Continuando nossa série de textos sobre o sacerdote e a Celebração Eucarística publicados pela Santa Sé durante o Ano Sacerdotal (2009-2010), segue o nono artigo, sobre a vestição dos paramentos litúrgicos e as respectivas orações:
Departamento das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice
A vestição dos paramentos litúrgicos e as respectivas orações
1. Breve revisão histórica
As roupas
utilizadas pelos ministros sagrados nas celebrações litúrgicas são derivadas
das vestimentas gregas e romanas. Nos primeiros séculos, a forma de vestir das
pessoas de uma determinada classe social (os honestiores) foi também adotada para o culto cristão, e esta
prática foi mantida na Igreja, mesmo após a paz de Constantino. Como contado
por alguns escritores eclesiásticos, os ministros sagrados usavam suas melhores
roupas, provavelmente reservadas para a ocasião [1].
Bento XVI com os paramentos sacerdotais |
Enquanto que na Antiguidade
cristã as vestimentas litúrgicas diferiam das de uso cotidiano não pela forma
particular, mas apenas pela qualidade dos tecidos e decoração particular, no
curso das invasões bárbaras, os costumes, e com eles também a forma de vestir
dos novos povos, foram introduzidos no Ocidente, levando a mudanças na moda
profana. A Igreja, ao contrário, manteve essencialmente inalteradas as roupas
usadas pelos sacerdotes nos cultos públicos; foi assim que as vestimentas de
uso cotidiano acabaram por se diferenciar das de uso litúrgico. Na época
carolíngia, finalmente, os paramentos próprios de cada grau do sacramento da
ordem foram definitivamente definidos, assumindo a aparência que conhecemos
hoje.
2. Função e significado espiritual
Além das
circunstâncias históricas, os paramentos sacros têm uma função importante nas
celebrações litúrgicas: primeiramente, o fato deles não serem usados no
cotidiano, tendo assim um caráter cultual, ajuda-nos a romper com o cotidiano e
suas preocupações, no momento da celebração do culto divino. Além disso, as
formas largas das vestimentas, como, por exemplo, da casula, põe em segundo
plano a individualidade de quem as veste, enfatizando seu papel litúrgico.
Pode-se dizer que a “ocultação” do corpo do ministro sob as vestes, em certo
sentido, despersonaliza-o, removendo o ministro celebrante do centro, para
revelar o verdadeiro Protagonista da ação litúrgica: Cristo. A forma das
vestes, portanto, lembra-nos que a liturgia é celebrada in persona Christi, e não em próprio
nome.
Aquele que
exerce uma função de culto não atua como indivíduo por si mesmo, mas como
ministro da Igreja e como instrumento nas mãos de Jesus Cristo. O caráter
sagrado dos paramentos provém também do fato de que são vestidos conforme
prescreve o Ritual Romano.
Na Forma Extraordinária
do Rito Romano (de São Pio V), a vestidura dos paramentos litúrgicos é
acompanhada por orações relativas a cada veste, orações cujo texto ainda pode
ser encontrado em muitas sacristias. Ainda que estas orações não sejam mais
prescritas (mas nem tampouco proibidas) na Forma Ordinária do Missal emitido
por Paulo VI, seu uso é aconselhável, uma vez que ajudam nas preparações e no
recolhimento do sacerdote antes da celebração do Sacrifício Eucarístico.
Para confirmar a
utilidade destas orações, note-se que elas foram incluídas no Compendium Eucharisticum, recentemente
publicado pela Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos
[2]. Além disso, pode ser útil lembrar que Pio XII, por decreto de 14 de
janeiro de 1940, concedeu uma indulgência de cem dias para cada oração.
3. As vestimentas litúrgicas individuais e as orações que acompanham sua vestidura
1) No início da
preparação, o sacerdote lava as mãos, recitando uma oração especial; além da
questão de higiene, este ato tem também um significado simbólico profundo,
representando a passagem do profano ao sagrado, do mundo do pecado para o puro
Santuário do Altíssimo. Lavar as mãos equivale, de certa forma, a retirar as
sandálias diante da sarça ardente (Ex 3,5). A oração se refere a esta dimensão
espiritual:
Da, Domine, virtutem manibus meis ad
abstergendam omnem maculam; ut sine pollutione mentis et corporis valeam tibi
servire (Dai às minhas mãos, Senhor, o poder de apagar toda mácula: para
que eu vos possa servir sem mácula do corpo e da alma) [3].
À lavagem das
mãos se segue a vestidura propriamente dita.
2) Inicia-se com
o amito, um pano retangular de linho dotado de duas fitas, que
repousa sobre os ombros junto ao pescoço. O amito destina-se a cobrir, ao redor
do pescoço, a vestimenta utilizada diariamente, ainda que se trate do hábito do
sacerdote. Nesse sentido, é preciso lembrar que o amito também é usado quando
se está vestido com roupas de estilo moderno, que muitas vezes não apresentam
uma grande abertura em torno do pescoço. De qualquer forma, portanto, as roupas
comuns permanecem visíveis e por isso é preciso cobri-las também, nestes casos,
com o amito [4].
No Rito Romano,
o amito é vestido antes da alva (túnica). Ao vesti-lo, o sacerdote recita a
seguinte oração:
Impone, Domine, capiti meo galeam salutis,
ad expugnandos diabolicos incursus (Colocai, Senhor, na minha cabeça o elmo
da salvação para que possa repelir os golpes de Satanás).
Com referência à
Carta de São Paulo aos Efésios 6,17, o amito é interpretado como “o elmo da
salvação”, que deve proteger o portador das tentações do demônio, em especial
de pensamentos e desejos malévolos durante a celebração litúrgica. Este
simbolismo é ainda mais evidente no costume seguido desde a Idade Média pelos
monges beneditinos, franciscanos e dominicanos, entre os quais o amito era
posicionado sobre a cabeça e deixado recair sobre a casula ou a dalmática.
3) A alva consiste na veste longa e branca utilizada por todos os ministros sagrados, e
que representa a nova veste imaculada que todo cristão recebe mediante o Batismo.
A alva é, portanto, um símbolo da graça santificante recebida no primeiro
sacramento, e é considerada também um símbolo da pureza de coração necessária
para o ingresso na graça eterna da contemplação de Deus no céu (cf. Mt 5,8).
Isso é expresso na oração recitada pelo sacerdote enquanto veste a peça, oração
que se refere ao Apocalipse 7,14:
Dealba me, Domine, et munda cor meum; ut, in
sanguine Agni dealbatus, gaudiis perfruar sempiternis (Revesti-me, Senhor,
com a túnica de pureza, e limpai o meu coração, para que, banhado no Sangue do
Cordeiro, mereça gozar das alegrias eternas).
4) Sobre as
vestes, na altura da cintura, é colocado o cíngulo, um cordão de lã ou outro
material apropriado, que é usado como cinto. Todos os
oficiantes que portam a alva devem também portar o cíngulo (esta prática
tradicional é hoje frequentemente ignorada) [5].
Para diáconos,
sacerdotes e bispos, o cíngulo pode ser de cores diferentes, de acordo com o
tempo litúrgico ou a memória do dia. No simbolismo das vestes litúrgicas, o
cíngulo representa a virtude do auto-controle, que São Paulo enumera entre os
frutos do Espírito (cf. Gl 5,22). A oração correspondente, como na Primeira
Carta de Pedro 1,13, diz:
Praecinge me, Domine, cingulo puritatis, et
exstingue in lumbis meis humorem libidinis; ut maneat in me virtus continentiae
et castitatis (Cingi-me, Senhor, com o cíngulo da pureza, e extingui nos
meus rins o fogo da paixão, para que resida em mim a virtude da continência e
da castidade).
5) O manípulo é
um paramento litúrgico usado nas celebrações da Santa Missa segundo a Forma Extraordinária
do Rito Romano; caiu em desuso nos anos da reforma litúrgica, embora não tenha
sido abolido. É semelhante à estola, mas de menor comprimento, inferior a um
metro, e é fixado por meio de presilhas ou fitas como as da casula. Durante a
Santa Missa em sua forma extraordinária, o celebrante, o diácono e subdiácono o
portam sobre o antebraço esquerdo. É possível que este paramento derive de um
lenço (mappula) utilizado pelos
romanos amarrado ao braço esquerdo. Uma vez que era utilizado para enxugar as
lágrimas e o suor da face, escritores eclesiásticos medievais atribuíram ao
manípulo um simbolismo associado às fadigas do sacerdócio. Esta leitura também
está presente na oração de sua vestidura:
Merear, Domine, portare manipulum fletus et
doloris; ut cum exsultatione recipiam mercedem laboris (Fazei, Senhor, que
mereça trazer o manípulo do pranto e da dor, para que receba com alegria a
recompensa do meu trabalho).
Como se vê, no
início da oração mencionam-se as lágrimas e a dor que acompanham o ministério
sacerdotal, mas a segunda parte do texto refere-se aos frutos do próprio
trabalho. Não será fora de propósito recordar a passagem de um salmo que pode
ter inspirado esta segunda simbologia referente ao manípulo, visto que a Vulgata assim apresentava o Salmo
125,5-6: “Qui seminant in lacrimis in exultatione metent;
euntes ibant et flebant portantes semina sua, venientes autem venient in exultatione portantes manipulos suos”.
6) A estola é o
elemento distintivo de um ministro ordenado e é sempre usada na celebração dos
sacramentos e sacramentais. É uma faixa de tecido, em geral bordado, cuja cor
varia de acordo com o tempo litúrgico ou o dia santo. Ao vesti-la, o
sacerdote recita a seguinte oração:
Redde mihi, Domine, stolam immortalitatis,
quam perdidi in praevaricatione primi parentis; et, quamvis indignus accedo ad
tuum sacrum mysterium, merear tamen gaudium sempiternum (Restitui-me,
Senhor, a estola da imortalidade, que perdi na prevaricação do primeiro pai, e,
ainda que não seja digno de me abeirar dos Vossos sagrados mistérios, fazei que
mereça alcançar as alegrias eternas).
Dado que a
estola é um paramento de suma importância, indicando mais do que qualquer outro
a condição de ministro ordenado, não se pode deixar de lamentar o abuso, já
largamente difundido, por parte de alguns sacerdotes, que não a usam em
conjunto com a casula [6].
7) Finalmente,
veste-se a casula ou planeta, a vestimenta característica daqueles que
celebram a Santa Missa. Os livros litúrgicos usavam as duas palavras, em
latim casula e planeta, como sinônimos. Enquanto o
nome planeta foi usado em particular em Roma e acabou por permanecer na Itália,
o nome casula deriva da forma típica da vestimenta, que originalmente
circundava todo o corpo do ministro sagrado que a portava. O uso da
palavra “casula” também é encontrado em outros idiomas: “Casulla”, em espanhol, “Chasuble”
em francês e em inglês, “Kasel” em
alemão. A oração para vestidura da casula remete ao convite de Colossenses
3,14: “Sobretudo, revesti-vos do amor, que une a todos na perfeição”. E,
de fato, a oração com a qual se veste a casula cita as palavras do Senhor
contidas em Mateus 11,30:
Domine, qui dixisti: Iugum meum suave est,
et onus meum leve: fac, ut istud portare sic valeam, quod consequar tuam
gratiam. Amen (Senhor, que dissestes: O meu jugo é suave e o meu peso é
leve, fazei que o suporte de maneira a alcançar a Vossa graça. Amém).
Em conclusão,
espera-se que a redescoberta do simbolismo associado aos paramentos e suas
orações incentive os sacerdotes a retomar a prática da oração durante a
vestição, de modo a se preparar com o devido recolhimento à celebração
litúrgica. Se é verdade que é possível rezar com diferentes orações, ou ainda
simplesmente elevando a mente a Deus, por outro lado, os textos da oração de vestição
trazem a brevidade, a precisão de linguagem, a inspiração da espiritualidade
bíblica e o fato de que são rezados pelos séculos por um número incontável de
ministros sagrados. Estas orações são recomendadas ainda hoje, para a
preparação da celebração litúrgica, e também realizadas de acordo com a Forma Ordinária
do Rito Romano.
Notas
[1] cf., por exemplo, São Jerônimo, Adversus Pelagianos, I, 30.
[2] Editado pela
LEV, Città del Vaticano, 2009, pp. 385-386.
[3] Tomamos o
texto das orações da edição do Missale
Romanum emanado em 1962 por
João XXIII.
[4] A Institutio Generalis Missalis Romani (2008)
no n. 336 permite não usar o amito quando a túnica é confeccionada de maneira
tal a cobrir completamente o colo, escondendo da vista o hábito comum. De fato,
porém, é raro que o hábito não seja visível, ainda que apenas parcialmente; por
isso a recomendação de utilizar sempre o amito.
[5] O mesmo n.
336 da Institutio del 2008
prevê a possibilidade de omitir o cíngulo, se a túnica é confeccionada de
maneira a aderir ao corpo sem ele. Não obstante esta concessão, é preciso reconhecer:
a) o valore tradicional e simbólico do uso do cíngulo; b) o fato de que
dificilmente a túnica - seja no estilo mais tradicional, que sobretudo nos
estilos mais modernos - adere por si ao corpo. Se a norma prevê a
possibilidade, essa deveria, porém, permanecer hipotética: concretamente, o
cíngulo é sempre necessário. Por vezes se encontram hoje túnicas que têm o
cíngulo incorporado: uma cinta de pano unida à túnica por meio de uma costura
na altura da cintura e amarrada no momento da vestição: neste caso a oração
sobre o cíngulo pode ser recitada enquanto se amarra. Permanece, porém, sempre
preferível a forma tradicional.
[6] «O sacerdote
que porta a casula segundo as rubricas não deixe de endossar a estola. Todos os
Ordinários provejam que todo uso contrário seja eliminado»: Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Redemptionis Sacramentum, 25 de março de 2004,
n. 123.
Fonte: Santa Sé, com pequenas correções.
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