“Não se pode
subestimar o poder da Liturgia na comunicação da fé e na introdução à
experiência de Deus” (Diretório para a Catequese, n. 372).
Desde o dia 12 de julho de 2021 temos dedicado aqui em nosso
blog uma série de postagens ao novo Diretório para a Catequese,
publicado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização no dia
23 de março de 2020 [1].
Nas postagens anteriores já analisamos o Diretório sob a
perspectiva da Liturgia, dos sacramentos e da piedade popular desde sua
Apresentação até o início do capítulo X. Nesta postagem concluiremos essa série
analisando o restante do capítulo X e os capítulos XI e XII.
Capítulo X: A
catequese diante dos cenários culturais contemporâneos
10.1 Catequese em contextos de pluralismo e complexidade (nn. 319-342)
No final da postagem anterior iniciamos a análise da primeira seção do capítulo X, dedicada ao diálogo entre Catequese e cultura
contemporânea, com os parágrafos dedicados ao contexto urbano e ao contexto
rural (nn. 326-330).
Oferta de velas em uma igreja: exemplo de piedade popular |
Na sequência, o Diretório
dedica quatro parágrafos às culturas
locais tradicionais (nn. 331-335), exortando aos catequistas que trabalham
entre os povos indígenas a:
- “empenhar-se para aprender a língua, os ritos e os
costumes indígenas, sempre mostrando grande respeito”;
- “participar dos
ritos e das celebrações, sabendo
intervir no momento oportuno para propor algumas modificações, se necessário,
especialmente se houver perigo de
sincretismo religioso”;
- “organizar a catequese por faixas etárias e celebrar os sacramentos, valorizando as
festas tradicionais” (n. 335).
Nos territórios de missão, com efeito, os catequistas podem
ser autorizados a presidir os Batismos e assistir os matrimônios (cf. Código de Direito Canônico, cân.
861. 1112).
Na sequência, o Diretório
para a Catequese dedica outros sete parágrafos ao tema da piedade popular
(336-342), que é um tema recorrente aqui em nosso blog.
A expressão “piedade popular” refere-se às práticas de culto
(orações, devoções), privadas ou comunitárias, que não são regulamentadas
diretamente pela Liturgia (como são os sacramentos, os sacramentais e a
Liturgia das Horas), mas podem e devem harmonizar-se com ela. A expressão
“religiosidade popular”, por sua vez, é mais ampla, e abrange também outras
manifestações culturais (festas populares, danças, etc).
Os parágrafos sobre a piedade popular começam destacando seu valor,
sendo um “precioso tesouro que a Igreja possui”, “fruto da inculturação da fé
do povo de Deus” (n. 336).
Esses parágrafos citam diversas vezes a Exortação Apostólica
Evangelii Gaudium do Papa Francisco,
particularmente seus nn. 122-126. Francisco, por sua vez, recorre à Exortação
Apostólica Evangelii Nuntiandi do
Papa Paulo VI e ao Documento de Aparecida
para apresentar a piedade popular como “espiritualidade encarnada na cultura
dos simples” (Diretório, n. 336),
verdadeiro “lugar teológico” (n. 338).
O n. 337 do Diretório
destaca que “a piedade popular tem um indubitável significado espiritual”, elencando na sequência uma série de
valores cristãos que ela comporta.
Capa do Documento de Aparecida (2007) |
O n. 338, por sua vez, dá alguns exemplos concretos de
práticas de piedade: “A piedade popular celebra os mistérios da vida de Jesus Cristo, sobretudo sua Paixão, reverencia
com ternura a Mãe de Deus, os mártires e
os santos, reza pelos defuntos. Exprime-se por meio da veneração de relíquias, as visitas
aos santuários, as peregrinações,
as procissões, a via-sacra, o Rosário, as medalhas e outros exercícios de piedade individuais,
familiares e comunitários”.
Em contrapartida, o n. 339 recorda que a piedade popular “também
necessita de vigilância e purificação,
porque ela está frequentemente aberta à influência de muitas deformações da
religião”: “superstições”; o culto
desvinculado da verdadeira adesão de fé, tantas vezes condenado pelos profetas
e pelo próprio Jesus; a perda do significado das devoções, que continuam a ser
praticadas apenas por tradição; a ênfase nos “aspectos emocionais e sensacionalistas dos fenômenos religiosos, às
vezes por interesses econômicos”.
Enquanto o Diretório
identifica a “doença” no n. 339, no parágrafo seguinte já propõe o “remédio”,
que pode e deve ser ministrado pela Catequese:
“A catequese terá o cuidado de apreciar a força evangelizadora das expressões da
piedade popular, integrando-as e valorizando-as em seu processo formativo e
deixando-se inspirar pela eloquência natural dos ritos e dos sinais do povo em relação
à custódia da fé e a sua transmissão de uma geração para outra. Nesse sentido,
muitas práticas de piedade popular são já um caminho traçado para a catequese.
Além disso, a catequese buscará reconduzir
algumas manifestações de piedade popular à sua raiz evangélica, trinitária,
cristológica e eclesial, purificando-as de deformações ou atitudes errôneas,
fazendo delas ocasião para um novo compromisso na vida cristã. Interpretando
com sabedoria os elementos constitutivos das práticas devocionais e
reconhecendo o valor dos aspectos preciosos, a catequese mostra sua ligação com a Escritura e a Liturgia,
especialmente com a Eucaristia dominical, de modo que elas levem a um sentido
de pertencimento eclesial mais forte, a um autêntico testemunho quotidiano e a
uma caridade efetiva para com os pobres” (n. 340).
Os últimos dois parágrafos dessa seção, por fim, dizem
respeito a duas realidades específicas dentro da piedade popular: o santuário e
a peregrinação. Aqui vale recordar os dois documentos promulgados no contexto
do Grande Jubileu do ano 2000:
Santuário Nacional de Aparecida |
Sobre os santuários, o Diretório
destaca seu “grande valor simbólico” como espaços sagrados “de descanso, de
silêncio e de contemplação” (n. 341), “lugar genuíno de evangelização, onde a
partir do primeiro anúncio até à celebração
dos mistérios sagrados se torna manifesto o poder da ação com a qual a
misericórdia de Deus age na vida das pessoas” (cf. Papa Francisco, Motu Proprio Sanctuarium in Ecclesia).
Ligada aos santuários está a “experiência da peregrinação”.
Citando o Documento de Aparecida (n.
259), o Diretório destaca que “a
decisão de caminhar em direção ao santuário já é uma confissão de fé, o
caminhar é um verdadeiro canto de esperança e a chegada é um encontro de amor”
(n. 342).
10.2 Catequese em contexto ecumênico e de pluralismo religioso (nn. 343-353)
O tema da piedade popular que, junto à Liturgia, é capaz de
falar à pessoa humana como um todo (mente, coração, sentidos), retorna na
segunda seção desse capítulo.
Após tratar o contexto ecumênico, isto é, de diálogo entre
as Igrejas cristãs (nn. 344-346) e da relação particular com o Judaísmo (nn.
347-348), o Diretório reflete sobre o
diálogo inter-religioso (nn. 349-350) e sobre a Catequese diante do fenômeno
dos “novos movimentos religiosos” (nn. 352-353).
Diante deste último, ao lado da importância da acolhida em
nossas comunidades e de uma sólida formação bíblica e doutrinal, centrada na
dimensão positiva do querigma, o Diretório exorta a Catequese a “prestar atenção aos símbolos, gestos e
ritos da Liturgia e da piedade popular, não menosprezando sua carga afetiva
que mais facilmente toca o coração da pessoa” (n. 353d).
Não menosprezar a carga afetiva da Liturgia, porém, não
significa cair no extremo do “sentimentalismo”, que infelizmente tem invadido
nossas celebrações, mas sim buscar o equilíbrio entre as várias dimensões da
pessoa humana.
10.3 Catequese em contextos socioculturais (nn. 354-393)
A última seção do capítulo X reflete, enfim, sobre a relação
da Catequese com o contexto sociocultural. Aqui nos deteremos particularmente
nos parágrafos sobre a “cultura digital”, tema que já foi abordado no capítulo
VII (nn. 213-217).
Como havíamos assinalado na respectiva postagem, o mundo
digital nos repropõe o desafio da esfinge: “Decifra-me ou devoro-te”. A Igreja
é chamada a anunciar o Evangelho no mundo digital, aprendendo sua linguagem
própria, na qual a Igreja nem sempre é “especialista”.
Os parágrafos do capítulo X dedicados à Catequese e cultura digital (nn. 359-372) aprofundam a reflexão, indicando também os limites dessa cultura digital, que às vezes quase se torna uma “pseudo-religião”. Recordemos: o virtual não pode substituir o encontro real entre as pessoas.
"Mundo digital": oportunidade e desafio |
Sobre o desafio da “inculturação no continente digital”, o Diretório destaca o “poder comunicativo”
da Liturgia e da arte sacra, que a Igreja deve adaptar às novas linguagens da
cultura digital:
“Não se pode subestimar o poder da Liturgia na comunicação da fé e na introdução à experiência de
Deus. A Liturgia compõe-se de uma pluralidade
de códigos comunicativos que apelam à interação dos sentidos (sinestesia)
para além da comunicação verbal. Porém, é
necessário redescobrir a capacidade da Liturgia, mas também da arte sacra, para
expressar os mistérios da fé” (n. 372).
A pandemia de Covid-19 só fez acelerar esse processo, com a
necessidade da transmissão on-line das celebrações litúrgicas. Porém,
precisamos aprender enquanto Igreja as possibilidades e os limites dessa forma
de comunicação, sabendo buscar também a ajuda de especialistas, fortalecendo a
Pastoral da Comunicação.
O mundo digital pode ser um
excelente veículo para uma “catequese mistagógica”, aprofundando os mistérios
da fé de maneira gradual e progressiva. Por exemplo, através de uma série de
breves vídeos sobre os ritos da Celebração Eucarística ou sobre os elementos do espaço
sagrado...
Ainda no capítulo X, nos parágrafos dedicados ao tema Catequese e opção pelos pobres (nn.
385-388), se retoma o que já havia sido afirmado no n. 298 sobre a Eucaristia
como vínculo de caridade: “Se realmente queremos encontrar Cristo, é preciso
que toquemos o seu Corpo no corpo chagado dos pobres, como resposta à comunhão sacramental recebida na Eucaristia” (n. 387).
Capítulo XI: A
catequese a serviço da inculturação da fé
O breve capítulo XI, com apenas 14 parágrafos, divide-se em
duas seções: a primeira apresenta o tema da inculturação, isto é, do diálogo da
fé com cada cultura, enquanto a segunda propõe a elaboração de Catecismos
locais, adaptados à cada contexto.
11.1 Natureza e finalidade da inculturação da fé (nn. 394-400)
O último parágrafo desta primeira seção elenca a catequese litúrgica entre os âmbitos da inculturação. Não se trata aqui de alterar o conteúdo da Liturgia, que é o mistério da fé, mas sim as linguagens com as quais se exprime o seu mistério:
“A catequese deverá saber valorizar especialmente alguns âmbitos da pastoral eclesial, nos quais é explicitamente chamada a encontrar novas linguagens e modalidades de expressão, pelas quais transpareça um estilo missionário sereno e alegre: por exemplo, o catecumenato, a iniciação cristã, a pastoral bíblica, a catequese litúrgica” (n. 400).
11.2 Os Catecismos locais (nn. 401-408)
Em relação à proposta dos Catecismos locais, que podem ser
diocesanos, regionais ou nacionais, o Diretório confia aos Bispos e
Conferências Episcopais a forma como apresentar as “quatro dimensões da vida
cristã” (n. 405) que, como vimos anteriormente (cf. nn. 72.79.144.189), são: a fé acreditada (Creio), celebrada
(Liturgia e Sacramentos), vivida (Mandamentos) e rezada (Pai-nosso).
A nota n. 165, ligada ao parágrafo 405, indica algumas
formas novas de propor essas quatro dimensões: “de acordo com os momentos da
história da salvação ou (...) com base nas virtudes teologais ou conforme os tempos do ano litúrgico”.
Capítulo XII:
Organismos a serviço da catequese
Chegamos por fim ao último capítulo do Diretório, que
apresenta quatro organismos a serviço da Catequese: a Santa Sé (através do
Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização), os Sínodos dos
Bispos e os Conselhos de Hierarcas das Igrejas Orientais, as Conferências
Episcopais e as Dioceses.
12.1 A Santa Sé (nn. 409-410)
12.2 Os Sínodos dos Bispos ou os Conselhos dos Hierarcas das Igrejas
Orientais (n. 411)
Das 23 Igrejas Católicas Orientais, 06 são regidas por um Patriarca e 04 por um Arcebispo-Maior, ajudados pelo Sínodo dos Bispos dessa Igreja,
enquanto outras 05 são regidas por um Metropolita junto a um Conselho de
Hierarcas. As outras 08 Igrejas sui juris, por serem comunidades menores, com
apenas um ou dois Bispos, estão sujeitas diretamente à Santa Sé.
As 15 Igrejas regidas pelo Sínodo dos Bispos ou Conselho de
Hierarcas podem “emanar normas sobre a instrução catequética”, “salvaguardando
o patrimônio litúrgico e teológico da própria
Igreja e levando em consideração o ensinamento da Igreja universal” (n.
411).
12.3 A Conferência Episcopal (nn. 412-415)
12.4 As dioceses (nn. 416-425)
Por fim, a última referência à Liturgia no Diretório diz
respeito à proposta de uma “comissão diocesana
de iniciação à vida cristã”, da qual podem tomar parte “a pastoral do primeiro anúncio e a
catequese, a pastoral litúrgica e a Cáritas, as associações e os movimentos
laicais. Essa comissão poderia oferecer à pastoral diocesana as diretrizes
comuns para a iniciação à vida cristã, seja na forma de catecumenato para não
batizados, seja como inspiração catecumenal da catequese para os batizados,
sendo importante que todas as propostas pastorais tenham a mesma inspiração de
fundo” (n. 421).
Conclusão (nn.
426-428)
A conclusão, embora não faça referências diretas à Liturgia,
recorda o querigma (Mistério Pascal da Morte-Ressurreição de Cristo), que é seu
núcleo fundamental: “A comunhão com
Jesus Cristo, Morto e Ressuscitado, vivo e sempre presente, é a finalidade
última de toda ação eclesial e, portanto, também da catequese” (n. 426).
Confia-se, pois, o Diretório
a “Jesus Cristo, Alfa e Ômega” (n. 427) e à Virgem Maria, “Mãe da Igreja”,
“Estrela da Nova Evangelização” (n. 428).
Notas:
[1] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA
EVANGELIZAÇÃO. Diretório para a Catequese.
Brasília: Edições CNBB, 2020. Coleção: Documentos
da Igreja, 61.
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