ressurreição do vosso Filho!
Pai nosso...
Cristo morto pelos nossos pecados, Cristo ressuscitado para nossa vida,
nós Vos pedimos, tende piedade de nós.
Cuius ánimam
geméntem, / contristátam et doléntem, / pertransívit gládius.
III Estação: Jesus
e Pilatos
Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do Evangelho segundo Marcos (Mc 15,1.3.15)
Logo pela manhã, os sumos sacerdotes, com os anciãos, os mestres da Lei e todo o Sinédrio, reuniram-se e tomaram uma decisão. Levaram Jesus amarrado e o entregaram a Pilatos. (...) E os sumos sacerdotes faziam muitas acusações contra Jesus. (...) Pilatos, querendo satisfazer a multidão, soltou Barrabás, mandou flagelar Jesus e o entregou para ser crucificado.
Do Evangelho segundo Mateus (Mt 27,24)
Pilatos viu que
nada conseguia e que poderia haver uma revolta. Então mandou trazer água, lavou
as mãos diante da multidão, e disse: “Eu não sou responsável pelo sangue deste
homem. Este é um problema vosso!”.
Do Livro do Profeta Isaías (Is 53,6)
Todos nós
vagávamos como ovelhas desgarradas, cada qual seguindo seu caminho; e o Senhor
fez recair sobre ele o pecado de todos nós.
Meditação
Roma de César
Augusto, a nação civilizadora, cujas legiões se propõem como missão conquistar
os povos para lhes levar os benefícios do seu justo ordenamento.
Roma, presente
também na Paixão de Jesus na pessoa de Pilatos, o representante do Imperador, o
garante do direito e da justiça em terra estrangeira.
E, contudo, o
próprio Pilatos, que declara não encontrar qualquer culpa em Jesus, é aquele
que ratifica a sua condenação à morte. No Pretório, onde Jesus é processado, a
verdade vem à luz: a justiça dos gentios não é superior à do Sinédrio dos
judeus!
Sem dúvida este
Justo, que, por estranhos motivos, atrai sobre si os pensamentos homicidas do
coração humano, reconcilia judeus e gentios. Por agora, porém, fá-lo
tornando-os igualmente cúmplices da sua própria morte. Todavia vai chegar o
momento - antes, está perto - em que este Justo os reconciliará de outra forma,
por meio da Cruz e de um perdão que os alcançará a todos, judeus e gentios, e
juntos os curará das suas covardias e os libertará da sua violência comum.
Única condição
para se ter parte neste dom será confessar a inocência do único Inocente, Cordeiro
de Deus imolado pelo pecado do mundo; será renunciar à presunção que murmura
dentro de nós: “Eu não sou responsável pelo sangue deste homem”; será
declarar-se culpado, confiando que um amor infinito envolve a todos, judeus e
gentios, e que Deus chama a todos para se tornarem seus filhos.
Oração
Senhor, nosso
Deus, diante de Jesus entregue e condenado, nada mais sabemos fazer que
desculpar-nos e acusar os outros. Durante muito tempo nós, cristãos, atribuímos
a Israel, vosso povo, o peso da vossa condenação à morte. Durante muito tempo,
ignoramos que devíamos reconhecermo-nos todos cúmplices no pecado, para sermos
todos salvos pelo sangue de Jesus Crucificado.
Concedei-nos a
graça de reconhecer, no vosso Filho, o Inocente: o único em toda a história.
Ele que aceitou ser “feito pecado por nós” (cf. 2Cor 5,21), para que, por seu intermédio,
pudésseis reencontrar-nos a nós, humanidade recriada na inocência em que nos
criastes e na qual nos constituís vossos filhos.
Pai nosso...
“Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?” (Sl 21,2).
O quam tristis et afflícta / fuit illa benedícta / Mater Unigéniti!
IV Estação: Jesus,
rei da glória
Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do Evangelho segundo Marcos (Mc 15,16-18)
Então os
soldados o levaram para dentro do palácio, isto é, o pretório, e convocaram
toda a tropa. Vestiram Jesus com um manto vermelho, teceram uma coroa de
espinhos e a puseram em sua cabeça. E começaram a saudá-lo: “Salve, rei dos
judeus!”.
Do Livro do Profeta Isaías (Is 53,2-4)
Não tinha beleza nem atrativo para o olharmos, não tinha aparência que
nos agradasse. Era desprezado como o último dos mortais, homem coberto de
dores, cheio de sofrimentos; passando por ele, tapávamos o rosto; tão desprezível
era, não fazíamos caso dele. A verdade é que ele tomava sobre si nossas
enfermidades e sofria, ele mesmo, nossas dores; e nós pensávamos fosse um
chagado, golpeado por Deus e humilhado!
Meditação
Banalidade do
mal. São inúmeros os homens, as mulheres e até as crianças abusados,
humilhados, torturados, assassinados, sob todas as dimensões do céu e em cada
momento da história.
Sem buscar
proteção na condição divina que lhe é própria, Jesus integra-se no terrível
cortejo dos sofrimentos que o homem inflige ao homem. Conhece o abandono dos
humilhados e dos mais desvalidos.
Mas, que ajuda
nos pode dar o sofrimento de mais um inocente?
Aquele que é um
de nós é, antes de tudo, o Filho predileto do Pai, que vem cumprir toda a
justiça com a sua obediência.
E, de repente,
todos os sinais se invertem. Eis que as palavras e os gestos de zombaria dos
seus torturadores nos desvendam - ó paradoxo absoluto! - a verdade insondável:
a verdadeira e única realeza, manifestada como um amor que nada mais quis saber
senão a vontade do Pai e o seu desejo que todos os homens se salvem.
“Sacrifício e oblação não quisestes... e então eu vos disse: ‘Eis que venho!’. Sobre
mim está escrito no livro: ‘Com prazer faço a vossa vontade’” (Sl 39,7.8).
Proclama-o esta
hora de Sexta-feira Santa: há apenas uma glória neste mundo e no próximo, a
glória de conhecer e cumprir a vontade do Pai. Nenhum de nós pode aspirar a uma
dignidade maior do que ser filho n’Aquele que, por nós, se fez obediente até à
morte de cruz.
Oração
Senhor, nosso
Deus, nós vos pedimos: neste dia santo que leva a cumprimento a revelação,
derrubai os ídolos em nós e no nosso mundo. Vós conheceis o seu poder sobre as
nossas mentes e os nossos corações.
Derrubai em nós
as figuras enganadoras do sucesso e da glória.
Derrubai em nós
as imagens que sempre reaparecem de um Deus à medida dos nossos pensamentos, um
Deus distante, tão diferente do rosto revelado na Aliança e que se manifesta
hoje em Jesus, para além de toda a previsão, acima de toda a esperança. Ele que
confessamos como o “esplendor da vossa glória” (Hb 1,3).
Fazei que
entremos na alegria eterna, que nos faz aclamar, em Jesus vestido de púrpura e
coroado de espinhos, o rei da glória que é cantado no Salmo: “Ó portas,
levantai vossos frontões! Elevai-vos bem mais alto, antigas portas, a fim de
que o rei da glória possa entrar!” (Sl
23,9).
Pai nosso...
Ó portas,
levantai vossos frontões! Elevai-vos bem mais alto, antigas portas, a fim de
que o rei da glória possa entrar! (Sl 23,9).
Quae moerébat et
dolébat, / pia Mater, dum vidébat / Nati poenas ínclyti.
V Estação: Jesus
carrega a cruz
Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do Livro das Lamentações (Lm 1,12)
Ó vós todos que
passais pelo caminho, parai um instante e vede se há dor igual à minha dor, que
o Senhor me reservou e com que me aflige no dia de sua indignação.
Do Livro dos Salmos (Sl 145,5.7-8.9)
É feliz todo homem que busca seu auxílio no Deus de Jacó, e que põe no Senhor a esperança... É o Senhor quem liberta os cativos. O Senhor abre os olhos aos cegos o Senhor faz erguer-se o caído... É o Senhor quem protege o estrangeiro. Ele ampara a viúva e o órfão.
Meditação
Ao longo do duro caminho do Gólgota, Jesus não carregou a cruz como um troféu! Não se parece nada com os heróis da nossa fantasia que abatem, triunfantes, os seus inimigos malvados. Passo a passo
foi caminhando, o corpo sempre mais pesado e mais lento. Sentiu a sua carne
ferida pelo madeiro do suplício, as pernas enfraquecidas sob a carga.
De geração em
geração, a Igreja meditou sobre este caminho marcado por tropeços e quedas.
Jesus cai,
levanta-se; depois cai de novo, retoma o caminho desgastante, provavelmente sob
os golpes dos guardas que o escoltam, porque é assim que são tratados,
maltratados, os condenados neste mundo.
Aquele que fez
levantar os corpos do leito, endireitar a mulher encurvada, arrancar do leito
de morte a filha de Jairo, pôs de pé tantos aflitos, ei-lo hoje afundado no pó.
O Altíssimo está
caído por terra.
Fixemos o olhar
em Jesus. Através d’Ele, o Altíssimo ensina-nos - lição incrível! - que é ao
mesmo tempo o mais Humilde, pronto a descer até nós, e ainda mais abaixo se
necessário, para que ninguém se perca nas profundezas da própria miséria.
Oração
Senhor, nosso
Deus, vós desceis nas profundezas da nossa noite, sem pôr limites à vossa
humilhação, porque é nela que alcançais a terra, frequentemente ingrata, por
vezes devastada, das nossas vidas.
Nós vos
suplicamos: fazei que a vossa Igreja possa testemunhar que, em vós, o Altíssimo
e o mais Humilde são um único rosto. Concedei-lhe a graça de levar, a todos
aqueles que caem, a boa-nova do Evangelho: não há queda que possa subtrair-se à
vossa misericórdia; não há perda, nem abismo de tal forma profundo onde vós não
possais reencontrar quem se extraviou.
Pai nosso...
Eis que venho, Senhor, com prazer faço a vossa vontade (Sl 39,8).
Quis est homo qui non fleret, / Matrem Christi si vidéret / in tanto supplício?
VI Estação: Jesus
e Simão de Cirene
Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,26)
Enquanto levavam
Jesus, pegaram certo Simão, de Cirene, que voltava do campo, e impuseram-lhe a
cruz para carregá-la atrás de Jesus.
Do Evangelho segundo Mateus (Mt 25,37-39)
“Senhor, quando
foi que te vimos com fome e te demos de comer? Com sede e te demos de beber? Quando
foi que te vimos como estrangeiro e te recebemos em casa, e sem roupa e te vestimos?
Quando foi que te vimos doente ou preso, e fomos te visitar?”.
Meditação
Jesus tropeça ao
longo do caminho, os ombros esmagados sob o peso da cruz. Mas é preciso
avançar, caminhar mais e mais, porque a meta da tropa que pressiona Jesus é o
Gólgota, o sinistro “Lugar da Caveira”, fora das muralhas da cidade.
Naquele momento
passa por ali um homem, de braços robustos. Parece alheio aos acontecimentos do
dia. Está regressando a casa, desconhecendo totalmente a história do rabi Jesus, quando se vê recrutado pelos
guardas para levar a cruz.
Que terá ele
sabido do condenado impelido pelos guardas para o suplício? Que poderia
conhecer d’Aquele que “já não tinha aspecto humano”, como o servo desfigurado
de Isaías (Is 52,14).
Da sua surpresa,
talvez de uma recusa inicial, da compaixão que o tocou, nada nos é dito. O
Evangelho conservou apenas a recordação do seu nome: Simão, originário de
Cirene. Porém o Evangelho quis trazer até nós o nome deste líbio e o seu gesto
humilde de ajuda, nomeadamente para nos ensinar que, ao aliviar as dores due m
condenado à morte, Simão aliviou a dor de Jesus, o Filho de Deus, que cruzou a
sua estrada na condição de escravo que assumira por nós, que assumira por ele,
para a salvação do mundo. Sem que ele o soubesse.
Oração
Senhor, nosso
Deus, nos revelastes que, em cada pobre que está nu, preso, sedento, sois vós
que nos apareceis, e sois vós que nós acolhemos, visitamos, vestimos, saciamos:
“Eu era estrangeiro e me recebestes em casa; estava nu e me vestistes; estava doente
e cuidastes de mim; estava na prisão e fostes me visitar” (Mt 25,35-36). Mistério do vosso encontro
com a nossa humanidade! Assim vindes ter com cada homem! Ninguém está excluído
deste encontro, se aceitar ser homem de compaixão.
Nós vos
apresentamos, como uma oferta santa, todos os gestos de bondade, hospitalidade
e dedicação que dia a dia são feitos neste mundo. Dignai-vos reconhecê-los como
a verdade da nossa humanidade, que fala mais alto que todos os gestos de
rejeição e de ódio. Dignai-vos abençoar os homens e as mulheres de compaixão
que vos dão glória, mesmo que não saibam ainda pronunciar o vosso nome.
Pai nosso...
Cristo morto pelos nossos pecados, Cristo ressuscitado para nossa
vida, nós vos pedimos, tende piedade de nós.
Quis non posset
contristári / Christi Matrem contemplári / doléntem cum Fílio?
VII Estação: Jesus
e as filhas de Jerusalém
Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,27-28.31)
Seguia-o uma
grande multidão do povo e de mulheres que batiam no peito e choravam por ele.
Jesus, porém, voltou-se e disse: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim!
Chorai por vós mesmas e por vossos filhos! (...) Porque, se fazem assim com a
árvore verde, o que não farão com a árvore seca?”.
Meditação
O pranto que
Jesus confia às filhas de Jerusalém como uma obra de compaixão, esse pranto das
mulheres nunca falta neste mundo.
Desce
silenciosamente pelas faces das mulheres. E ainda mais vezes, provavelmente, de
forma invisível, no seu coração, como as lágrimas de sangue de que fala
Catarina de Sena.
Não que as
lágrimas estejam reservadas às mulheres, como se a sua sorte fosse a de chorar,
passivas e impotentes, dentro de uma história que só os homens deveriam
escrever.
Na verdade, os
seus lamentos são também, e antes de tudo, todos aqueles que elas recolhem,
longe de todo o olhar e de toda a celebração, em um mundo onde há muito para se
chorar. Pranto das crianças aterrorizadas, dos feridos nos campos de batalha
que invocam uma mãe, pranto solitário dos doentes e dos moribundos no limiar do
desconhecido. Pranto de desvario, que corre pela face deste mundo que foi
criado, no primeiro dia, para lágrimas de alegria, na exultação comum do homem
e da mulher.
Etty Hillesum,
mulher forte de Israel, que se manteve de pé na tempestade da perseguição
nazista e que defendeu até ao último momento a bondade da vida, nos sugere ao
ouvido este segredo que ela intuiu no fim da sua estrada: há lágrimas para
consolar no rosto de Deus, quando chora pela miséria dos seus filhos. No
inferno que submerge o mundo, ela ousa rezar a Deus: “Procurarei ajudar-te”,
diz-lhe. Audácia tão feminina e tão divina!
Oração
Senhor, nosso
Deus, Deus de ternura e de compaixão, Deus cheio de amor e fidelidade,
ensinai-nos, nos nossos dias felizes, a não desprezar as lágrimas dos pobres
que clamam por vós e que nos pedem ajuda. Ensinai-nos a não passar indiferentes
junto deles. Ensinai-nos a ter a coragem de chorar com eles. Ensinai-nos
também, na noite dos nossos sofrimentos, das nossas solidões e das nossas decepções,
a ouvir a palavra de graça que vós nos revelastes na montanha: “Bem-aventurados
os que choram, porque serão consolados” (Mt 5,4).
Pai nosso...
Cristo morto pelos nossos pecados, Cristo ressuscitado para nossa
vida, nós vos pedimos, tende piedade de nós.
Pro peccátis suae
gentis / vidit Iésum in torméntis, / et flagéllis súbditum.
VIII Estação: Jesus
é despojado das suas vestes
Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do Evangelho segundo João (Jo 19,23)
Depois que
crucificaram Jesus, os soldados repartiram a sua roupa em quatro partes, uma
parte para cada soldado. Quanto à túnica, esta era tecida sem costura, em peça
única de alto a baixo.
Do Livro de Jó (Jó 1,21)
“Nu eu saí do
ventre de minha mãe e nu voltarei para lá”.
Meditação
O corpo
humilhado de Jesus acaba desnudado. Exposto aos olhares de escárnio e desprezo.
O corpo de Jesus, coberto de chagas e destinado ao suplício extremo da
crucifixão. Humanamente falando, que mais se poderia fazer senão baixar os
olhos para não aumentar a sua desonra?
Mas o Espírito
vem em ajuda da nossa confusão. Ensina-nos a compreender a linguagem de Deus, a
linguagem da kenosis, este
abaixamento de Deus para nos alcançar onde estamos. É esta linguagem de Deus
que nos fala o teólogo ortodoxo Christos Yannaras: “Linguagem da kenosis: Jesus menino nu na
manjedoura; despojado no rio enquanto recebe o batismo como um servo; suspenso
na árvore da cruz, nu, como um malfeitor. Através de tudo isso, Ele manifestou
o seu amor por nós”.
Entrando neste
mistério de graça, podemos voltar a abrir os olhos sobre o corpo martirizado de
Jesus. Então começamos a vislumbrar o que os nossos olhos não podem ver: a sua
nudez refulge a mesma luz que irradiavam as suas vestes no momento da
Transfiguração.
Luz que afugenta
todas as trevas.
Luz irresistível
do amor levado até ao extremo.
Oração
Senhor, nosso
Deus, colocamos diante dos vossos olhos a multidão imensa dos homens que sofrem
a tortura, a massa assustadora dos corpos maltratados, tremendo de angústia ao aproximarem-se
os golpes, agonizantes em abismos miseráveis.
Nós vos
suplicamos, acolhei o seu gemido.
O mal deixa-nos
sem voz nem ajuda.
Mas vós sabeis o
que nós não sabemos. Sabeis encontrar uma saída no caos e na escuridão do mal.
Sabeis fazer brilhar, já na Paixão do vosso Filho predileto, a vida da Ressurreição.
Aumentai em nós
a fé!
Nós vos
apresentamos também a loucura dos torturadores e de quem os comanda.
Também esta nos
deixa sem palavras... senão para vos suplicar e implorar, por entre lágrimas,
com as palavras da oração que nos ensinastes: “Livrai-nos do mal!”.
Pai nosso...
Cristo morto pelos nossos pecados, Cristo ressuscitado para nossa
vida, nós vos pedimos, tende piedade de nós.
Eia, Mater, fons
amóris / me sentíre vim dolóris / fac, ut tecum lúgeam.
IX Estação: Jesus
é crucificado
Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,33-34)
Quando chegaram
ao lugar chamado “Calvário”, ali crucificaram Jesus e os malfeitores: um à sua
direita e outro à sua esquerda. Jesus dizia: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem
o que fazem!”.
Do Livro do Profeta Isaías (Is 53,5)
A punição a ele
imposta era o preço da nossa paz; por suas chagas fomos curados.
Meditação
Verdadeiramente
Deus está lá onde não deveria estar!
O Filho
predileto, o Santo de Deus, é aquele corpo exposto em uma cruz de infâmia,
abandonado à desonra, no meio de dois malfeitores. Homem das dores, de quem nos
afastamos; para falar verdade, como nos afastamos de muitos seres humanos
desfigurados que cruzam as nossas estradas.
O Verbo de Deus,
em quem tudo foi criado, não passa de uma carne muda e sofredora. A crueldade
da nossa humanidade assanhou-se contra Ele, e venceu.
Sim, Deus está
lá onde não deveria estar, mas onde nós precisamos tanto que esteja!
Viera para
partilhar conosco a sua vida. “Tomai!”, disse Ele sem cessar enquanto oferecia
a sua cura aos doentes, o seu perdão aos corações transviados, o seu corpo na
ceia pascal.
Mas viu-se caído
em nossas mãos, em território de morte e violência: a violência que nos deixa
atônitos na atualidade do mundo; e a que se insinua em cada um. Bem o sabiam os
monges assassinados em Tibhrine, que, à prece “Desarmai-os!”, acrescentavam a
súplica: “Desarmai-nos!”.
Era necessário
que a doçura de Deus visitasse o nosso inferno; era a única maneira de nos
livrar do mal.
Era necessário
que Jesus Cristo trouxesse a ternura infinita de Deus até ao coração do pecado
do mundo.
Era necessário
isto para que a morte, colocada perante a vida de Deus, recuasse e caísse, como
um inimigo que encontrou alguém mais forte do que ele, e desaparece no nada.
Oração
Senhor, nosso
Deus, acolhei o nosso louvor silencioso.
Como os reis que
ficam boquiabertos diante da obra do Servo revelada pela profecia de Isaías (cf. Is
52,15), assim permanecemos estupefatos diante do Cordeiro imolado pela nossa vida
e pela vida do mundo; e confessamos que, pelas vossas chagas, fomos curados. “Que
poderei retribuir ao Senhor Deus, por tudo aquilo que ele fez em meu favor? (...)
oferto um sacrifício de louvor, invocando o nome santo do Senhor” (Sl 115,12.17).
Pai nosso...
Cristo morto pelos nossos pecados, Cristo ressuscitado para nossa
vida, nós vos pedimos, tende piedade de nós.
Fac, ut árdeat
cor meum / in amándo Christum Deum / ut sibi compláceam.
X Estação: Jesus
é escarnecido na cruz
Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,35-39; 4,3.9-11)
Os chefes
zombavam, dizendo: “A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o
Cristo de Deus, o Escolhido!”. Os soldados também caçoavam dele;
aproximavam-se, ofereciam-lhe vinagre, e diziam: “Se és o rei dos judeus,
salva-te a ti mesmo!”. Acima dele havia um letreiro: “Este é o Rei dos Judeus.”
Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo: “Tu não és o Cristo?
Salva-te a ti mesmo e a nós!”.
“Se és Filho de
Deus, manda que esta pedra se mude em pão”. (...) “Se és Filho de Deus,
atira-te daqui abaixo! Porque a Escritura diz: ‘Deus ordenará aos seus anjos
(...) e eles te levarão nas mãos”.
Meditação
Não poderia
Jesus ter descido da cruz? Dificilmente ousamos pôr-nos esta pergunta:
porventura não a põe o Evangelho na boca dos ímpios?
E todavia ela
persegue-nos, na medida em que nós ainda fazemos parte do mundo da tentação,
que Jesus enfrentou durante aqueles quarenta dias no deserto, prelúdio e início
do seu ministério: “Se és Filho de Deus, diz a esta pedra que se torne pão,
atira-Te abaixo do pináculo do templo, porque Deus vela por quem é seu
amigo”. Mas, na medida em que, batizados na Morte e Ressurreição de Jesus
Cristo, o seguimos no seu caminho, os desafios do Maligno já não têm poder
sobre nós, ficam reduzidos a nada, a sua mentira é desvendada.
Descobre-se
então a imperiosa necessidade daquele “era necessário” (Lc 24,26) que Jesus ensina com paciência
e ardor àqueles que caminhavam pela estrada de Emaús.
“Era necessário”
que Cristo entrasse nesta obediência e nesta impotência, para nos alcançar na
impotência a que nos reduziu a nossa desobediência.
Começamos,
assim, a entender que “só o Deus sofredor pode salvar”, como escrevia o pastor
Dietrich Bonhoeffer poucos meses antes de morrer assassinado, quando,
experimentando até ao fundo o poder do mal, pôde resumir, em tal verdade
simples e vertiginosa, a profissão de fé cristã.
Oração
Senhor nosso
Deus, quem nos livrará das ciladas do poder segundo o mundo? Quem nos livrará
da tirania das mentiras, que nos fazem exaltar os poderosos e, por nossa vez,
correr atrás das falsas glórias?
Só vós podeis
converter os nossos corações.
Só vós podeis
fazer-nos amar as sendas da humildade.
Só vós... que
nos revelais que não há vitória senão no amor, e tudo o resto não passa de
palha que o vento leva, miragem que desaparece face à vossa verdade.
Nós vos pedimos,
Senhor: dissipai as mentiras que aspiram a reinar nos nossos corações e no
mundo.
Fazei-nos viver
segundo os vossos caminhos, para que o mundo reconheça o poder da Cruz.
Pai nosso...
“Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?” (Sl 21,2).
Sancta Mater,
istud agas, / Crucifíxi fige plagas / cordi meo válide.
XI Estação: Jesus
e sua Mãe
Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do Evangelho segundo João (Jo 19,25-27)
Perto da cruz de Jesus estavam, de pé, a sua mãe, a irmã da sua mãe,
Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o
discípulo que ele amava, disse à mãe: “Mulher, este é o teu filho”. Depois
disse ao discípulo: “Esta é a tua mãe”. Daquela hora em diante, o discípulo a
acolheu consigo.
Jesus encontra sua Mãe no caminho do Calvário |
Meditação
Maria, também ela,
chegou ao fim do caminho. Ei-la chegada àquele dia de que falava o velho
Simeão. Quando levantara com seus braços trêmulos o Menino, e a sua ação de
graças se prolongou em palavras misteriosas, que entrelaçavam conjuntamente
drama e esperança, dor e salvação.
“Este menino -
proclamara - vai ser causa tanto de queda como de reerguimento para muitos em
Israel. Ele será um sinal de contradição. Assim serão revelados os pensamentos
de muitos corações. Quanto a ti, uma espada te traspassará a alma” (Lc 2,34-35).
Já a visita do
anjo tinha feito ressoar no seu coração o anúncio incrível: Deus escolhera a
sua vida para fazer desabrochar a novidade prometida a Israel, “o que os olhos
não viram, os ouvidos não ouviram” (1Cor 2,9; cf. Is 64,3).
E ela consentira naquele projeto divino, que começou transformado a sua carne e
que, depois, levaria por caminhos imprevisíveis o Filho nascido do seu ventre.
Durante os dias
tão comuns de Nazaré, depois, no tempo da vida pública, quando houve
necessidade de dar espaço a outra família, a dos discípulos, aqueles estranhos
que Jesus fazia seus irmãos, irmãs, mães, ela conservara estas coisas no seu
coração. Tinha-as confiado à grande paciência da sua fé.
Hoje é o tempo
da realização. A lâmina que perfurou o lado do Filho perfura também o seu coração.
Também Maria mergulha na confiança sem apoio, na qual Jesus vive profundamente
a obediência ao Pai.
De pé, ela não
deserta. Stabat Mater. Na
escuridão, mas com a certeza de que Deus mantém as promessas. Na escuridão, mas
com a certeza de que Jesus é a promessa e o seu cumprimento.
Oração
Maria, Mãe de
Deus e mulher da nossa raça, tu que nos geras maternamente n’Aquele que
geraste, sustenta em nós a fé nas horas tenebrosas, ensina-nos a esperança
contra toda a esperança.
Guarda a Igreja
inteira em uma vigilância fiel, como foi a tia fidelidade, humildemente dócil
aos desígnios de Deus, que nos atraem para onde não pensaríamos em ir; que nos
associam, para além de todas as previsões, à obra da salvação.
Pai nosso...
Salve, Rainha, mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa,
salve.
Tui Nati
vulneráti, / tam dignáti pro me pati, / poenas mecum dívide.
XII Estação: Jesus
morre na cruz
Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do Evangelho segundo João (Jo 19,28-30.33-35)
Jesus disse: “Tenho sede”. Havia ali uma jarra cheia de vinagre.
Amarraram em uma vara uma esponja embebida de vinagre e levaram-na à boca de
Jesus. Ele tomou o vinagre e disse: “Tudo está consumado. E, inclinando a
cabeça, entregou o espírito. (...) Ao se aproximarem de Jesus, e vendo que já
estava morto, não lhe quebraram as pernas; mas um soldado abriu-lhe o lado com
uma lança, e logo saiu sangue e água. Aquele que viu, dá testemunho e seu
testemunho é verdadeiro; e ele sabe que fala a verdade, para que vós também
acrediteis.
Meditação
Agora tudo está
consumado. A tarefa de Jesus está concluída. Saíra do Pai para a missão da
misericórdia. Esta foi cumprida com uma fidelidade levada até ao extremo do
amor. Tudo está consumado. Jesus entrega o seu espírito nas mãos do Pai.
É verdade que,
aparentemente, tudo parece cair no silêncio da morte que desce sobre o Gólgota
e as três cruzes lá erguidas. Neste dia da Paixão que está para terminar, quem
passa por aquele caminho que pode compreender senão a derrota de Jesus, o
colapso de uma esperança que havia encorajado a muitos, consolado os pobres,
erguido os humilhados, dando a entender aos discípulos que chegara o tempo em
que Deus realizaria as promessas anunciadas pelos profetas? Tudo isto parecia
perdido, destruído, caído por terra.
No meio de tanta
decepção, porém, o evangelista João faz-nos fixar os olhos em um pequeno
detalhe, detendo-se nele com solenidade: água e sangue escorrem do peito do
Crucificado. Ó maravilha! A ferida aberta pela lança do soldado permite passar
água e sangue que nos falam de vida e de nascimento.
A mensagem é
extremamente discreta, mas muito eloquente para os corações que têm um pouco de
memória. Do corpo de Jesus brota a fonte que o profeta viu sair do Templo. A
fonte que cresce e se torna um rio pujante, cujas águas curam e fecundam tudo
aquilo que tocam à sua passagem. Não definira Jesus, um dia, o seu corpo como o
novo templo? E o “sangue da aliança” acompanha a água. Não falara Jesus da sua
carne e do seu sangue como alimento para a vida eterna?
Oração
Senhor Jesus,
nestes dias sagrados do Mistério Pascal, renovai em nós a alegria do nosso
Batismo.
Contemplando a
água e o sangue que escorrem do vosso peito, ensinai-nos a reconhecer de que
fonte é gerada a nossa vida, de que amor está edificada a vossa Igreja, para
qual esperança nos escolhestes e enviastes a partilhar com o mundo.
Aqui está a
fonte de vida que lava todo o universo, jorrando da chaga de Cristo. O nosso
Batismo seja para nós a única glória, numa ação de graças cheia de admiração.
Pai nosso...
O Cordeiro
imolado é digno de receber o poder e a riqueza, a sabedoria e a força, a honra,
a glória e o louvor pelos séculos dos séculos (Ap 5,12).
Vidit suum
dulcem Natum, moriéndo desolátum, / dum emísit spíritum.
XIII Estação: Jesus
é descido da cruz
Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,53)
José de
Arimateia desceu o corpo da cruz, enrolou-o em um lençol e colocou-o em um
túmulo escavado na rocha, onde ninguém ainda tinha sido sepultado.
Meditação
Gestos de
ternura e consideração pelo corpo profanado e humilhado de Jesus. Encontram-se
ao pé da cruz alguns homens e mulheres. José, natural de Arimateia, homem “bom
e justo” (Lc 23,50), que
pede o corpo a Pilatos, como refere São Lucas; Nicodemos, aquele que fora ter
com Jesus de noite, acrescenta São João; e algumas mulheres que, obstinadamente
fiéis, observam.
A meditação da
Igreja quis juntar-lhes a Virgem Maria, também ela muito provavelmente presente
naquele momento.
Maria, Mãe de
piedade, que recebe nos seus braços o corpo nascido da sua carne e que,
ternamente, discretamente, acompanhou no decorrer dos anos, como sempre cuida
do próprio filho uma mãe.
Agora o corpo
que ela recolhe é imenso, como a sua dor, como a nova criação que tem origem da
Paixão de amor que atravessou o coração do filho e da mãe.
Agora, no grande
silêncio que desceu depois dos gritos dos soldados, das zombarias dos
transeuntes e dos rumores da crucificação, os gestos são apenas de doçura, de
respeitosa carícia. José desce o corpo, que se abandona entre os seus braços.
Envolve-o em um lençol, depõe-no dentro em um sepulcro inteiramente novo, que
no jardim, ao lado, aguardava o seu hóspede.
Jesus é
arrancado das mãos dos seus assassinos. Agora, na morte, encontra-se entre as
mãos da ternura e da compaixão.
A violência dos
homens homicidas recuou para muito longe. Voltou, ao lugar do suplício, a
doçura.
Doçura de Deus e
daqueles que lhe pertencem, os mansos de coração a quem Jesus prometeu um dia
que haveriam de possuir a terra. Doçura vinda da criação e do homem à imagem de
Deus. Doçura do fim, quando todas as lágrimas forem enxugadas, quando o lobo
habitar com o cordeiro, porque o conhecimento de Deus terá chegado a toda
a carne (cf. Is 11,6.9).
Cântico a Maria
Não chores mais,
Maria! O teu filho, nosso Senhor, adormeceu na paz. E o seu Pai, na glória,
abre as portas da vida!
Alegra-te,
Maria! Jesus ressuscitado venceu a morte!
Pai nosso...
Eu me deito e
adormeço bem tranquilo; acordo em paz, pois o Senhor é meu sustento (Sl 3,6).
Fac me tecum pie
flere, / Crucifíxo condolére, / donec ego víxero.
XIV Estação: Jesus
no sepulcro e as mulheres
Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,55-56)
As mulheres, que
tinham vindo da Galileia com Jesus, foram com José, para ver o túmulo e como o
corpo de Jesus ali fora colocado. Depois voltaram para casa e prepararam perfumes
e bálsamos. E, no sábado, elas descansaram, conforme ordenava a Lei.
Meditação
As mulheres
foram-se embora. Aquele que tinham acompanhado, caminhando tenazes e solícitas
pelas estradas da Galileia, já não está aí. Por companhia, nesta tarde, Ele não
lhes deixa senão a visão que nelas se gravou do seu túmulo e do lençol onde
descansa agora. Recordação pobre e preciosa de dias ardorosos que se foram.
Solidão e silêncio. Aproxima-se aliás o shabbat,
que convida Israel a cessar o trabalho, como Deus o cessou quando completou a
criação, realizada sob a sua bênção.
Hoje se trata de
outra coisa que é levada a cumprimento, por ora oculta e impenetrável. Shabbat, dia em que devem
permanecer imóveis, no recolhimento do coração e da memória velada pelas lágrimas.
E também preparando os perfumes e aromas com que prestarão a sua última
homenagem ao corpo d’Ele, amanhã, bem de madrugada.
Mas, com aquele
gesto, preparam-se apenas para embalsamar a sua esperança? E se Deus tivesse
preparado para a sua solicitude uma resposta que elas não podem sequer prever,
imaginar, intuir: a descoberta de um túmulo vazio... o anúncio de que Ele já
não está ali, porque despedaçou as portas da morte?
Oração
Senhor, nosso
Deus, dignai-vos ver e abençoar todos os gestos das mulheres que honram, neste
mundo, a fragilidade dos corpos que elas circundam de doçura e consideração.
E a nós, que vos
acompanhamos ao longo deste caminho de amor até ao fim, dignai-vos guardar-nos,
com as mulheres do Evangelho, na oração e na esperança que sabemos
correspondidas pela Ressurreição de Jesus, que a vossa Igreja se prepara para
celebrar no júbilo da Noite Pascal.
Pai nosso...
A Vós o louvor e
a honra, a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Amém (cf. Ap 5,13-14; 7,12).
Quando corpus moriétur, / fac, ut ánimae donétur / Paradísi glória.
Amen.
Oração do Papa
Francisco: Ó Cristo, deixado sozinho e traído...
Bênção Apostólica
Anne-Marie Pelletier |
Fonte: Santa Sé.
Para acessar outros modelos de meditações, confira nossa postagem sobre a história da Via Sacra presidida pelo Papa no Coliseu.
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