segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Liturgia no Diretório para a Catequese (2020) - Parte 10

“Não se pode subestimar o poder da Liturgia na comunicação da fé e na introdução à experiência de Deus” (Diretório para a Catequese, n. 372).

Desde o dia 12 de julho de 2021 temos dedicado aqui em nosso blog uma série de postagens ao novo Diretório para a Catequese, publicado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização no dia 23 de março de 2020 [1].

Nas postagens anteriores já analisamos o Diretório sob a perspectiva da Liturgia, dos sacramentos e da piedade popular desde sua Apresentação até o início do capítulo X. Nesta postagem concluiremos essa série analisando o restante do capítulo X e os capítulos XI e XII.

Capítulo X: A catequese diante dos cenários culturais contemporâneos

10.1 Catequese em contextos de pluralismo e complexidade (nn. 319-342)

No final da postagem anterior iniciamos a análise da primeira seção do capítulo X, dedicada ao diálogo entre Catequese e cultura contemporânea, com os parágrafos dedicados ao contexto urbano e ao contexto rural (nn. 326-330).

Oferta de velas em uma igreja: exemplo de piedade popular

Na sequência, o Diretório dedica quatro parágrafos às culturas locais tradicionais (nn. 331-335), exortando aos catequistas que trabalham entre os povos indígenas a:
- “empenhar-se para aprender a língua, os ritos e os costumes indígenas, sempre mostrando grande respeito”;
- “participar dos ritos e das celebrações, sabendo intervir no momento oportuno para propor algumas modificações, se necessário, especialmente se houver perigo de sincretismo religioso”;
- “organizar a catequese por faixas etárias e celebrar os sacramentos, valorizando as festas tradicionais” (n. 335).

Nos territórios de missão, com efeito, os catequistas podem ser autorizados a presidir os Batismos e assistir os matrimônios (cf. Código de Direito Canônico, cân. 861. 1112).

Na sequência, o Diretório para a Catequese dedica outros sete parágrafos ao tema da piedade popular (336-342), que é um tema recorrente aqui em nosso blog.

A expressão “piedade popular” refere-se às práticas de culto (orações, devoções), privadas ou comunitárias, que não são regulamentadas diretamente pela Liturgia (como são os sacramentos, os sacramentais e a Liturgia das Horas), mas podem e devem harmonizar-se com ela. A expressão “religiosidade popular”, por sua vez, é mais ampla, e abrange também outras manifestações culturais (festas populares, danças, etc).

Os parágrafos sobre a piedade popular começam destacando seu valor, sendo um “precioso tesouro que a Igreja possui”, “fruto da inculturação da fé do povo de Deus” (n. 336).

Esses parágrafos citam diversas vezes a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Papa Francisco, particularmente seus nn. 122-126. Francisco, por sua vez, recorre à Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi do Papa Paulo VI e ao Documento de Aparecida para apresentar a piedade popular como “espiritualidade encarnada na cultura dos simples” (Diretório, n. 336), verdadeiro “lugar teológico” (n. 338).

O n. 337 do Diretório destaca que “a piedade popular tem um indubitável significado espiritual”, elencando na sequência uma série de valores cristãos que ela comporta.

Capa do Documento de Aparecida (2007)

O n. 338, por sua vez, dá alguns exemplos concretos de práticas de piedade: “A piedade popular celebra os mistérios da vida de Jesus Cristo, sobretudo sua Paixão, reverencia com ternura a Mãe de Deus, os mártires e os santos, reza pelos defuntos. Exprime-se por meio da veneração de relíquias, as visitas aos santuários, as peregrinações, as procissões, a via-sacra, o Rosário, as medalhas e outros exercícios de piedade individuais, familiares e comunitários”.

Em contrapartida, o n. 339 recorda que a piedade popular “também necessita de vigilância e purificação, porque ela está frequentemente aberta à influência de muitas deformações da religião”: “superstições”; o culto desvinculado da verdadeira adesão de fé, tantas vezes condenado pelos profetas e pelo próprio Jesus; a perda do significado das devoções, que continuam a ser praticadas apenas por tradição; a ênfase nos “aspectos emocionais e sensacionalistas dos fenômenos religiosos, às vezes por interesses econômicos”.

Enquanto o Diretório identifica a “doença” no n. 339, no parágrafo seguinte já propõe o “remédio”, que pode e deve ser ministrado pela Catequese:

“A catequese terá o cuidado de apreciar a força evangelizadora das expressões da piedade popular, integrando-as e valorizando-as em seu processo formativo e deixando-se inspirar pela eloquência natural dos ritos e dos sinais do povo em relação à custódia da fé e a sua transmissão de uma geração para outra. Nesse sentido, muitas práticas de piedade popular são já um caminho traçado para a catequese. Além disso, a catequese buscará reconduzir algumas manifestações de piedade popular à sua raiz evangélica, trinitária, cristológica e eclesial, purificando-as de deformações ou atitudes errôneas, fazendo delas ocasião para um novo compromisso na vida cristã. Interpretando com sabedoria os elementos constitutivos das práticas devocionais e reconhecendo o valor dos aspectos preciosos, a catequese mostra sua ligação com a Escritura e a Liturgia, especialmente com a Eucaristia dominical, de modo que elas levem a um sentido de pertencimento eclesial mais forte, a um autêntico testemunho quotidiano e a uma caridade efetiva para com os pobres” (n. 340).

Os últimos dois parágrafos dessa seção, por fim, dizem respeito a duas realidades específicas dentro da piedade popular: o santuário e a peregrinação. Aqui vale recordar os dois documentos promulgados no contexto do Grande Jubileu do ano 2000:

Santuário Nacional de Aparecida

Sobre os santuários, o Diretório destaca seu “grande valor simbólico” como espaços sagrados “de descanso, de silêncio e de contemplação” (n. 341), “lugar genuíno de evangelização, onde a partir do primeiro anúncio até à celebração dos mistérios sagrados se torna manifesto o poder da ação com a qual a misericórdia de Deus age na vida das pessoas” (cf. Papa Francisco, Motu Proprio Sanctuarium in Ecclesia).

Ligada aos santuários está a “experiência da peregrinação”. Citando o Documento de Aparecida (n. 259), o Diretório destaca que “a decisão de caminhar em direção ao santuário já é uma confissão de fé, o caminhar é um verdadeiro canto de esperança e a chegada é um encontro de amor” (n. 342).

10.2 Catequese em contexto ecumênico e de pluralismo religioso (nn. 343-353)

O tema da piedade popular que, junto à Liturgia, é capaz de falar à pessoa humana como um todo (mente, coração, sentidos), retorna na segunda seção desse capítulo.

Após tratar o contexto ecumênico, isto é, de diálogo entre as Igrejas cristãs (nn. 344-346) e da relação particular com o Judaísmo (nn. 347-348), o Diretório reflete sobre o diálogo inter-religioso (nn. 349-350) e sobre a Catequese diante do fenômeno dos “novos movimentos religiosos” (nn. 352-353).

Diante deste último, ao lado da importância da acolhida em nossas comunidades e de uma sólida formação bíblica e doutrinal, centrada na dimensão positiva do querigma, o Diretório exorta a Catequese a “prestar atenção aos símbolos, gestos e ritos da Liturgia e da piedade popular, não menosprezando sua carga afetiva que mais facilmente toca o coração da pessoa” (n. 353d).

Não menosprezar a carga afetiva da Liturgia, porém, não significa cair no extremo do “sentimentalismo”, que infelizmente tem invadido nossas celebrações, mas sim buscar o equilíbrio entre as várias dimensões da pessoa humana.

10.3 Catequese em contextos socioculturais (nn. 354-393)

A última seção do capítulo X reflete, enfim, sobre a relação da Catequese com o contexto sociocultural. Aqui nos deteremos particularmente nos parágrafos sobre a “cultura digital”, tema que já foi abordado no capítulo VII (nn. 213-217).

Como havíamos assinalado na respectiva postagem, o mundo digital nos repropõe o desafio da esfinge: “Decifra-me ou devoro-te”. A Igreja é chamada a anunciar o Evangelho no mundo digital, aprendendo sua linguagem própria, na qual a Igreja nem sempre é “especialista”.

Os parágrafos do capítulo X dedicados à Catequese e cultura digital (nn. 359-372) aprofundam a reflexão, indicando também os limites dessa cultura digital, que às vezes quase se torna uma “pseudo-religião”. Recordemos: o virtual não pode substituir o encontro real entre as pessoas.

"Mundo digital": oportunidade e desafio

Sobre o desafio da “inculturação no continente digital”, o Diretório destaca o “poder comunicativo” da Liturgia e da arte sacra, que a Igreja deve adaptar às novas linguagens da cultura digital:

“Não se pode subestimar o poder da Liturgia na comunicação da fé e na introdução à experiência de Deus. A Liturgia compõe-se de uma pluralidade de códigos comunicativos que apelam à interação dos sentidos (sinestesia) para além da comunicação verbal. Porém, é necessário redescobrir a capacidade da Liturgia, mas também da arte sacra, para expressar os mistérios da fé” (n. 372).

A pandemia de Covid-19 só fez acelerar esse processo, com a necessidade da transmissão on-line das celebrações litúrgicas. Porém, precisamos aprender enquanto Igreja as possibilidades e os limites dessa forma de comunicação, sabendo buscar também a ajuda de especialistas, fortalecendo a Pastoral da Comunicação.

O mundo digital pode ser um excelente veículo para uma “catequese mistagógica”, aprofundando os mistérios da fé de maneira gradual e progressiva. Por exemplo, através de uma série de breves vídeos sobre os ritos da Celebração Eucarística ou sobre os elementos do espaço sagrado...

Ainda no capítulo X, nos parágrafos dedicados ao tema Catequese e opção pelos pobres (nn. 385-388), se retoma o que já havia sido afirmado no n. 298 sobre a Eucaristia como vínculo de caridade: “Se realmente queremos encontrar Cristo, é preciso que toquemos o seu Corpo no corpo chagado dos pobres, como resposta à comunhão sacramental recebida na Eucaristia” (n. 387).

Capítulo XI: A catequese a serviço da inculturação da fé

O breve capítulo XI, com apenas 14 parágrafos, divide-se em duas seções: a primeira apresenta o tema da inculturação, isto é, do diálogo da fé com cada cultura, enquanto a segunda propõe a elaboração de Catecismos locais, adaptados à cada contexto.

11.1 Natureza e finalidade da inculturação da fé (nn. 394-400)

O último parágrafo desta primeira seção elenca a catequese litúrgica entre os âmbitos da inculturação. Não se trata aqui de alterar o conteúdo da Liturgia, que é o mistério da fé, mas sim as linguagens com as quais se exprime o seu mistério:

 “A catequese deverá saber valorizar especialmente alguns âmbitos da pastoral eclesial, nos quais é explicitamente chamada a encontrar novas linguagens e modalidades de expressão, pelas quais transpareça um estilo missionário sereno e alegre: por exemplo, o catecumenato, a iniciação cristã, a pastoral bíblica, a catequese litúrgica” (n. 400).

O Evangelho: chamado a "encarnar-se" em cada cultura

11.2 Os Catecismos locais (nn. 401-408)

Em relação à proposta dos Catecismos locais, que podem ser diocesanos, regionais ou nacionais, o Diretório confia aos Bispos e Conferências Episcopais a forma como apresentar as “quatro dimensões da vida cristã” (n. 405) que, como vimos anteriormente (cf. nn. 72.79.144.189), são: a fé acreditada (Creio), celebrada (Liturgia e Sacramentos), vivida (Mandamentos) e rezada (Pai-nosso).

A nota n. 165, ligada ao parágrafo 405, indica algumas formas novas de propor essas quatro dimensões: “de acordo com os momentos da história da salvação ou (...) com base nas virtudes teologais ou conforme os tempos do ano litúrgico”.

Capítulo XII: Organismos a serviço da catequese

Chegamos por fim ao último capítulo do Diretório, que apresenta quatro organismos a serviço da Catequese: a Santa Sé (através do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização), os Sínodos dos Bispos e os Conselhos de Hierarcas das Igrejas Orientais, as Conferências Episcopais e as Dioceses.

12.1 A Santa Sé (nn. 409-410)

12.2 Os Sínodos dos Bispos ou os Conselhos dos Hierarcas das Igrejas Orientais (n. 411)

Das 23 Igrejas Católicas Orientais, 06 são regidas por um Patriarca e 04 por um Arcebispo-Maior, ajudados pelo Sínodo dos Bispos dessa Igreja, enquanto outras 05 são regidas por um Metropolita junto a um Conselho de Hierarcas. As outras 08 Igrejas sui juris, por serem comunidades menores, com apenas um ou dois Bispos, estão sujeitas diretamente à Santa Sé.

As 15 Igrejas regidas pelo Sínodo dos Bispos ou Conselho de Hierarcas podem “emanar normas sobre a instrução catequética”, “salvaguardando o patrimônio litúrgico e teológico da própria Igreja e levando em consideração o ensinamento da Igreja universal” (n. 411).

12.3 A Conferência Episcopal (nn. 412-415)

12.4 As dioceses (nn. 416-425)

Por fim, a última referência à Liturgia no Diretório diz respeito à proposta de uma “comissão diocesana de iniciação à vida cristã”, da qual podem tomar parte “a pastoral do primeiro anúncio e a catequese, a pastoral litúrgica e a Cáritas, as associações e os movimentos laicais. Essa comissão poderia oferecer à pastoral diocesana as diretrizes comuns para a iniciação à vida cristã, seja na forma de catecumenato para não batizados, seja como inspiração catecumenal da catequese para os batizados, sendo importante que todas as propostas pastorais tenham a mesma inspiração de fundo” (n. 421).

Conclusão (nn. 426-428)

A conclusão, embora não faça referências diretas à Liturgia, recorda o querigma (Mistério Pascal da Morte-Ressurreição de Cristo), que é seu núcleo fundamental: “A comunhão com Jesus Cristo, Morto e Ressuscitado, vivo e sempre presente, é a finalidade última de toda ação eclesial e, portanto, também da catequese” (n. 426).

Confia-se, pois, o Diretório a “Jesus Cristo, Alfa e Ômega” (n. 427) e à Virgem Maria, “Mãe da Igreja”, “Estrela da Nova Evangelização” (n. 428).

Cristo, Alfa e Ômega, Princípio e Fim

Notas:

[1] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO. Diretório para a Catequese. Brasília: Edições CNBB, 2020. Coleção: Documentos da Igreja, 61.

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