quinta-feira, 23 de abril de 2020

O rito do Ressurrexit na Missa de Páscoa no Vaticano

A Missa do dia de Páscoa celebrada pelo Papa na Praça de São Pedro possui uma particularidade litúrgica que remonta à Idade Média, foi olvidada por alguns séculos e enfim retomada há vinte anos, na Páscoa do ano 2000. Trata-se do rito do Ressurrexit, a veneração da imagem do Ressuscitado pelo Sucessor de Pedro no início da Missa do Domingo da Ressurreição.

O rito do Ressurrexit na Idade Média

No século XII, como testemunham os Ordines Romani XI e XII, na manhã de Páscoa o Papa se dirigia à capela de São Lourenço no Latrão, junto da Catedral de Roma, chamado também de Sancta Sanctorum (“Santo dos santos”, uma vez que a capela abrigava várias relíquias), para venerar a imagem acheropita do Salvador.

Sancta Sanctorum

A palavra acheropita significa “não feito pela mão humana”, uma vez que se atribuía uma origem miraculosa ao ícone. Este tem sua origem no Oriente, remontando ao menos ao século VIII. Representa a imagem completa de Cristo, sentado em um trono, em tamanho quase natural. O Papa Inocêncio III (1199-1216) cobriu o ícone com um revestimento de prata, à exceção do rosto e de uma porta à altura dos pés, onde a imagem podia ser beijada.

Na capela de São Lourenço, na manhã de Páscoa, o Papa revestia os paramentos para a Missa até a dalmática. Então se aproximava da imagem, abria a pequena porta e beijava os pés do Salvador, dizendo três vezes: Surrexit Dominus de sepulchro (O Senhor ressuscitou do sepulcro), ao que todos respondiam: Qui pro nobis pependit in ligno. Alleluia (Aquele que por nós pendeu do lenho. Aleluia).

Após isso o Papa sentava-se na sede. Os Cardeais aproximavam-se da imagem, beijavam-lhe os pés e iam até o Papa para saudar-lhe. O Papa dizia: Surrexit Dominus vere (O Senhor ressuscitou verdadeiramente), ao qual se respondia: Et apparuit Simoni (E apareceu a Simão). Enquanto isso, o coro entoava algumas antífonas adequadas.

Imagem acheropita do Salvador

Após todos venerarem o ícone, o Papa revestia a casula, o pálio e a mitra e ia a cavalo até a Basílica de Santa Maria Maior para celebrar a Missa.

O rito do Ressurrexit hoje

Este rito caiu em desuso com a mudança da sede do Papa de Roma para Avignon no século XIV. O rito só foi retomado na Páscoa do Grande Jubileu do ano 2000, no pontificado de João Paulo II, desta vez transladando o ícone até a Praça de São Pedro.

De 2000 a 2006 foi usado o histórico ícone da Idade Média. A partir de 2007, porém, passou a ser utilizado um novo ícone, na forma de um tríptico, cujo simbolismo apresentamos no final desta postagem.

O rito foi também simplificado: durante a procissão de entrada, sem beijar o altar, o Papa dirige-se à frente do altar, ao lado do qual é colocado o ícone fechado. Um diácono entoa então um duplo Aleluia, repetido pela assembleia, seguido da antífona: Surrexit Dominus de sepulcro, qui pro nobis pependit in ligno (O Senhor ressuscitou do sepulcro, Aquele que por nós pendeu do lenho), ao qual a assembleia responde com o Aleluia.


Em seguida, o diácono entoa a segunda antífona: Surrexit Dominus vere et apparuit Simoni (O Senhor ressuscitou verdadeiramente e apareceu a Simão), respondida novamente com o Aleluia, enquanto outros dois diáconos abrem as duas portas do ícone, mostrando-o ao Papa.

Este se dirige então ao altar, o qual venera e incensa. Passando diante da imagem, o Papa a incensa igualmente. A partir daqui, a Missa de Páscoa prossegue como de costume.


O anúncio da Ressurreição recorda aqui a figura de Pedro como primeira testemunha do evento. Ele é o primeiro dos Apóstolos a entrar no sepulcro (Lc 24,12; Jo 20,3-10) e é aclamado pelos Onze como testemunha: “É verdade! O Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!” (Lc 24,34). Como Sucessor de Pedro, o Papa é o primeiro chamado a testemunhar a Ressurreição diante de toda a Igreja.

O novo ícone de Cristo Ressuscitado

O novo ícone do Salvador utilizado para o rito do Ressurrexit é um tríptico. No centro encontramos a imagem de Cristo sentado ao trono, feita por um artista georgiano. A imagem recorda o tríplice múnus de Cristo: sacerdote (na estola pendente do ombro), profeta (tendo o livro da Escritura na mão) e rei (com o nimbo com três pedras preciosas).

Ainda na imagem central temos a inscrição em grego de um texto petrino sobre a Ressurreição: “Em virtude da Ressurreição de Jesus Cristo, o qual está à direita de Deus” (1Pd 3,21d-22a).

As duas portas laterais, com quatro quadros cada, obra de um grupo de artistas romanos, representam as oito afirmações de um texto paulino sobre a Ressurreição: “Cristo morreu... segundo as Escrituras (1), foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia (2), apareceu a Cefas (3), e depois aos Doze (4), apareceu a mais de quinhentos irmãos (5), apareceu a Tiago (6) e depois a todos os Apóstolos (7). Por último apareceu também a mim (8)” (1Cor 15,3-8).

O novo ícone do Salvador

O querigma dos dois Apóstolos “romanos” é assim oferecido à contemplação do Papa e de todos os fiéis, resplandecendo a beleza do Mistério Pascal.

Fontes:

RIGHETTI, Mario. Historia de la Liturgia, v. I: Introducción general; El año litúrgico; El Breviario. Madrid: BAC, 1945, pp. 836-837.

UFFICIO DELLE CELEBRAZIONI LITURGICHE DEL SOMMO PONTEFICE. Domenica di Pasqua: Messa del Giorno celebrata dal Santo Padre Benedetto XVI (Libretto della celebrazione). 12.04.2009.

UFFICIO DELLE CELEBRAZIONI LITURGICHE DEL SOMMO PONTEFICE. Surrexit Dominus vere et apparuit Simoni: Il rito del Resurrexit nella domenica di Pasqua.

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