São Gregório de Nissa
Tratado sobre o perfeito modelo de cristão
A
vontade de Cristo, norma de nossa vida
Quando nos é
ensinado que Cristo é a redenção e que para redimir-nos entregou-se a si mesmo
como pagamento, ao mesmo tempo confessamos que, ao construir-se em pagamento de
cada uma das almas e nos concedendo a imortalidade, nos converteu - a nós que
fomos comprados por ele dando vida por morte - em sua própria posse. Contudo,
se somos propriedade daquele que nos redimiu, sigamos ao Senhor de forma
incondicional, de forma que já não vivamos para nós, mas para aquele que nos
comprou custando a sua vida: pois já não somos donos de nós mesmos; nosso
Senhor é aquele que nos comprou e nós estamos submetidos ao seu domínio. Em
consequência, sua vontade deve ser a norma de nosso viver.
E assim como
quando a morte nos oprimia com tirânica dominação, a lei do pecado determinava
tudo em nós, assim, agora que estamos destinados à vida, é lógico que a vontade
do Todo-poderoso nos governe, e não queira que, renunciando pelo pecado a
vontade de viver, caiamos novamente por própria decisão sob a ímpia dominação
do pecado.
Esta reflexão
nos unirá mais intimamente ao Senhor, sobretudo se escutássemos a Paulo
chamar-lhe algumas vezes de “Páscoa”, outras vezes de “sacerdote”: porque
Cristo se imolou por nós como verdadeira Páscoa, e, no atributo de sacerdote, o
próprio Cristo se ofereceu a Deus em sacrifício. Entregou-se, diz, por nós
como oblação e vítima de suave odor, o que é uma lição para nós. Pois quem
vê que Cristo entregou-se a Deus como oblação e vítima e converteu-se em nossa
Páscoa, ele mesmo apresenta seu corpo a Deus como hóstia viva, santa,
agradável, feito um culto aceitável. A maneira de realizar o sacrifício é: não
acomodar-se a este mundo, mas transformar-se pela renovação da maneira de
pensar, para discernir o que é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe
agrada, o que é perfeito.
De fato, a
vontade amorosa de Deus não pode manifestar-se na carne não sacrificada pela
lei do espírito, já que a tendência da carne é rebelar-se contra Deus, e não se
submete à lei de Deus. Disto se segue que, se antes não se oferece a carne -
mortificado tudo o que nela é terreno e com o que concorda com o apetite - como
hóstia viva, não se pode consumar sem dificuldade na vida dos crentes a
agradável e perfeita vontade de Deus. Da mesma forma, a simples consideração de
que Cristo erigiu-se em nossa propiciação a partir de seu sangue, nos induz a
constituir-nos em nossa própria propiciação e, mortificando os nossos membros,
conseguir a imortalidade de nossas almas.
E quando se diz
que Cristo é o reflexo da glória de Deus e imagem de seu ser, a expressão nos
sugere a ideia de sua adorável majestade. Com efeito Paulo, inspirado pelo
Espírito de Deus e instruído diretamente por Deus, que no abismo de
generosidade, de sabedoria e conhecimento de Deus tinha rastreado o arcano e
recôndito dos mistérios divinos; e, sentindo-se incapaz de expressar na
linguagem humana a claridade daquelas coisas que estão além de toda indignação
ou investigação, e que, no entanto, lhe foram divinamente reveladas, para que
os ouvidos dos seus ouvintes pudessem captar a inteligência que ele tinha do
mistério, faz uso de algumas aproximações, falando na medida em que suas
palavras eram capazes de verter seu pensamento.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 348-349. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
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