“Toda a evangelização
está fundada sobre a Palavra de Deus escutada, meditada, vivida, celebrada e
testemunhada” (Diretório para a Catequese, n. 283).
Estamos nos encaminhando para a conclusão da nossa série de
postagens sobre o novo Diretório para a Catequese,
publicado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização em 23
de março de 2020 [1].
Na postagem anterior analisamos sob a perspectiva da
Liturgia, dos sacramentos e da piedade popular as primeiras seis seções do Capítulo VIII. Agora concluiremos com suas últimas três seções, além
de analisarmos o Capítulo IX e o início do Capítulo X.
Capítulo VIII: A
catequese na vida das pessoas
8.7 Catequese com migrantes (nn. 273-276)
A sétima e a oitava seções do capítulo VIII estão dedicadas
ao fenômeno da migração. Aqui é preciso distinguir dois termos: migrante ou imigrante é aquele que se desloca do seu local de origem,
considerado do ponto de vista do local de chegada; enquanto emigrante refere-se à mesma pessoa,
porém considerada desde seu país de origem.
O Diretório
refere-se primeiramente aos migrantes ou imigrantes, termo que, do ponto de
vista do Brasil, podemos aplicar aos estrangeiros que vieram para o nosso país.
No n. 274 se exorta a promover uma pastoral dos migrantes “prestando atenção especial a responder às suas exigências espirituais através da catequese, da Liturgia e da celebração dos sacramentos”. O mesmo parágrafo exorta a formar as comunidades para acolher os migrantes, dando-lhe a conhecer “algumas formas características da fé, da Liturgia e da devoção dos migrantes, do que pode nascer uma experiência da catolicidade da Igreja”.
Papa Francisco celebra Missa com migrantes no Vaticano |
O parágrafo n. 275 continua na mesma linha, indicando que “seria
injusto acrescentar aos muitos desenraizamentos que eles [os migrantes] já experimentaram
também a perda de seus ritos e de sua
identidade religiosa”.
Considerando a realidade brasileira, não precisamos entender
aqui apenas as migrações recentes, mas também aquelas que aconteceram há várias
gerações. Italianos, alemães, poloneses, ucranianos, são chamados a preservar a
sua identidade religiosa, que também faz parte do grande tesouro da Igreja.
Além disso, como indica o n. 276, alguns desses migrantes
pertencem às “diversas Igrejas sui iuris com sua própria tradição
teológica, litúrgica e espiritual”. O termo “Igreja sui iuris” (Igreja com direito próprio) refere-se às 23 Igrejas Católicas Orientais, comunidades em perfeita comunhão com a Igreja Católica que
conservam suas próprias tradições litúrgicas (Ritos Bizantino, Alexandrino, Antioqueno
ou Siríaco Ocidental, Caldeu ou Siríaco Oriental e Armênio). Não confundir com
as Igrejas Ortodoxas, que não estão em comunhão com a Igreja Católica.
Como vimos na 5ª parte dessa série, no Brasil há quatro
Igrejas Católicas Orientais: Greco-Católica Ucraniana, Greco-Melquita, Maronita
e Armênia.
8.8 Catequese com emigrantes (nn. 277-278)
Na sequência, o Diretório
considera a Catequese com os emigrantes, que do ponto de vista do Brasil são os
brasileiros residentes no exterior.
O n. 278 trata do regresso dos emigrantes por um breve
período de tempo ao seu local de origem, que “muitas vezes coincide com as
festividades locais tradicionais, frequentemente caracterizadas por animadas manifestações de piedade popular”.
O mesmo parágrafo indica como proceder nesses casos quando
os emigrantes pedem os sacramentos, reforçando que sua recepção requer a
adequada preparação:
“É comum, em tais ocasiões, os pedidos [dos emigrantes] para
celebrar alguns sacramentos para si ou
para os filhos, em virtude do desejo de condividir essa alegria com os entes
queridos. Convém reiterar que a recepção
dos sacramentos requer uma preparação catequética (Código de Direito Canônico, cân. 851; 889; 913-914; 1063), que preferencialmente
deve ser garantida nos países de emigração e de cuja subsistência o pároco
deverá se certificar, inclusive solicitando a devida documentação. Caso
contrário, ele providenciará a oferta da preparação necessária” (n. 278).
8.9 Catequese com pessoas marginalizadas (nn. 279-282)
Por fim, o capítulo VIII se conclui com o tema da Catequese das pessoas marginalizadas. No n. 280, citando a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Papa Francisco, o Diretório recorda que “a pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual; por isso, a opção preferencial pelos pobres deve traduzir-se, principalmente, em uma solicitude religiosa privilegiada e prioritária” (Evangelii Gaudium, n. 200).
O Papa Francisco lava os pés de detentos da Penitenciária de Roma |
Algumas interpretações equivocadas infelizmente “tornam os pobres ainda mais pobres”, privando-lhes da dimensão da fé e reduzindo o anúncio do Evangelho ao ativismo social. Claro que também não podemos cair no outro extremo e pregar uma fé “alienada”, desvinculada da realidade concreta.
Os últimos dois parágrafos dessa seção refletem sobre a Catequese no cárcere. Indicando que essa Catequese deve centrar-se no “querigma da salvação em Cristo” e, através do anúncio da Palavra de Deus e da acolhida fraterna, pode conduzir, através de um processo de conversão, à recepção dos “sacramentos da iniciação cristã” (n. 282).
TERCEIRA PARTE: A CATEQUESE NAS IGREJAS PARTICULARES
Capítulo IX: A
comunidade cristã, sujeito da catequese
Com o capítulo IX inicia-se a Terceira e última parte do Diretório, “A Catequese nas Igrejas Particulares”, que traz algumas orientações sobre o anúncio da Palavra de Deus nas realidades concretas.
9.1 A Igreja e o ministério da Palavra de Deus (nn. 283-289)
O capítulo IX trata do anúncio da Palavra de Deus em vários
“níveis”: a Igreja, as Dioceses, as Paróquias... Essa primeira seção trata da
missão de anunciar a Palavra confiada a toda a Igreja, missão esta unida sempre
à celebração dos sacramentos:
“Deus quis reunir sua
Igreja em torno de sua Palavra para alimentá-la com o Corpo e Sangue de seu
Filho. (...) ‘A Igreja funda-se sobre a Palavra de Deus, nasce e vive dela.
Ao longo de todos os séculos da sua história, o povo de Deus encontrou sempre
nela a sua força, e também hoje a comunidade eclesial cresce na escuta, na celebração e no estudo da Palavra de
Deus’ (Papa Bento XVI, Exortação Apostólica Verbum
Domini, n. 03). (...) ‘Toda a evangelização está fundada sobre a Palavra de Deus escutada, meditada, vivida,
celebrada e testemunhada. A Sagrada Escritura é fonte da evangelização’ (Papa
Francisco, Exortação Apostólica Evangelii
Gaudium, n. 174)” (n. 283);
“‘No dinamismo da evangelização, aquele que acolhe o Evangelho como Palavra que salva, normalmente o
traduz depois em atitudes sacramentais’ (Papa Paulo VI, Exortação
Apostólica Evangelii Nuntiandi, n. 23).
Nesse sentido, superada a contraposição entre palavra e sacramento,
compreende-se que o ministério da Palavra também é indispensável ao ministério
dos sacramentos. Santo Agostinho escreve que « nasce-se no Espírito mediante a
palavra e o sacramento» (Tratado sobre o
Evangelho de João, 12,5). Seu entrelaçamento alcança a máxima eficácia na Liturgia,
sobretudo na Celebração Eucarística, que revela o significado sacramental da Palavra de Deus. ‘Palavra e Eucaristia
correspondem-se tão intimamente que não podem ser compreendidas uma sem a
outra: a Palavra de Deus se faz carne, sacramentalmente, no evento eucarístico.
A Eucaristia abre-nos à inteligência da Sagrada Escritura, como essa, por sua
vez, ilumina e explica o Mistério Eucarístico’ (Verbum Domini, n. 55)” (n. 286).
Jesus envia os Apóstolos em missão: "Ide pelo mundo, anunciai o Evangelho, batizai..." (cf, Mt 28,19-20) |
9.2 As Igrejas Orientais (nn. 290-292)
O Diretório volta
a falar aqui das Igrejas Católicas Orientais, que vimos acima, destacando seus
“ritos litúrgicos, tradições
eclesiásticas e disciplina de vida cristã” (n. 290), que remontam aos Apóstolos
e aos Padres da Igreja. Citando o Código
de Cânones das Igrejas Orientais (cân. 621, 2) o Diretório exorta que nas
suas propostas catequéticas “resplandeçam
a importância da Bíblia e da Liturgia, e as tradições da própria Igreja sui iuris na patrologia, na
hagiografia e na própria iconografia”.
Merece destaque o parágrafo n. 291, que trata da íntima relação entre Liturgia e Catequese
nas Igrejas Orientais. Todo o parágrafo é uma citação da Instrução para a aplicação das prescrições litúrgicas do Código dos
Cânones das Igrejas Orientais (n. 30), promulgada pela Congregação para as
Igrejas Orientais (1996):
“Reitera-se que, no Oriente, assim como hoje se recomenda
também na Igreja ocidental, a catequese
não pode ser dissociada da Liturgia, uma vez que é nesta, como mistério de
Cristo celebrado in actu, que aquela
tem sua inspiração. Esse é o método adotado por não poucos Padres da Igreja na
formação dos fiéis. Ela se exprime em catequese para os catecúmenos e mistagogia ou catequese mistagógica para os iniciados nos Mistérios divinos.
Desse modo, os fiéis são continuamente guiados à alegre redescoberta da Palavra
e da Morte e Ressurreição de seu Senhor, a que o Espírito do Pai lhes introduziu.
A partir da compreensão do que vão celebrar e da assimilação de quanto
celebraram, colhe-se um projeto de vida: a mistagogia é, portanto, o conteúdo
da sua existência redimida, santificada, no caminho da divinização e, enquanto
tal, é fundamento da espiritualidade e da moral. Recomenda-se, portanto, que,
concretamente, os percursos da catequese
de cada uma das Igrejas orientais católicas tenham como ponto de partida as próprias
e específicas celebrações litúrgicas” (n. 291).
Como já afirmado no n. 143, o n. 292 exorta que todos os que
se dedicam à missão catequética sejam “instruídos
e formados a respeito dos ritos e das normas práticas em matérias inter-rituais,
especialmente nos locais de um mesmo território em que existem diversas Igrejas
sui iuris (cf. Decreto Orientalium Ecclesiarum,
n. 04)”.
Exorta-se de maneira ainda mais veemente que “os fiéis
cristãos de toda Igreja sui iuris
(...) sejam cuidadosamente formados no
conhecimento e na veneração do rito da
sua Igreja, segundo a importância do ofício, ministério ou encargo que exercem”
(cf. Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. 41).
9.3 As Igrejas particulares (nn. 293-297)
A terceira seção do capítulo é dedicada às Igrejas
Particulares, isto é, às Dioceses e outras circunscrições eclesiásticas
equivalentes (como as Prelazias, por exemplo).
Na Igreja Particular está presente e atua a Igreja, Una,
Santa, Católica e Apostólica (cf.
Decreto Christus Dominus, n. 11), uma
vez que nela “estão presentes as estruturas constitutivas da Igreja: o
Evangelho, os Sacramentos, o
episcopado, que assistido pelo presbitério preside o cuidado pastoral” (n.
293).
Na Igreja Particular estão todos os meios de salvação
deixados por Cristo (cf. Evangelii
Gaudium, n. 30): é “por seu intermédio que as pessoas entram em contato com
uma comunidade, escutam a Palavra de Deus, tornam-se cristãos com o Batismo e
se reúnem para a assembleia eucarística
que, presidida pelo Bispo, é a principal manifestação da Igreja (cf. Constituição Sacrosanctum Concilium, n. 41)” (n. 294).
9.4 As paróquias (nn. 298-303)
Embora a “epifania” da Igreja seja a Diocese, é
principalmente na paróquia que chegam às pessoas os “meios de salvação: dentre estes, os principais são a Palavra de Deus, o Batismo e a Eucaristia”
(n. 298). Com efeito, “a paróquia está fundada sobre uma realidade teológica,
pois ela é uma comunidade eucarística” (João Paulo II, Exortação Apostólica Christifideles Laici, n. 26). A
Eucaristia celebrada, por sua vez, como “vínculo de caridade, impulsiona à
solicitude para com os mais pobres” (n. 298).
O Diretório exorta
a que as paróquia estejam “fundadas sobre os pilares da Palavra de Deus, dos sacramentos e da caridade”, em
torno dos quais se organiza toda uma “rede de serviços, ministérios e carismas”
(n. 299). Como vimos em postagens anteriores dessa série, a tríade Palavra,
sacramentos e caridade remete ao tríplice múnus de Cristo, profeta, sacerdote e
rei-pastor, do qual todos participamos pelo Batismo.
9.5 As associações, os movimentos e os grupos de fiéis (nn. 304-308)
9.6 A escola católica (nn. 309-312)
9.7 O ensino da religião católica na escola (nn. 313-318)
Capítulo X: A
catequese diante dos cenários culturais contemporâneos
10.1 Catequese em contextos de pluralismo e complexidade (nn. 319-342)
Dado que as últimas três seções do capítulo IX não possuem
referências à Liturgia, concluímos esta penúltima parte da nossa série
iniciando a primeira seção do capítulo X, dedicada ao diálogo entre Catequese e
cultura contemporânea.
A primeira referência à Liturgia nessa seção encontra-se no
par de parágrafos dedicados ao contexto
rural (nn. 329-330). Infelizmente falta uma reflexão sobre esse tema nos
parágrafos dedicados ao contexto urbano (nn.
326-328). A relação entre Liturgia e realidade urbana poderia ser abordada, por
exemplo, refletindo sobre a importância de uma “diaconia” (serviço, ministério)
da acolhida em nossas comunidades.
Não obstante, alguns valores do contexto rural são propostos
também para a cidade, incluindo a acolhida: “a simplicidade e a sobriedade no
estilo de vida, o acolhimento e a solidariedade nas relações sociais, o sentido
do trabalho e da festa, a salvaguarda da Criação” (n. 330).
Especificamente sobre a Liturgia, o Diretório indica que a
cultura agrícola está mais aberta a compreender “o ritmo cíclico do ano litúrgico” e os “elementos naturais assumidos pela Liturgia” (n. 330).
Com efeito, as grandes celebrações do Ano Litúrgico estão
diretamente ligadas ao ciclo da natureza: a Páscoa na primeira lua cheia da
primavera (no hemisfério norte), o Natal próximo ao solstício de inverno...
Seria importante recuperar também as “Quatro Têmporas”, celebrações em ação
de graças pela passagem das quatro estações, associadas aos tempos do plantio
e da colheita.
Também os símbolos litúrgicos são diretamente ligados à
natureza. A Catequese é convidada a ajudar a nossa cultura cada vez mais urbana
a não perder de vista o seu sentido: a água, o fogo, o pão e o vinho, “frutos
da terra e do trabalho humano”...
[Atualização: Para acessa a décima e última parte desta série, na qual concluímos a análise dos capítulos X a XII, clique aqui]
Notas:
[1] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA
EVANGELIZAÇÃO. Diretório para a Catequese.
Brasília: Edições CNBB, 2020. Coleção: Documentos
da Igreja, 61.
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