quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Deus Pai 10

Uma vez que “a paternidade e a filiação divinas estão em estreita correlação”, dentro de suas Catequeses sobre Deus Pai o Papa São João Paulo II dedicou duas reflexões à Pessoa do Filho (nn. 16-17).

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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM DEUS PAI

16. O Filho
João Paulo II - 30 de outubro de 1985

1. “Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso... Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai...”.
Com estas palavras do Símbolo Niceno-Constantinopolitano, expressão sintética dos Concílios de Niceia e Constantinopla, que explicitaram a doutrina trinitária da Igreja, nós professamos a fé no Filho de Deus.
Aproximamo-nos assim ao mistério de Jesus Cristo, o qual também hoje, como nos séculos passados, interpela e interroga aos homens com as suas palavras e com as suas obras. Os cristãos, animados pela fé, mostram-lhe amor e devoção. Mas não faltam mesmo entre os não-cristãos aqueles que sinceramente o admiram.
Onde, pois, reside o segredo da atração que Jesus de Nazaré exerce? A busca da plena identidade de Jesus Cristo ocupou desde as origens o coração e a inteligência da Igreja, que o proclama Filho de Deus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.

2. Deus, que repetidamente falou “pelos profetas” e ultimamente “por meio do Filho”, como diz a Carta aos Hebreus (Hb 1,1-2),  revelou-se como Pai de um Filho eterno e consubstancial. Jesus, por sua vez, revelando a paternidade de Deus, deu a conhecer também a sua filiação divina. A paternidade e a filiação divinas estão em estreita correlação dentro do mistério de Deus uno e trino. “Porque uma é a Pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo; mas uma só é a divindade do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, igual a glória e co-eterna a majestade... O Filho não foi feito, nem criado, mas gerado pelo Pai” (Símbolo Atanasiano ou “Quicumque”).

O Filho Unigênito (Viktor Vasnetsov)

3. Jesus de Nazaré, que exclama: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos”, afirma em seguida com solenidade: “Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11,25.27).
O Filho, que veio ao mundo para “revelar o Pai” assim como Ele o conhece, revelou ao mesmo tempo a Si mesmo como Filho, assim como é conhecido só pelo Pai. Tal revelação estava sustentada pela consciência com a qual, já na adolescência, Jesus fez notar a Maria e a José que “devia ocupar-se das coisas do seu Pai” (cf. Lc 2,49). A sua palavra reveladora foi além disso validada pelo testemunho do Pai, especialmente em circunstâncias decisivas, como durante o Batismo no Jordão, quando os presentes ouviram a voz misteriosa: “Este é o meu Filho amado, no qual Eu me agrado” (Mt 3,17), ou como durante a Transfiguração sobre o monte (cf. Mc 9,7).

4. A missão de Jesus Cristo, de revelar o Pai manifestando-se como Filho, não estava isenta de dificuldades. Ele devia, com efeito, superar os obstáculos derivados da mentalidade estritamente monoteísta dos ouvintes, formada através do ensinamento do Antigo Testamento na fidelidade à tradição, a qual remontava a Abraão e a Moisés, e na luta contra o politeísmo. Nos Evangelhos, especialmente no de João, encontramos muitos traços desta dificuldade que Jesus Cristo soube superar com sabedoria, apresentando com suma pedagogia aqueles sinais de revelação aos quais se deixaram abrir os discípulos bem dispostos.
Jesus falava aos seus ouvintes de modo claro e inequívoco: “O Pai, que me enviou, dá testemunho em meu favor” (Jo 8,18). E à pergunta: “Onde está o teu Pai?”, respondia: “Vós não conheceis nem a mim, nem a meu Pai. Se conhecêsseis a mim, conheceríeis também a meu Pai...” (v. 19). “Eu falo do que vi junto do Pai...” (v. 38). Aos ouvintes, pois, que o objetavam: “Temos um só Pai, Deus...”, Ele rebatia: “Se Deus fosse vosso Pai, certamente me amaríeis, pois é da parte de Deus que Eu saí e vim... foi Ele que me enviou... Em verdade, em verdade vos digo: Antes que Abraão existisse, Eu sou” (vv. 42.58).

5. Cristo diz: “Eu sou”, assim como séculos antes, aos pés do monte Horeb, Deus havia dito a Moisés, que lhe preguntava o seu nome: “Eu sou Aquele que sou” (cf. Ex 3,14). As palavras de Cristo: “Antes que Abraão existisse, Eu sou”, provocaram a reação violenta dos ouvintes que “procuravam matá-lo, porque não somente violava o sábado, mas também dizia que Deus era seu Pai, fazendo-se igual a Deus” (Jo 5,18). Jesus, com efeito, não se limitava a dizer: “Meu Pai trabalha até agora, e Eu também trabalho” (Jo 5,17), mas inclusive proclamava: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30).
Nos dias dramáticos que concluem a sua vida, Jesus é arrastado ao tribunal do Sinédrio, onde o próprio Sumo Sacerdote lhe dirige a pergunta-imputação: “Eu te conjuro, pelo Deus vivo, que nos digas se tu és o Cristo, o Filho de Deus” (Mt 26,63). Jesus responde: “Tu o disseste” (v. 64).
A tragédia se consuma e contra Jesus é pronunciada a sentença de morte.
Cristo, revelador do Pai e revelador de Si mesmo como Filho do Pai, é morto porque até o fim deu testemunho da verdade sobre sua filiação divina.
Com o coração cheio de amor nós queremos repetir-lhe também hoje, com o Apóstolo Pedro, o testemunho da nossa fé: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16).

17. O Filho, Deus-Verbo
João Paulo II - 06 de novembro de 1985

1. Na Catequese anterior consideramos como Jesus Cristo, revelador do Pai, manifestou ao mesmo tempo a Si mesmo como Filho consubstancial ao Pai.
Baseando-se no testemunho dado por Cristo, a Igreja professa e anuncia a sua fé em Deus-Filho com as palavras do Símbolo Niceno-Constantinopolitano: “Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai...”.
Esta é uma verdade de fé anunciada pela própria palavra de Cristo, selada com seu sangue derramado na Cruz, ratificada por sua Ressurreição, atestada pelo ensinamento dos Apóstolos e transmitida pelos escritos do Novo Testamento.
Cristo afirma: “Antes que Abraão existisse, Eu sou” (Jo 8,58). Não diz: “Eu era”, mas “Eu sou”, isto é, desde sempre, em um eterno presente. O Apóstolo João, no Prólogo do seu Evangelho, escreve: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Tudo foi feito por meio dele, e sem ele nada foi feito de tudo o que foi feito” (Jo 1,1-3) [1]. Portanto, aquele “antes de Abraão”, no contexto da polêmica de Jesus com os herdeiros da tradição de Israel, que apelavam a Abraão, significa: “muito antes de Abraão”, e se ilumina nas palavras do Prólogo do quarto Evangelho: “No princípio estava com Deus”, isto é, na eternidade que é própria só de Deus: na eternidade comum com o Pai e com o Espírito Santo. Com efeito, o Símbolo Atanasiano ou “Quicumque proclama: “E nesta Trindade não há nem mais antigo nem menos antigo, nem maior nem menor, mas, as três Pessoas são coeternas e iguais entre si”.

2. Segundo o Evangelho de João, o Filho-Verbo estava no princípio com Deus, e o Verbo era Deus (cf. Jo 1,1-2). Encontramos o mesmo conceito no ensinamento apostólico.  Com efeito, lemos na Carta aos Hebreus que Deus constituiu o Filho “herdeiro de todas as coisas e pelo qual também criou o universo. Ele é o resplendor da glória do Pai, a expressão do seu ser. Ele sustenta todas as coisas com sua palavra poderosa” (Hb 1,2-3). E Paulo, na Carta aos Colossenses, escreve: “Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação” (Cl 1,15).
Portanto, segundo o ensinamento apostólico, o Filho é da mesma natureza do Pai, dado que é o Deus-Verbo. Neste Verbo e por meio d’Ele tudo foi feito, foi criado o universo. Antes da criação, antes do início de “todas as coisas visíveis e invisíveis”, o Verbo tem em comum com o Pai o Ser eterno e a Vida divina, sendo “resplendor da sua glória” e “expressão do seu ser” (cf. Hb 1,3). Neste Princípio sem princípio o Verbo é o Filho, porque é eternamente gerado pelo Pai. O Novo Testamento nos revela este mistério, para nós incompreensível, de um Deus que é Uno e Trino: eis que, na unidade ontológica e absoluta da sua essência, Deus é eternamente e sem princípio,, o Pai que gera o Verbo e o Filho, gerado como Verbo do Pai.

3. Esta eterna geração do Filho é uma verdade de fé proclamada e definida pela Igreja muitas vezes (não só em Niceia e em Constantinopla, mas também em outros Concílios, por exemplo, no IV Concílio Lateranense de 1215), perscrutada e também explicada pelos Padres e pelos teólogos, naturalmente enquanto a inescrutável realidade de Deus pode ser captada com nossos conceitos humanos, sempre inadequados. Esta explicação é resumida no Catecismo do Concílio de Trento, que sentencia muito exatamente: “é tão grande a infinita fecundidade de Deus que, conhecendo a Si mesmo, gera o Filho idêntico e igual”.
Com efeito, é certo que esta geração eterna em Deus é de natureza absolutamente espiritual, porque “Deus é Espírito” (cf. Jo 4,24). Por analogia com o processo gnosiológico da mente humana, pelo qual o homem, conhecendo-se, produz uma imagem de si mesmo, uma ideia, um “conceito”, isto é, uma “ideia concebida”, que do latino “verbum é chamada muitas vezes “verbo interior”, nós ousamos pensar na geração do Filho, o “conceito” eterno e Verbo interior de Deus. Deus, conhecendo a Si mesmo, gera o Verbo-Filho, que é Deus como o Pai. Neste gerar, Deus é ao mesmo tempo Pai, como Aquele que gera, e Filho, como Aquele que é gerado, na suprema identidade da Divindade, que exclui uma pluralidade de “deuses”. O Verbo é o Filho da mesma natureza do Pai e é com Ele o Deus único da revelação do Antigo e do Novo Testamento.

4. Tal exposição do mistério da vida íntima de Deus, inescrutável para nós, está contida em toda a tradição cristã. Se a geração divina é verdade de fé, contida diretamente na Revelação e definida pela Igreja, podemos dizer que a explicação que dela dão os Padres e Doutores da Igreja é uma doutrina teológica bem fundada e segura.
Mas com ela não podemos pretender eliminar as obscuridades que envolvem, diante da nossa mente, Aquele que “habita em uma luz inacessível” (1Tm 6,16). Precisamente porque o intelecto humano não está em condição de compreender a Essência divina, não pode penetrar no mistério da vida íntima de Deus. Com particular razão se pode aplicar aqui a frase: “Se o compreendes, não é Deus”.
E, no entanto, a Revelação nos faz conhecer os termos essenciais do mistério, nos dá sua enunciação e nos faz saboreá-lo muito acima de toda compreensão comum, na expectativa e em preparação para a visão celeste. Cremos, pois, que “o Verbo era Deus” (Jo 1,1), “se fez carne e habitou entre nós” (v. 14), e “a quantos o receberam, deu-lhes poder de se tornarem filhos de Deus” (v. 12). Cremos no Filho “Unigênito, que está no seio do Pai” (v. 18), e que, deixando a terra, prometeu “preparar-nos um lugar” (Jo 14,2) na glória de Deus, como filhos adotivos e seus irmãos (cf. Rm 8,15; Gl 4,5; Ef 1,5).

Ícone de Jesus Cristo como o Emmanuel,
Filho Unigênito do Pai

Nota:
[1] A tradução da Bíblia publicada pela CNBB, que estamos utilizando nestas postagens, usa “Palavra” ao invés de “Verbo”. Porém, uma vez que São João Paulo II se refere ao “Verbo”, utilizamos este termo [Nota do autor deste blog].

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (30 de outubro e 06 de novembro de 1985).

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