sábado, 7 de maio de 2016

A história da Solenidade da Ascensão do Senhor

“Por entre aclamações Deus se elevou, o Senhor subiu ao toque da trombeta” (Sl 46,6).

O Livro dos Atos dos Apóstolos atesta que, após a Ressurreição, Jesus apareceu aos Apóstolos durante quarenta dias, antes de subir ao céu (cf. At 1,1-11).

Enquanto a celebração do Domingo de Páscoa remonta ao século II, temos de esperar até o século IV para encontrar as primeiras referências a uma festa específica em honra da Ascensão do Senhor. Esta tem lugar na quinta-feira da VI semana da Páscoa (em alguns lugares, como no Brasil, é transferida para o domingo seguinte).

Ascensão do Senhor (Luca della Robbia)

As origens da festa da Ascensão

A partir do século III a Páscoa anual começa a ser celebrada como uma grande festa de 50 dias, uma “semana de semanas”, culminando no Domingo de Pentecostes (Πεντηκοστή, o “50º dia”). Assim, sobretudo no Oriente, as primeiras celebrações em honra da Ascensão (Aνάληψη [Analepsis] em grego; Ascensio em latim) estavam situadas no próprio dia de Pentecostes.

Essa festa da Ascensão-Pentecostes era vista como a celebração da consumação da obra salvífica de Cristo, razão pela qual também era chamada em grego de ἐπισωζομένη [episozomene], algo como “salvação do alto”.

A peregrina Etéria (ou Egéria), em seu Diário de viagem (Itinerarium ad loca santa), testemunha a Liturgia do domingo de Pentecostes na Jerusalém do final do século IV: após as celebrações no Santo Sepulcro e no Cenáculo pela manhã, os fiéis se reuniam à tarde na igreja do Monte das Oliveiras (Όρος των Ελαιών), o Eleona:

“Uma vez que se subiu ao Monte das Oliveiras, isto é, ao Eleona, primeiro vai-se ao Imbomon, que é o lugar de onde o Senhor subiu aos Céus, e ali senta-se o bispo e os presbíteros e também todo o povo; leem-se ali as leituras, dizem-se hinos intercalando-os, dizem-se também antífonas apropriadas àquele dia e lugar; também as orações, que se intercalam, têm sempre um conteúdo que convenha ao dia e ao lugar. Lê-se também o passo do Evangelho que fala da Ascensão do Senhor; lê-se de novo outro, dos Actos dos Apóstolos, que fala da Ascensão do Senhor aos céus, após a Ressurreição” [1].

Após essa Liturgia da Palavra, formava-se uma lenta e solene procissão de volta à cidade, refazendo os passos dos Apóstolos (At 1,12). A procissão, que após o pôr-do-sol era iluminada por centenas de velas, concluía-se na Basílica do Santo Sepulcro, onde o Bispo abençoava os catecúmenos e os fiéis.

A igreja do Eleona foi destruída pelos persas em 614, tendo sido reconstruída e destruída várias vezes nos seguintes séculos. Atualmente permanece o Imbomón, isto é, a pequena Capela ou Edícula da Ascensão, que remonta ao período das Cruzadas, sob a responsabilidade da comunidade muçulmana, e algumas ruínas do período bizantino sob a igreja do Pai-nosso (igreja do Pater noster).

O Imbomón ou Capela da Ascensão em Jerusalém

A festa da Ascensão a partir do século IV

Dada a importância do mistério da Ascensão e o forte simbolismo bíblico do número 40, logo a festa começa a ser celebrada de maneira independente do Pentecostes.

Assim testemunha, por exemplo, Eusébio de Cesareia (†339) em sua obra De sollemnitate paschali, referindo-se à Ascensão como “dia solene” [2]. Também as Constituições Apostólicas, importante documento da Igreja de Antioquia do final do século IV, atestam: “Contai quarenta dias após o primeiro domingo [da Páscoa] e, no quinto dia a partir do domingo, celebrai a festa da Ascensão do Senhor” [3].

Entre os séculos IV e V encontramos várias homilias para a festa da Ascensão proferidas pelos Padres do Oriente e do Ocidente: Gregório de Nissa (†395), João Crisóstomo (†407), Máximo de Turim (†420), Agostinho (†430), Leão Magno (†461)...

Nos séculos seguintes, por sua vez, os primeiros Sacramentários trazem várias orações próprias para a Missa desse dia: o Sacramentário Veronense ou Leonino (séc. V-VI), o Gelasiano (séc. VII-VIII) e o Gregoriano (final do séc. VIII). Desse último é a maioria das orações do Missale Romanum promulgado após o Concílio de Trento (séc. XVI).

Com a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, além do maior número de leituras, seguindo o ciclo trienal A-B-C, foram compostas novas orações para a Solenidade da Ascensão do Senhor, centradas na unidade entre Cristo Cabeça e a Igreja, seu Corpo.

A nova eucologia menor (oração do dia, sobre as oferendas e após Comunhão) e o novo Prefácio da Ascensão I são inspirados nos dois Sermões do Papa São Leão Magno sobre a Ascensão [4] e nas orações dos Sacramentários Veronense e Gelasiano. Do Missal anterior conservou-se o Prefácio da Ascensão II.

Ascensão do Senhor (Giotto - Capela Scrovegni, Pádua)

A partir do século VII a Solenidade da Ascensão passa a contar também com uma Missa da Vigília, celebrada na tarde do dia anterior. Essa, porém, possuía apenas a leitura e o Evangelho próprios (Ef 4,7-13; Jo 17,1-11), tomando-se os demais textos da Missa do domingo precedente (VI Domingo da Páscoa).

Após o Concílio em um primeiro momento essa Missa da Vigília da Ascensão foi suprimida, sendo recuperada na 3ª edição do Missal Romano, promulgado em 2002 (ainda sem tradução para o Brasil), com orações próprias [5].

Antes da reforma litúrgica a Ascensão contava ainda com uma oitava, igualmente suprimida, embora os textos litúrgicos desses dias constituam ainda uma espécie de “novena de Pentecostes”.

Algumas particularidades litúrgicas da Solenidade da Ascensão

Entre o final do século V e o início do século VI surgem na França as Rogações ou Ladainhas Menores, celebradas nos três dias que antecedem a Solenidade da Ascensão (segunda, terça e quarta-feira da VI semana da Páscoa), procissões penitenciais pedindo o perdão do Senhor e o bom tempo para as colheitas.

Com efeito, vale recordar que tanto a Páscoa quanto o Pentecostes, entre as quais se situa a Ascensão, eram originalmente festas agrícolas, associadas ao ciclo da primavera-verão no hemisfério norte. Nesse contexto, a partir do século VII a Missa da festa da Ascensão passa a contar com uma bênção das favas e das uvas.

O Sacramentário Gelasiano trazia uma fórmula de bênção, que era recitada antes da doxologia final da Oração Eucarística: “Per quem haec ómnia...” (“Por Ele não cessais de criar e santificar estes bens...”) [6]. Esta prática, porém, acabou caindo em desuso.

Na Idade Média, um aspecto importante desta festa era a procissão em honra de Cristo Rei antes da Missa, celebrando sua entrada triunfal no céu. Por isso, durante essa procissão entoava-se o hino de Teodolfo (ou Teodulfo) de Orleans (†821), Gloria, laus et honor (Glória, louvor e honra a ti), proposto igualmente para a procissão do Domingo de Ramos, além de alguns salmos: Sl 46 (47); 47 (48); 67 (68).

Ascensão do Senhor (Benjamin West, detalhe)

A partir dos séculos IX e X praticamente todas as grandes celebrações do Ano Litúrgico possuíam uma ou mais sequências, composições poéticas a serem entoadas antes do Evangelho na Missa, que sintetizavam o mistério celebrado, até que, infelizmente, a reforma litúrgica do Concílio de Trento (séc. XVI) suprimiu quase todas.

Dentre as sequências propostas para a Solenidade da Ascensão do Senhor destacamos:
- Summi triumphum Regis, atribuída ao monge beneditino Notker Balbulus (†912);
- Rex omnipotens die hodierna, composição anônima dos séculos X-XI;
- Omnes gentes plaudite, anônima do século XIII;
- Sursum sonet laudis melos, anônima dos séculos XIII-XIV.

A partir da reforma de Trento, além disso, destaca-se o gesto de apagar o círio pascal após o Evangelho da Ascensão, indicando a conclusão da presença visível de Cristo Ressuscitado. Até então, o círio geralmente era apagado e fragmentado já no final da Vigília Pascal ou então durante a Oitava da Páscoa.

No Rito Ambrosiano, próprio da Arquidiocese de Milão (Itália), conserva-se até hoje o costume de içar o círio pascal até o teto da igreja durante a proclamação do Evangelho da Ascensão. Em algumas igrejas da Alemanha, por sua vez, se içava um crucifixo.

Após o Concílio Vaticano II o gesto de apagar do círio foi transferido para o Domingo de Pentecostes, destacando a unidade dos cinquenta dias pascais.

Vale recordar ainda, como vimos anteriormente, que após a Solenidade da Ascensão do Senhor tem início a “novena de Pentecostes”. Os próprios textos litúrgicos desses dias, com efeito, vão preparando nossos corações para celebrar a vinda do Espírito Santo.

No Brasil, além disso, a semana entre o Domingo da Ascensão (VII Domingo da Páscoa) e o Pentecostes é dedicada também à oração pela unidade dos cristãos, iluminada pela leitura semicontínua do capítulo 17 do Evangelho de João: a “oração sacerdotal” de Jesus, com a prece do Senhor pela unidade dos seus discípulos [7].

Vale destacar, por fim, que a partir de 1967 na Solenidade da Ascensão celebra-se também o Dia Mundial das Comunicações Sociais, desejado pelo próprio Concílio (cf. Inter mirifica, n. 18), para o qual o Papa sempre escreve uma mensagem.

A escolha da Ascensão para o Dia das Comunicações remete à exortação de Jesus aos seus Apóstolos, enviados “até os confins da terra” (At 1,8): “Ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei! Eis que eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28,19-20).

"Docete omnes gentes" - Ensinai todos os povos
(Catedral de Santiago do Chile)

Confira também:

Notas:

[1] ETÉRIA. Peregrinação ou Diário de Viagem (Itinerarium ad loca sancta), cap. 43; in: CORDEIRO, José de Leão [org.]. Antologia Litúrgica: Textos litúrgicos, patrísticos e canónicos do primeiro milénio. Fátima: Secretariado Nacional de Liturgia, 2003, p. 461.

[2] EUSÉBIO DE CESAREIA. Sobre a Páscoa (De sollemnitate paschali), n. 3. in: CORDEIRO, op. cit., p. 354.

[3] CONSTITUIÇÕES APOSTÓLICAS (Constitutiones Apostolorum), V, 20. in: CORDEIRO, op. cit., p. 414.

[4] LEÃO MAGNO. Sermões. São Paulo: Paulus, 1996, pp. 168-177; Coleção: Patrística, vol. 6.

[5] Na 3ª edição do Missal Romano as Solenidades que possuem uma Missa da Vigília própria são oito: Páscoa, Natal, Epifania, Ascensão, Pentecostes, Assunção de Maria, Natividade de São João Batista e São Pedro e São Paulo, Apóstolos.

[6] Sobre a história e o significado dessa expressão, cf. JUNGMANN, Josef Andreas. Missarum Sollemnia: Origens, liturgia, história e teologia da Missa romana. São Paulo: Paulus, 2009, pp. 713-718.

[7] Na maioria dos países, por sua vez, a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos tem lugar entre os dias 18 e 25 de janeiro, entre a antiga festa da Cátedra de São Pedro e a festa da Conversão de São Paulo.

Ícone bizantino da Ascensão do Senhor

Referências:

ADAM, Adolf. O Ano Litúrgico: Sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica. São Paulo: Loyola, 2019, p. 64.

BERGAMINI, Augusto. Cristo, festa da Igreja: O ano litúrgico. São Paulo: Paulinas, 1994, pp. 392-395.

RIGHETTI, Mario. Historia de la Liturgia, v. I: Introducción general; El año litúrgico; El Breviario. Madrid: BAC, 1945, pp. 854-856.

SCHUSTER, Cardeal Alfredo Ildefonso. Liber Sacramentorum: Note storiche e liturgiche sul Messale Romano; v. IV: Il Battesimo nello Spirito e nel fuoco (La Sacra Liturgia durante il ciclo Pasquale). Torino-Roma: Marietti, 1930, pp. 137-142.

Postagem publicada originalmente em 07 de maio de 2016. Revista e ampliada em 07 de maio de 2022.

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