quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Exortação Apostólica Marialis Cultus

Publicamos ontem aqui no blog um texto sobre os ensinamentos do Papa Paulo VI sobre a Liturgia. Na quarta parte do texto o autor reflete sobre a contribuição de Paulo VI para a autêntica piedade litúrgica mariana, referindo-se muitas vezes à Exortação Apostólica Marialis Cultus, de 02 de fevereiro de 1974.

Segue, pois, o texto completo desta Exortação Apostólica, complementando assim o texto sobre Paulo VI e a Liturgia. Cumpre dizer que já publicamos aqui no blog a Exortação Apostólica Signum Magnum publicada em Paulo VI em 1967, nos cinquenta anos das aparições de Nossa Senhora em Fátima.

Exortação Apostólica Marialis Cultus
do Santo Padre Paulo VI
Para a reta ordenação e desenvolvimento do culto à Bem-Aventurada Virgem Maria

Introdução
Veneráveis Irmãos, saúde e bênção apostólica.
Desde quando fomos assumidos para ocupar a Cátedra de Pedro, esforçamo-nos constantemente por dar incremento ao culto mariano, não apenas com o intuito de interpretar o sentir da Igreja e o nosso pendor pessoal, mas também porque ele, como é sabido, se insere, qual parte nobilíssima, no contexto daquele culto sagrado, em que vêm confluir a culminância da sapiência e o vértice da religião [1], e que, por conseguinte, é dever primário do Povo de Deus.
Tendo em vista precisamente tal dever, nós procuramos secundar e encorajar sempre a grande obra de reforma litúrgica, promovida pelo Concílio Ecumênico Vaticano II; e até aconteceu, certamente não sem particular desígnio da divina Providência, que o primeiro documento conciliar que nós, juntamente com os veneráveis Padres, aprovamos e assinamos “in Spiritu Sancto”, foi a Constituição Sacrosanctum Concilium (SC), a qual se propunha, exatamente, restaurar e fomentar a Liturgia, tornando mais profícua a participação dos fiéis nos sagrados mistérios (SC, nn. 1-3). E desde então para cá, muitos atos do nosso Pontificado tiveram como finalidade promover uma melhoria do culto a Deus, como o demonstra o fato de havermos promulgado, durante estes anos, numerosos livros do Rito Romano, restaurados em conformidade com os princípios e as normas do mesmo Concílio. Por isso, agradecemos profundamente ao Senhor, dador de todos os bens, e estamos reconhecidos também às Conferências episcopais e a cada um dos bispos, por haverem colaborado conosco, de diversas maneiras, na preparação de tais livros.
Mas, ao mesmo tempo em que assim consideramos, com ânimo jubiloso e grato, o trabalho já realizado e os primeiros resultados positivos da renovação no campo litúrgico, destinados a multiplicar-se à medida que a reforma litúrgica for sendo melhor compreendida nas suas motivações de fundo e corretamente aplicada, a nossa solicitude vigilante não cessa de ir seguindo tudo aquilo que pode dar realização ordenada à restauração do culto com o qual a Igreja, em espírito e verdade (cf. Jo 4,24), adora o Pai, o Filho e o Espírito Santo, “venera com particular amor Maria Santíssima, Mãe de Deus” (SC, n. 103), e honra com religioso obséquio a memória dos mártires e dos outros santos.
O desenvolvimento, por nós auspiciado, da devoção para com a Virgem Maria, inserida, conforme acima aludimos, no álveo do único culto que, com razão e justeza, é chamado “cristão”, pois de Cristo se origina e assume eficácia, em Cristo encontra completa expressão e por meio de Cristo, no Espírito, conduz ao Pai, é elemento qualificante da genuína piedade da Igreja. Por uma necessidade íntima, de fato, essa piedade reflete, na prática cultual, o plano redentor de Deus; pelo que, ao lugar singular que coube a Maria em tal plano, corresponde também um culto singular para com ela (Lumen Gentium - LG, n. 66); como, ainda, a todo o progresso autêntico do culto cristão segue-se necessariamente um correto incremento da veneração para com a Mãe do Senhor. De resto, a história da piedade demonstra que “as diversas formas de devoção para com a Mãe de Deus, que a Igreja aprovou, dentro dos limites da doutrina sã e ortodoxa” (LG, n. 66) se desenvolvem em subordinação harmônica ao culto de Cristo, e gravitam à volta deste, qual ponto de referência natural e necessário das mesmas. Também na nossa época assim sucede. A reflexão da Igreja contemporânea, sobre o mistério de Cristo e sobre a sua própria natureza, levou-a a encontrar, na base do primeiro e como coroa da segunda, a mesma figura de mulher: a Virgem Maria, precisamente, enquanto ela é Mãe de Cristo e Mãe da Igreja. E o acrescido conhecimento da missão de Maria transmutou-se em veneração repassada de alegria, para com ela, e em respeito de adoração para com o sapiente desígnio de Deus, que colocou na sua família - a Igreja - como em todo e qualquer lar doméstico, a figura de uma mulher, que, escondidamente e em espírito de serviço, vela pelo seu bem e "benignamente protege, na sua caminhada em direção à Pátria, até que chegue o dia glorioso do Senhor” [2].
Nos nossos tempos, as mudanças que se operaram nos costumes sociais, na sensibilidade dos povos, nos modos de expressar-se da literatura e das artes e nas formas de comunicação social, influíram também sobre as manifestações do sentimento religioso. Certas práticas cultuais, que em tempos não distantes pareciam aptas para exprimir o mesmo sentimento religioso dos indivíduos e das comunidades cristãs, aparecem hoje como insuficientes e inadequadas, porque ligadas a esquemas socioculturais do passado, ao mesmo tempo que, em muitas partes, se vão buscando novas formas expressivas da imutável relação das criaturas com o seu Criador, dos filhos com o seu Pai. Ora, isto pode provocar em alguns uma desorientação momentânea; no entanto, quem com espírito confiante em Deus, refletir sobre tais fenômenos, descobrirá que muitas tendências da piedade contemporânea, a interiorização do sentimento religioso, por exemplo, estão destinadas a concorrer para o progresso da mesma piedade cristã em geral, e da piedade para com a Virgem Santíssima em particular. Deste modo, a nossa época, no atender fielmente à tradição, e ao considerar atentamente os progressos da teologia e das ciências, contribuirá para o louvor daquela, a quem, segundo as suas proféticas palavras, haveriam de chamar bem-aventurada todas as gerações (cf. Lc 1,48).
Julgamos conforme ao nosso serviço apostólico, por conseguinte, tratar, como que dialogando convosco, veneráveis Irmãos, alguns temas relativos ao lugar que a bem-aventurada Virgem Maria ocupa no culto da Igreja. Esses temas já foram tocados, em parte, pelo Concílio Vaticano II (LG, nn. 66-67; SC, n. 103) e por nós próprios [3]; mas não deixa de ter a sua utilidade voltar a eles, a fim de dissipar dúvidas e, sobretudo, para favorecer o desenvolvimento daquela devoção à Santíssima Virgem, que, na Igreja, vai colher as suas motivações na Palavra de Deus e se exercita no Espírito de Cristo.
Quereríamos, pois, deter-nos um pouco: a examinar, antes de mais, alguns pontos que dizem respeito às relações entre a sagrada Liturgia e o culto da Virgem Santíssima (I); a apresentar, em seguida, algumas considerações e diretrizes aptas para favorecer o legítimo desenvolvimento do mesmo culto (II); a procurar sugerir, por fim, algumas reflexões, para uma retomada vigorosa e mais consciente da recitação do santo Rosário, prática que tanto foi recomendada pelos nossos predecessores e se acha muito difundida entre o povo cristão (III).

I Parte: O culto da Virgem Santíssima na Liturgia

1. Ao dispor-nos a tratar do lugar que a Bem-aventurada Virgem Maria ocupa no culto cristão, devemos, em primeiro lugar, volver a nossa atenção para a sagrada Liturgia; esta, efetivamente, para além de um rico conteúdo doutrinal, possui uma incomparável eficácia pastoral e tem um bem reconhecido valor exemplar para as outras formas de culto. Assim, quereríamos aqui, se isso nos fosse possível, considerar as várias Liturgias do Oriente e do Ocidente; mas, em ordem à finalidade do presente documento, limitar-nos-emos a examinar quase exclusivamente os livros do Rito Romano; aliás, somente este foi objeto, em seguimento das normas práticas emanadas no Concílio Vaticano II (SC, n. 3), de uma renovação profunda, também pelo que respeita às expressões de veneração para com Maria; e exige, portanto, ser atentamente considerado e apreciado.

A. A Virgem Santíssima na Liturgia romana restaurada 
2. A reforma da Liturgia romana pressupunha uma acurada restauração do Calendário Geral. Este, organizado de molde a dispor em determinados dias, com o devido relevo, a celebração da obra de Salvação, distribuindo ao longo do ano todo o mistério de Cristo, desde a Encarnação até à expectativa da sua nova vinda gloriosa (SC, n. 102), permitiu que nele fosse inserida, de maneira mais orgânica e com uma ligação mais íntima, a memória da Mãe, no ciclo anual dos mistérios do Filho.
3. Assim, no tempo do Advento a Liturgia, não apenas na altura da solenidade de 08 de dezembro, celebração, a um tempo, da Imaculada Conceição de Maria, da preparação radical (cf. Is 11,1.10) para a vinda do Salvador e para o feliz exórdio da Igreja sem mancha e sem ruga [4], recorda com frequência a bem-aventurada Virgem Maria, sobretudo nas férias que vão de 17 a 24 de dezembro; e, mais particularmente, no domingo que precede o Natal, quando faz ecoar antigas palavras proféticas acerca da Virgem Mãe e acerca do Messias [5] e lê episódios evangélicos relativos ao iminente nascimento de Cristo e do seu Precursor [6]
4. Desta maneira, os fiéis que procuram viver com a Liturgia o espírito do Advento, ao considerarem o amor inefável com que a Virgem Mãe esperou o Filho [7], serão levados a tomá-la como modelo e a prepararem-se, também eles, para irem ao encontro do Salvador que vem, “bem vigilantes na oração e... celebrando os seus divinos louvores” [8]. Queremos observar, ainda, que a Liturgia do Advento, conjugando a expectativa messiânica e a outra expectativa da segunda vinda gloriosa de Cristo, com a admirável memória da Mãe, apresenta um equilíbrio cultual muito acertado, que bem pode ser tomado como norma a fim de impedir quaisquer tendências para separar, como algumas vezes sucedeu em certas formas de piedade popular, o culto da Virgem Maria do seu necessário ponto de referência: Cristo. Além disso, faz com que este período, como têm vindo a observar os cultores da Liturgia, deva ser considerado como um tempo particularmente adequado para o culto da Mãe do Senhor: orientação essa, que nós confirmamos e auspiciamos ver aceita e seguida por toda a parte.
5. O tempo do Natal constitui uma memória continuada da Maternidade divina, virginal e “salvífica”, daquela cuja “intemerata virgindade deu a este mundo o Salvador” [9]. Assim, na solenidade da Natividade do Senhor, a Igreja, ao adorar o divino Salvador, venera também a sua gloriosa Mãe; na Epifania do Senhor, ao mesmo tempo que celebra a vocação universal para a salvação, contempla a Virgem Maria, verdadeira Sede da Sabedoria e verdadeira Mãe do Rei, que apresenta à adoração dos Magos o Redentor de todas as gentes (cf. Mt 2,11); e na festa da Sagrada Família, Jesus, Maria e José (Domingo dentro da oitava da Natividade do Senhor), considera, venerável, a vida de santidade que levam, na casa de Nazaré, Jesus, Filho de Deus e Filho do homem, Maria, sua Mãe, e José, homem justo (cf. Mt 1,19).
No ordenamento do período natalício, conforme foi recomposto, parece-nos que as atenções de todos se devem voltar para a reatada solenidade de Santa Maria Mãe de Deus. Esta, colocada como está, segundo o que aconselhava uso antigo da Urbe, no dia 1° de janeiro, destina-se a celebrar a parte tida por Maria neste mistério de salvação e, a exaltar a dignidade singular que daí advém para a “santa Mãe..., pela qual recebemos... o Autor da vida” [10]; é, além disso, ocasião propícia para renovar a adoração ao recém-nascido “Príncipe da Paz”, para ouvir ainda uma vez o grato anúncio angélico (cf. Lc 2,14), para implorar de Deus, tendo como medianeira a “Rainha da Paz”, o dom supremo da paz. Por isso, na feliz coincidência da Oitava do Natal do Senhor com a data auspiciosa de 1° de janeiro, instituímos o Dia Mundial da Paz, que vai recebendo crescentes adesões e já matura nos corações de muitos homens frutos de paz.
6. Às duas solenidades já recordadas, a Imaculada Conceição e a Maternidade Divina, devem acrescentar-se ainda as antigas e venerandas celebrações de 25 de março e de 15 de agosto.
Para a solenidade da Encarnação do Verbo, no Calendário romano, com motivada decisão, foi reatado o título antigo “Anunciação do Senhor”; no entanto, a celebração era e continua a ser festa, conjuntamente, de Cristo e da Virgem Maria: do Verbo que se torna “filho de Maria” (Mc 6,3) e da Virgem que se torna Mãe de Deus. Relativamente a Cristo, o Oriente e o Ocidente, nas inexauríveis riquezas das suas Liturgias, celebram tal solenidade em memória do “fiat” salvífico do Verbo Encarnado, que ao entrar no mundo disse: “Eis-me, eu venho... para fazer, ó Deus, a tua vontade” (Hb 10,7; Sl 39,8-9); em comemoração do início da Redenção e da indissolúvel e esponsal união da natureza divina com a humana na única Pessoa do Verbo. Relativamente a Maria, por sua vez, é celebrada como festa da nova Eva, virgem obediente e fiel, que, com o seu “fiat” generoso (cf. Lc 1,38), se torna, por obra do Espírito Santo, Mãe de Deus, mas ao mesmo tempo também, Mãe dos viventes, e, ao acolher no seu seio o único Mediador (cf.1Tm 2,5), verdadeira Arca da Aliança e verdadeiro Templo de Deus; ademais, em memória de um momento culminante do diálogo de salvação entre Deus e o homem, e em comemoração do livre consentimento da Santíssima Virgem e do seu concurso no plano da Redenção.
A solenidade de 15 de agosto celebra a gloriosa Assunção de Maria ao céu; festa do seu destino de plenitude e de bem-aventurança, da glorificação da sua alma imaculada e do seu corpo virginal, da sua perfeita configuração com Cristo Ressuscitado. É uma festa, pois, que propõe à Igreja e à humanidade a imagem e o consolante penhor do realizar-se da sua esperança final: que é essa mesma glorificação plena, destino de todos aqueles que Cristo fez irmãos, ao ter como eles “em comum o sangue e a carne” (Hb 2,14; cf. Gl 4,4). A solenidade da Assunção tem um prolongamento festivo na celebração da Realeza da bem-aventurada Virgem Maria, que ocorre oito dias mais tarde, e na qual se contempla aquela que, sentada ao lado do Rei dos Séculos, resplandece como Rainha e intercede como Mãe [11]. Quatro solenidades, portanto, que acentuam com o máximo grau litúrgico as principais verdades dogmáticas que se referem à humilde Serva do Senhor.
7. Além destas solenidades, devem ser consideradas também, antes de mais, aquelas celebrações que comemoram eventos “salvíficos”, em que a Virgem Maria esteve intimamente associada ao Filho, como são as seguintes festas: a da Natividade de Maria (08 de setembro), “que constituiu para o mundo inteiro motivo de esperança e aurora da salvação” [12] a da Visitação (31 de maio), em que a Liturgia recorda a “bem-aventurada Virgem Maria... que leva em seu seio o Filho” [13], e que vai a casa de Isabel para lhe prestar o auxílio da sua caridade e proclamar a misericórdia de Deus Salvador [14]; ou, ainda, a memória de Nossa Senhora das Dores (15 de setembro), ocasião propícia para se reviver um momento decisivo da história da Salvação, e para venerar, juntamente com o Filho “exaltado na cruz, a Mãe que com Ele compartilha o sofrimento” [15].
Igualmente a festa que se celebra a 02 de fevereiro, à qual foi restituída a denominação de “Apresentação do Senhor”, deve ser considerada, a fim de que se possa captar plenamente o seu riquíssimo conteúdo; nela se evoca, de fato, a memória, ao mesmo tempo, do Filho e da Mãe; quer dizer, é a celebração de um mistério da Salvação operado por Cristo, em que a Virgem Santíssima esteve a Ele intimamente unida, como Mãe do Servo sofredor de Javé e como executora de uma missão respeitante ao antigo Israel, e, ainda, qual exemplar do novo Povo de Deus, constantemente provado na fé e na esperança, pelo sofrimento e pela perseguição (cf. Lc 2,21-35).
8. Se é verdade que o Calendário romano põe em realce sobretudo as celebrações acima recordadas, ele enumera todavia outros tipos de memórias, ou festas: umas, ligadas a motivos de culto local, mas que alcançaram um âmbito mais vasto e um interesse mais vivo (11 de fevereiro: Nossa Senhora de Lourdes; 05 de agosto: Dedicação da Basílica de Santa Maria Maior em Roma); outras originariamente celebradas por Famílias religiosas particulares, mas que hoje em dia, dada a difusão que obtiveram, podem dizer-se verdadeiramente eclesiais (16 de julho: Nossa Senhora do Monte Carmelo; 07 de outubro: Nossa Senhora do Rosário); e outras, enfim, que, por detrás do que têm de apócrifo, propõem conteúdos de elevado valor exemplar e continuam veneráveis tradições, radicadas sobretudo no Oriente (21 de novembro: Apresentação de Nossa Senhora), ou então, exprimem orientações que surgiram na piedade contemporânea (sábado após o segundo Domingo depois de Pentecostes: Imaculado Coração da bem-aventurada Virgem Maria).
9. Não se deve esquecer, por outro lado, que o Calendário romano geral não regista todas as celebrações de conteúdo mariano: é aos Calendários particulares que compete recolher, com fidelidade as normas litúrgicas mas também com cordial adesão, as festas marianas próprias das diversas Igrejas locais. E falta ainda acenar à possibilidade de uma comemoração litúrgica frequente da Virgem Santíssima, mediante o recurso à memória de Santa Maria “in Sabbato”: memória antiga e discreta, que a flexibilidade do Calendário atual e a multiplicidade de formulários do Missal tornam extremamente fácil e variada.
10. Não é nossa intenção, nesta Exortação Apostólica, considerar todo o conteúdo do novo Missal Romano; no entanto, para aquela tentativa de apreciação que nos propusemos fazer, pelo que se refere aos livros restaurados do Rito Romano [16], desejamos salientar alguns dos seus aspectos e temas. E apraz-nos realçar, antes de mais nada, como as Preces Eucarísticas, em convergência admirável com as Liturgias orientais [17] contêm uma significativa memória da bem-aventurada Virgem Maria. Assim, o vetusto Cânon Romano, que comemora a Mãe do Senhor, em termos densos de doutrina e de fervor cultual: “Unidos na mesma comunhão, veneramos primeiramente a memória da gloriosa sempre Virgem Maria, Mãe do Nosso Deus e Senhor, Jesus Cristo”; de igual modo, a recente Prece Eucarística III, que exprime com intensa súplica o desejo dos que oram, de compartilhar com a Mãe a herança de filhos: Que Ele “faça de nós uma oferenda perfeita para alcançarmos a vida eterna, com os vossos santos: a Virgem Maria Mãe de Deus”. Uma tal evocação cotidiana, pelo lugar em que foi colocada, no coração do Sacrifício divino, deve ser considerada forma particularmente expressiva do culto que a Igreja tributa à “Bendita do Altíssimo” (cf. Lc 1,28).
11. Ao percorrermos, depois, os textos do Missal reformado, vemos que os grandes temas marianos do eucológio romano, como a conceição imaculada, a virgindade integérrima e fecunda, o templo do Espírito Santo, a cooperação na obra do Filho, a santidade exemplar, a intercessão misericordiosa, a assunção ao céu, a realeza materna, e outros mais, foram aí recolhidos em perfeita continuidade doutrinal com o passado; vemos, ainda, que outros temas, novos num certo sentido, foram aí introduzidos com análoga aderência perfeita aos desenvolvimentos teológicos do nosso tempo. Assim, por exemplo, o tema Maria-Igreja foi inserido nos textos do Missal com variedade de aspectos, do mesmo modo que variadas e multíplices são também as relações que se verificam entre a Mãe de Cristo e a Igreja. Esses textos, na verdade, entreveem na Conceição sem mácula da Virgem Maria o exórdio da Igreja, também ela, "Esposa sem mancha" de Cristo [18]; na Assunção reconhecem o início já realizado e a imagem daquilo que, para a Igreja inteira, deve realizar-se ainda [19]; no mistério da Maternidade confessam ser ela Mãe da Cabeça e dos membros: Santa Mãe de Deus, pois, e próvida Mãe da Igreja [20].
Quando a Liturgia, depois, volve o seu olhar quer para a Igreja primitiva, quer para a contemporânea, aí encontra, amiúde e sem esforço, Maria: nos primórdios, como presença orante, juntamente com os Apóstolos [21]; mais proximamente, como presença operante, juntamente com a qual a Igreja quer viver o mistério de Cristo: “Dai à vossa Igreja, unida a Maria na paixão de Cristo, participar da ressurreição do Senhor” [22] além disso, como voz de louvor, juntamente com a qual quer glorificar a Deus: “...fazei-nos dóceis ao Espírito Santo, para cantar com ela o vosso louvor” [23]; e dado que a mesma Liturgia é um culto que exige um modo de proceder na vida coerente, nela se implora poderem os féis traduzir o culto à Virgem Maria, num amor bem concreto e sofrido pela Igreja, como admiravelmente propõe, a oração após a comunhão da festa de 15 de setembro: “...que, recordando as dores de Nossa Senhora, completemos em nós, para o bem da Igreja, o que falta à paixão do Cristo”.
12. O “Ordo Lectionum Missae” (Lecionário) é um dos livros do Rito romano que muito beneficiou com a reforma feita após o Concílio, tanto pelo número dos textos que aí foram acrescentados, como pelo valor intrínseco dos mesmos: trata-se efetivamente de textos em que se contém a Palavra de Deus, sempre viva e eficaz (cf. Hb 4,12). Esta exuberância de leituras bíblicas permitiu que se expusesse, num ordenado ciclo trienal, toda a história da Salvação, e que se apresentasse de uma forma mais completa o mistério de Cristo. Daí resultou, como consequência lógica, que o Lecionário contém um número maior de passagens do Antigo e do Novo Testamento, respeitantes a bem-aventurada Virgem Maria; aumento numérico, este, não avulso, todavia, de uma crítica serena, porque foram coligidas unicamente aquelas leituras que, ou pela evidência do seu conteúdo, ou pelas indicações de uma exegese acurada e bem apoiada pelos ensinamentos do Magistério ou por uma sólida tradição, podem considerar-se, se bem que de modo e em grau diferente, de caráter mariano. Importa observar, além disto, que estas leituras não se encontram apenas na altura das festas da Santíssima Virgem, mas são proclamadas em muitas outras ocasiões; assim sucede nalguns domingos, ao longo do ano litúrgico [24], e nas celebrações de ritos que interessam profundamente a vida sacramental do cristão e as suas opções [25], bem como os momentos alegres ou penosos de sua existência [26].
13. Também o reestruturado livro do “Officium laudis”, a Liturgia das Horas, encerra preclaros testemunhos de piedade para com a Mãe do Senhor: nas composições dos hinos, entre as quais não faltam algumas obras-primas da literatura universal, como por exemplo, a sublime oração de Dante Alighieri à Virgem Maria [27]; depois, nas antífonas com que se conclui a recitação cotidiana do ofício, implorações cheias de lirismo, às quais se acrescentou o célebre tropário “Sub tuum praesidium”, venerando pela sua antiguidade e admirável pelo seu conteúdo; nas preces colocadas no final de Laudes e Vésperas, em que não é raro encontrar-se o confiante recurso a Mãe de misericórdia; na seleção vastíssima, enfim, de páginas marianas, devidas à pena de autores que viveram nos primeiros séculos do Cristianismo, na Idade Média e na Idade Moderna.
14. Se no Missal, no Lecionário e na Liturgia das Horas, que são os eixos da oração litúrgica romana, a memória da Virgem Maria se repete com ritmo frequente, também nos demais livros litúrgicos reformados não faltam as expressões de amor e de suplicante veneração para com a “Theotokos” (Mãe de Deus). Deste modo, pode ver-se que a Igreja a invoca, Mãe da graça, antes de imergir os candidatos nas águas salutares do Batismo [28], implora a sua intercessão para aquelas mães que, reconhecidas pelo dom da maternidade, se apresentam com alegria no templo [29]; aponta-a como exemplo aos seus membros que abraçam a sequela de Cristo na vida religiosa [30] ou recebem a consagração virginal [31], e para eles invoca o seu auxílio maternal [32]; a ela dirige instante súplica em favor dos filhos que chegaram à hora do passamento [33]; dela solicita a intervenção em prol daqueles que fechados os olhos para a luz temporal, compareceram perante Cristo, Luz eterna [34]; e, enfim, suplica, pela sua intercessão, conforto para aqueles que, mergulhados na dor, choram, com fé, a partida dos próprios entes queridos [35].
15. Este breve exame dos livros litúrgicos restaurados leva-nos a uma confortante comprovação: a reforma pós-conciliar, como já figurava entre os votos do Movimento Litúrgico, considerou a Virgem Maria com uma perspectiva adequada no mistério de Cristo; e, em sintonia com a tradição, reconheceu-lhe o lugar singular que lhe compete no culto cristão, qual Santa Mãe de Deus e enquanto alma cooperadora do Redentor. Nem podia ser de outra maneira. Ao percorrermos, ainda uma vez, a história do culto cristão, podemos notar que, tanto no Oriente como no Ocidente, as expressões mais altas e mais límpidas da piedade para com a bem-aventurada Virgem Maria floresceram no âmbito da Liturgia, ou então nela foram incorporadas.
Desejamos acentuar bem isto: o culto que a Igreja universal tributa hoje à Santíssima Virgem é derivação, prolongamento e acréscimo incessante daquele mesmo culto que a Igreja de todos os tempos lhe rendeu, com escrupuloso estudo da verdade e com uma sempre vigilante nobreza de formas. Da tradição perene, viva, em virtude da presença ininterrupta do Espírito e do contínuo dar ouvidos à Palavra, a Igreja do nosso tempo extrai motivações, argumentos e estímulo para o culto que presta à bem-aventurada Virgem Maria. E a própria Liturgia, que recebe do Magistério aprovação e alento, é expressão altíssima e documento probatório dessa mesma tradição viva.

B. A Virgem Maria, modelo da Igreja no exercício do culto
16. Queremos, agora, seguindo algumas indicações da doutrina conciliar acerca de Maria e da Igreja, aprofundar um aspecto particular das relações que se verificam entre Maria e a Liturgia, ou seja: Maria como exemplar da atitude espiritual com que a Igreja celebra e vive os divinos mistérios. A exemplaridade da bem-aventurada Virgem Maria, neste campo, é consequência do fato de ela ser reconhecida como modelo excelentíssimo da Igreja, na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com Cristo (LG, n. 63), isto é, daquelas disposições interiores com que a mesma Igreja, Esposa amadíssima, intimamente associada ao seu Senhor, O invoca e, por meio d'Ele presta o culto ao eterno Pai (SC, n. 07).
17. Maria é a Virgem que sabe ouvir, que acolhe a palavra de Deus com fé; fé, que foi para ela prelúdio e caminho para a maternidade divina, pois, como intuiu Santo Agostinho, “a bem-aventurada Maria, acreditando, deu à luz Aquele (Jesus) que, acreditando, concebera” (Sermo 215,4; PL 38,1074); na verdade, recebida do Anjo a resposta à sua dúvida (cf. Lc 1,34-37), “Ela, cheia de fé e concebendo Cristo na sua mente, antes de o conceber no seu seio, disse: ‘Eis a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra’” (Lc 1,38 - ibid.); fé, ainda, que foi para Ela motivo de beatitude e de segurança no cumprimento da promessa: "Feliz aquela que creu, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido" (Lc 1,45); fé, enfim, com a qual ela, protagonista e testemunha singular da Encarnação, reconsiderava os acontecimentos da infância de Cristo, confrontando-os entre si, no íntimo do seu coração (cf. Lc 2,19.51). É isto que também a Igreja faz; na sagrada Liturgia, sobretudo, ela escuta com fé, acolhe, proclama e venera a Palavra de Deus, distribui-a aos fiéis como pão de vida (Dei Verbum - DV, n. 21), à luz da mesma, perscruta os sinais dos tempos, interpreta e vive os acontecimentos da história.
18. Maria é, além disso, a Virgem dada à oração. Assim nos aparece ela, de fato, na visita à mãe do Precursor, quando o seu espírito se efunde em expressões de glorificação a Deus, de humildade, de fé e de esperança: tal é o “Magnificat” (cf. Lc 1,46-55), a oração por excelência de Maria, o cântico dos tempos messiânicos no qual confluem a exultação do antigo e do novo Israel, pois, conforme parece querer sugerir Santo Ireneu, no cântico de Maria convergiu o júbilo de Abraão, que pressentia o Messias (cf: Jo 8,56) [36] e ressoou, profeticamente antecipada, a voz da Igreja: “exultante, Maria clamava, em lugar da Igreja, profetizando: a minha alma glorifica o Senhor...” [37]. Este cântico da Virgem Santíssima, na verdade, prolongando-se, tornou-se oração da Igreja inteira, em todos os tempos.
Virgem em oração aparece Maria, também, em Caná, onde, ao manifestar ao Filho, com imploração delicada, uma necessidade temporal, obteve também um efeito de graça: que Jesus, ao realizar o primeiro dos seus “sinais”, confirmasse os discípulos na fé n'Ele (cf. Jo 2,1-12). Por fim, ainda a última passagem biográfica relativa a Maria no-la descreve orante: os Apóstolos “perseveravam unânimes na oração, com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus, e com os irmãos dele” (At 1,14). Presença orante de Maria na Igreja nascente, pois, e na Igreja de todos os tempos; porque ela, assumida ao céu, não depôs a sua missão de intercessão e de salvação (LG, n. 62).
Virgem dada à oração e também a Igreja, a qual todos os dias apresenta ao Pai as necessidade dos seus filhos, e “louva o Senhor sem cessar e intercede pela salvação de todo o mundo” (SC, n. 83).
19. Maria é, depois, a Virgem Mãe, isto é, aquela que “pela sua fé e obediência, gerou na terra o próprio Filho de Deus Pai, sem ter conhecido varão, por obra e graça do Espírito Santo” (LG, n. 63). Maternidade prodigiosa, constituída por Deus protótipo e modelo da fecundidade da Virgem-Igreja  a, a qual, por sua vez, “se torna também mãe, dado que, com a pregação e com o batismo gera para vida nova e imortal os filhos concebidos por ação do Espírito Santo e nascidos de Deus” (LG, n. 64).
Com justeza, portanto, os antigos Padres ensinavam que a Igreja prolonga no sacramento do Batismo a maternidade virginal de Maria. De entre os testemunhos destes Padres, apraz-nos recordar o do nosso predecessor, São Leão Magno, que, numa homilia natalícia, afirmava: “A origem que (Cristo) assumiu no seio da Virgem (Maria), coloca-a Ele na fonte do batismo: conferiu à água aquilo que deu à Mãe; com efeito, a virtude do Altíssimo e a sombra do Espírito Santo (cf. Lc 1,35), que fizeram com que Maria desse à luz o Salvador, são o mesmo que faz com que a ablução regenere aquele que crê” [38]. E se quisermos referir ainda fontes litúrgicas, poderemos citar a bela illatio da Liturgia hispânica: “Aquela (Maria) trouxe no seu seio a Vida; esta (Igreja) a traz no lavacro batismal. Nos membros daquela Cristo foi plasmado; nas águas desta Cristo foi revestido” [39].
20. Maria é, enfim, a Virgem oferente. No episódio da apresentação de Jesus no Templo (cf. Lc 2,22-35), a Igreja, guiada pelo Espírito Santo, descobriu, para além do cumprimento das leis respeitantes a oblação do primogênito (cf. Ex 13,11-16) e à purificação da mãe (cf. Lv 12,68), um mistério “salvífico” relativo à história da salvação, precisamente: e em tal mistério realçou a continuidade da oferta fundamental que o Verbo encarnado fez ao Pai, ao entrar no mundo (cf. Hb 10,5-7); viu nele proclamada a universalidade da Salvação, porque Simeão, ao saudar no menino a luz para iluminar as nações e a glória de Israel (cf. Lc 2,32), reconhecia n'Ele o Messias, o Salvador de todos; entendeu aí uma referência profética à Paixão de Cristo: é que as palavras de Simeão, as quais uniam num único vaticínio o Filho, “sinal de contradição” (Lc 2,34), e a Mãe, a quem a espada haveria de trespassar a alma (cf. Lc 2,35), verificaram-se no Calvário. Mistério de salvação, portanto, que nos seus vários aspectos, orienta o episódio da apresentação no Templo para o acontecimento “salvífico” da Cruz.
Mas a mesma Igreja, sobretudo a partir dos séculos da Idade Média, entreviu no coração da Virgem Maria, que leva o Filho a Jerusalém “para o oferecer ao Senhor” (cf. Lc 2,22), uma vontade oblativa, que transcendia o sentido ordinário do rito. Dessa intuição temos um testemunho na afetuosa apóstrofe de São Bernardo: “Oferece, Virgem santa, o teu Filho e apresenta ao Senhor o fruto bendito do teu ventre. Sim! Oferece a hóstia santa e agradável a Deus, para reconciliação de todos nós!” [40].
Esta união da Mãe com o Filho na obra da Redenção (LG, n. 57) alcança o ponto culminante no Calvário, onde Cristo “se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha” (Hb 9,14), e onde Maria esteve de pé, junto à Cruz (cf. Jo 19,25), “sofrendo profundamente com o seu Unigênito e associando-se com ânimo maternal ao seu sacrifício, consentindo amorosamente na imolação da vítima que ela havia gerado” (LG, n. 58), e oferecendo-a também ela ao eterno Pai [41]. Para perpetuar ao longo dos séculos o Sacrifício da Cruz, o divino Salvador instituiu o Sacrifício eucarístico, memorial da sua Morte e Ressurreição, e confiou-o à Igreja, sua Esposa (SC, n. 47), a qual sobretudo aos domingos, convoca os fiéis para celebrar a Páscoa do Senhor, até que Ele torne (SC, nn. 102.106): o que a mesma Igreja faz em comunhão com os Santos do céu e, em primeiro lugar, com a bem-aventurada Virgem Maria [42], de quem imita a caridade ardente e a fé inabalável.
21. Exemplar de toda a Igreja, no exercício do culto divino, Maria é também, evidentemente, mestra de vida espiritual para cada um dos cristãos. Assim, bem cedo os fiéis começaram a olhar para Maria, a fim de, como ela, fazerem da própria vida um culto a Deus, e do seu culto um compromisso vital. Já no século IV Santo Ambrósio, ao falar aos féis, lhes auspiciava que em cada um deles houvesse a alma de Maria, para glorificarem a Deus: “Que em cada um de vós haja a alma de Maria para bendizer o Senhor; e em cada um de vós esteja o seu espírito, para exultar em Deus!” [43].
Mas Maria é modelo, sobretudo, daquele culto que consiste em fazer da própria vida uma oferenda a Deus: doutrina antiga e perene, esta, que cada um de nós pode ouvir repetir, se prestar atenção aos ensinamentos da Igreja; mas que poderá entrever também, se der ouvidos à palavra da mesma Virgem Santíssima, quando ela, antecipando em si a estupenda petição da Oração Dominical, “seja feita a vossa vontade” (Mt 6,10), respondeu ao mensageiro de Deus: “Eis a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). E o “sim” de Maria é para todos os cristãos lição e exemplo, para fazerem da obediência à vontade do Pai o caminho e o meio da própria santificação.
22. É importante, ainda, observar bem como a Igreja procura traduzir as multíplices relações que a unem a Maria, em outras tantas atitudes culturais, diversas e eficazes: em veneração profunda, quando reflete na dignidade singular da Virgem Santíssima, que, por obra do Espírito Santo, se tornou Mãe do Verbo Encarnado; em amor ardente, quando considera a maternidade espiritual de Maria para com todos os membros do Corpo Místico; em invocação confiante, quando experimenta a necessidade de intercessão da sua advogada e auxiliadora (LG, n. 62); em serviço amoroso, quando descobre na humilde Serva do Senhor a Rainha da misericórdia e a mãe da graça; em imitação operosa, quando contempla a santidade e as virtudes da “cheia de graça” (Lc 1,28); em admiração comovida, quando vê nela, “como em imagem puríssima, o que ela, toda ela, deseja e espera com alegria ser” (SC, n. 103); em estudo atento, quando vislumbra na cooperadora do Redentor, já a participar plenamente dos frutos do Mistério Pascal, a realização profética do seu futuro pela qual anela, até ao dia em que purificada de qualquer mancha ou ruga (cf. Ef 2,27), se tornará como uma esposa adornada para o seu esposo, Jesus Cristo (cf. Ap 21,2).
23. Após havermos considerado, assim, Irmãos caríssimos, a veneração que a tradição litúrgica da Igreja universal e o Rito romano renovado exprimem para com a Santa Mãe de Deus, se nos lembrarmos, depois, que a Liturgia, pelo seu proeminente valor cultual, constitui uma norma de ouro para a piedade cristã e se observarmos, ainda, que a Igreja, quando celebra os sagrados mistérios, assume uma atitude de fé e de amor semelhante à da Virgem Santíssima poderemos compreender quão justa é a exortação do Concílio Vaticano II a todos os filhos da Igreja, “para que promovam generosamente o culto, especialmente litúrgico, à bem-aventurada Virgem Maria” (LG, n. 67). Exortação esta, que desejaríamos ver, por toda a parte, acatada sem reservas e posta em prática com zelo.

II Parte: Para a renovação da piedade mariana

24. O mesmo Concílio Vaticano II, no entanto, exorta a que, ao lado do culto litúrgico, se promovam outras formas de piedade, sobretudo aquelas que têm sido recomendadas pelo Magistério (LG, n. 67). Como é bem conhecido, a veneração dos fiéis para com a Mãe de Deus tem revestido, de fato, formas multíplices, de acordo com as circunstâncias de lugar e de tempo, com a diversa sensibilidade dos povos e com as suas diferentes tradições culturais. Disso resulta que, sujeitas ao desgaste do tempo, essas formas em que se expressa a piedade se apresentem necessitadas de renovação, que dê azo a nelas serem substituídos os elementos caducos, a serem valorizados os perenes, e a serem incorporados os dados doutrinais adquiridos pela reflexão teológica e propostos pelo Magistério eclesiástico.
Ora, isto põe em evidência a necessidade de as Conferências episcopais, as Igrejas locais, as famílias religiosas e as comunidades de fiéis favorecerem uma genuína atividade criadora e procederem, simultaneamente, a uma diligente revisão dos exercícios de piedade para com a Virgem Santíssima. Desejaríamos, entretanto, que tal revisão se processasse no respeito pela sã tradição e com abertura para receber as legítimas instâncias dos homens do nosso tempo. Por conseguinte, parece-nos oportuno, veneráveis Irmãos, passar a indicar-vos alguns princípios segundo os quais importa agir neste campo.

A. Nota trinitária, cristológica e eclesial no culto da Virgem Maria
25. É da máxima conveniência, antes de mais nada, que os exercícios de piedade para com a Virgem Maria exprimam, de maneira clara, a característica trinitária e cristológica que lhes é intrínseca e essencial. O culto cristão, de fato, é por sua natureza culto ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, ou, conforme se expressa a Liturgia, ao Pai por Cristo no Espírito. Nesta perspectiva, torna-se ele extensivo, legitimamente, se bem que de maneira substancialmente diversa, em primeiro lugar e de modo singular, à Mãe do Senhor, e depois aos Santos, nos quais a Igreja proclama o Mistério Pascal, por isso mesmo que eles sofreram com Cristo e com Ele foram glorificados (SC, n. 104).
Na Virgem Maria, de fato, tudo é relativo a Cristo e dependente d'Ele: foi em vista d'Ele que Deus Pai, desde toda a eternidade, a escolheu Mãe toda santa e a plenificou com dons do Espírito a ninguém mais concedidos. A genuína piedade cristã, certamente, nunca deixou de pôr em realce essa ligação indissolúvel e a essencial referência da Virgem Maria ao divino Salvador (LG, n. 66). Parece-nos, contudo, sobremaneira conforme com uma certa linha espiritual seguida na nossa época, dominada e absorvida pela “questão de Cristo” [44], que nas expressões do culto à Virgem Maria se dê um relevo especial ao aspecto cristológico e se envidem esforços no sentido de elas refletirem o plano de Deus, o qual preestabeleceu “com um só e mesmo decreto a origem de Maria e da Encarnação da divina Sapiência” [45]. Isto concorrerá, sem dúvida, para tornar mais sólida a piedade para com a Mãe de Jesus e fazer dela um instrumento eficaz para que alcancemos todos “o pleno conhecimento do Filho de Deus, o estado de Homem perfeito, a medida da plena estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4,13). Por outro lado, contribuirá isso também para aumentar o culto devido ao mesmo Cristo, porque, segundo o sentir perene da Igreja, reforçado autorizadamente nos nossos dias (LG, n. 66), “é referido ao Senhor aquilo com que se procura agradar a Serva; desse modo, redunda em prol do Filho aquilo mesmo que é devido à Mãe... De tal sorte, transfere-se para o Rei aquela honra que, em humilde tributo, se presta à Rainha” [46].
26. Depois de assim aludirmos à orientação cristológica do culto a Virgem Santíssima, parece-nos útil, em seguida, fazer aqui uma chamada à atenção para a oportunidade de se dar, nesse mesmo culto, o adequado realce a outro dos dados essenciais da fé: a pessoa e a obra do Espírito Santo.
A reflexão teológica e a Liturgia têm vindo a salientar, de fato, que a intervenção santificadora do Espírito no caso da Virgem de Nazaré foi um momento culminante da sua ação na história de Salvação. Assim, por exemplo, alguns Santos Padres e escritores eclesiásticos atribuíram à obra do Espírito a santidade original de Maria, por ele “como que plasmada e tornada uma nova criatura” [47]. E, refletindo, depois, sobre os textos evangélicos: “Virá sobre ti o Espírito Santo e a potência do Altíssimo te recobrirá” (Lc 1,35), e “Maria... achou-se que tinha concebido por obra do Espírito Santo (...) é obra do Espírito Santo o que nela se gerou” (Mt 1,18.20), descobriram eles em tal intervenção do Espírito uma ação que consagrou e tornou fecunda a virgindade de Maria [48] e a transformou em Palácio do Rei ou Tálamo do Verbo [49] em Templo ou Tabernáculo do Senhor [50] e em Arca da Aliança ou da Santificação [51] títulos ricos de ressonâncias bíblicas. E, ao aprofundarem mais o mistério da Encarnação, viram na misteriosa relação Espírito Santo-Maria um aspecto esponsal, poeticamente descrito por Prudêncio, nestes termos: “a Virgem não-casada desposa o Espírito” [52]; e chamaram-lhe, ainda, Santuário do Espírito Santo [53] expressão que frisa bem o caráter sagrado da Virgem Maria, que se torna habitação permanente do mesmo Espírito de Deus. Depois, penetrando mais na doutrina do Paráclito, perceberam que d'Ele, como de uma fonte, brotou a plenitude de graça (cf. Lc 1,28) e a abundância dos dons que a exornavam.
Ao Espírito Santo, por conseguinte, atribuíam a fé, a esperança e a caridade que animaram o coração da Virgem Santíssima, bem como a força que manteve a sua adesão à vontade de Deus e o vigor em que se apoiou a sua “compaixão” aos pés da Cruz [54] Anotaram também no cântico profético de Maria (cf. Lc 1,46-55) um particular influxo daquele mesmo Espírito que havia falado pela boca dos profetas [55]. E, ao considerarem, enfim a presença da Mãe de Jesus no Cenáculo, onde o Espírito desceu sobre a Igreja nascente (cf: At 1,12-14; 2,1-4), enriqueceram com novos desenvolvimentos o tema antigo Maria-Igreja [56]. Mas, sobretudo, recorreram à intercessão da Virgem Santíssima para obter do Espírito a capacidade de gerarem Cristo na própria alma, como o atesta S. Ildefonso numa oração, que surpreende pela doutrina e pelo vigor suplicante: “Rogo-te, sim, rogo-te, Virgem Santa, que eu obtenha Jesus daquele Espírito, do qual tu mesma gerastes Jesus! Que a minha alma receba Jesus por esse mesmo Espírito, por quem a tua carne concebeu Jesus! (...) Que eu ame Jesus naquele mesmo Espírito, no qual tu o adoras como Senhor e o contemplas como Filho!” [57]. 
27. Ouve-se afirmar, algumas vezes, que muitos textos de piedade moderna não refletem suficientemente toda a doutrina acerca do Espírito Santo. Cabe aos estudiosos verificar a justeza, ou não, dessa afirmação e aquilatar o seu alcance; a nós compete-nos exortar a todos, principalmente aos pastores e teólogos, a procurarem aprofundar a reflexão sobre a obra do Espírito na história da Salvação e a envidarem esforços no sentido de os textos de piedade cristã darem o devido relevo a sua ação vivificante. Desse aprofundamento emergirá, em particular, a misteriosa relação entre o Espírito de Deus e a Virgem de Nazaré e a ação de ambos sobre a Igreja: e dos dados da fé meditados mais profundamente derivar-se-á uma piedade vivida de maneira mais intensa.
28. É necessário, pois, que os exercícios de piedade com que os fiéis exprimem a sua veneração para com a Mãe do Senhor, manifestem de modo mais claro o lugar que ela ocupa na Igreja: “depois de Cristo, o mais alto e o mais perto de nós” [58]; um lugar que nos edifícios cultuais do Rito bizantino tem sido expresso plasticamente de tal maneira que, na própria disposição das estruturas arquitetônicas e dos elementos iconográficos, na porta central da iconostase, a representação da Anunciação a Maria, e na abside, e da “Theotokos” gloriosa, resulta manifesto que, a partir do “fiat” da humilde Serva do Senhor, a humanidade inicia o retorno a Deus e que na glória da Toda-santa vê a meta da sua caminhada. Assim o simbolismo com que o edifício da igreja exprime o lugar de Maria no mistério da Igreja encerra uma indicação fecunda e constitui um auspício para que, por toda a parte, as várias formas de veneração à bem-aventurada Virgem Maria se abram para perspectivas eclesiais.
A chamada à atenção para os conceitos fundamentais expostos pelo Concílio Vaticano II, sobre a natureza da Igreja, “Família de Deus”, “Povo de Deus”, “Reino de Deus”, “Corpo Místico de Cristo” (LG, nn. 6.7-8.9-17), permitirá, na verdade, aos fiéis, reconhecerem mais prontamente qual a missão de Maria no mistério da mesma Igreja e qual o seu eminente lugar na Comunhão dos Santos. Além disto, far-lhes-á sentir mais intensamente a fraternidade que une entre si todos os fiéis: porque filhos da Virgem Maria, “para cuja geração e educação (espiritual) ela coopera com amor de mãe” (LG, n. 66), e porque filhos da Igreja, também, visto que “do seu parto nascemos, com o seu leite somos alimentados, e pelo seu Espírito somos vivificados” [59]. Ambas concorrem, na verdade, para gerar o Corpo Místico de Cristo; mas “se bem que uma e outra Mãe de Cristo, nenhuma delas sem a outra dá à luz todo (o Corpo)” [60]. Por fim, facultar-lhes-á perceber mais distintamente que a ação da Igreja no mundo é como que um prolongamento da solicitude de Maria: aquele amor operoso de que a Virgem Santíssima dá mostras, realmente, em Nazaré, em casa de Isabel, em Caná e sobre o Gólgota, todos estes, momentos “salvíficos” de vasto alcance eclesial, encontra a sua continuidade na preocupação materna da Igreja para que todos os homens cheguem ao conhecimento da verdade (cf.1Tm 2,4), nos seus cuidados para com os humildes, os pobres e os fracos, e na sua aplicação constante em favor da paz e da concórdia social, no seu prodigalizar-se, enfim, para que todos os homens tenham parte na Salvação que a morte de Cristo lhes mereceu.
Deste modo, o amor pela Igreja traduzir-se-á em amor para com Maria, e vice-versa, pois uma não pode subsistir sem a outra, como perspicazmente observava S. Cromácio de Aquileia: “Reuniu-se a Igreja na parte superior (do Cenáculo), com Maria que foi a Mãe de Jesus e com os irmãos d'Ele. Não se pode, portanto, falar de Igreja senão quando estiver aí Maria, Mãe do Senhor, com os irmãos d'Ele” [61]. A concluir, insistimos ainda na necessidade de que a veneração dirigida à bem-aventurada Virgem Maria torne explícito o seu intrínseco conteúdo eclesiológico: isto equivale a dizer, lançar mão de uma força capaz de renovar, salutarmente, formas e textos.

B. Algumas orientações, de ordem bíblica, litúrgica, ecumênica e antropológica, para o culto à Virgem Maria
29. As indicações dadas até aqui, que fluem da consideração das relações da Virgem Maria com Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, e com a Igreja, queremos acrescentar agora, atendo-nos sempre às linhas do ensino conciliar (LG, nn. 66-69), algumas orientações, de ordem bíblica, litúrgica, ecumênica e antropológica, a ter presentes no rever ou criar exercícios e práticas de piedade, para tornar mais vivo e mais sentido o vínculo que nos une à Mãe de Cristo e Mãe nossa, na Comunhão dos Santos.
30. A necessidade de um cunho bíblico em toda e qualquer forma de culto é hoje algo sentida, como um postulado geral da piedade cristã. O progresso dos estudos bíblicos, a crescente difusão das Sagradas Escrituras e, sobretudo, o exemplo da tradição e a íntima moção do Espírito, orientam os cristãos do nosso tempo para servir-se cada dia mais da Bíblia, qual livro fundamental de oração e para tirar dela genuína inspiração e modelos insuperáveis. O culto à bem-aventurada Virgem Maria não pode ser eximido a esta orientação geral da piedade cristã (DV, n. 25); antes pelo contrário, deve ele inspirar-se particularmente em tal orientação, para adquirir novo vigor e dela tirar seguro proveito.
A Bíblia, ao apresentar de modo admirável o desígnio de Deus relativamente à salvação dos homens, acha-se toda ela impregnada do mistério do Salvador e encerra também, sem dúvida, desde o Gênesis até ao Apocalipse, referências àquela que foi mãe e cooperadora do mesmo Salvador. Não desejaríamos, no entanto, que o cunho bíblico se limitasse a um uso diligente de textos e símbolos sapientemente tirados das mesmas Sagradas Escrituras; essa característica comporta algo mais: requer, efetivamente, que as fórmulas de oração e os textos destinados ao canto assumam os termos e a inspiração da Bíblia; e exige, sobretudo, que o culto à Virgem Santíssima seja permeado pelos grandes temas da mensagem cristã, a fim de que os féis, ao mesmo tempo em que veneram aquela que é a Sede da Sabedoria, sejam também eles iluminados pela luz da Palavra divina e levados a agir segundo os ditames do Verbo encarnado.
31. Acerca da veneração que a Igreja presta à Mãe de Deus, na celebração da sagrada Liturgia, já falamos anteriormente. Mas agora, ao começar a discorrer sobre outras formas de culto e sobre os critérios em que elas hão de inspirar-se, não podemos deixar de recordar a norma da Constituição Sacrosanctum Concilium, a qual, ao mesmo tempo que recomenda vivamente os exercícios de piedade do povo cristão, acrescenta: “...importa, porém, ordenar essas práticas de piedade tendo em conta os tempos litúrgicos, de maneira que se harmonizem com a sagrada Liturgia, de certo modo derivem dela, e a ela, que por sua natureza lhes é muito superior, conduzam o povo cristão” (SC, n. 13).
Norma sapiente, esta, e simultaneamente clara; a sua aplicação prática, no entanto, não se apresenta fácil, sobretudo no campo do culto à Virgem Santíssima, tão variado nas suas expressões formais. Tal aplicação exige, na realidade, da parte dos responsáveis pelas Comunidades locais, esforço, tato pastoral e constância; e da parte dos fiéis, prontidão para aceitar orientações e propostas que, promanando embora da genuína natureza do culto cristão, muitas vezes comportam a mudança de usos inveterados, nos quais aquela natureza, de algum modo, se havia obscurecido.
Aqui neste ponto, quereríamos fazer alusão a duas atitudes que poderiam, eventualmente, tornar vã, na prática pastoral, a sobredita norma do Concílio Vaticano II: em primeiro lugar, a atitude de alguns a quem está confiada a cura de almas, que, aprioristicamente, desprezam os exercícios de piedade, se bem que recomendados pelo Magistério quando feitos na forma devida; e por isso, transcuram-nos e criam um vazio que não providenciam a preencher de nenhuma maneira. Ora, estes que assim procedem esquecem que o Concílio diz que se harmonizem os exercícios de piedade com a Liturgia e não que se suprimam simplesmente. Em segundo lugar, lembramos a atitude daqueles que, à margem de um são critério litúrgico e pastoral, misturam ao mesmo tempo exercícios piedosos e atos litúrgicos, em celebrações híbridas. Acontece, algumas vezes, que na própria celebração do Sacrifício Eucarístico são inseridos elementos que fazem parte de novenas ou de outras práticas piedosas, com o perigo de o Memorial do Senhor não constituir o momento culminante do encontro da comunidade cristã, mas ser como que a ocasião para algumas práticas devocionais. Aqueles que assim procedem quereríamos recordar que a norma conciliar prescreve que se harmonizem os piedosos exercícios com a Liturgia e não que se confundam com ela. Uma ação pastoral esclarecida, pois, deve, por um lado, saber distinguir e acentuar a natureza própria dos atos litúrgicos; e por outro lado, saber valorizar os piedosos exercícios, para os adaptar às necessidades de cada uma das comunidades eclesiais e torná-los preciosos auxiliares da mesma Liturgia.
32. Em virtude do seu caráter eclesial, no culto à Virgem Maria refletem-se as preocupações da própria Igreja, entre as quais, nos nossos dias, se salienta o anseio pela recomposição da unidade dos cristãos. A piedade para com a Mãe do Senhor torna-se, deste modo, sensível aos anelos e aos escopos do Movimento ecumênico, quer dizer, adquire também ela um caráter ecumênico. E isso, por vários motivos.
Antes de mais nada, porque os fiéis católicos se unem aos irmãos das Igrejas ortodoxas, nas quais a devoção à bem-aventurada Virgem Maria se reveste de formas de elevado lirismo e de doutrina profunda, ao venerar, com particular amor, a “Theotokos”, e ao aclamá-la como “Esperança dos cristãos” [62]; se unem aos Anglicanos, cujos teólogos clássicos já colocavam em evidência a sólida base escriturística do culto a Mãe de Nosso Senhor, e cujos teólogos contemporâneos frisam ainda mais a importância do lugar que Maria ocupa na vida cristã; se unem, enfim, aos irmãos das Igrejas da reforma, entre os quais floresce vigorosamente o amor pelas Sagradas Escrituras, que os leva a glorificarem a Deus com as próprias palavras da Virgem (cf. Lc 1,46-55).
Depois, porque a piedade para com a Mãe de Cristo e dos cristãos é, para os católicos, ocasião natural e frequente de imploração, para que ela interceda junto do Filho pela união de todos os batizados, num só Povo de Deus (LG, n. 69). E ainda, porque é desejo da Igreja católica que nesse culto, sem que lhe seja atenuado o caráter singular (LG, n. 66; SC, n. 103), sejam evitados, com todo o cuidado, quaisquer exageros, que possam induzir em erro os outros irmãos cristãos, acerca da verdadeira doutrina da Igreja católica (LG, n. 67); e sejam banidas quaisquer manifestações cultuais contrárias à reta praxe católica. Por  fim, sendo conatural ao genuíno culto da bem-aventurada Virgem Maria que, “ao honrar a Mãe (...) melhor se conheça, ame e glorifique o Filho” (LG, n. 56), ele torna-se caminho para Cristo, fonte e centro da comunhão eclesiástica, na qual todos aqueles que confessam abertamente que Ele é Deus e Senhor, Salvador e único Mediador (cf. 1Tm 2,5), são chamados a serem uma só coisa entre si, com Ele e com o Pai, na unidade do Espírito Santo [63].
33. Estamos conscientes de que existem não leves discordâncias entre o pensamento de muitos irmãos de outras Igrejas e comunidades eclesiais, e a doutrina católica “acerca (...) da função de Maria na obra da Salvação” (Unitatis Redintegratio, n. 20); e, por consequência, acerca do culto a prestar-lhe. Todavia, porque a mesma potência do Altíssimo que cobriu com a sua sombra a Virgem de Nazaré (cf. Lc 1,35) age também no hodierno Movimento Ecumênico e o fecunda, desejamos exprimir a nossa confiança em que a veneração da humilde Serva do Senhor, na qual o Onipotente fez grandes coisas (cf. Lc 1,49), se há de tornar, se bem que lentamente, não já um obstáculo, mas sim um trâmite e ponto de encontro para a união de todos os crentes em Cristo.
Sentimos alegria, de fato, ao verificar que uma melhor compreensão do lugar de Maria no mistério de Cristo e da Igreja, também da parte dos irmãos separados, torna mais desimpedido o caminhar para o encontro. E como em Caná a Virgem Santíssima, com a sua intervenção, obteve que Jesus realizasse o primeiro dos seus milagres (cf. Jo 2,1-12), assim também na nossa época ela poderá, com a sua intercessão, propiciar o advento da hora em que os discípulos de Cristo reencontrem a plena comunhão na fé. E esta nossa esperança é corroborada pela observação que já fazia o nosso predecessor Leão XIII: a causa da união dos cristãos é algo que “faz parte especificamente da sua (de Maria) função da maternidade espiritual. Na verdade, aqueles que são de Cristo, Maria não os gerou nem poderia gerar, senão numa única fé e num único amor: porventura ‘estará Cristo dividido’ (1Cor 1,13)? E assim, nós devemos, todos conjuntamente, viver da vida de Cristo, afim de, num só e mesmo corpo, ‘produzirmos frutos para Deus’ (Rm 7,4)” [64].
34. No culto à Santíssima Virgem devem ser tidas em atenta consideração também as aquisições seguras e comprovadas das ciências humanas; isso concorrerá, efetivamente, para que seja eliminada uma das causas de perturbação que se nota nesse mesmo campo do culto à Mãe do Senhor; quer dizer, aquele desconcerto entre certos dados deste culto e as hodiernas concepções antropológicas e a realidade psicossociológica, profundamente mudada, em que os homens do nosso tempo vivem e operam.
Observa-se, na realidade, que é difícil enquadrar a imagem da Virgem Maria conforme resulta de certa literatura devocional, nas condições de vida da sociedade contemporânea, e em particular nas da mulher. E isso, quer a consideremos no ambiente doméstico, onde tanto as leis como a evolução dos costumes tendem justamente para lhe reconhecer a igualdade e a corresponsabilidade com o homem, na direção da vida familiar; quer a consideremos no campo político, onde ela conquistou, em muitos Países, um poder de intervenção na coisa pública, a par do homem; quer a consideremos, ainda, no campo social, onde ela desenvolve a sua atividade, nos mais variados setores operativos, deixando cada dia mais o restrito ambiente do lar; quer a consideremos, enfim, no campo cultural, onde lhe são proporcionadas possibilidades novas de pesquisa científica e de afirmação intelectual.
Ora, daqui segue-se logicamente, para alguns, certa desafeição para com o culto à Virgem Santíssima e uma certa dificuldade em tomar Maria de Nazaré como modelo, porque os horizontes da sua vida, afirma-se, resultam restritos, em confronto com as vastas zonas de atividade em que a pessoa humana contemporânea é chamada a atuar. A este propósito, ao mesmo tempo em que exortamos os teólogos, os responsáveis pelas Comunidades cristãs e os mesmos féis a dedicarem a devida atenção a tais problemas, pareceu-nos útil dar uma contribuição, nós próprio também, para a sua solução, apresentando em seguida algumas observações.
35. Antes de mais nada, a Virgem Maria foi sempre proposta pela Igreja à imitação dos fiéis, não exatamente pelo tipo de vida que ela levou ou, menos ainda, por causa do ambiente sociocultural em que se desenrolou a sua existência, hoje superado quase por toda a parte; mas sim, porque, nas condições concretas da sua vida, ela aderiu total e responsavelmente à vontade de Deus (cf. Lc 1,38); porque soube acolher a sua palavra e pô-la em prática; porque a sua ação foi animada pela caridade e pelo espírito de serviço; e porque, em suma, ela foi a primeira e a mais perfeita discípula de Cristo, o que, naturalmente, tem um valor exemplar universal e permanente.
36. Em segundo lugar, quereríamos anotar que as dificuldades acima aludidas estão em íntima conexão com alguns traços da imagem popular e literária de Maria, e não com a sua imagem evangélica, nem com os dados doutrinais, que foram sendo precisados ao longo de lento e sério trabalho de explicitação da Palavra revelada. Deve considerar-se coisa normal, aliás, que as gerações cristãs que se sucederam, em quadros socioculturais diversos, ao contemplarem a figura e a missão de Maria, qual nova Mulher e perfeita cristã, que reuniu em si as situações mais características da vida feminina, porque Virgem, Esposa e Mãe, tenham visto na Mãe de Jesus o tipo eminente da condição feminina e o exemplar limpidíssimo da vida evangélica, e tenham expresso estes seus sentimentos segundo as categorias e as representações próprias da sua época.
A Igreja, quando considera a longa história da piedade mariana, alegra-se, ao verificar a continuidade do fato cultual; mas não se liga aos esquemas representativos das várias épocas culturais, nem às particulares concepções antropológicas que lhes estão subjacentes; ademais, compreende bem que algumas expressões de tal culto, perfeitamente válidas em si mesmas, são menos adaptadas aos homens que pertencem a épocas e civilizações diversas.
37. Desejamos, por fim, acentuar que a nossa época, não diversamente das precedentes, é chamada a aquilatar o próprio conhecimento da realidade com a palavra de Deus e, para ater-nos ao assunto de que estamos a tratar, a confrontar as suas concepções antropológicas e os problemas que daí derivam com a figura da Virgem Maria, conforme ela está proposta no Evangelho. Desse modo, a leitura das divinas Escrituras, feita sob o influxo do Espírito Santo e tendo presentes as aquisições das ciências humanas e as várias situações do mundo contemporâneo, levará a descobrir que Maria pode bem ser tomada como modelo naquilo por que anelam os homens do nosso tempo.
Assim, para dar alguns exemplos: a mulher contemporânea, desejosa de participar com poder de decisão nas opções da comunidade, contemplará com íntima alegria a Virgem Santíssima, que, assumida para o diálogo com Deus, dá o seu consentimento ativo e responsável (LG, n. 56), não para a solução dum problema contingente, mas sim da "obra dos séculos" como foi designada com justeza a Encarnação do Verbo [65]; dar-se-á conta de que a escolha do estado virginal por parte de Maria, que no desígnio de Deus a dispunha para o mistério da Encarnação, não foi um ato de fechar-se a qualquer dos valores do estado matrimonial, mas constituiu uma opção corajosa, feita para se consagrar totalmente ao amor de Deus; verificará, com grata surpresa, que Maria de Nazaré, apesar de absolutamente abandonada à vontade do Senhor, longe de ser uma mulher passivamente submissa ou de uma religiosidade alienante, foi, sim, uma mulher que não duvidou em armar que Deus é vingador dos humildes e dos oprimidos e derruba dos seus tronos os poderosos do mundo (cf. Lc 1,51-53); e reconhecerá em Maria, que é “a primeira entre os humildes e os pobres do Senhor” (LG, n. 55), uma mulher forte, que conheceu de perto a pobreza e o sofrimento, a fuga e o exílio (cf. Mt 2,13-23), situações, estas, que não podem escapar à atenção de quem quiser secundar, com Espírito evangélico, as energias libertadoras do homem e da sociedade; e não lhe aparecerá Maria, ainda, como uma mãe ciosamente voltada só para o próprio Filho divino, mas sim como aquela Mulher que, com a sua ação, favoreceu a fé da comunidade apostólica, em Cristo (cf. Jo 2,1-12), e cuja função materna se dilatou, vindo a assumir no Calvário dimensões universais [66].
São exemplos, como dizíamos. Deles transparece claramente, no entanto, que a figura da Virgem Santíssima não desilude algumas aspirações profundas dos homens do nosso tempo, e até lhes oferece o modelo acabado do discípulo do Senhor: obreiro da cidade terrena e temporal, e, simultaneamente, peregrino solerte também, em direção à cidade celeste e eterna; promotor da justiça que liberta o oprimido e da caridade que socorre o necessitado, mas, sobretudo, testemunha operosa do amor, que educa Cristo nos corações.
38. Depois de haver apresentado, assim, estas diretrizes, em ordem a favorecer o desenvolvimento harmonioso do culto à Mãe do Senhor, julgamos oportuno chamar a atenção para algumas atitudes cultuais errôneas.
O Concílio Vaticano II já denunciou, autorizadamente, tanto o exagero de conteúdos ou de formas, que vai até ao ponto de falsear a doutrina, como a mesquinhez de mente que chega a obscurecer a figura e a missão de Maria; de igual modo alguns desvios cultuais: a vã credulidade, que a uma aplicação séria substitui o dar-se facilmente a práticas apenas exteriores; o estéril e passageiro impulso do sentimento, tão alheio ao estilo evangélico, que exige esforço perseverante e efetivo (LG, n. 67). Nós reiteramos a deploração destas coisas: não são formas em harmonia com a fé católica e, por conseguinte, não devem subsistir no culto católico.
A defesa vigilante contra estes erros e desvios fará com que se torne mais vigoroso e genuíno o culto a santíssima Virgem: sólido nos seus fundamentos, pelo que, nele, o estudo das fontes reveladas e a atenção aos documentos do Magistério hão de prevalecer sobre a descomedida busca da novidade e de fatos extraordinários; objetivo no seu enquadramento histórico, pelo que deverá ser banido dele tudo aquilo que é manifestamente lendário ou falso; adequado ao conteúdo doutrinal, de onde a necessidade de evitar apresentações unilaterais da figura de Maria, que, por insistirem desmesuradamente num determinado elemento, comprometem o conjunto da imagem evangélica; e, enfim, límpido nas suas motivações, pelo que será mantido longe do santuário, com diligente cuidado, todo e qualquer interesse mesquinho.
39. Por fim, se porventura disso houvesse necessidade, quereríamos reiterar a insistência nisto: a finalidade última do culto à bem-aventurada Virgem Maria é glorificar a Deus e levar os cristãos a aplicarem-se numa vida absolutamente conforme a sua vontade. Os filhos da Igreja, na verdade, quando, juntando as suas vozes a da mulher anônima do Evangelho, enaltecem a Mãe de Jesus ao exclamarem, dirigindo-se ao mesmo Jesus, “Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram!” (Lc 11,27), serão induzidos a considerarem a grave resposta do divino Mestre: “Felizes antes os que ouvem a palavra de Deus e a observam!” (Lc 11,28). E esta resposta, se por um lado redunda num patente louvor a Santíssima Virgem, como a interpretaram alguns Santos Padres [67] e o Concílio Vaticano II o confirmou (LG, n. 58), por outro lado, ressoa para nós também como uma advertência a vivermos os mandamentos de Deus, e é como que o eco de outras admoestações do divino Salvador: “Nem todo o que me diz: ‘Senhor! Senhor!’ entrará no reino dos céus, mas o que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21); e “Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos ordenei” (Jo 15,14).

III Parte: Indicações acerca dos pios exercícios do “Ângelus Domini e do Santo Rosário

40. Temos vindo indicando alguns princípios, de per si aptos para darem novo vigor ao culto da Mãe do Senhor; agora é tarefa das Conferências episcopais e dos responsáveis pelas Comunidades locais e pelas várias famílias religiosas proceder sapientemente a restauração das práticas e exercícios de veneração para com a bem-aventurada Virgem Maria. Assim, procurarão secundar o impulso criador de todos aqueles que, levados por uma genuína inspiração religiosa e dando mostras de sensibilidade pastoral, desejem lançar novas formas de expressar tal veneração. Parece-nos oportuno, todavia, se bem que por motivos diversos, tratar aqui de dois exercícios de piedade muito difundidos no Ocidente, e dos quais esta Sé Apostólica se tem ocupado, em várias ocasiões: o “Ângelus Domini” (ou “Ave Marias”, ou “Trindades”) e o Rosário (ou Terço, ou Coroa) de Nossa Senhora.

O “Ângelus Domini” (“Ave-Marias”)
41. As nossas palavras acerca do “Ângelus Domini” (“Ave-Marias”) intentam ser uma simples mas férvida exortação a que se mantenha a costumada recitação, onde e quando isso for possível. Tal exercício de piedade não tem necessidade de ser restaurado: a estrutura simples, o caráter bíblico, a origem histórica que a liga à invocação da incolumidade na paz, o ritmo quase litúrgico que santifica momentos diversos do dia, a abertura para o Mistério Pascal, em virtude da qual, ao mesmo tempo que comemoramos a Encarnação do Filho de Deus, pedimos para ser conduzidos, “"pela sua paixão e morte na Cruz, a glória da ressurreição” [68] fazem com que ele, à distância de séculos, conserve inalterado o seu valor e intacto o seu frescor.
É certo que alguns usos, tradicionalmente coligados com a recitação do “Ângelus Domini”, desapareceram ou dificilmente podem manter-se na vida moderna; mas trata-se de elementos marginais. Resta, pois, imutado o valor da contemplação do mistério da Encarnação do Verbo, da saudação à Virgem Santíssima e do recurso à sua misericordiosa intercessão; e, não obstante terem mudado as condições dos tempos, permanecem invariados também, para a maior parte dos homens, aqueles momentos característicos do dia, amanhã, meio-dia e tarde, que assinalam os tempos da sua atividade e constituem um convite a uma pausa de oração.

O santo Rosário
42. E queremos em seguida, veneráveis Irmãos, deter-nos um pouco mais longamente sobre a renovação daquele outro exercício de piedade, que já foi chamado “o compêndio de todo o Evangelho” [69]: o Rosário, ou então o Terço (ou Coroa), de Nossa Senhora.
Os nossos predecessores dedicaram a esta prática vigilante atenção e diligente solicitude. Assim, mais de uma vez recomendaram a recitação do Rosário, favoreceram a sua difusão, ilustraram a sua natureza, reconheceram-lhe aptidão para desenvolver uma oração contemplativa, de louvor e simultaneamente de súplica, recordaram a sua conatural eficácia para promover a vida cristã e o empenho apostólico.
Nós próprios, desde a primeira audiência geral do nosso pontificado, a 13 de julho de 1963, temos tido ocasião de demonstrar a nossa grande estima pela piedosa prática do Rosário [70]; em momentos sucessivos não deixamos de sublinhar o seu valor, em circunstâncias multíplices, umas ordinárias e outras graves, como quando, numa hora de angústia e de insegurança, publicamos a Carta Encíclica “Christi Matri” (15 de setembro de 1966), para que fossem dirigidas orações suplicantes à bem-aventurada Virgem do Rosário, para impetrar de Deus o supremo bem da paz [71]; apelo, esse, que renovamos na nossa Exortação Apostólica “Recurrens mensis October” (07 de outubro de 1969), com a qual comemorávamos o quarto centenário da Carta Apostólica “Consueverunt Romani Pontífices” do nosso predecessor São Pio V, que nela ilustrou e, de algum modo, definiu a forma tradicional do Rosário [72].
43. E esse nosso interesse assíduo pelo que se refere à tão querida devoção do Rosário da bem-aventurada Virgem Maria levou-nos a acompanhar sempre, com ânimo atento, os numerosos convênios dedicados nestes últimos anos à pastoral do mesmo Rosário no mundo contemporâneo; convênios promovidos por associações e por pessoas singulares, às quais está profundamente a peito a mesma devoção do Rosário, e nos quais participaram bispos, presbíteros, religiosos e leigos de comprovada experiência e de manifesto sentido eclesial. Entre eles, é justo recordar os Filhos de São Domingos, por tradição guardiães e propagadores dessa tão salutar devoção. Aos trabalhos de tais convênios têm vindo a juntar-se as investigações dos historiadores, conduzidas, não com sentido de definir, quase com intuitos arqueológicos, qual a forma primitiva do Rosário, mas, sim, para apreender-lhe as intuições originais, a energia primigênia e a estrutura essencial. De tais convênios e investigações apareceram, mais nitidamente, quais as características primárias do Rosário e quais os seus elementos essenciais e a mútua relação existente entre eles.
44. Assim, por exemplo, apareceu numa luz mais viva a índole evangélica do mesmo Rosário, na medida em que se salientou que ele vai haurir ao Evangelho o enunciado dos mistérios e as fórmulas principais; no Evangelho se inspira, ainda, a sugestão para aquela atitude com que o fiel o deve recitar, a partir da jubilosa saudação do Anjo e do correspondente assentimento religioso da Virgem Maria; e do Evangelho, enfim, lembra, no suceder-se das Ave-Marias, um mistério fundamental, a Encarnação do Verbo, contemplado no momento decisivo da Anunciação feita a Maria. O Rosário, por conseguinte, é uma oração evangélica, como hoje em dia, talvez mais do que no passado, gostam de a definir os pastores e os estudiosos.
45. Foi percebido com maior clareza, além disso, que o ordenado e gradual desenrolar-se do Rosário reflete aquele mesmo modo com que o Verbo de Deus, ao inserir-se por misericordiosa decisão, nas vicissitudes humanas, operou a Redenção. O Rosário, de fato, considera numa sucessão harmoniosa os principais eventos “salvíficos” da mesma Redenção, que se realizaram em Cristo: desde a concepção virginal, passando pelos mistérios da infância, até aos momentos culminantes da Páscoa, a bendita Paixão e gloriosa Ressurreição, e aos efeitos da mesma sobre a Igreja nascente, no dia de Pentecostes, e sobre a Virgem Maria, na altura em que, tendo terminado o exílio terreno, foi assumida em corpo e alma à pátria celestial.
Foi observado, ademais, que a tríplice divisão dos mistérios do Rosário, não só coincide de maneira perfeita com a ordem cronológica dos fatos, mas sobretudo reflete também o esquema do primitivo anúncio da fé e evoca o mistério de Cristo, daquele mesmo modo como ele é visto por São Paulo, no célebre “hino” da Epístola aos Filipenses: despojamento, morte e exaltação (cf. 2,6-11).
46. Oração evangélica, centrada sobre o mistério da Encarnação redentora, o Rosário é, por isso mesmo, uma prece de orientação profundamente cristológica. Na verdade, o seu elemento mais característico, a repetição litânica do “Alegra-te, Maria”, torna-se também ele, louvor incessante, a Cristo, objetivo último do anúncio do Anjo e da saudação da mãe do Batista: “bendito o fruto do teu ventre” (Lc 1,42). Diremos mais ainda: a repetição da Ave-Maria constitui a urdidura sobre a qual se desenrola a contemplação dos mistérios; aquele Jesus que cada Ave-Maria relembra é o mesmo que a sucessão dos mistérios propõe, uma e outra vez, como Filho de Deus e da Virgem Santíssima; nascido numa gruta de Belém; apresentado pela mesma Mãe no Templo; um rapazinho ainda, a demonstrar-se cheio de zelo pelas coisas de seu Pai; depois, Redentor, agonizante no horto, flagelado e coroado de espinhos; a carregar a cruz e a morrer sobre o Calvário; por fim, ressuscitado da morte e elevado à glória do Pai, para efundir o dom do Espírito.
É coisa conhecida que, exatamente para favorecer a contemplação e para que a mente estivesse sempre em sintonia com as palavras, se costumava outrora, e tal costume conservou-se em diversas regiões, ajuntar ao nome de Jesus, em cada Ave-Maria, uma cláusula, que chamasse a atenção para o mistério enunciado.
47. Depois, fizeram tais convênios e investigações com que se sentisse, com maior urgência, a necessidade de recordar, ao lado do elemento laudativo e deprecatório, a importância de outro elemento essencial do Rosário: a contemplação. Sem esta, o mesmo Rosário é um corpo sem alma e a sua recitação corre o perigo de tornar-se uma repetição mecânica de fórmulas e de vir a achar-se em contradição com a advertência de Jesus: “Nas vossas orações, não useis de vãs repetições, como os gentios, porque imaginam que é pelo palavreado excessivo que serão ouvidos” (Mt 6,7). Por sua natureza, a recitação do Rosário requer um ritmo tranquilo e uma certa demora a pensar, que favoreçam, naquele que ora, a meditação dos mistérios da vida do Senhor, vistos através do coração daquela que mais de perto esteve em contato com o mesmo Senhor, e que abram o acesso às suas insondáveis riquezas.
48. Mediante a reflexão contemporânea, por fim, puderam ser compreendidas com uma maior precisão as relações existentes entre a Liturgia e o Rosário. Por um lado, foi salientado que o Rosário é como que um rebento que germinou sobre o tronco secular da Liturgia cristã, qual “Saltério da Santíssima Virgem”, com que os humildes se pudessem associar ao cântico de louvor e à intercessão universal da Igreja; por outro lado, observou-se ainda, isso aconteceu no declinar da Idade Média, numa época em que o espírito litúrgico se encontrava em decadência e se começava a verificar certo afastamento dos fiéis da Liturgia, para se ir mais para uma devoção sensível para com a Humanidade de Cristo e para com a bem-aventurada Virgem Maria.
Se em tempos não recuados pôde surgir no espírito de alguns o desejo de ver o Rosário incluído no número das expressões litúrgicas, e, pelo contrário, da parte de outros, levados pela preocupação de evitar erros pastorais do passado, uma injustificada desatenção em relação ao mesmo Rosário, hoje o problema é facilmente solucionável, à luz dos princípios da Constituição Sacrosanctum Concilium: as celebrações litúrgicas e o pio exercício do Rosário não se devem contrapor nem equiparar [73].
Cada expressão de oração, na verdade, conseguirá ser tanto mais fecunda, quanto mais conservar a sua verdadeira natureza e a fisionomia que lhe é própria. Reafirmando, portanto, o valor proeminente dos atos litúrgicos, não será difícil reconhecer que o Rosário é um exercício de piedade que se harmoniza facilmente com a sagrada Liturgia. Como a Liturgia, efetivamente, também o mesmo Rosário tem uma índole comunitária, se nutre da Sagrada Escritura e gravita em torno do mistério de Cristo. Depois, muito embora em planos essencialmente diversos, anamnese na Liturgia e memória contemplativa no Rosário têm por objeto os mesmos eventos “salvíficos” realizados por Cristo. A primeira torna presentes, sob o véu dos sinais, e operantes, de modo misterioso, os máximos mistérios da nossa Redenção; a segunda, por sua vez com o piedoso afeto da contemplação, reevoca na mente daquele que ora esses mesmos mistérios e estimula nele a vontade para haurir aí normas de vida.
Estabelecida esta diferença substancial, não há quem não veja ser o Rosário um pio exercício que à Liturgia foi buscar a sua motivação e que, se for praticado de acordo com a sua inspiração originária, a ela conduz, naturalmente, sem no entanto transpor o seu limiar. A meditação dos mistérios do Rosário, de fato, ao tornar familiares à mente e ao coração dos fiéis os mistérios de Cristo, pode constituir uma ótima preparação, e vir a ser, depois, um eco prolongado da celebração dos mesmos mistérios nos atos litúrgicos. É erro, todavia infelizmente, ainda a subsistir nalguns lugares, o recitar o Rosário durante a ação litúrgica.
49. O Rosário (Terço-Coroa) da bem-aventurada Virgem Maria, segundo a tradição que foi acolhida e autorizadamente proposta pelo nosso predecessor São Pio V, consta de vários elementos, dispostos de modo orgânico:
a) a contemplação, em comunhão com Maria, de uma série de mistérios da Salvação, sapientemente distribuídos em três ciclos que exprimem: o gozo dos tempos messiânicos; a dor “salvífica” de Cristo; e a glória do divino Ressuscitado que inunda a Igreja. Tal contemplação, pela sua natureza, conduz à reflexão prática e suscita estimulantes normas de vida.
b) a Oração Dominical, ou Pai-Nosso, que, pelo seu imenso valor, está na base da oração cristã e a nobilita nas suas diversas expressões.
c) a sucessão litânica da Ave-Maria, que resulta composta da saudação do Anjo à Virgem Santíssima (cf. Lc 1,28) e do bendizente obséquio de Isabel (cf. Lc 1,42), ao que se segue a súplica eclesial “Santa Maria...”. A série continuada das Ave-Marias é uma característica peculiar do Rosário, e o seu número, na forma típica e plenária de cento e cinquenta, apresenta uma tal ou qual analogia com o Saltério e é um dado que remonta à própria origem do piedoso exercício. Mas esse mesmo número, de acordo com um costume comprovado, dividido em dezenas coligadas a cada um dos mistérios, distribui-se nos três ciclos acima mencionados, dando lugar ao conhecido Terço, de cinquenta Ave-Marias, o qual entrou em uso qual medida normal do mesmo exercício e, como tal, foi adotado pela piedade popular e sancionado pela Autoridade Pontifícia, que o enriqueceu com numerosas indulgências.
d) a doxologia Glória ao Pai, que, em conformidade com uma orientação generalizada da piedade cristã, encerra a oração com a glorificação de Deus, uno e trino, do qual, pelo qual e para o qual são todas as coisas (cf. Rm 11,36).
50. Estes são, pois, os elementos do santo Rosário. Cada um deles tem a sua índole própria, que, acertadamente compreendida e apreciada, deve refletir-se na recitação, a fim de que o mesmo Rosário exprima toda a sua riqueza e variedade. Essa recitação, por conseguinte, tornar-se-á: grave e implorante, na Oração Dominical; lírica e laudativa, no transcorrer calmo das Ave-Marias; contemplativa, na reflexão atenta sobre os mistérios; e adorante na doxologia. E isto, note-se, em todas aquelas maneiras como costuma ser recitado o Rosário: quer privadamente, recolhendo-se aquele que ora na intimidade com o Senhor; quer comunitariamente, ou em família, ou por vários fiéis reunidos em grupo, para criar condições para uma particular presença do Senhor (cf. Mt 18,20), ou, ainda, publicamente, em assembleias para as quais é convocada qualquer comunidade eclesial.
51. Em tempos recentes, vieram a ser criados alguns pios exercícios, que vão buscar inspiração ao santo Rosário. Entre estes, queremos fazer menção e recomendar os que inserem no esquema habitual das celebrações da Palavra de Deus alguns elementos típicos do mesmo Rosário, como por exemplo, a meditação dos mistérios e a repetição litânica da saudação angélica. Tais elementos adquirem assim um maior relevo, enquadrados como são na leitura de textos bíblicos, ilustrados pela homilia, rodeados de pausas de silêncio e sublinhados com o canto. É-nos grato saber que semelhantes exercícios têm contribuído para fazer apreender mais completamente as riquezas espirituais do mesmo Rosário, e para que seja tida em maior apreço a sua prática no seio de associações e de movimentos de jovens.
52. Queremos agora, em continuidade de pensamento com os nossos predecessores, recomendar vivamente a recitação do santo Rosário em família. O Concílio Vaticano II pôs bem em evidência que a mesma família, qual célula primeira e vital da sociedade, “deve mostrar-se, pela mútua piedade dos membros e pela oração dirigida a Deus em comum, como um santuário familiar da Igreja” (Apostolicam Actuositatem - AA, n. 11). A família cristã, por conseguinte, apresentar-se-á assim como “Igreja doméstica” (LG, n. 11), na medida em que os seus membros, cada qual no seu lugar e dentro das suas atribuições próprias, se dão as mãos no promover a justiça, no praticar as obras de misericórdia, no dedicar-se ao serviço dos irmãos, tomando parte no apostolado da comunidade local mais ampla e inserindo-se no seu culto litúrgico (AA, n. 11); e, ainda, se elevarem a Deus orações suplicantes, em comum; se viesse a falhar este elemento no seio da família, então faltar-lhe-ia o próprio caráter de família cristã. Por isso, à recuperação da noção teológica da família, como Igreja doméstica, deve, coerentemente, seguir-se um esforço por instaurar na vida da mesma família a oração em comum.
53. De acordo com as diretrizes conciliares, a Institutio generalis de Liturgia Horarum inclui, justamente, o agregado familiar no número dos grupos aos quais se adapta a celebração em comum do Ofício divino: “É conveniente - lê-se aí - que, por fim, também a família, qual santuário doméstico da Igreja, não se limite apenas a elevar a Deus preces em comum, mas recite, conforme as circunstâncias lhe facultarem, algumas partes da Liturgia das Horas, para se inserir mais intimamente na mesma Igreja” (n. 27). Por conseguinte, nada se deve deixar de tentar para que esta indicação clara possa vir a ter crescente e feliz aplicação no seio das famílias cristãs.
54. Mas, depois da celebração da Liturgia das Horas ponto culminante a que pode chegar a oração doméstica, não há dúvida de que o Rosário da bem-aventurada Virgem Maria deve ser considerado uma das mais excelentes e eficazes orações em comum, que a família cristã é convidada a recitar. Dá-nos gosto pensar e auspiciamos vivamente que, quando o encontro familiar se transforma em tempo de oração, seja o Rosário a sua expressão frequente e preferida. Estamos bem conhecedores de que as mudadas condições da vida dos homens, nos nossos dias, não são favoráveis à possibilidade de momentos de reunião familiar; e de que, mesmo quando isso acontece, não poucas circunstâncias se conjugam para tornar difícil transformar o encontro da família em ocasião de oração. É uma coisa difícil, sem dúvida. No entanto, é também característico do agir cristão não se render aos condicionamentos do ambiente, mas superá-los; não sucumbir, mas sim elevar-se. Portanto, aquelas famílias que queiram viver em plenitude a vocação e a espiritualidade própria da família cristã, devem envidar todos os esforços para eliminar tudo o que seja obstáculo para os encontros familiares e para a oração em comum.
55. Ao concluir estas observações, prova da solicitude e da estima desta Sé Apostólica pelo santo Rosário (Terço-Coroa), queremos entretanto recomendar que, na difusão de tão salutar devoção, as suas reais proporções não sejam nunca alteradas, e que jamais ela seja apresentada com inoportuno exclusivismo: o Rosário é uma oração excelente, em relação à qual, contudo, os fiéis se devem sentir serenamente livres, e solicitados a recitá-la com compostura e tranquilidade, atraídos pela sua beleza intrínseca.

Conclusão: Valor teológico e pastoral do culto da Santíssima Virgem
66. A terminar esta nossa Exortação Apostólica, veneráveis Irmãos, desejamos frisar ainda, em breve síntese, o valor teológico do culto à Santíssima Virgem, e relembrar, resumidamente, a sua eficácia pastoral para a renovação dos costumes cristãos.
A piedade da Igreja para com a bem-aventurada Virgem Maria é elemento intrínseco do culto cristão. Essa veneração que a Igreja tem vindo a prestar à Mãe do Senhor, em todos os lugares e em todos os tempos, desde a saudação com que Isabel a bendiz (cf. Lc 1,42-45) até as expressões de louvor e de súplica da nossa época, constitui um excelente testemunho da sua norma de oração e um convite a reavivar nas consciências a sua norma de fé. E, em contrapartida, a norma de fé da Igreja exige também que, por toda a parte, floresça com pujança a sua norma de oração pelo que se refere à Mãe de Cristo.
Tal culto à Virgem Santíssima tem raízes profundas na Palavra revelada e, conjuntamente, sólidos fundamentos dogmáticos: a singular dignidade de Maria, “Mãe do Filho de Deus e, por isso, filha predileta do Pai e templo do Espírito Santo; por este seu dom de graça sem igual ela ultrapassa, de longe, todas as outras criaturas, celestes e terrestres” (LG, n.53); a sua cooperação nos momentos decisivos da obra da Salvação, realizada pelo Filho; a sua santidade, já plena na Conceição imaculada e, não obstante, sempre crescente, a medida que ela aderia à vontade do Pai e ia percorrendo a via do sofrimento (cf. Lc 2,25-35.41-52; e Jo 19,25-27) e ia progredindo constantemente na fé, na esperança e na caridade; a sua missão e condição única no Povo de Deus, do qual é, ao mesmo tempo, membro supereminente, modelo limpidíssimo e Mãe amorosíssima; a sua incessante e eficaz intercessão, em virtude da qual, embora assumida ao céu, continua muito perto dos fiéis que a imploram, e até mesmo daqueles que ignoram ser seus filhos; a sua glória, enfim, que enobrece todo o gênero humano, como de modo admirável o exprimiu o poeta Dante: “tu és aquela que a humana natureza / nobilitaste de tal modo, que o seu Autor / não desdenhou fazer-se sua feitura” [74]. Maria, de fato, é da nossa estirpe, verdadeira filha de Eva, se bem que isenta do labéu do mal, e nossa verdadeira irmã, que compartilhou plenamente, mulher humilde e pobre como foi, a nossa condição.
Acrescentaremos, ainda: o culto da bem-aventurada Virgem Maria tem a sua suprema razão de ser na insondável e livre vontade de Deus, que, sendo a eterna e divina Caridade (cf.1Jo 4,7-8.16), realiza todas as coisas segundo um plano de amor: amou-a e fez-lhe grandes coisas (cf. Lc 1,49), amou-a por causa de si mesmo e por causa de nós e, deu-a a si mesmo e no-la deu a nós.
57. Cristo é o único caminho para o Pai (cf. Jo 14,4-11). Cristo é o modelo supremo, ao qual o discípulo deve conformar o próprio comportamento (cf. Jo 13,15), até chegar ao ponto de ter em si os seus mesmos sentimentos (cf. Fl 2,5), viver da sua vida e possuir o seu Espírito (cf. Gl 2,20; Rm 8,10-11): foi isto o que a Igreja ensinou em todos os tempos e nada, na atividade pastoral, deve ensombrar jamais esta doutrina.
A Igreja, no entanto, instruída pelo Espírito e amestrada por uma experiência multissecular, reconhece que também a piedade para com a bem-aventurada Virgem Maria, subordinadamente à piedade para com o divino Salvador e em conexão com ela, tem uma grande eficácia pastoral e constitui uma força renovadora dos costumes cristãos.
A razão de tal eficácia pode facilmente ser entrevista. A multifacetada missão de Maria, em relação ao Povo de Deus, é, efetivamente, uma realidade sobrenatural, operante e fecunda no organismo eclesial. E dá gosto considerar cada um dos aspectos dessa missão e ver como todos eles se orientam, cada um com a sua eficácia própria, para o mesmo fim: reproduzir nos filhos as feições do Filho primogênito. Quer dizer: a materna intercessão da Virgem Santíssima, assim como a sua santidade exemplar, a graça divina, que está nela, tornam-se motivo de esperanças supernas para todo o gênero humano.
A materna missão de Maria, pois, impele o Povo de Deus a dirigir-se, com filial confiança, àquela que está sempre pronta para o atender, com afeto de mãe e com o valimento eficaz de auxiliadora (LG, nn. 60-63). Por isso, cedo começou o mesmo Povo de Deus a invocá-la sob os títulos de Consoladora dos aflitosSaúde dos enfermos e Refúgio dos pecadores, a fim de alcançar conforto nas tribulações, alívio nas doenças e, quando ilaqueado pela culpa, a força libertadora; porque ela, isenta do pecado, leva os seus filhos a isto: a debelarem, com decisão enérgica, o pecado (LG, n. 65). E tal libertação do pecado e do mal (cf. Mt 6,13), importa frisá-lo bem, é a condição necessária para toda e qualquer renovação dos costumes cristãos.
Depois, a santidade exemplar da Virgem Santíssima estimula, realmente, os fiéis a levantarem “os olhos para Maria, que brilha como modelo de virtudes sobre toda a comunidade dos eleitos” (LG, n. 65). São virtudes sólidas e evangélicas, as suas: a fé e a dócil aceitação da Palavra de Deus (cf. Lc 1,26-28.45; 11,27-28; Jo 2,5); a obediência generosa (cf. Lc 1,38); a humildade genuína (cf. Lc 1,48); a caridade solícita (cf. Lc 1,39-56); a sapiência reflexiva (cf. Lc 1,29.34; 2,19.33.51); a piedade para com Deus, álacre no cumprimento dos deveres religiosos (cf. Lc 2,21.22-40.41), reconhecida pelos dons recebidos (cf. Lc 1,46-49), oferente no Templo (cf. Lc 2,22-24) e orante na comunidade apostólica (cf. At 1,12-14); a fortaleza no exílio (cf. Mt 2,13-23) e no sofrimento (cf. Lc 2,34-35.49; Jo 19,25); a pobreza levada com dignidade e confiante em Deus (cf. Lc 1,48; 2,24); a solicitude vigilante para com o Filho, desde a humilhação do berço até a ignomínia da cruz (cf. Lc 2,1-7; Jo 19,25-27); a delicadeza previdente (cf. Jo 2,1-12); a pureza virginal (cf. Mt 1,18-25; Lc 1,2638); e, enfim, o forte e casto amor esponsal. Destas virtudes da Mãe se poderão também revestir os filhos que, com firmes propósitos, souberem reparar nos seus exemplos, para depois os traduzir na própria vida. E semelhante progresso na virtude aparecerá, assim, como consequência e fruto já maduro também, daquela força pastoral que promana do culto tributado à Virgem Santíssima.
A piedade para com a Mãe do Senhor torna-se pois, para o fiel, ocasião de crescimento na graça divina, que é, de resto, a finalidade última de toda e qualquer atividade pastoral. Na realidade, é impossível honrar a “cheia de graça” (Lc 1,28), sem honrar o estado de graça em si próprio; quer dizer: a amizade com Deus, a comunhão com Ele e a inabitação do Espírito Santo. Esta graça divina reveste todo o homem e torna-o conforme a imagem do Filho de Deus (cf. Rm 8,29; Cl 1,18).
A Igreja católica, apoiada numa experiência de séculos, reconhece na devoção a Virgem Santíssima um auxílio poderoso para o homem em marcha para a conquista da sua própria plenitude. Maria, a Mulher nova, está ao lado de Cristo “o Homem novo, em cujo mistério, somente, encontra verdadeira luz o mistério do homem” (Gaudium et Spes, n. 22); e está aí, qual penhor e garantia de que numa simples criatura, nela, se tornou já realidade o plano de Deus em Cristo, para a salvação de todo o homem.
Para o homem contemporâneo, - não raro atormentado entre a angústia e a esperança, prostrado mesmo pela sensação das próprias limitações e assaltado por aspirações sem limites, perturbado na mente e dividido em seu coração, com o espírito suspenso perante o enigma da morte, oprimido pela solidão e, simultaneamente, a tender para a comunhão, presa da náusea e do tédio, a bem-aventurada Virgem Maria contemplada no enquadramento das vicissitudes evangélicas em que interveio e na realidade que já alcançou na Cidade de Deus, proporciona-lhe uma visão serenadora e uma palavra tranquilizante: a da vitória da esperança sobre a angústia, da comunhão sobre a solidão, da paz sobre a perturbação da alegria e da beleza sobre o tédio e a náusea, das perspectivas eternas sobre as temporais e, enfim, da vida sobre a morte.
A sigilar esta nossa Exortação e como um ulterior argumento em favor do valor pastoral da devoção à Virgem Santíssima, para conduzir os homens a Cristo, sejam aquelas mesmas palavras que ela dirigiu aos servos das bodas de Caná: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2,5). Palavras estas limitadas, na aparência, ao desejo de achar remédio para uma complicação surgida no decorrer do convívio; mas que, na perspectiva do quarto Evangelho, são realmente palavras em que parece repercutir-se o eco da fórmula usada pelo Povo de Israel para sancionar a Aliança sinaíta (cf. Ex 19,8; 24,3.7; Dt 5,27), ou para renovar os compromissos da mesma (cf. Js 24,24; Esd 10,12; Ne 5,12); e palavras, ainda, em que há uma consonância admirável com aquelas outras do Pai, quando da teofania do monte Tabor: “Ouvi-O” (Mt 17,5).
58. Tratamos amplamente, veneráveis Irmãos, de um elemento que é parte integrante do culto cristão: a veneração para com a Mãe do Senhor. Exigia-o a natureza da matéria que, nestes últimos anos, tem sido objeto de estudo, de revisão e, algumas vezes, mesmo de certas perplexidades. É para nós motivo de conforto, no entanto, o pensar que o trabalho realizado, em execução das normas do Concílio, por esta Sé Apostólica e por vós próprios, de modo particular a reforma litúrgica, há de ficar a constituir um pressuposto válido, para um culto a Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, cada dia mais vivo e adorante, e para o crescimento da vida cristã entre os fiéis. E é motivo de confiança para nós, ainda, o verificar que a Liturgia romana renovada constitui, no seu conjunto, também ela, um fúlgido testemunho da piedade da Igreja para com a Santíssima Virgem. Alenta-nos a esperança de que as diretrizes emanadas em ordem a tornar cada vez mais límpida e vigorosa essa piedade virão a ser sinceramente aplicadas. E confessamos a nossa alegria, por fim, por o Senhor nos ter concedido a oportunidade de apresentar alguns pontos de reflexão que visam renovar e confirmar a estima em relação à prática do santo Rosário. Conforto, confiança, esperança e alegria são os sentimentos que, unindo a nossa voz à voz da Virgem Maria, como implora a Liturgia romana [75], queremos traduzir em fervoroso louvor e ação de graças ao Senhor.
Ao mesmo tempo em que auspiciamos, portanto, que graças à vossa aplicação generosa, Irmãos caríssimos, se verifique entre o clero e entre o povo confiado aos vossos cuidados, um salutar incremento da devoção mariana, com indubitável proveito para a Igreja e para a sociedade humana, outorgamo-vos, do coração, a vós e a todos os féis em prol dos quais se exercita o vosso zelo pastoral uma especial bênção apostólica.

Dada em Roma, junto de São Pedro, no dia 02 de fevereiro, Festa da Apresentação do Senhor, do ano de 1974, décimo primeiro do nosso pontificado.


PAULUS PP. VI

NOTAS
[1] Cf. Lactâncio, Divinae institutiones IV, 3, 6-10: CSEL 19, p. 279.
[2] Missa votiva da bem-aventurada Virgem Maria Mãe da Igreja, Prefácio.
[3] Cf. Exortação Apostólica Signum Magnum: AAS 59 (1967), pp. 465-475.
[4] Cf. Missal Romano (ex Decr. Sacr. Oec. Conc. Vat. II instauratum, Auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, Ed. typica, MCMLXX), 8 de dezembro, Prefácio.
[5] Missal Romano, Lecionário (ex Decr. Sacr. Oec. Conc. Vat. II instauratum auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, Ordo lectionum Missae Ed. Typica, MCMLXIX, p. 8): Leitura I (Ano A. Is 7,10-14: “Eis a Virgem que concebe”; Ano B: 2Sm 7,1-5.8b-11.16: “A realeza de Davi será estável para sempre diante do Senhor”; Ano C: Mq 5,2-5a [Hb 1-4a]: “...de ti sairá para mim aquele que há de dominar em Israel”).
[6] ibid., (p. 8): Evangelho (Ano A: Mt 1,18-24: “Jesus nascerá de Maria, desposada com José, filho de Davi”; Ano B: Lc 1,26-38: “Eis que conceberás e darás à luz um filho”; Ano C: Lc 1,39-45: “E donde me é dada a graça que venha visitar-me a mãe do meu Senhor?”).
[7] Cf. Missal Romano, Prefácio do Advento , II.
[8] Cf. Missal Romanoibid.
[9] Cf. Missal Romano, Prece Eucarística I, Communicantes próprio da Festa de Natividade do Senhor e da Oitava.
[10] Cf. Missal Romano, l° de janeiro, Intróito e Coleta.
[11] Cf. Missal Romano, 22 de agosto, Coleta.
[12] Cf. Missal Romano, 8 de setembro, Depois da Comunhão.
[13] Cf. Missal Romano, 31 de maio, Coleta.
[14] Cf. Ibidem, Coleta e Oração sobre as oblatas.
[15] Cf. Missal Romano, l5 de setembro, Coleta.
[16] Cf. supra, n. l, p.13.
[17] Entre as numerosas anáforas, cf. as seguintes, particularmente apreciadas entre os Orientais: Anaphora Marci Evangelistae: Prex Eucharistica, ed. A. Haenggi-I. Pahl, Fribourg, Editions Universitaires, 1968, p.107; Anaphora Iacobi fratris Domini graeca, ibid., p. 257: Anaphora Iannis Chrysostomiibid., p. 229.
[18] Cf. Missal Romano, 8 de dezembro, Prefácio.
[19] Cf. Missal Romano, l5 de agosto, Prefácio.
[20] Cf. Missal Romano, l° de janeiro, Depois da Comunhão.
[21] Cf. Missal Romano, Comum das Festas de Nossa Senhora, Tempo Pascal, 6, Coleta.
[22] Cf. Missal Romano, l5 de setembro, Coleta.
[23] Cf. Missal Romano, 31 de maio, Coleta. Na mesma linha, veja-se também o II Prefácio de Nossa Senhora: “É verdadeiramente nosso dever... exaltar de modo particular a Vossa bondade, na evocação da memória da bem-aventurada Virgem Maria, inspirando-nos no seu canto de louvor”.
[24] Cf. Missal Romano, - Lecionário, III Domingo do Advento (Ano C: Sf 3,14-18a); IV Domingo do Advento (Cf. supra a nota 12); Domingo dentro da Oitava do Natal (Ano A: Mt 2,13-15.19-23; Ano B: Lc 2,22-40; Ano C: Lc 2,41-52); II Domingo depois do Natal (Jo 1,1-18); VII Domingo da Páscoa (Ano A: At 1,12-14); II Domingo durante o ano (Ano C: Jo 2,1-12); X Domingo durante o ano (Ano B: Gn 3,9-15); XIV Domingo durante o ano (Ano B: Mc 6,1-6).
[25] Cf. Missal Romano - Lecionário, Para o Catecumenato e Batismo dos adultos, “Ad traditionem” da Oração Dominical (Leitura II, 2: Gl 4,4-97); Para a Iniciação Cristã fora da vigília Pascal (Evang., 7: Jo 1,1-5.9.14.16-18); Para as núpcias (Evang., 7: Jo 2,1-12); Para a consagração das virgens e profissão religiosa (Leitura I, 7: Is 61,9-11; Evang., 6: Mc 3,31-35; Lc 1,26-38 [cf. o "Ordoda consagração das virgens, n.130; e o "Ordo" da profissão religiosa, Segunda Parte, n.145]).
[26] Cf. Missal Romano - Lecionário, Pelos prófugos e exilados (Evang., 1: Mt 2,13-15.19-23); Em ação de graças (Leitura I, 4: Sf 3,14-15).
[27] La Divina Commedia, Paradiso XXXIII,1-9; Cf. Liturgia das Horas, Memória de Santa Maria “in Sabbato”, Ofício da Leitura, Hino.
[28] Cf. “Ordo do Batismo das crianças, n. 48; “Ordo da Iniciação cristã dos adultos, n. 214.
[29] Cf. Ritual Romano, Tít. VII, cap. III, Bênção da mulher depois do parto.
[30] Cf. “Ordo da profissão religiosa, Primeira Parte, nn. 57 e 67.
[31] Cf. “Ordo da consagração das virgens, n.16.
[32] Cf. “Ordo da profissão religiosa, Primeira Parte, nn. 62 e 142; Segunda Parte, nn. 67 e 158; e “Ordo da consagração das virgens, nn.18 e 20.
[33] Cf. “Ordo da unção dos enfermos e cuidados pastorais dos mesmos, nn. 143,146,147,150.
[34] Cf. Missal Romano, Missas dos defuntos - pelos irmãos, parentes e benfeitores falecidos, Coleta.
[35] Cf. “Ordo das exéquias, n. 226.
[36] Cf. Adversus Haereses IV, 7,1: PG 7,1; 990-991; S. Ch., n.100, t. II, pp. 454-458.
[37] Cf. Adversus Haereses III,10, 2: PG 7,1, 873; S. Ch., n. 34, p.164.
[38] Tractatus XXV (In Nativitate Domini), 5: CCL 138, p.123; S. Ch., 22 bis, p. 132; C£ também Tractatus XXIX (In Nativitate Domini), 1: CCL ibid., p. 147; S. Ch., ibid., p.178; Tractatus LXIII (De Passione Domini), 6: CCL ibid., p. 386; S. Ch., 74, p. 82.
[39] M. Ferotin, Le Liber Mozarabicus Sacramentorum”, col. 56.
[40] In Purificatione B. MariaeSermo III, 2: PL 183, 370; Sancti Bernardi Opera, ed., J. Leclercq-H. Rochais, vol. IV, Romae 1966, p. 342.
[41] Cf. Pio XII, Encíclica Mystici Corporis: AAS 35 (1943), p. 247.
[42] “(...) Dignai-vos lembrar todos aqueles que partiram deste mundo e vos foram aceites - dos santos padres, patriarcas, profetas, apóstolos (...) e da santa e gloriosa Mãe de Deus, Maria, e de todos os santos. (...); que eles recordem a nossa miséria e pobreza e vos ofereçam, juntamente conosco, este sacrifício formidável e incruento”: Anaphora Iacobi fratris Domini syriacaPrex Eucharistica, ed., A. Haenggi-I. Pahl, Fribourg, Editions Universitaires, 1968, p. 274.
[43] Expositio Evangelii secundum Lucam, II, 26: CSEL 32, IV, p. 55; S. Ch., 45, pp. 83-84.
[44] Cf. Paulo VI, Alocução no Santuário mariano de “Nostra Signora di Bonaria”, Cagliari, a 24 de abril de 1970: AAS 62 (1970), p. 300.
[45] Cf. Pio IX, Bula Dogmática Ineffabilis Deus: Pii IX Pontificas Maximi Acta, I, l, Romae, 1854, p. 599; Cf. ed. V Sarda, La solenne definizione del dogma dell'Immacolato concepimento di Maria Santíssima. Atti e documenti..., Roma 1904-1905, vol. II, p. 302.
[46] S. Ildefonso, De virginitate perpetua sanctae Mariae, cap. XII; PL 96, 108.
[47] Lumen Gentium, n. 56, e os autores citados na relativa.
[48] Cf. S. Ambrósio, De Spiritu Sancto II, 37-38: CSEL 79, pp. 100-101; Cassiano, De Incarnatione Domina II, cap. II: CSEL 17, pp. 247-249; S. Beda, Homilia I, 3: CCL 122, p.18 e p. 20.
[49] Cf. S. Ambrósio, De institutione virginis, cap. XII, 79: PL 16 (ed. 1880), 339; Epistula 30, 3 e Epistula 42, 7: ibid., 1107 e 1175; Expositio evangelii secundum Lucam X, 132; S. Ch., 52, p. 200; S. Procles de Constantinopla, Oratio I, et Oratio V, 3: PG 65, 681 e 720; S. Basílio de Selêucia, Oratio XXXIX, 3: PG 85, 433; S. André de Creta, Oratio IV: PG 97, 868; S. Germano de Constantinopla, Oratio II,15: PG 98, 305.
50. Cf. S. Jerônimo, Adversos Iovinianum I, 33: PL 23, 267; S. Ambrósio, Epistula 63, 33: PL 16 (ed. 1880), 1249; De institutione virginis, cap. XVII, 195: Ibid., 346; De Spiritu Sancto III, 79-80: CSEL 79, pp. 182-183; Sedúlio, Hymnus “A solis ortus cardine”, vv.13-14: CSEL 10, p.164; Hymnus Akathistos, str. 23: ed. I B. Pitra, Analecta Sacra, I, p. 261; S. Proclo de Constantinopla, Oratio I, 3: PG 65, 684; Oratio II, 6: ibid., 700: S. Basílio de Selêucia, Oratio IV: PG 97, 868; S. João Damasceno, Oratio IV,10: PG 96, 677.
[51] Cf. S. Severo de Antioquia, Homilia 57: PO 8, pp. 357-358; Hesíquio de Jerusalém, Homilia de Sancta Maria Deipara: PG 93,1464: Crisipo de Jerusalém, Oratio in sanctam Mariam Deiparam, 2: PO 19, p. 338; S. André de Creta, Oratio V: PG 97, 896; S. João Damasceno, Oratio VI, 6: PG 96, 672.
[52] Liber Apotheosis, vv 571-572: CCL 126, p. 97.
[53] Cf. S. Isidoro, De ortu et obitu Patrum, cap. LXVII, 111: PL 83, 148; S. Ildefonso, De virginitate perpetua sanctae Mariae, cap. X: PL 96, 95; S. Bernardo, In Assumptione B. Virginis Mariae, Sermo IV, 4: PL 183, 428; In Nativitate B. Virginis Mariae: ibid., 442; S. Pedro Damião, Carmina sacra et preces II, Oratio ad Deum, Filium: PL 145, 921; Antiphona “Beata Dei Genetrix Maria”: Corpus antiphonalium officcii, ed. R. J. Hesbert, Roma 1970, vol. N, n. 6314, p. 80.
[54] Cf. Paulo Diácono, Homilia I, In Assumptione B. Mariae Virginis: PL 95, 1567; Pascásio Rodberto, De Assumptione sanctae Mariae Virginis, trib., nn. 31, 42, 57, 83: ed. A. Ripberger, in “Spicilegium Friburgense”, n. 9, 1962, pp. 72, 76, 84, 96-97; Eadmero de Cantuária. De excellentia Vrginis Mariae, cap. IV- V: PL 159, 562-567; S. Bernardo, In laudibus Virginis MatrisHomilia IV, 3: Sancti Barnardi Opera, ed. J. Leclercq-H. Rochais, IV, Romae 1966, pp. 49-50.
[55] Cf. Orígenes, In Lucam Homilia VII, 3: PG 13,1817; S. Ch., 87, p.156; S. Cirilo de Alexandria, Commentarius in Aggaeum prophetam, cap. XIX: PG 71, 1060; S. Ambrósio, De fide IV, 9, 113-114: CSEL 78, pp. 197-198; Expositio evangelii secundum Lucam II, 23 e 27-28; CSEL 32, N, pp. 53-54 e 55-56; Severiano de Gábala, In mundi creationem oratio IV, 10. PG 56, 497-498; Antipater Bostrensis, Homilia in Sanctissimae Deiparae Annuntiationem, 16: PG 85,1785.
56. Cf. Eadmero de Cantuária, De excellentia Virginis Mariae, cap. VII: PL 159, 571: S. Amadeu de Lausana, Homilia VII: PL 188,1337; S. Ch., 72, p.184.
[57] De virginitate perpetua sanetae Mariae, cap. XII: PL 96,106.
[58] Lumen Gentium, n. 54. Cf. Paulo VI, Alocução durante o Concílio Ecumênico Vaticano II, na altura do encerramento da segunda sessão, em 04 de dezembro de 1963. AAS 56 (1964), p. 37.
[59] S. Cipriano, De catholicae Ecclesiae unitate, 5: CSEL 3, p. 214.
[60] Isaac de Stella, Sereno LI, In Assumptione B. Mariae; PL 194,1863.
[61] Sermo XXX,1: S. Ch., 164, p.134.
[62] Cf. Officium magni canonis paracleticiMagnum Orologion, Athenis 1963, p. 558; ocorre com frequência nos cânones e tropários litúrgicos: Cf. Sofrônio Eustradiadou, Theotokarion, Chennevières-sur-Marne,1931, pp. 9 e 19.
[63] Cf. Paulo VI, Alocução aos Padres Conciliares, na Basílica de S. Pedro, em 21 de novembro de 1964: AAS 56 (1964), p.1017.
[64] Carta Encíclica Adiutricem populi: AAS 28 (1895-1896), p.135.
[65] Cf. S. Pedro Crisólogo, Sermo CXLIII: PL 52, 583.
[66] Cf. Paulo VI, Exortação Apostólica Signum Magnum, I: AAS 59 (1967), pp. 467-468; Missal Romano, l5 de setembro, Oração sobre as oferendas.
[67] S. Agostinho, In Iohannis Evangelium, Tractatus X, 3: CCL 36, pp. 101.102; Epistula 243, Ad Laetum, n. 9. CSEL 57, pp. 575-576; S. Beda, In Lucae Evangelium expositio, N, xi, 28: CCL 120, p. 237; Homilia I, 4: CCL 122, pp. 26-27.
[68] Cf. Missal Romano, IV Domingo do Advento, Oração do dia. Analogamente a Oração do dia de 25 de março, que na recitação do Ângelus Domini pode substituir a precedente. 
[69] Pio XII, Carta Philippinas Insulas, ao Arcebispo de Manila: AAS 38 (1946), p. 419.
[70] Cf. Discurso aos participantes no III Congresso Internacional Dominicano do Rosário: Insegnamenti di Paolo VI, l (1963), pp. 463-464.
[71] Cf. AAS 58 (1966), pp. 745-749.
[72] Cf. AAS 61 (1969), pp. 649-654.
[73] Cf. n.13: AAS 56 (1964), p.103.
[74] La Divina Commedia, Paradiso XXXIII, 4-6.
[75] Cf. Missal Romano, 31 de maio, Oração do dia.


Fonte: Santa Sé

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