Visita Pastoral a Matera
Concelebração Eucarística na conclusão do XXVII Congresso Eucarístico Nacional
Homilia do Papa Francisco
Estádio XXI de setembro, Matera
Domingo, 25 de setembro de 2022
O
Senhor nos reúne em torno da sua mesa, fazendo-se pão para nós: «É o pão da festa
sobre a mesa os filhos, (...) cria partilha, reforça os vínculos, tem gosto de
comunhão» (Hino do XVII Congresso
Eucarístico Nacional, Matera 2022). No entanto, o Evangelho que acabamos de
ouvir (Lc 16,19-31) nos diz que nem
sempre o pão é partilhado sobre a mesa do mundo: isto é verdade; nem sempre
emana o perfume da comunhão; nem sempre é partido na justiça.
Fará bem determo-nos diante da cena dramática descrita por Jesus nesta parábola que ouvimos: de um lado, um rico vestido de púrpura e de linho fino, que ostenta a sua opulência e banqueteia com fartura; do outro lado, um pobre, coberto de chagas, que jaz junto à porta esperando que caiam da mesa algumas migalhas com as quais se alimentar. Diante desta contradição - que vemos todos os dias -, diante desta contradição nos preguntamos: a que nos convida o sacramento da Eucaristia, fonte e ápice da vida do cristão?
Antes
de tudo, a Eucaristia nos recorda o
primado de Deus. O rico da parábola não está aberto à relação com Deus: pensa
somente em seu próprio bem-estar, em satisfazer as suas necessidades, em
disfrutar a vida. E com isto perdeu até o nome. O Evangelho não diz como se
chamava, o nomeia com o adjetivo - “um rico” -; ao contrário, do pobre diz o
nome: Lázaro. As riquezas te levam a isto, te despojam até mesmo do nome.
Satisfeito consigo mesmo, embriagado pelo dinheiro, aturdido pela vaidade, na
sua vida não há lugar para Deus, porque ele adora apenas a si mesmo. Não é por
acaso que não se diz o seu nome: o chamamos “rico”, o definimos apenas com um
adjetivo porque perdeu o seu nome, perdeu a sua identidade, que lhe é dada
apenas pelos bens que possui. Como é triste também hoje esta realidade, quando
confundimos aquilo que somos com aquilo que temos, quando julgamos as pessoas pela
riqueza que possuem, pelos títulos que ostentam, pelos papéis que desempenham ou
pela marca de roupa que vestem. É a religião do ter e do aparecer, que com
frequência domina o cenário deste mundo, mas no final nos deixa de mãos vazias:
sempre. A este rico do Evangelho, com efeito, não lhe resta nem o nome. Já não
é nada. Ao contrário, o pobre tem um nome, Lázaro, que significa “Deus ajuda”. Mesmo
na sua condição de pobreza e de marginalização, ele conservou íntegra a sua
dignidade, porque vive em relação com Deus. Em seu próprio nome há algo de Deus
e Deus é a esperança inquebrantável da sua vida.
Eis
aqui o desafio permanente que a Eucaristia oferece à nossa vida: adorar a Deus e
não a si mesmo, não a nós mesmos. Colocar Deus no centro e não a vaidade do
próprio eu. Recordar que só o Senhor é Deus e tudo o mais é dom do seu amor.
Porque se adoramos a nós mesmos, morremos na asfixia do nosso pequeno eu; se
adoramos as riquezas deste mundo, essas se apoderam de nós e nos tornam escravos;
se adoramos o deus da aparência e nos embriagamos no desperdício, cedo ou tarde
a própria vida nos pedirá contas. A vida sempre nos pede contas. Quando, ao
contrário, adoramos o Senhor Jesus presente na Eucaristia, recebemos um novo olhar
também sobre nossa vida: eu não sou as coisas que possuo nem os sucessos que
consigo alcançar; o valor da minha vida não depende do quanto possa exibir nem
diminui quando encontro fracassos e falhas. Eu sou um filho amado, cada um de nós
é um filho amado; eu sou abençoado por Deus; Ele quis revestir-me de beleza e
me quer livre, me quer livre de toda escravidão. Recordemos isto: quem adora
Deus não se torna escravo de ninguém: é livre. Redescubramos a oração de adoração,
uma oração frequentemente esquecida. Adorar, a oração de adoração: redescubramo-la;
ela nos liberta e nos restitui nossa dignidade de filhos, não de escravos.
Além
do primado de Deus, a Eucaristia nos chama ao amor pelos irmãos. Este Pão é por excelência o Sacramento do amor. É
Cristo que se oferece e se parte por nós e nos pede que façamos o mesmo, para
que nossa vida seja trigo moído e se torne pão que alimenta os irmãos. O rico do
Evangelho fracassa nesta tarefa; vive na opulência, banqueteia abundantemente,
sem perceber o grito silencioso do pobre Lázaro, que jaz exausto à sua porta.
Só no fim da vida, quando o Senhor inverte os destinos, finalmente percebe
Lázaro, mas Abraão lhe diz: «Há um grande abismo entre nós» (Lc 16,26). Mas tu o cavaste, tu mesmo.
Somos nós, que em nosso egoísmo contemplamos desde o abismo. Foi o rico que
cavou o abismo entre ele e Lázaro durante sua vida terrena e agora, na vida
eterna, esse abismo permanece. Porque nosso futuro eterno depende desta vida
presente: se cavamos agora um abismo entre nós e os irmãos e irmãs, “cavamos nossa
própria tumba” para depois; se levantamos agora muros contra nossos irmãos e irmãs,
ficaremos depois presos na solidão e na morte.
Queridos
irmãos e irmãs, é doloroso ver que esta parábola é ainda a história de nossos
dias: as injustiças, as desigualdades, os recursos da terra distribuídos de
modo iníquo, os abusos dos poderosos contra os débeis, a indiferença diante do
grito dos pobres, o abismo que cavamos cada dia gerando marginalização: todas
estas coisas não podem deixar-nos indiferentes. Hoje, juntos, reconheçamos que
a Eucaristia é profecia de um mundo novo, é a presença de Jesus que pede que
nos comprometamos para que ocorra uma efetiva conversão: conversão da indiferença
à compaixão, conversão do desperdício à partilha, conversão do egoísmo ao amor,
conversão do individualismo à fraternidade.
Irmãos
e irmãs, sonhemos. Sonhemos uma Igreja assim: uma Igreja eucarística, formada por mulheres e homens que se partem
como pão para todos aqueles que mastigam a solidão e a pobreza, para aqueles que
estão famintos de ternura e de compaixão, para aqueles cuja vida está
desmoronando porque lhes falta o bom fermento da esperança. Uma Igreja que se ajoelha
diante da Eucaristia e adora com admiração o Senhor presente no pão; mas que sabe
também inclinar-se com compaixão e ternura diante das feridas de quem sofre, aliviando
os pobres, enxugando as lágrimas de quem sofre, fazendo-se pão de esperança e de
alegria para todos. Porque não existe verdadeiro culto eucarístico sem compaixão
por tantos “Lázaros” que ainda hoje caminham ao nosso lado. Tantos!
Irmãos,
irmãs, desta cidade de Matera, “cidade do pão”, quero dizer-vos: retornemos a
Jesus, retornemos à Eucaristia. Retornemos ao sabor do pão, porque enquanto
estamos famintos de amor e de esperança, ou estamos partidos pelas fadigas e pelos
sofrimentos da vida, Jesus se faz alimento que nos sacia e nos cura. Retornemos
ao sabor do pão, porque enquanto continuam a consumar-se no mundo a injustiça e
a discriminação dos pobres, Jesus nos dá o Pão da partilha e nos envia cada dia
como apóstolos de fraternidade, apóstolos de justiça, apóstolos de paz. Retornemos
ao sabor do pão para sermos uma Igreja eucarística, que coloca Jesus no centro
e se faz pão de ternura, pão de misericórdia para todos. Retornemos ao sabor do
pão para recordar que, enquanto se consome esta nossa existência terrena, a Eucaristia
nos antecipa a promessa da ressurreição e nos guia para a vida nova que vence a
morte.
Pensemos
hoje seriamente no rico e em Lázaro. Isto acontece todos os dias. E muitas vezes
também - envergonhemo-nos - acontece em nós, esta luta, entre nós, na comunidade.
E quando a esperança se apaga e sentimos em nós a solidão do coração, o cansaço
interior, o tormento do pecado, o medo de não conseguir, retornemos então ao sabor
do pão. Todos somos pecadores: cada um de nós carrega os próprios pecados. Mas,
pecadores, retornemos ao sabor da Eucaristia, ao sabor do pão. Retornemos a
Jesus, adoremos Jesus, acolhamos Jesus. Porque Ele é único que vence a morte e sempre
renova a nossa vida.
Tradução nossa a partir do original italiano divulgado no site da Santa Sé.
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