Publicamos ontem aqui no blog um texto sobre os ensinamentos do Papa Paulo VI sobre a Liturgia. Na quarta parte do texto o autor reflete sobre a contribuição de Paulo VI para a autêntica piedade litúrgica mariana, referindo-se muitas vezes à Exortação Apostólica Marialis Cultus, de 02 de fevereiro de 1974.
Segue, pois, o texto completo desta Exortação Apostólica, complementando assim o texto sobre Paulo VI e a Liturgia. Cumpre dizer que já publicamos aqui no blog a Exortação Apostólica Signum Magnum publicada em Paulo VI em 1967, nos cinquenta anos das aparições de Nossa Senhora em Fátima.
Exortação Apostólica Marialis
Cultus
do
Santo Padre Paulo VI
Para
a reta ordenação e desenvolvimento do culto à Bem-Aventurada Virgem Maria
Introdução
Veneráveis Irmãos, saúde e bênção apostólica.
Desde quando fomos assumidos para ocupar a Cátedra de Pedro,
esforçamo-nos constantemente por dar incremento ao culto mariano, não apenas
com o intuito de interpretar o sentir da Igreja e o nosso pendor pessoal, mas
também porque ele, como é sabido, se insere, qual parte nobilíssima, no
contexto daquele culto sagrado, em que vêm confluir a culminância da sapiência
e o vértice da religião [1], e que, por conseguinte, é dever primário do Povo
de Deus.
Tendo em vista precisamente tal dever, nós procuramos secundar e
encorajar sempre a grande obra de reforma litúrgica, promovida pelo Concílio
Ecumênico Vaticano II; e até aconteceu, certamente não sem particular desígnio
da divina Providência, que o primeiro documento conciliar que nós, juntamente
com os veneráveis Padres, aprovamos e assinamos “in Spiritu Sancto”, foi a Constituição Sacrosanctum
Concilium (SC), a qual se
propunha, exatamente, restaurar e fomentar a Liturgia, tornando mais profícua a
participação dos fiéis nos sagrados mistérios (SC, nn. 1-3). E desde então
para cá, muitos atos do nosso Pontificado tiveram como finalidade promover uma
melhoria do culto a Deus, como o demonstra o fato de havermos promulgado,
durante estes anos, numerosos livros do Rito Romano, restaurados em
conformidade com os princípios e as normas do mesmo Concílio. Por isso, agradecemos
profundamente ao Senhor, dador de todos os bens, e estamos reconhecidos também
às Conferências episcopais e a cada um dos bispos, por haverem colaborado
conosco, de diversas maneiras, na preparação de tais livros.
Mas, ao mesmo tempo em que assim consideramos, com ânimo jubiloso e
grato, o trabalho já realizado e os primeiros resultados positivos da renovação
no campo litúrgico, destinados a multiplicar-se à medida que a reforma
litúrgica for sendo melhor compreendida nas suas motivações de fundo e corretamente
aplicada, a nossa solicitude vigilante não cessa de ir seguindo tudo aquilo que
pode dar realização ordenada à restauração do culto com o qual a Igreja, em
espírito e verdade (cf. Jo 4,24), adora o Pai, o Filho e o Espírito Santo, “venera
com particular amor Maria Santíssima, Mãe de Deus” (SC, n. 103), e honra
com religioso obséquio a memória dos mártires e dos outros santos.
O desenvolvimento, por nós auspiciado, da devoção para com a Virgem
Maria, inserida, conforme acima aludimos, no álveo do único culto que, com
razão e justeza, é chamado “cristão”, pois de Cristo se origina e assume
eficácia, em Cristo encontra completa expressão e por meio de Cristo, no
Espírito, conduz ao Pai, é elemento qualificante da genuína piedade da Igreja.
Por uma necessidade íntima, de fato, essa piedade reflete, na prática cultual,
o plano redentor de Deus; pelo que, ao lugar singular que coube a Maria em tal
plano, corresponde também um culto singular para com ela (Lumen Gentium - LG, n. 66); como, ainda, a todo o progresso
autêntico do culto cristão segue-se necessariamente um correto incremento da
veneração para com a Mãe do Senhor. De resto, a história da piedade demonstra
que “as diversas formas de devoção para com a Mãe de Deus, que a Igreja
aprovou, dentro dos limites da doutrina sã e ortodoxa” (LG, n. 66) se
desenvolvem em subordinação harmônica ao culto de Cristo, e gravitam à volta
deste, qual ponto de referência natural e necessário das mesmas. Também na
nossa época assim sucede. A reflexão da Igreja contemporânea, sobre o mistério
de Cristo e sobre a sua própria natureza, levou-a a encontrar, na base do
primeiro e como coroa da segunda, a mesma figura de mulher: a Virgem Maria,
precisamente, enquanto ela é Mãe de Cristo e Mãe da Igreja. E o acrescido
conhecimento da missão de Maria transmutou-se em veneração repassada de
alegria, para com ela, e em respeito de adoração para com o sapiente desígnio
de Deus, que colocou na sua família - a Igreja - como em todo e qualquer lar
doméstico, a figura de uma mulher, que, escondidamente e em espírito de
serviço, vela pelo seu bem e "benignamente protege, na sua caminhada em
direção à Pátria, até que chegue o dia glorioso do Senhor” [2].
Nos nossos tempos, as mudanças que se operaram nos costumes sociais, na
sensibilidade dos povos, nos modos de expressar-se da literatura e das artes e
nas formas de comunicação social, influíram também sobre as manifestações do
sentimento religioso. Certas práticas cultuais, que em tempos não distantes
pareciam aptas para exprimir o mesmo sentimento religioso dos indivíduos e
das comunidades cristãs, aparecem hoje como insuficientes e inadequadas, porque
ligadas a esquemas socioculturais do passado, ao mesmo tempo que, em muitas
partes, se vão buscando novas formas expressivas da imutável relação das
criaturas com o seu Criador, dos filhos com o seu Pai. Ora, isto pode provocar
em alguns uma desorientação momentânea; no entanto, quem com espírito confiante
em Deus, refletir sobre tais fenômenos, descobrirá que muitas tendências da
piedade contemporânea, a interiorização do sentimento religioso, por exemplo,
estão destinadas a concorrer para o progresso da mesma piedade cristã em geral,
e da piedade para com a Virgem Santíssima em particular. Deste modo, a nossa
época, no atender fielmente à tradição, e ao considerar atentamente os
progressos da teologia e das ciências, contribuirá para o louvor daquela, a
quem, segundo as suas proféticas palavras, haveriam de chamar bem-aventurada
todas as gerações (cf. Lc 1,48).
Julgamos conforme ao nosso serviço apostólico, por conseguinte, tratar,
como que dialogando convosco, veneráveis Irmãos, alguns temas relativos ao
lugar que a bem-aventurada Virgem Maria ocupa no culto da Igreja. Esses temas
já foram tocados, em parte, pelo Concílio Vaticano II (LG, nn. 66-67; SC,
n. 103) e por nós próprios [3]; mas não deixa de ter a sua utilidade
voltar a eles, a fim de dissipar dúvidas e, sobretudo, para favorecer o
desenvolvimento daquela devoção à Santíssima Virgem, que, na Igreja, vai colher
as suas motivações na Palavra de Deus e se exercita no Espírito de Cristo.
Quereríamos, pois, deter-nos um pouco: a examinar, antes de mais, alguns
pontos que dizem respeito às relações entre a sagrada Liturgia e o culto da
Virgem Santíssima (I); a apresentar, em seguida, algumas considerações e
diretrizes aptas para favorecer o legítimo desenvolvimento do mesmo culto (II);
a procurar sugerir, por fim, algumas reflexões, para uma retomada vigorosa e
mais consciente da recitação do santo Rosário, prática que tanto foi recomendada
pelos nossos predecessores e se acha muito difundida entre o povo cristão
(III).
I Parte: O culto da Virgem Santíssima na Liturgia
1. Ao dispor-nos a tratar do lugar que a Bem-aventurada Virgem Maria
ocupa no culto cristão, devemos, em primeiro lugar, volver a nossa atenção para
a sagrada Liturgia; esta, efetivamente, para além de um rico conteúdo
doutrinal, possui uma incomparável eficácia pastoral e tem um bem reconhecido
valor exemplar para as outras formas de culto. Assim, quereríamos aqui, se isso
nos fosse possível, considerar as várias Liturgias do Oriente e do Ocidente;
mas, em ordem à finalidade do presente documento, limitar-nos-emos a examinar
quase exclusivamente os livros do Rito Romano; aliás, somente este foi objeto,
em seguimento das normas práticas emanadas no Concílio Vaticano II (SC, n. 3),
de uma renovação profunda, também pelo que respeita às expressões de veneração
para com Maria; e exige, portanto, ser atentamente considerado e apreciado.
A. A Virgem Santíssima na Liturgia romana restaurada
2. A reforma da Liturgia romana pressupunha uma acurada restauração do
Calendário Geral. Este, organizado de molde a dispor em determinados dias, com
o devido relevo, a celebração da obra de Salvação, distribuindo ao longo do ano
todo o mistério de Cristo, desde a Encarnação até à expectativa da sua nova
vinda gloriosa (SC, n. 102), permitiu que nele fosse inserida, de maneira
mais orgânica e com uma ligação mais íntima, a memória da Mãe, no ciclo anual
dos mistérios do Filho.
3. Assim, no tempo do Advento a Liturgia, não apenas na altura da
solenidade de 08 de dezembro, celebração, a um tempo, da Imaculada Conceição de
Maria, da preparação radical (cf. Is 11,1.10) para a vinda do Salvador e para o
feliz exórdio da Igreja sem mancha e sem ruga [4], recorda com frequência a
bem-aventurada Virgem Maria, sobretudo nas férias que vão de 17 a 24 de
dezembro; e, mais particularmente, no domingo que precede o Natal, quando faz
ecoar antigas palavras proféticas acerca da Virgem Mãe e acerca do Messias [5]
e lê episódios evangélicos relativos ao iminente nascimento de Cristo e do seu
Precursor [6]
4. Desta maneira, os fiéis que procuram viver com a Liturgia o espírito
do Advento, ao considerarem o amor inefável com que a Virgem Mãe esperou o
Filho [7], serão levados a tomá-la como modelo e a prepararem-se, também eles,
para irem ao encontro do Salvador que vem, “bem vigilantes na oração e...
celebrando os seus divinos louvores” [8]. Queremos observar, ainda, que a
Liturgia do Advento, conjugando a expectativa messiânica e a outra expectativa
da segunda vinda gloriosa de Cristo, com a admirável memória da Mãe, apresenta
um equilíbrio cultual muito acertado, que bem pode ser tomado como norma a fim
de impedir quaisquer tendências para separar, como algumas vezes sucedeu em
certas formas de piedade popular, o culto da Virgem Maria do seu necessário
ponto de referência: Cristo. Além disso, faz com que este período, como têm
vindo a observar os cultores da Liturgia, deva ser considerado como um tempo
particularmente adequado para o culto da Mãe do Senhor: orientação essa, que
nós confirmamos e auspiciamos ver aceita e seguida por toda a parte.
5. O tempo do Natal constitui uma memória continuada da Maternidade
divina, virginal e “salvífica”, daquela cuja “intemerata virgindade deu a este
mundo o Salvador” [9]. Assim, na solenidade da Natividade do Senhor, a Igreja,
ao adorar o divino Salvador, venera também a sua gloriosa Mãe; na Epifania do
Senhor, ao mesmo tempo que celebra a vocação universal para a salvação, contempla
a Virgem Maria, verdadeira Sede da Sabedoria e verdadeira Mãe do Rei, que
apresenta à adoração dos Magos o Redentor de todas as gentes (cf. Mt 2,11); e
na festa da Sagrada Família, Jesus, Maria e José (Domingo dentro da oitava da
Natividade do Senhor), considera, venerável, a vida de santidade que levam, na
casa de Nazaré, Jesus, Filho de Deus e Filho do homem, Maria, sua Mãe, e José,
homem justo (cf. Mt 1,19).
No ordenamento do período natalício, conforme foi recomposto, parece-nos
que as atenções de todos se devem voltar para a reatada solenidade de Santa
Maria Mãe de Deus. Esta, colocada como está, segundo o que aconselhava uso
antigo da Urbe, no dia 1° de janeiro, destina-se a celebrar a parte tida por
Maria neste mistério de salvação e, a exaltar a dignidade singular que daí
advém para a “santa Mãe..., pela qual recebemos... o Autor da vida” [10]; é,
além disso, ocasião propícia para renovar a adoração ao recém-nascido “Príncipe
da Paz”, para ouvir ainda uma vez o grato anúncio angélico (cf. Lc 2,14), para
implorar de Deus, tendo como medianeira a “Rainha da Paz”, o dom supremo da
paz. Por isso, na feliz coincidência da Oitava do Natal do Senhor com a data
auspiciosa de 1° de janeiro, instituímos o Dia Mundial da Paz, que vai
recebendo crescentes adesões e já matura nos corações de muitos homens frutos
de paz.
6. Às duas solenidades já recordadas, a Imaculada Conceição e a
Maternidade Divina, devem acrescentar-se ainda as antigas e venerandas
celebrações de 25 de março e de 15 de agosto.
Para a solenidade da Encarnação do Verbo, no Calendário romano, com
motivada decisão, foi reatado o título antigo “Anunciação do Senhor”; no
entanto, a celebração era e continua a ser festa, conjuntamente, de Cristo e da
Virgem Maria: do Verbo que se torna “filho de Maria” (Mc 6,3) e da Virgem que
se torna Mãe de Deus. Relativamente a Cristo, o Oriente e o Ocidente, nas
inexauríveis riquezas das suas Liturgias, celebram tal solenidade em memória do
“fiat” salvífico do Verbo Encarnado,
que ao entrar no mundo disse: “Eis-me, eu venho... para fazer, ó Deus, a tua
vontade” (Hb 10,7; Sl 39,8-9); em comemoração do início da Redenção e da
indissolúvel e esponsal união da natureza divina com a humana na única
Pessoa do Verbo. Relativamente a Maria, por sua vez, é celebrada como festa da
nova Eva, virgem obediente e fiel, que, com o seu “fiat” generoso (cf. Lc 1,38), se torna, por obra do Espírito Santo,
Mãe de Deus, mas ao mesmo tempo também, Mãe dos viventes, e, ao acolher no seu
seio o único Mediador (cf.1Tm 2,5), verdadeira Arca da Aliança e verdadeiro
Templo de Deus; ademais, em memória de um momento culminante do diálogo de
salvação entre Deus e o homem, e em comemoração do livre consentimento da
Santíssima Virgem e do seu concurso no plano da Redenção.
A solenidade de 15 de agosto celebra a gloriosa Assunção de Maria ao
céu; festa do seu destino de plenitude e de bem-aventurança, da glorificação da
sua alma imaculada e do seu corpo virginal, da sua perfeita configuração com
Cristo Ressuscitado. É uma festa, pois, que propõe à Igreja e à humanidade a
imagem e o consolante penhor do realizar-se da sua esperança final: que é essa
mesma glorificação plena, destino de todos aqueles que Cristo fez irmãos, ao
ter como eles “em comum o sangue e a carne” (Hb 2,14; cf. Gl 4,4). A solenidade
da Assunção tem um prolongamento festivo na celebração da Realeza da
bem-aventurada Virgem Maria, que ocorre oito dias mais tarde, e na qual se
contempla aquela que, sentada ao lado do Rei dos Séculos, resplandece como
Rainha e intercede como Mãe [11]. Quatro solenidades, portanto, que acentuam
com o máximo grau litúrgico as principais verdades dogmáticas que se referem à
humilde Serva do Senhor.
7. Além destas solenidades, devem ser consideradas também, antes de
mais, aquelas celebrações que comemoram eventos “salvíficos”, em que a Virgem
Maria esteve intimamente associada ao Filho, como são as seguintes festas: a da
Natividade de Maria (08 de setembro), “que constituiu para o mundo inteiro
motivo de esperança e aurora da salvação” [12] a da Visitação (31 de maio), em
que a Liturgia recorda a “bem-aventurada Virgem Maria... que leva em seu seio o
Filho” [13], e que vai a casa de Isabel para lhe prestar o auxílio da sua
caridade e proclamar a misericórdia de Deus Salvador [14]; ou, ainda, a memória
de Nossa Senhora das Dores (15 de setembro), ocasião propícia para se reviver
um momento decisivo da história da Salvação, e para venerar, juntamente com o
Filho “exaltado na cruz, a Mãe que com Ele compartilha o sofrimento” [15].
Igualmente a festa que se celebra a 02 de fevereiro, à qual foi
restituída a denominação de “Apresentação do Senhor”, deve ser considerada, a
fim de que se possa captar plenamente o seu riquíssimo conteúdo; nela se evoca,
de fato, a memória, ao mesmo tempo, do Filho e da Mãe; quer dizer, é a
celebração de um mistério da Salvação operado por Cristo, em que a Virgem
Santíssima esteve a Ele intimamente unida, como Mãe do Servo sofredor de Javé e
como executora de uma missão respeitante ao antigo Israel, e, ainda, qual
exemplar do novo Povo de Deus, constantemente provado na fé e na esperança,
pelo sofrimento e pela perseguição (cf. Lc 2,21-35).
8. Se é verdade que o Calendário romano põe em realce sobretudo as
celebrações acima recordadas, ele enumera todavia outros tipos de memórias, ou
festas: umas, ligadas a motivos de culto local, mas que alcançaram um âmbito
mais vasto e um interesse mais vivo (11 de fevereiro: Nossa Senhora de Lourdes;
05 de agosto: Dedicação da Basílica de Santa Maria Maior em Roma); outras
originariamente celebradas por Famílias religiosas particulares, mas que hoje
em dia, dada a difusão que obtiveram, podem dizer-se verdadeiramente eclesiais
(16 de julho: Nossa Senhora do Monte Carmelo; 07 de outubro: Nossa Senhora do
Rosário); e outras, enfim, que, por detrás do que têm de apócrifo, propõem
conteúdos de elevado valor exemplar e continuam veneráveis tradições, radicadas
sobretudo no Oriente (21 de novembro: Apresentação de Nossa Senhora), ou então,
exprimem orientações que surgiram na piedade contemporânea (sábado após o
segundo Domingo depois de Pentecostes: Imaculado Coração da bem-aventurada
Virgem Maria).
9. Não se deve esquecer, por outro lado, que o Calendário romano geral
não regista todas as celebrações de conteúdo mariano: é aos Calendários
particulares que compete recolher, com fidelidade as normas litúrgicas mas
também com cordial adesão, as festas marianas próprias das diversas Igrejas
locais. E falta ainda acenar à possibilidade de uma comemoração litúrgica frequente
da Virgem Santíssima, mediante o recurso à memória de Santa Maria “in Sabbato”: memória antiga e discreta,
que a flexibilidade do Calendário atual e a multiplicidade de formulários do
Missal tornam extremamente fácil e variada.
10. Não é nossa intenção, nesta Exortação Apostólica, considerar todo o
conteúdo do novo Missal Romano; no entanto, para aquela tentativa de apreciação
que nos propusemos fazer, pelo que se refere aos livros restaurados do Rito Romano
[16], desejamos salientar alguns dos seus aspectos e temas. E apraz-nos
realçar, antes de mais nada, como as Preces Eucarísticas, em convergência
admirável com as Liturgias orientais [17] contêm uma significativa memória da
bem-aventurada Virgem Maria. Assim, o vetusto Cânon Romano, que comemora a Mãe
do Senhor, em termos densos de doutrina e de fervor cultual: “Unidos na mesma
comunhão, veneramos primeiramente a memória da gloriosa sempre Virgem Maria,
Mãe do Nosso Deus e Senhor, Jesus Cristo”; de igual modo, a recente Prece
Eucarística III, que exprime com intensa súplica o desejo dos que oram, de
compartilhar com a Mãe a herança de filhos: Que Ele “faça de nós uma oferenda
perfeita para alcançarmos a vida eterna, com os vossos santos: a Virgem Maria
Mãe de Deus”. Uma tal evocação cotidiana, pelo lugar em que foi colocada, no
coração do Sacrifício divino, deve ser considerada forma particularmente
expressiva do culto que a Igreja tributa à “Bendita do Altíssimo” (cf. Lc
1,28).
11. Ao percorrermos, depois, os textos do Missal reformado, vemos que os
grandes temas marianos do eucológio romano, como a conceição imaculada, a
virgindade integérrima e fecunda, o templo do Espírito Santo, a cooperação na
obra do Filho, a santidade exemplar, a intercessão misericordiosa, a assunção
ao céu, a realeza materna, e outros mais, foram aí recolhidos em perfeita
continuidade doutrinal com o passado; vemos, ainda, que outros temas, novos num
certo sentido, foram aí introduzidos com análoga aderência perfeita aos
desenvolvimentos teológicos do nosso tempo. Assim, por exemplo, o tema
Maria-Igreja foi inserido nos textos do Missal com variedade de aspectos, do
mesmo modo que variadas e multíplices são também as relações que se verificam
entre a Mãe de Cristo e a Igreja. Esses textos, na verdade, entreveem na
Conceição sem mácula da Virgem Maria o exórdio da Igreja, também ela,
"Esposa sem mancha" de Cristo [18]; na Assunção reconhecem o início
já realizado e a imagem daquilo que, para a Igreja inteira, deve realizar-se
ainda [19]; no mistério da Maternidade confessam ser ela Mãe da Cabeça e dos
membros: Santa Mãe de Deus, pois, e próvida Mãe da Igreja [20].
Quando a Liturgia, depois, volve o seu olhar quer para a Igreja
primitiva, quer para a contemporânea, aí encontra, amiúde e sem esforço, Maria:
nos primórdios, como presença orante, juntamente com os Apóstolos [21]; mais
proximamente, como presença operante, juntamente com a qual a Igreja quer viver
o mistério de Cristo: “Dai à vossa Igreja, unida a Maria na paixão de Cristo,
participar da ressurreição do Senhor” [22] além disso, como voz de louvor,
juntamente com a qual quer glorificar a Deus: “...fazei-nos dóceis ao Espírito
Santo, para cantar com ela o vosso louvor” [23]; e dado que a mesma Liturgia é
um culto que exige um modo de proceder na vida coerente, nela se implora
poderem os féis traduzir o culto à Virgem Maria, num amor bem concreto e
sofrido pela Igreja, como admiravelmente propõe, a oração após a comunhão da
festa de 15 de setembro: “...que, recordando as dores de Nossa Senhora,
completemos em nós, para o bem da Igreja, o que falta à paixão do Cristo”.
12. O “Ordo Lectionum Missae”
(Lecionário) é um dos livros do Rito romano que muito beneficiou com a reforma
feita após o Concílio, tanto pelo número dos textos que aí foram acrescentados,
como pelo valor intrínseco dos mesmos: trata-se efetivamente de textos em que
se contém a Palavra de Deus, sempre viva e eficaz (cf. Hb 4,12). Esta
exuberância de leituras bíblicas permitiu que se expusesse, num ordenado ciclo
trienal, toda a história da Salvação, e que se apresentasse de uma forma mais
completa o mistério de Cristo. Daí resultou, como consequência lógica, que o
Lecionário contém um número maior de passagens do Antigo e do Novo Testamento,
respeitantes a bem-aventurada Virgem Maria; aumento numérico, este, não avulso,
todavia, de uma crítica serena, porque foram coligidas unicamente aquelas
leituras que, ou pela evidência do seu conteúdo, ou pelas indicações de uma
exegese acurada e bem apoiada pelos ensinamentos do Magistério ou por uma
sólida tradição, podem considerar-se, se bem que de modo e em grau diferente,
de caráter mariano. Importa observar, além disto, que estas leituras não se
encontram apenas na altura das festas da Santíssima Virgem, mas são proclamadas
em muitas outras ocasiões; assim sucede nalguns domingos, ao longo do ano
litúrgico [24], e nas celebrações de ritos que interessam profundamente a vida
sacramental do cristão e as suas opções [25], bem como os momentos alegres
ou penosos de sua existência [26].
13. Também o reestruturado livro do “Officium
laudis”, a Liturgia das Horas, encerra preclaros testemunhos de piedade
para com a Mãe do Senhor: nas composições dos hinos, entre as quais não faltam
algumas obras-primas da literatura universal, como por exemplo, a sublime
oração de Dante Alighieri à Virgem Maria [27]; depois, nas antífonas com que se
conclui a recitação cotidiana do ofício, implorações cheias de lirismo, às
quais se acrescentou o célebre tropário “Sub
tuum praesidium”, venerando pela sua antiguidade e admirável pelo seu
conteúdo; nas preces colocadas no final de Laudes e Vésperas, em que não é raro
encontrar-se o confiante recurso a Mãe de misericórdia; na seleção vastíssima,
enfim, de páginas marianas, devidas à pena de autores que viveram nos primeiros
séculos do Cristianismo, na Idade Média e na Idade Moderna.
14. Se no Missal, no Lecionário e na Liturgia das Horas, que são os
eixos da oração litúrgica romana, a memória da Virgem Maria se repete com ritmo
frequente, também nos demais livros litúrgicos reformados não faltam as
expressões de amor e de suplicante veneração para com a “Theotokos” (Mãe de Deus). Deste modo, pode ver-se que a Igreja
a invoca, Mãe da graça, antes de imergir os candidatos nas águas salutares do
Batismo [28], implora a sua intercessão para aquelas mães que, reconhecidas
pelo dom da maternidade, se apresentam com alegria no templo [29]; aponta-a
como exemplo aos seus membros que abraçam a sequela de Cristo na vida religiosa
[30] ou recebem a consagração virginal [31], e para eles invoca o seu auxílio
maternal [32]; a ela dirige instante súplica em favor dos filhos que chegaram à
hora do passamento [33]; dela solicita a intervenção em prol daqueles que
fechados os olhos para a luz temporal, compareceram perante Cristo, Luz eterna
[34]; e, enfim, suplica, pela sua intercessão, conforto para aqueles que, mergulhados
na dor, choram, com fé, a partida dos próprios entes queridos [35].
15. Este breve exame dos livros litúrgicos restaurados leva-nos a uma
confortante comprovação: a reforma pós-conciliar, como já figurava entre os
votos do Movimento Litúrgico, considerou a Virgem Maria com uma perspectiva
adequada no mistério de Cristo; e, em sintonia com a tradição, reconheceu-lhe o
lugar singular que lhe compete no culto cristão, qual Santa Mãe de Deus e
enquanto alma cooperadora do Redentor. Nem podia ser de outra maneira. Ao
percorrermos, ainda uma vez, a história do culto cristão, podemos notar que,
tanto no Oriente como no Ocidente, as expressões mais altas e mais
límpidas da piedade para com a bem-aventurada Virgem Maria floresceram no
âmbito da Liturgia, ou então nela foram incorporadas.
Desejamos acentuar bem isto: o culto que a Igreja universal tributa hoje
à Santíssima Virgem é derivação, prolongamento e acréscimo incessante daquele
mesmo culto que a Igreja de todos os tempos lhe rendeu, com escrupuloso estudo
da verdade e com uma sempre vigilante nobreza de formas. Da tradição perene,
viva, em virtude da presença ininterrupta do Espírito e do contínuo dar ouvidos
à Palavra, a Igreja do nosso tempo extrai motivações, argumentos e estímulo
para o culto que presta à bem-aventurada Virgem Maria. E a própria Liturgia,
que recebe do Magistério aprovação e alento, é expressão altíssima e documento
probatório dessa mesma tradição viva.
B. A Virgem Maria, modelo da Igreja no exercício do culto
16. Queremos, agora, seguindo algumas indicações da doutrina conciliar
acerca de Maria e da Igreja, aprofundar um aspecto particular das relações que
se verificam entre Maria e a Liturgia, ou seja: Maria como exemplar da atitude
espiritual com que a Igreja celebra e vive os divinos mistérios. A
exemplaridade da bem-aventurada Virgem Maria, neste campo, é consequência do
fato de ela ser reconhecida como modelo excelentíssimo da Igreja, na ordem da
fé, da caridade e da perfeita união com Cristo (LG, n. 63), isto é,
daquelas disposições interiores com que a mesma Igreja, Esposa amadíssima,
intimamente associada ao seu Senhor, O invoca e, por meio d'Ele presta o culto
ao eterno Pai (SC, n. 07).
17. Maria é a Virgem que sabe ouvir, que acolhe a palavra de
Deus com fé; fé, que foi para ela prelúdio e caminho para a maternidade divina,
pois, como intuiu Santo Agostinho, “a bem-aventurada Maria, acreditando, deu à
luz Aquele (Jesus) que, acreditando, concebera” (Sermo 215,4; PL 38,1074); na verdade, recebida do Anjo a resposta à
sua dúvida (cf. Lc 1,34-37), “Ela, cheia de fé e concebendo Cristo na sua
mente, antes de o conceber no seu seio, disse: ‘Eis a serva do Senhor! Faça-se
em mim segundo a tua palavra’” (Lc 1,38 - ibid.);
fé, ainda, que foi para Ela motivo de beatitude e de segurança no cumprimento
da promessa: "Feliz aquela que creu, pois o que lhe foi dito da parte do
Senhor será cumprido" (Lc 1,45); fé, enfim, com a qual ela, protagonista e
testemunha singular da Encarnação, reconsiderava os acontecimentos da infância de
Cristo, confrontando-os entre si, no íntimo do seu coração (cf. Lc 2,19.51). É
isto que também a Igreja faz; na sagrada Liturgia, sobretudo, ela escuta com
fé, acolhe, proclama e venera a Palavra de Deus, distribui-a aos fiéis como pão
de vida (Dei Verbum - DV, n. 21), à
luz da mesma, perscruta os sinais dos tempos, interpreta e vive os
acontecimentos da história.
18. Maria é, além disso, a Virgem dada à oração. Assim nos
aparece ela, de fato, na visita à mãe do Precursor, quando o seu espírito se
efunde em expressões de glorificação a Deus, de humildade, de fé e de
esperança: tal é o “Magnificat” (cf.
Lc 1,46-55), a oração por excelência de Maria, o cântico dos tempos messiânicos
no qual confluem a exultação do antigo e do novo Israel, pois, conforme parece
querer sugerir Santo Ireneu, no cântico de Maria convergiu o júbilo de Abraão,
que pressentia o Messias (cf: Jo 8,56) [36] e ressoou, profeticamente
antecipada, a voz da Igreja: “exultante, Maria clamava, em lugar da Igreja,
profetizando: a minha alma glorifica o Senhor...” [37]. Este cântico da Virgem
Santíssima, na verdade, prolongando-se, tornou-se oração da Igreja inteira, em
todos os tempos.
Virgem em oração aparece Maria, também, em Caná, onde, ao manifestar ao
Filho, com imploração delicada, uma necessidade temporal, obteve também um
efeito de graça: que Jesus, ao realizar o primeiro dos seus “sinais”,
confirmasse os discípulos na fé n'Ele (cf. Jo 2,1-12). Por fim, ainda a última
passagem biográfica relativa a Maria no-la descreve orante: os Apóstolos “perseveravam
unânimes na oração, com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus,
e com os irmãos dele” (At 1,14). Presença orante de Maria na Igreja nascente,
pois, e na Igreja de todos os tempos; porque ela, assumida ao céu, não depôs a
sua missão de intercessão e de salvação (LG, n. 62).
Virgem dada à oração e também a Igreja, a qual todos os dias apresenta
ao Pai as necessidade dos seus filhos, e “louva o Senhor sem cessar e intercede
pela salvação de todo o mundo” (SC, n. 83).
19. Maria é, depois, a Virgem Mãe, isto é, aquela que “pela sua fé e
obediência, gerou na terra o próprio Filho de Deus Pai, sem ter conhecido
varão, por obra e graça do Espírito Santo” (LG, n. 63). Maternidade
prodigiosa, constituída por Deus protótipo e modelo da fecundidade da
Virgem-Igreja a, a qual, por sua vez, “se torna também mãe, dado que, com
a pregação e com o batismo gera para vida nova e imortal os filhos concebidos
por ação do Espírito Santo e nascidos de Deus” (LG, n. 64).
Com justeza, portanto, os antigos Padres ensinavam que a Igreja prolonga
no sacramento do Batismo a maternidade virginal de Maria. De entre os
testemunhos destes Padres, apraz-nos recordar o do nosso predecessor, São
Leão Magno, que, numa homilia natalícia, afirmava: “A origem que (Cristo) assumiu
no seio da Virgem (Maria), coloca-a Ele na fonte do batismo: conferiu à água
aquilo que deu à Mãe; com efeito, a virtude do Altíssimo e a sombra do Espírito
Santo (cf. Lc 1,35), que fizeram com que Maria desse à luz o Salvador, são o
mesmo que faz com que a ablução regenere aquele que crê” [38]. E se quisermos
referir ainda fontes litúrgicas, poderemos citar a bela illatio da
Liturgia hispânica: “Aquela (Maria) trouxe no seu seio a Vida; esta (Igreja) a
traz no lavacro batismal. Nos membros daquela Cristo foi plasmado; nas águas
desta Cristo foi revestido” [39].
20. Maria é, enfim, a Virgem oferente. No episódio da
apresentação de Jesus no Templo (cf. Lc 2,22-35), a Igreja, guiada pelo
Espírito Santo, descobriu, para além do cumprimento das leis respeitantes a
oblação do primogênito (cf. Ex 13,11-16) e à purificação da mãe (cf. Lv 12,68),
um mistério “salvífico” relativo à história da salvação, precisamente: e em tal
mistério realçou a continuidade da oferta fundamental que o Verbo encarnado fez
ao Pai, ao entrar no mundo (cf. Hb 10,5-7); viu nele proclamada a
universalidade da Salvação, porque Simeão, ao saudar no menino a luz para
iluminar as nações e a glória de Israel (cf. Lc 2,32), reconhecia n'Ele o
Messias, o Salvador de todos; entendeu aí uma referência profética à Paixão de
Cristo: é que as palavras de Simeão, as quais uniam num único vaticínio o
Filho, “sinal de contradição” (Lc 2,34), e a Mãe, a quem a espada haveria
de trespassar a alma (cf. Lc 2,35), verificaram-se no Calvário. Mistério
de salvação, portanto, que nos seus vários aspectos, orienta o episódio da
apresentação no Templo para o acontecimento “salvífico” da Cruz.
Mas a mesma Igreja, sobretudo a partir dos séculos da Idade Média,
entreviu no coração da Virgem Maria, que leva o Filho a Jerusalém “para o
oferecer ao Senhor” (cf. Lc 2,22), uma vontade oblativa, que transcendia o
sentido ordinário do rito. Dessa intuição temos um testemunho na afetuosa
apóstrofe de São Bernardo: “Oferece, Virgem santa, o teu Filho e apresenta ao
Senhor o fruto bendito do teu ventre. Sim! Oferece a hóstia santa e agradável a
Deus, para reconciliação de todos nós!” [40].
Esta união da Mãe com o Filho na obra da Redenção (LG, n. 57)
alcança o ponto culminante no Calvário, onde Cristo “se ofereceu a si mesmo a Deus
como vítima sem mancha” (Hb 9,14), e onde Maria esteve de pé, junto à Cruz (cf.
Jo 19,25), “sofrendo profundamente com o seu Unigênito e associando-se com
ânimo maternal ao seu sacrifício, consentindo amorosamente na imolação da
vítima que ela havia gerado” (LG, n. 58), e oferecendo-a também ela ao
eterno Pai [41]. Para perpetuar ao longo dos séculos o Sacrifício da Cruz, o
divino Salvador instituiu o Sacrifício eucarístico, memorial da sua Morte e
Ressurreição, e confiou-o à Igreja, sua Esposa (SC, n. 47), a qual
sobretudo aos domingos, convoca os fiéis para celebrar a Páscoa do Senhor, até
que Ele torne (SC, nn. 102.106): o que a mesma Igreja faz em comunhão com
os Santos do céu e, em primeiro lugar, com a bem-aventurada Virgem Maria [42],
de quem imita a caridade ardente e a fé inabalável.
21. Exemplar de toda a Igreja, no exercício do culto divino, Maria é
também, evidentemente, mestra de vida espiritual para cada um dos cristãos.
Assim, bem cedo os fiéis começaram a olhar para Maria, a fim de, como ela,
fazerem da própria vida um culto a Deus, e do seu culto um compromisso vital.
Já no século IV Santo Ambrósio, ao falar aos féis, lhes auspiciava que em cada
um deles houvesse a alma de Maria, para glorificarem a Deus: “Que em cada um de
vós haja a alma de Maria para bendizer o Senhor; e em cada um de vós esteja o
seu espírito, para exultar em Deus!” [43].
Mas Maria é modelo, sobretudo, daquele culto que consiste em fazer da
própria vida uma oferenda a Deus: doutrina antiga e perene, esta, que cada um de
nós pode ouvir repetir, se prestar atenção aos ensinamentos da Igreja; mas que
poderá entrever também, se der ouvidos à palavra da mesma Virgem Santíssima,
quando ela, antecipando em si a estupenda petição da Oração Dominical, “seja
feita a vossa vontade” (Mt 6,10), respondeu ao mensageiro de Deus: “Eis a serva
do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). E o “sim” de Maria
é para todos os cristãos lição e exemplo, para fazerem da obediência à vontade
do Pai o caminho e o meio da própria santificação.
22. É importante, ainda, observar bem como a Igreja procura traduzir as
multíplices relações que a unem a Maria, em outras tantas atitudes culturais,
diversas e eficazes: em veneração profunda, quando reflete na dignidade
singular da Virgem Santíssima, que, por obra do Espírito Santo, se tornou Mãe
do Verbo Encarnado; em amor ardente, quando considera a maternidade espiritual
de Maria para com todos os membros do Corpo Místico; em invocação confiante,
quando experimenta a necessidade de intercessão da sua advogada e auxiliadora (LG,
n. 62); em serviço amoroso, quando descobre na humilde Serva do Senhor a
Rainha da misericórdia e a mãe da graça; em imitação operosa, quando contempla
a santidade e as virtudes da “cheia de graça” (Lc 1,28); em admiração comovida,
quando vê nela, “como em imagem puríssima, o que ela, toda ela, deseja e espera
com alegria ser” (SC, n. 103); em estudo atento, quando vislumbra na
cooperadora do Redentor, já a participar plenamente dos frutos do Mistério
Pascal, a realização profética do seu futuro pela qual anela, até ao dia em que
purificada de qualquer mancha ou ruga (cf. Ef 2,27), se tornará como uma esposa
adornada para o seu esposo, Jesus Cristo (cf. Ap 21,2).
23. Após havermos considerado, assim, Irmãos caríssimos, a veneração que
a tradição litúrgica da Igreja universal e o Rito romano renovado exprimem para
com a Santa Mãe de Deus, se nos lembrarmos, depois, que a Liturgia, pelo seu
proeminente valor cultual, constitui uma norma de ouro para a piedade cristã e
se observarmos, ainda, que a Igreja, quando celebra os sagrados mistérios,
assume uma atitude de fé e de amor semelhante à da Virgem Santíssima poderemos
compreender quão justa é a exortação do Concílio Vaticano II a todos os filhos
da Igreja, “para que promovam generosamente o culto, especialmente litúrgico, à
bem-aventurada Virgem Maria” (LG, n. 67). Exortação esta, que desejaríamos
ver, por toda a parte, acatada sem reservas e posta em prática com zelo.
II Parte: Para a renovação da piedade mariana
24. O mesmo Concílio Vaticano II, no entanto, exorta a que, ao lado do
culto litúrgico, se promovam outras formas de piedade, sobretudo aquelas que
têm sido recomendadas pelo Magistério (LG, n. 67). Como é bem conhecido, a
veneração dos fiéis para com a Mãe de Deus tem revestido, de fato, formas
multíplices, de acordo com as circunstâncias de lugar e de tempo, com a diversa
sensibilidade dos povos e com as suas diferentes tradições culturais. Disso
resulta que, sujeitas ao desgaste do tempo, essas formas em que se expressa a
piedade se apresentem necessitadas de renovação, que dê azo a nelas serem
substituídos os elementos caducos, a serem valorizados os perenes, e a serem
incorporados os dados doutrinais adquiridos pela reflexão teológica e propostos
pelo Magistério eclesiástico.
Ora, isto põe em evidência a necessidade de as Conferências episcopais,
as Igrejas locais, as famílias religiosas e as comunidades de fiéis favorecerem
uma genuína atividade criadora e procederem, simultaneamente, a uma diligente
revisão dos exercícios de piedade para com a Virgem Santíssima. Desejaríamos,
entretanto, que tal revisão se processasse no respeito pela sã tradição e com
abertura para receber as legítimas instâncias dos homens do nosso tempo. Por
conseguinte, parece-nos oportuno, veneráveis Irmãos, passar a indicar-vos
alguns princípios segundo os quais importa agir neste campo.
A. Nota trinitária, cristológica e eclesial no culto da Virgem
Maria
25. É da máxima conveniência, antes de mais nada, que os exercícios de
piedade para com a Virgem Maria exprimam, de maneira clara, a característica
trinitária e cristológica que lhes é intrínseca e essencial. O culto
cristão, de fato, é por sua natureza culto ao Pai, ao Filho e ao Espírito
Santo, ou, conforme se expressa a Liturgia, ao Pai por Cristo no Espírito.
Nesta perspectiva, torna-se ele extensivo, legitimamente, se bem que de maneira
substancialmente diversa, em primeiro lugar e de modo singular, à Mãe do
Senhor, e depois aos Santos, nos quais a Igreja proclama o Mistério Pascal, por
isso mesmo que eles sofreram com Cristo e com Ele foram glorificados (SC, n. 104).
Na Virgem Maria, de fato, tudo é relativo a Cristo e dependente d'Ele:
foi em vista d'Ele que Deus Pai, desde toda a eternidade, a escolheu Mãe toda
santa e a plenificou com dons do Espírito a ninguém mais concedidos. A genuína
piedade cristã, certamente, nunca deixou de pôr em realce essa ligação
indissolúvel e a essencial referência da Virgem Maria ao divino Salvador (LG,
n. 66). Parece-nos, contudo, sobremaneira conforme com uma certa linha
espiritual seguida na nossa época, dominada e absorvida pela “questão de Cristo”
[44], que nas expressões do culto à Virgem Maria se dê um relevo especial ao
aspecto cristológico e se envidem esforços no sentido de elas refletirem o
plano de Deus, o qual preestabeleceu “com um só e mesmo decreto a origem de
Maria e da Encarnação da divina Sapiência” [45]. Isto concorrerá, sem dúvida,
para tornar mais sólida a piedade para com a Mãe de Jesus e fazer dela um
instrumento eficaz para que alcancemos todos “o pleno conhecimento do Filho de
Deus, o estado de Homem perfeito, a medida da plena estatura da plenitude de
Cristo” (Ef 4,13). Por outro lado, contribuirá isso também para aumentar o
culto devido ao mesmo Cristo, porque, segundo o sentir perene da Igreja,
reforçado autorizadamente nos nossos dias (LG, n. 66), “é referido ao
Senhor aquilo com que se procura agradar a Serva; desse modo, redunda em prol
do Filho aquilo mesmo que é devido à Mãe... De tal sorte, transfere-se para o
Rei aquela honra que, em humilde tributo, se presta à Rainha” [46].
26. Depois de assim aludirmos à orientação cristológica do culto a
Virgem Santíssima, parece-nos útil, em seguida, fazer aqui uma chamada à
atenção para a oportunidade de se dar, nesse mesmo culto, o adequado realce a
outro dos dados essenciais da fé: a pessoa e a obra do Espírito Santo.
A reflexão teológica e a Liturgia têm vindo a salientar, de fato, que a
intervenção santificadora do Espírito no caso da Virgem de Nazaré foi um
momento culminante da sua ação na história de Salvação. Assim, por exemplo,
alguns Santos Padres e escritores eclesiásticos atribuíram à obra do Espírito a
santidade original de Maria, por ele “como que plasmada e tornada uma nova
criatura” [47]. E, refletindo, depois, sobre os textos evangélicos: “Virá sobre
ti o Espírito Santo e a potência do Altíssimo te recobrirá” (Lc 1,35), e “Maria...
achou-se que tinha concebido por obra do Espírito Santo (...) é obra do
Espírito Santo o que nela se gerou” (Mt 1,18.20), descobriram eles em tal
intervenção do Espírito uma ação que consagrou e tornou fecunda a virgindade de
Maria [48] e a transformou em Palácio do Rei ou Tálamo do Verbo
[49] em Templo ou Tabernáculo do Senhor [50] e em Arca
da Aliança ou da Santificação [51] títulos ricos de ressonâncias bíblicas.
E, ao aprofundarem mais o mistério da Encarnação, viram na misteriosa relação
Espírito Santo-Maria um aspecto esponsal, poeticamente descrito por Prudêncio,
nestes termos: “a Virgem não-casada desposa o Espírito” [52]; e chamaram-lhe,
ainda, Santuário do Espírito Santo [53] expressão que frisa
bem o caráter sagrado da Virgem Maria, que se torna habitação permanente do
mesmo Espírito de Deus. Depois, penetrando mais na doutrina do Paráclito,
perceberam que d'Ele, como de uma fonte, brotou a plenitude de graça (cf. Lc
1,28) e a abundância dos dons que a exornavam.
Ao Espírito Santo, por conseguinte, atribuíam a fé, a esperança e a
caridade que animaram o coração da Virgem Santíssima, bem como a força que
manteve a sua adesão à vontade de Deus e o vigor em que se apoiou a sua “compaixão”
aos pés da Cruz [54] Anotaram também no cântico profético de Maria (cf. Lc
1,46-55) um particular influxo daquele mesmo Espírito que havia falado pela
boca dos profetas [55]. E, ao considerarem, enfim a presença da Mãe de Jesus no
Cenáculo, onde o Espírito desceu sobre a Igreja nascente (cf: At 1,12-14; 2,1-4),
enriqueceram com novos desenvolvimentos o tema antigo Maria-Igreja [56]. Mas,
sobretudo, recorreram à intercessão da Virgem Santíssima para obter do Espírito
a capacidade de gerarem Cristo na própria alma, como o atesta S. Ildefonso numa
oração, que surpreende pela doutrina e pelo vigor suplicante: “Rogo-te, sim,
rogo-te, Virgem Santa, que eu obtenha Jesus daquele Espírito, do qual tu mesma
gerastes Jesus! Que a minha alma receba Jesus por esse mesmo Espírito, por quem
a tua carne concebeu Jesus! (...) Que eu ame Jesus naquele mesmo Espírito, no
qual tu o adoras como Senhor e o contemplas como Filho!” [57].
27. Ouve-se afirmar, algumas vezes, que muitos textos de piedade moderna
não refletem suficientemente toda a doutrina acerca do Espírito Santo. Cabe aos
estudiosos verificar a justeza, ou não, dessa afirmação e aquilatar o seu
alcance; a nós compete-nos exortar a todos, principalmente aos pastores e
teólogos, a procurarem aprofundar a reflexão sobre a obra do Espírito na
história da Salvação e a envidarem esforços no sentido de os textos de piedade
cristã darem o devido relevo a sua ação vivificante. Desse aprofundamento
emergirá, em particular, a misteriosa relação entre o Espírito de Deus e a
Virgem de Nazaré e a ação de ambos sobre a Igreja: e dos dados da fé meditados
mais profundamente derivar-se-á uma piedade vivida de maneira mais intensa.
28. É necessário, pois, que os exercícios de piedade com que os fiéis
exprimem a sua veneração para com a Mãe do Senhor, manifestem de modo mais
claro o lugar que ela ocupa na Igreja: “depois de Cristo, o mais alto e o mais
perto de nós” [58]; um lugar que nos edifícios cultuais do Rito bizantino tem
sido expresso plasticamente de tal maneira que, na própria disposição das
estruturas arquitetônicas e dos elementos iconográficos, na porta central da
iconostase, a representação da Anunciação a Maria, e na abside, e da “Theotokos”
gloriosa, resulta manifesto que, a partir do “fiat” da humilde Serva do Senhor, a humanidade inicia o retorno a
Deus e que na glória da Toda-santa vê a meta da sua caminhada. Assim o
simbolismo com que o edifício da igreja exprime o lugar de Maria no mistério da
Igreja encerra uma indicação fecunda e constitui um auspício para que, por toda
a parte, as várias formas de veneração à bem-aventurada Virgem Maria se abram
para perspectivas eclesiais.
A chamada à atenção para os conceitos fundamentais expostos pelo
Concílio Vaticano II, sobre a natureza da Igreja, “Família de Deus”, “Povo de
Deus”, “Reino de Deus”, “Corpo Místico de Cristo” (LG, nn. 6.7-8.9-17),
permitirá, na verdade, aos fiéis, reconhecerem mais prontamente qual a missão
de Maria no mistério da mesma Igreja e qual o seu eminente lugar na Comunhão
dos Santos. Além disto, far-lhes-á sentir mais intensamente a fraternidade que
une entre si todos os fiéis: porque filhos da Virgem Maria, “para cuja geração
e educação (espiritual) ela coopera com amor de mãe” (LG, n. 66), e porque
filhos da Igreja, também, visto que “do seu parto nascemos, com o seu leite
somos alimentados, e pelo seu Espírito somos vivificados” [59]. Ambas
concorrem, na verdade, para gerar o Corpo Místico de Cristo; mas “se bem que
uma e outra Mãe de Cristo, nenhuma delas sem a outra dá à luz todo (o Corpo)”
[60]. Por fim, facultar-lhes-á perceber mais distintamente que a ação da Igreja
no mundo é como que um prolongamento da solicitude de Maria: aquele amor
operoso de que a Virgem Santíssima dá mostras, realmente, em Nazaré, em casa de
Isabel, em Caná e sobre o Gólgota, todos estes, momentos “salvíficos” de vasto
alcance eclesial, encontra a sua continuidade na preocupação materna da Igreja
para que todos os homens cheguem ao conhecimento da verdade (cf.1Tm 2,4), nos
seus cuidados para com os humildes, os pobres e os fracos, e na sua aplicação
constante em favor da paz e da concórdia social, no seu prodigalizar-se, enfim,
para que todos os homens tenham parte na Salvação que a morte de Cristo lhes
mereceu.
Deste modo, o amor pela Igreja traduzir-se-á em amor para com Maria, e
vice-versa, pois uma não pode subsistir sem a outra, como perspicazmente
observava S. Cromácio de Aquileia: “Reuniu-se a Igreja na parte superior (do Cenáculo),
com Maria que foi a Mãe de Jesus e com os irmãos d'Ele. Não se pode,
portanto, falar de Igreja senão quando estiver aí Maria, Mãe do Senhor, com os
irmãos d'Ele” [61]. A concluir, insistimos ainda na necessidade de que a
veneração dirigida à bem-aventurada Virgem Maria torne explícito o seu
intrínseco conteúdo eclesiológico: isto equivale a dizer, lançar mão de uma
força capaz de renovar, salutarmente, formas e textos.
B. Algumas orientações, de ordem bíblica, litúrgica, ecumênica e
antropológica, para o culto à Virgem Maria
29. As indicações dadas até aqui, que fluem da consideração das relações
da Virgem Maria com Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, e com a Igreja, queremos
acrescentar agora, atendo-nos sempre às linhas do ensino conciliar (LG,
nn. 66-69), algumas orientações, de ordem bíblica, litúrgica, ecumênica e
antropológica, a ter presentes no rever ou criar exercícios e práticas de
piedade, para tornar mais vivo e mais sentido o vínculo que nos une à Mãe de
Cristo e Mãe nossa, na Comunhão dos Santos.
30. A necessidade de um cunho bíblico em toda e qualquer forma de culto
é hoje algo sentida, como um postulado geral da piedade cristã. O progresso dos
estudos bíblicos, a crescente difusão das Sagradas Escrituras e, sobretudo, o
exemplo da tradição e a íntima moção do Espírito, orientam os cristãos do nosso
tempo para servir-se cada dia mais da Bíblia, qual livro fundamental de oração
e para tirar dela genuína inspiração e modelos insuperáveis. O culto à
bem-aventurada Virgem Maria não pode ser eximido a esta orientação geral da
piedade cristã (DV, n. 25); antes pelo contrário, deve ele inspirar-se
particularmente em tal orientação, para adquirir novo vigor e dela tirar seguro
proveito.
A Bíblia, ao apresentar de modo admirável o desígnio de Deus
relativamente à salvação dos homens, acha-se toda ela impregnada do mistério do
Salvador e encerra também, sem dúvida, desde o Gênesis até ao Apocalipse,
referências àquela que foi mãe e cooperadora do mesmo Salvador. Não
desejaríamos, no entanto, que o cunho bíblico se limitasse a um uso diligente
de textos e símbolos sapientemente tirados das mesmas Sagradas Escrituras; essa
característica comporta algo mais: requer, efetivamente, que as fórmulas de
oração e os textos destinados ao canto assumam os termos e a inspiração da
Bíblia; e exige, sobretudo, que o culto à Virgem Santíssima seja permeado pelos
grandes temas da mensagem cristã, a fim de que os féis, ao mesmo tempo em que
veneram aquela que é a Sede da Sabedoria, sejam também eles iluminados pela luz
da Palavra divina e levados a agir segundo os ditames do Verbo encarnado.
31. Acerca da veneração que a Igreja presta à Mãe de Deus, na celebração
da sagrada Liturgia, já falamos anteriormente. Mas agora, ao começar a
discorrer sobre outras formas de culto e sobre os critérios em que elas hão de
inspirar-se, não podemos deixar de recordar a norma da Constituição Sacrosanctum
Concilium, a qual, ao mesmo tempo que recomenda vivamente os exercícios de
piedade do povo cristão, acrescenta: “...importa, porém, ordenar essas práticas
de piedade tendo em conta os tempos litúrgicos, de maneira que se harmonizem
com a sagrada Liturgia, de certo modo derivem dela, e a ela, que por sua
natureza lhes é muito superior, conduzam o povo cristão” (SC, n. 13).
Norma sapiente, esta, e simultaneamente clara; a sua aplicação prática,
no entanto, não se apresenta fácil, sobretudo no campo do culto à Virgem
Santíssima, tão variado nas suas expressões formais. Tal aplicação exige, na
realidade, da parte dos responsáveis pelas Comunidades locais, esforço, tato
pastoral e constância; e da parte dos fiéis, prontidão para aceitar orientações
e propostas que, promanando embora da genuína natureza do culto cristão, muitas
vezes comportam a mudança de usos inveterados, nos quais aquela natureza, de
algum modo, se havia obscurecido.
Aqui neste ponto, quereríamos fazer alusão a duas atitudes que poderiam,
eventualmente, tornar vã, na prática pastoral, a sobredita norma do Concílio
Vaticano II: em primeiro lugar, a atitude de alguns a quem está confiada a cura
de almas, que, aprioristicamente, desprezam os exercícios de piedade, se bem
que recomendados pelo Magistério quando feitos na forma devida; e por isso,
transcuram-nos e criam um vazio que não providenciam a preencher de nenhuma
maneira. Ora, estes que assim procedem esquecem que o Concílio diz que se
harmonizem os exercícios de piedade com a Liturgia e não que se suprimam simplesmente.
Em segundo lugar, lembramos a atitude daqueles que, à margem de um são critério
litúrgico e pastoral, misturam ao mesmo tempo exercícios piedosos e atos
litúrgicos, em celebrações híbridas. Acontece, algumas vezes, que na própria
celebração do Sacrifício Eucarístico são inseridos elementos que fazem parte de
novenas ou de outras práticas piedosas, com o perigo de o Memorial do Senhor
não constituir o momento culminante do encontro da comunidade cristã, mas ser
como que a ocasião para algumas práticas devocionais. Aqueles que assim
procedem quereríamos recordar que a norma conciliar prescreve que se harmonizem
os piedosos exercícios com a Liturgia e não que se confundam com ela. Uma ação
pastoral esclarecida, pois, deve, por um lado, saber distinguir e acentuar a
natureza própria dos atos litúrgicos; e por outro lado, saber valorizar os
piedosos exercícios, para os adaptar às necessidades de cada uma das
comunidades eclesiais e torná-los preciosos auxiliares da mesma Liturgia.
32. Em virtude do seu caráter eclesial, no culto à Virgem Maria
refletem-se as preocupações da própria Igreja, entre as quais, nos nossos dias,
se salienta o anseio pela recomposição da unidade dos cristãos. A piedade para
com a Mãe do Senhor torna-se, deste modo, sensível aos anelos e aos escopos do
Movimento ecumênico, quer dizer, adquire também ela um caráter ecumênico. E
isso, por vários motivos.
Antes de mais nada, porque os fiéis católicos se unem aos irmãos das
Igrejas ortodoxas, nas quais a devoção à bem-aventurada Virgem Maria se reveste
de formas de elevado lirismo e de doutrina profunda, ao venerar, com particular
amor, a “Theotokos”, e ao aclamá-la como “Esperança dos cristãos” [62]; se unem
aos Anglicanos, cujos teólogos clássicos já colocavam em evidência a sólida base
escriturística do culto a Mãe de Nosso Senhor, e cujos teólogos contemporâneos
frisam ainda mais a importância do lugar que Maria ocupa na vida cristã; se
unem, enfim, aos irmãos das Igrejas da reforma, entre os quais floresce
vigorosamente o amor pelas Sagradas Escrituras, que os leva a glorificarem a
Deus com as próprias palavras da Virgem (cf. Lc 1,46-55).
Depois, porque a piedade para com a Mãe de Cristo e dos cristãos é, para
os católicos, ocasião natural e frequente de imploração, para que ela interceda
junto do Filho pela união de todos os batizados, num só Povo de Deus (LG, n. 69).
E ainda, porque é desejo da Igreja católica que nesse culto, sem que lhe seja
atenuado o caráter singular (LG, n. 66; SC, n. 103), sejam
evitados, com todo o cuidado, quaisquer exageros, que possam induzir em erro os
outros irmãos cristãos, acerca da verdadeira doutrina da Igreja católica (LG,
n. 67); e sejam banidas quaisquer manifestações cultuais contrárias à reta
praxe católica. Por fim, sendo conatural ao genuíno culto da
bem-aventurada Virgem Maria que, “ao honrar a Mãe (...) melhor se conheça, ame
e glorifique o Filho” (LG, n. 56), ele torna-se caminho para Cristo, fonte
e centro da comunhão eclesiástica, na qual todos aqueles que confessam
abertamente que Ele é Deus e Senhor, Salvador e único Mediador (cf. 1Tm 2,5),
são chamados a serem uma só coisa entre si, com Ele e com o Pai, na unidade do
Espírito Santo [63].
33. Estamos conscientes de que existem não leves discordâncias entre o
pensamento de muitos irmãos de outras Igrejas e comunidades eclesiais, e a
doutrina católica “acerca (...) da função de Maria na obra da Salvação” (Unitatis Redintegratio, n. 20); e, por consequência,
acerca do culto a prestar-lhe. Todavia, porque a mesma potência do Altíssimo
que cobriu com a sua sombra a Virgem de Nazaré (cf. Lc 1,35) age também no
hodierno Movimento Ecumênico e o fecunda, desejamos exprimir a nossa confiança
em que a veneração da humilde Serva do Senhor, na qual o Onipotente fez grandes
coisas (cf. Lc 1,49), se há de tornar, se bem que lentamente, não já um
obstáculo, mas sim um trâmite e ponto de encontro para a união de todos os
crentes em Cristo.
Sentimos alegria, de fato, ao verificar que uma melhor compreensão do
lugar de Maria no mistério de Cristo e da Igreja, também da parte dos irmãos
separados, torna mais desimpedido o caminhar para o encontro. E como em
Caná a Virgem Santíssima, com a sua intervenção, obteve que Jesus realizasse o
primeiro dos seus milagres (cf. Jo 2,1-12), assim também na nossa época ela
poderá, com a sua intercessão, propiciar o advento da hora em que os discípulos
de Cristo reencontrem a plena comunhão na fé. E esta nossa esperança é
corroborada pela observação que já fazia o nosso predecessor Leão XIII: a causa
da união dos cristãos é algo que “faz parte especificamente da sua (de Maria)
função da maternidade espiritual. Na verdade, aqueles que são de Cristo, Maria
não os gerou nem poderia gerar, senão numa única fé e num único amor:
porventura ‘estará Cristo dividido’ (1Cor 1,13)? E assim, nós devemos, todos
conjuntamente, viver da vida de Cristo, afim de, num só e mesmo corpo, ‘produzirmos
frutos para Deus’ (Rm 7,4)” [64].
34. No culto à Santíssima Virgem devem ser tidas em atenta consideração
também as aquisições seguras e comprovadas das ciências humanas; isso
concorrerá, efetivamente, para que seja eliminada uma das causas de perturbação
que se nota nesse mesmo campo do culto à Mãe do Senhor; quer dizer, aquele
desconcerto entre certos dados deste culto e as hodiernas concepções
antropológicas e a realidade psicossociológica, profundamente mudada, em que os
homens do nosso tempo vivem e operam.
Observa-se, na realidade, que é difícil enquadrar a imagem da Virgem
Maria conforme resulta de certa literatura devocional, nas condições de vida da
sociedade contemporânea, e em particular nas da mulher. E isso, quer a
consideremos no ambiente doméstico, onde tanto as leis como a evolução dos
costumes tendem justamente para lhe reconhecer a igualdade e a corresponsabilidade
com o homem, na direção da vida familiar; quer a consideremos no campo
político, onde ela conquistou, em muitos Países, um poder de intervenção na
coisa pública, a par do homem; quer a consideremos, ainda, no campo social,
onde ela desenvolve a sua atividade, nos mais variados setores operativos,
deixando cada dia mais o restrito ambiente do lar; quer a consideremos, enfim,
no campo cultural, onde lhe são proporcionadas possibilidades novas de pesquisa
científica e de afirmação intelectual.
Ora, daqui segue-se logicamente, para alguns, certa desafeição para com
o culto à Virgem Santíssima e uma certa dificuldade em tomar Maria de Nazaré
como modelo, porque os horizontes da sua vida, afirma-se, resultam restritos,
em confronto com as vastas zonas de atividade em que a pessoa humana
contemporânea é chamada a atuar. A este propósito, ao mesmo tempo em que
exortamos os teólogos, os responsáveis pelas Comunidades cristãs e os mesmos
féis a dedicarem a devida atenção a tais problemas, pareceu-nos útil dar uma
contribuição, nós próprio também, para a sua solução, apresentando em seguida
algumas observações.
35. Antes de mais nada, a Virgem Maria foi sempre proposta pela Igreja à
imitação dos fiéis, não exatamente pelo tipo de vida que ela levou ou, menos
ainda, por causa do ambiente sociocultural em que se desenrolou a sua
existência, hoje superado quase por toda a parte; mas sim, porque, nas
condições concretas da sua vida, ela aderiu total e responsavelmente à vontade
de Deus (cf. Lc 1,38); porque soube acolher a sua palavra e pô-la em prática;
porque a sua ação foi animada pela caridade e pelo espírito de serviço; e
porque, em suma, ela foi a primeira e a mais perfeita discípula de Cristo, o
que, naturalmente, tem um valor exemplar universal e permanente.
36. Em segundo lugar, quereríamos anotar que as dificuldades acima
aludidas estão em íntima conexão com alguns traços da imagem popular e
literária de Maria, e não com a sua imagem evangélica, nem com os dados
doutrinais, que foram sendo precisados ao longo de lento e sério trabalho de
explicitação da Palavra revelada. Deve considerar-se coisa normal, aliás, que
as gerações cristãs que se sucederam, em quadros socioculturais diversos, ao
contemplarem a figura e a missão de Maria, qual nova Mulher e perfeita cristã,
que reuniu em si as situações mais características da vida feminina, porque
Virgem, Esposa e Mãe, tenham visto na Mãe de Jesus o tipo eminente da condição
feminina e o exemplar limpidíssimo da vida evangélica, e tenham expresso estes
seus sentimentos segundo as categorias e as representações próprias da sua
época.
A Igreja, quando considera a longa história da piedade mariana,
alegra-se, ao verificar a continuidade do fato cultual; mas não se liga aos
esquemas representativos das várias épocas culturais, nem às particulares
concepções antropológicas que lhes estão subjacentes; ademais, compreende bem
que algumas expressões de tal culto, perfeitamente válidas em si mesmas, são
menos adaptadas aos homens que pertencem a épocas e civilizações diversas.
37. Desejamos, por fim, acentuar que a nossa época, não diversamente das
precedentes, é chamada a aquilatar o próprio conhecimento da realidade com a
palavra de Deus e, para ater-nos ao assunto de que estamos a tratar, a
confrontar as suas concepções antropológicas e os problemas que daí derivam com
a figura da Virgem Maria, conforme ela está proposta no Evangelho. Desse modo,
a leitura das divinas Escrituras, feita sob o influxo do Espírito Santo e tendo
presentes as aquisições das ciências humanas e as várias situações do mundo
contemporâneo, levará a descobrir que Maria pode bem ser tomada como modelo
naquilo por que anelam os homens do nosso tempo.
Assim, para dar alguns exemplos: a mulher contemporânea, desejosa de
participar com poder de decisão nas opções da comunidade, contemplará com
íntima alegria a Virgem Santíssima, que, assumida para o diálogo com Deus, dá o
seu consentimento ativo e responsável (LG, n. 56), não para a solução dum
problema contingente, mas sim da "obra dos séculos" como foi
designada com justeza a Encarnação do Verbo [65]; dar-se-á conta de que a
escolha do estado virginal por parte de Maria, que no desígnio de Deus a
dispunha para o mistério da Encarnação, não foi um ato de fechar-se a qualquer
dos valores do estado matrimonial, mas constituiu uma opção corajosa, feita
para se consagrar totalmente ao amor de Deus; verificará, com grata surpresa,
que Maria de Nazaré, apesar de absolutamente abandonada à vontade do Senhor,
longe de ser uma mulher passivamente submissa ou de uma religiosidade
alienante, foi, sim, uma mulher que não duvidou em armar que Deus é vingador
dos humildes e dos oprimidos e derruba dos seus tronos os poderosos do mundo
(cf. Lc 1,51-53); e reconhecerá em Maria, que é “a primeira entre os humildes e
os pobres do Senhor” (LG, n. 55), uma mulher forte, que conheceu de perto
a pobreza e o sofrimento, a fuga e o exílio (cf. Mt 2,13-23), situações, estas,
que não podem escapar à atenção de quem quiser secundar, com Espírito
evangélico, as energias libertadoras do homem e da sociedade; e não lhe
aparecerá Maria, ainda, como uma mãe ciosamente voltada só para o próprio Filho
divino, mas sim como aquela Mulher que, com a sua ação, favoreceu a fé da
comunidade apostólica, em Cristo (cf. Jo 2,1-12), e cuja função materna se
dilatou, vindo a assumir no Calvário dimensões universais [66].
São exemplos, como dizíamos. Deles transparece claramente, no entanto,
que a figura da Virgem Santíssima não desilude algumas aspirações profundas dos
homens do nosso tempo, e até lhes oferece o modelo acabado do discípulo do
Senhor: obreiro da cidade terrena e temporal, e, simultaneamente, peregrino
solerte também, em direção à cidade celeste e eterna; promotor da justiça que
liberta o oprimido e da caridade que socorre o necessitado, mas, sobretudo,
testemunha operosa do amor, que educa Cristo nos corações.
38. Depois de haver apresentado, assim, estas diretrizes, em ordem a
favorecer o desenvolvimento harmonioso do culto à Mãe do Senhor, julgamos
oportuno chamar a atenção para algumas atitudes cultuais errôneas.
O Concílio Vaticano II já denunciou, autorizadamente, tanto o exagero de
conteúdos ou de formas, que vai até ao ponto de falsear a doutrina, como a
mesquinhez de mente que chega a obscurecer a figura e a missão de Maria; de
igual modo alguns desvios cultuais: a vã credulidade, que a uma aplicação séria
substitui o dar-se facilmente a práticas apenas exteriores; o estéril e
passageiro impulso do sentimento, tão alheio ao estilo evangélico, que exige
esforço perseverante e efetivo (LG, n. 67). Nós reiteramos a deploração
destas coisas: não são formas em harmonia com a fé católica e, por conseguinte,
não devem subsistir no culto católico.
A defesa vigilante contra estes erros e desvios fará com que se torne
mais vigoroso e genuíno o culto a santíssima Virgem: sólido nos seus fundamentos,
pelo que, nele, o estudo das fontes reveladas e a atenção aos documentos do
Magistério hão de prevalecer sobre a descomedida busca da novidade e de fatos
extraordinários; objetivo no seu enquadramento histórico, pelo que deverá ser
banido dele tudo aquilo que é manifestamente lendário ou falso; adequado
ao conteúdo doutrinal, de onde a necessidade de evitar apresentações
unilaterais da figura de Maria, que, por insistirem desmesuradamente num
determinado elemento, comprometem o conjunto da imagem evangélica; e, enfim,
límpido nas suas motivações, pelo que será mantido longe do santuário, com
diligente cuidado, todo e qualquer interesse mesquinho.
39. Por fim, se porventura disso houvesse necessidade, quereríamos
reiterar a insistência nisto: a finalidade última do culto à bem-aventurada
Virgem Maria é glorificar a Deus e levar os cristãos a aplicarem-se numa vida
absolutamente conforme a sua vontade. Os filhos da Igreja, na verdade, quando,
juntando as suas vozes a da mulher anônima do Evangelho, enaltecem a Mãe de
Jesus ao exclamarem, dirigindo-se ao mesmo Jesus, “Felizes as entranhas que te
trouxeram e os seios que te amamentaram!” (Lc 11,27), serão induzidos a
considerarem a grave resposta do divino Mestre: “Felizes antes os que ouvem a
palavra de Deus e a observam!” (Lc 11,28). E esta resposta, se por um lado
redunda num patente louvor a Santíssima Virgem, como a interpretaram alguns
Santos Padres [67] e o Concílio Vaticano II o confirmou (LG, n. 58), por
outro lado, ressoa para nós também como uma advertência a vivermos os
mandamentos de Deus, e é como que o eco de outras admoestações do divino
Salvador: “Nem todo o que me diz: ‘Senhor! Senhor!’ entrará no reino dos céus,
mas o que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21); e “Vós sois
meus amigos, se fizerdes o que eu vos ordenei” (Jo 15,14).
III Parte: Indicações acerca dos pios exercícios do “Ângelus Domini” e do Santo Rosário
40. Temos vindo indicando alguns princípios, de per si aptos para darem
novo vigor ao culto da Mãe do Senhor; agora é tarefa das Conferências
episcopais e dos responsáveis pelas Comunidades locais e pelas várias famílias
religiosas proceder sapientemente a restauração das práticas e exercícios de
veneração para com a bem-aventurada Virgem Maria. Assim, procurarão secundar o
impulso criador de todos aqueles que, levados por uma genuína inspiração
religiosa e dando mostras de sensibilidade pastoral, desejem lançar novas
formas de expressar tal veneração. Parece-nos oportuno, todavia, se bem que por
motivos diversos, tratar aqui de dois exercícios de piedade muito difundidos no
Ocidente, e dos quais esta Sé Apostólica se tem ocupado, em várias ocasiões: o “Ângelus Domini” (ou “Ave Marias”, ou “Trindades”)
e o Rosário (ou Terço, ou Coroa) de Nossa Senhora.
O “Ângelus Domini” (“Ave-Marias”)
41. As nossas palavras acerca do “Ângelus
Domini” (“Ave-Marias”) intentam ser uma simples mas férvida exortação a que
se mantenha a costumada recitação, onde e quando isso for possível. Tal
exercício de piedade não tem necessidade de ser restaurado: a estrutura
simples, o caráter bíblico, a origem histórica que a liga à invocação da incolumidade
na paz, o ritmo quase litúrgico que santifica momentos diversos do dia, a
abertura para o Mistério Pascal, em virtude da qual, ao mesmo tempo que
comemoramos a Encarnação do Filho de Deus, pedimos para ser conduzidos, “"pela
sua paixão e morte na Cruz, a glória da ressurreição” [68] fazem com que ele, à
distância de séculos, conserve inalterado o seu valor e intacto o seu frescor.
É certo que alguns usos, tradicionalmente coligados com a recitação do “Ângelus Domini”, desapareceram ou
dificilmente podem manter-se na vida moderna; mas trata-se de elementos
marginais. Resta, pois, imutado o valor da contemplação do mistério da
Encarnação do Verbo, da saudação à Virgem Santíssima e do recurso à sua
misericordiosa intercessão; e, não obstante terem mudado as condições dos
tempos, permanecem invariados também, para a maior parte dos homens, aqueles
momentos característicos do dia, amanhã, meio-dia e tarde, que assinalam os
tempos da sua atividade e constituem um convite a uma pausa de oração.
O santo Rosário
42. E queremos em seguida, veneráveis Irmãos, deter-nos um pouco mais
longamente sobre a renovação daquele outro exercício de piedade, que já foi
chamado “o compêndio de todo o Evangelho” [69]: o Rosário, ou então o Terço (ou
Coroa), de Nossa Senhora.
Os nossos predecessores dedicaram a esta prática vigilante atenção e
diligente solicitude. Assim, mais de uma vez recomendaram a recitação do
Rosário, favoreceram a sua difusão, ilustraram a sua natureza, reconheceram-lhe
aptidão para desenvolver uma oração contemplativa, de louvor e simultaneamente
de súplica, recordaram a sua conatural eficácia para promover a vida cristã e o
empenho apostólico.
Nós próprios, desde a primeira audiência geral do nosso pontificado, a
13 de julho de 1963, temos tido ocasião de demonstrar a nossa grande estima pela
piedosa prática do Rosário [70]; em momentos sucessivos não deixamos de
sublinhar o seu valor, em circunstâncias multíplices, umas ordinárias e outras
graves, como quando, numa hora de angústia e de insegurança, publicamos a Carta
Encíclica “Christi Matri” (15 de
setembro de 1966), para que fossem dirigidas orações suplicantes à
bem-aventurada Virgem do Rosário, para impetrar de Deus o supremo bem da paz
[71]; apelo, esse, que renovamos na nossa Exortação Apostólica “Recurrens mensis October” (07 de outubro
de 1969), com a qual comemorávamos o quarto centenário da Carta Apostólica “Consueverunt Romani Pontífices” do nosso
predecessor São Pio V, que nela ilustrou e, de algum modo, definiu a forma
tradicional do Rosário [72].
43. E esse nosso interesse assíduo pelo que se refere à tão querida
devoção do Rosário da bem-aventurada Virgem Maria levou-nos a acompanhar
sempre, com ânimo atento, os numerosos convênios dedicados nestes últimos anos
à pastoral do mesmo Rosário no mundo contemporâneo; convênios promovidos por
associações e por pessoas singulares, às quais está profundamente a peito a
mesma devoção do Rosário, e nos quais participaram bispos, presbíteros,
religiosos e leigos de comprovada experiência e de manifesto sentido eclesial.
Entre eles, é justo recordar os Filhos de São Domingos, por tradição guardiães
e propagadores dessa tão salutar devoção. Aos trabalhos de tais convênios têm
vindo a juntar-se as investigações dos historiadores, conduzidas, não com
sentido de definir, quase com intuitos arqueológicos, qual a forma primitiva do
Rosário, mas, sim, para apreender-lhe as intuições originais, a energia
primigênia e a estrutura essencial. De tais convênios e investigações
apareceram, mais nitidamente, quais as características primárias do Rosário e
quais os seus elementos essenciais e a mútua relação existente entre eles.
44. Assim, por exemplo, apareceu numa luz mais viva a índole evangélica
do mesmo Rosário, na medida em que se salientou que ele vai haurir ao Evangelho
o enunciado dos mistérios e as fórmulas principais; no Evangelho se inspira,
ainda, a sugestão para aquela atitude com que o fiel o deve recitar, a partir
da jubilosa saudação do Anjo e do correspondente assentimento religioso da
Virgem Maria; e do Evangelho, enfim, lembra, no suceder-se das Ave-Marias, um
mistério fundamental, a Encarnação do Verbo, contemplado no momento decisivo da
Anunciação feita a Maria. O Rosário, por conseguinte, é uma oração evangélica,
como hoje em dia, talvez mais do que no passado, gostam de a definir os
pastores e os estudiosos.
45. Foi percebido com maior clareza, além disso, que o ordenado e
gradual desenrolar-se do Rosário reflete aquele mesmo modo com que o Verbo de
Deus, ao inserir-se por misericordiosa decisão, nas vicissitudes humanas,
operou a Redenção. O Rosário, de fato, considera numa sucessão harmoniosa os
principais eventos “salvíficos” da mesma Redenção, que se realizaram em Cristo:
desde a concepção virginal, passando pelos mistérios da infância, até aos momentos
culminantes da Páscoa, a bendita Paixão e gloriosa Ressurreição, e aos efeitos
da mesma sobre a Igreja nascente, no dia de Pentecostes, e sobre a Virgem
Maria, na altura em que, tendo terminado o exílio terreno, foi assumida em
corpo e alma à pátria celestial.
Foi observado, ademais, que a tríplice divisão dos mistérios do Rosário,
não só coincide de maneira perfeita com a ordem cronológica dos fatos, mas
sobretudo reflete também o esquema do primitivo anúncio da fé e evoca o
mistério de Cristo, daquele mesmo modo como ele é visto por São Paulo, no
célebre “hino” da Epístola aos Filipenses: despojamento, morte e exaltação (cf.
2,6-11).
46. Oração evangélica, centrada sobre o mistério da Encarnação
redentora, o Rosário é, por isso mesmo, uma prece de orientação profundamente
cristológica. Na verdade, o seu elemento mais característico, a repetição
litânica do “Alegra-te, Maria”, torna-se também ele, louvor incessante, a
Cristo, objetivo último do anúncio do Anjo e da saudação da mãe do Batista: “bendito
o fruto do teu ventre” (Lc 1,42). Diremos mais ainda: a repetição da Ave-Maria
constitui a urdidura sobre a qual se desenrola a contemplação dos mistérios;
aquele Jesus que cada Ave-Maria relembra é o mesmo que a sucessão dos mistérios
propõe, uma e outra vez, como Filho de Deus e da Virgem Santíssima; nascido
numa gruta de Belém; apresentado pela mesma Mãe no Templo; um rapazinho ainda,
a demonstrar-se cheio de zelo pelas coisas de seu Pai; depois, Redentor,
agonizante no horto, flagelado e coroado de espinhos; a carregar a cruz e a
morrer sobre o Calvário; por fim, ressuscitado da morte e elevado à glória do
Pai, para efundir o dom do Espírito.
É coisa conhecida que, exatamente para favorecer a contemplação e para
que a mente estivesse sempre em sintonia com as palavras, se costumava outrora,
e tal costume conservou-se em diversas regiões, ajuntar ao nome de Jesus, em
cada Ave-Maria, uma cláusula, que chamasse a atenção para o mistério enunciado.
47. Depois, fizeram tais convênios e investigações com que se sentisse,
com maior urgência, a necessidade de recordar, ao lado do elemento laudativo e
deprecatório, a importância de outro elemento essencial do Rosário: a
contemplação. Sem esta, o mesmo Rosário é um corpo sem alma e a sua recitação
corre o perigo de tornar-se uma repetição mecânica de fórmulas e de vir a
achar-se em contradição com a advertência de Jesus: “Nas vossas orações, não
useis de vãs repetições, como os gentios, porque imaginam que é pelo palavreado
excessivo que serão ouvidos” (Mt 6,7). Por sua natureza, a recitação do Rosário
requer um ritmo tranquilo e uma certa demora a pensar, que favoreçam, naquele
que ora, a meditação dos mistérios da vida do Senhor, vistos através do coração
daquela que mais de perto esteve em contato com o mesmo Senhor, e que abram o
acesso às suas insondáveis riquezas.
48. Mediante a reflexão contemporânea, por fim, puderam ser
compreendidas com uma maior precisão as relações existentes entre a Liturgia e
o Rosário. Por um lado, foi salientado que o Rosário é como que um rebento que
germinou sobre o tronco secular da Liturgia cristã, qual “Saltério da
Santíssima Virgem”, com que os humildes se pudessem associar ao cântico de
louvor e à intercessão universal da Igreja; por outro lado, observou-se ainda,
isso aconteceu no declinar da Idade Média, numa época em que o espírito
litúrgico se encontrava em decadência e se começava a verificar certo
afastamento dos fiéis da Liturgia, para se ir mais para uma devoção sensível
para com a Humanidade de Cristo e para com a bem-aventurada Virgem Maria.
Se em tempos não recuados pôde surgir no espírito de alguns o desejo de
ver o Rosário incluído no número das expressões litúrgicas, e, pelo contrário,
da parte de outros, levados pela preocupação de evitar erros pastorais do
passado, uma injustificada desatenção em relação ao mesmo Rosário, hoje o
problema é facilmente solucionável, à luz dos princípios da Constituição Sacrosanctum
Concilium: as celebrações litúrgicas e o pio exercício do Rosário não se
devem contrapor nem equiparar [73].
Cada expressão de oração, na verdade, conseguirá ser tanto mais fecunda,
quanto mais conservar a sua verdadeira natureza e a fisionomia que lhe é
própria. Reafirmando, portanto, o valor proeminente dos atos litúrgicos, não
será difícil reconhecer que o Rosário é um exercício de piedade que se
harmoniza facilmente com a sagrada Liturgia. Como a Liturgia, efetivamente,
também o mesmo Rosário tem uma índole comunitária, se nutre da Sagrada
Escritura e gravita em torno do mistério de Cristo. Depois, muito embora em
planos essencialmente diversos, anamnese na Liturgia e memória contemplativa no
Rosário têm por objeto os mesmos eventos “salvíficos” realizados por Cristo. A
primeira torna presentes, sob o véu dos sinais, e operantes, de modo
misterioso, os máximos mistérios da nossa Redenção; a segunda, por sua vez com
o piedoso afeto da contemplação, reevoca na mente daquele que ora esses mesmos
mistérios e estimula nele a vontade para haurir aí normas de vida.
Estabelecida esta diferença substancial, não há quem não veja ser o
Rosário um pio exercício que à Liturgia foi buscar a sua motivação e que, se
for praticado de acordo com a sua inspiração originária, a ela conduz,
naturalmente, sem no entanto transpor o seu limiar. A meditação dos mistérios
do Rosário, de fato, ao tornar familiares à mente e ao coração dos fiéis os
mistérios de Cristo, pode constituir uma ótima preparação, e vir a ser,
depois, um eco prolongado da celebração dos mesmos mistérios nos atos
litúrgicos. É erro, todavia infelizmente, ainda a subsistir nalguns lugares, o
recitar o Rosário durante a ação litúrgica.
49. O Rosário (Terço-Coroa) da bem-aventurada Virgem Maria, segundo a
tradição que foi acolhida e autorizadamente proposta pelo nosso predecessor São
Pio V, consta de vários elementos, dispostos de modo orgânico:
a) a contemplação, em comunhão com Maria, de uma série de mistérios
da Salvação, sapientemente distribuídos em três ciclos que exprimem: o gozo
dos tempos messiânicos; a dor “salvífica” de Cristo; e a glória do divino
Ressuscitado que inunda a Igreja. Tal contemplação, pela sua natureza, conduz à
reflexão prática e suscita estimulantes normas de vida.
b) a Oração Dominical, ou Pai-Nosso, que, pelo seu imenso
valor, está na base da oração cristã e a nobilita nas suas diversas expressões.
c) a sucessão litânica da Ave-Maria, que resulta composta da
saudação do Anjo à Virgem Santíssima (cf. Lc 1,28) e do bendizente obséquio de
Isabel (cf. Lc 1,42), ao que se segue a súplica eclesial “Santa Maria...”. A
série continuada das Ave-Marias é uma característica peculiar
do Rosário, e o seu número, na forma típica e plenária de cento e cinquenta,
apresenta uma tal ou qual analogia com o Saltério e é um dado que remonta à
própria origem do piedoso exercício. Mas esse mesmo número, de acordo com um
costume comprovado, dividido em dezenas coligadas a cada um dos mistérios,
distribui-se nos três ciclos acima mencionados, dando lugar ao conhecido Terço,
de cinquenta Ave-Marias, o qual entrou em uso qual medida normal do
mesmo exercício e, como tal, foi adotado pela piedade popular e sancionado pela
Autoridade Pontifícia, que o enriqueceu com numerosas indulgências.
d) a doxologia Glória ao Pai, que, em conformidade com uma
orientação generalizada da piedade cristã, encerra a oração com a glorificação
de Deus, uno e trino, do qual, pelo qual e para o qual são todas as coisas (cf.
Rm 11,36).
50. Estes são, pois, os elementos do santo Rosário. Cada um deles tem a
sua índole própria, que, acertadamente compreendida e apreciada, deve
refletir-se na recitação, a fim de que o mesmo Rosário exprima toda a sua
riqueza e variedade. Essa recitação, por conseguinte, tornar-se-á: grave e
implorante, na Oração Dominical; lírica e laudativa, no transcorrer calmo
das Ave-Marias; contemplativa, na reflexão atenta sobre os
mistérios; e adorante na doxologia. E isto, note-se, em todas aquelas maneiras
como costuma ser recitado o Rosário: quer privadamente, recolhendo-se aquele
que ora na intimidade com o Senhor; quer comunitariamente, ou em família, ou
por vários fiéis reunidos em grupo, para criar condições para uma particular
presença do Senhor (cf. Mt 18,20), ou, ainda, publicamente, em assembleias para
as quais é convocada qualquer comunidade eclesial.
51. Em tempos recentes, vieram a ser criados alguns pios exercícios, que
vão buscar inspiração ao santo Rosário. Entre estes, queremos fazer menção e
recomendar os que inserem no esquema habitual das celebrações da Palavra de
Deus alguns elementos típicos do mesmo Rosário, como por exemplo, a meditação
dos mistérios e a repetição litânica da saudação angélica. Tais elementos
adquirem assim um maior relevo, enquadrados como são na leitura de textos
bíblicos, ilustrados pela homilia, rodeados de pausas de silêncio e sublinhados
com o canto. É-nos grato saber que semelhantes exercícios têm contribuído para
fazer apreender mais completamente as riquezas espirituais do mesmo Rosário, e
para que seja tida em maior apreço a sua prática no seio de associações e de
movimentos de jovens.
52. Queremos agora, em continuidade de pensamento com os nossos
predecessores, recomendar vivamente a recitação do santo Rosário em família. O
Concílio Vaticano II pôs bem em evidência que a mesma família, qual célula
primeira e vital da sociedade, “deve mostrar-se, pela mútua piedade dos membros
e pela oração dirigida a Deus em comum, como um santuário familiar da Igreja” (Apostolicam Actuositatem - AA, n. 11). A
família cristã, por conseguinte, apresentar-se-á assim como “Igreja doméstica”
(LG, n. 11), na medida em que os seus membros, cada qual no seu lugar e dentro
das suas atribuições próprias, se dão as mãos no promover a justiça, no
praticar as obras de misericórdia, no dedicar-se ao serviço dos irmãos, tomando
parte no apostolado da comunidade local mais ampla e inserindo-se no seu culto
litúrgico (AA, n. 11); e, ainda, se elevarem a Deus orações suplicantes, em
comum; se viesse a falhar este elemento no seio da família, então faltar-lhe-ia
o próprio caráter de família cristã. Por isso, à recuperação da noção teológica
da família, como Igreja doméstica, deve, coerentemente, seguir-se um esforço
por instaurar na vida da mesma família a oração em comum.
53. De acordo com as diretrizes conciliares, a Institutio
generalis de Liturgia Horarum inclui, justamente, o agregado familiar
no número dos grupos aos quais se adapta a celebração em comum do Ofício
divino: “É conveniente - lê-se aí - que, por fim, também a família, qual
santuário doméstico da Igreja, não se limite apenas a elevar a Deus preces em
comum, mas recite, conforme as circunstâncias lhe facultarem, algumas partes da
Liturgia das Horas, para se inserir mais intimamente na mesma Igreja” (n. 27).
Por conseguinte, nada se deve deixar de tentar para que esta indicação clara
possa vir a ter crescente e feliz aplicação no seio das famílias cristãs.
54. Mas, depois da celebração da Liturgia das Horas ponto
culminante a que pode chegar a oração doméstica, não há dúvida de que o Rosário
da bem-aventurada Virgem Maria deve ser considerado uma das mais excelentes e
eficazes orações em comum, que a família cristã é convidada a recitar. Dá-nos
gosto pensar e auspiciamos vivamente que, quando o encontro familiar se
transforma em tempo de oração, seja o Rosário a sua expressão frequente e
preferida. Estamos bem conhecedores de que as mudadas condições da vida dos
homens, nos nossos dias, não são favoráveis à possibilidade de momentos de
reunião familiar; e de que, mesmo quando isso acontece, não poucas
circunstâncias se conjugam para tornar difícil transformar o encontro da
família em ocasião de oração. É uma coisa difícil, sem dúvida. No entanto, é
também característico do agir cristão não se render aos condicionamentos do
ambiente, mas superá-los; não sucumbir, mas sim elevar-se. Portanto, aquelas
famílias que queiram viver em plenitude a vocação e a espiritualidade própria da
família cristã, devem envidar todos os esforços para eliminar tudo o que seja
obstáculo para os encontros familiares e para a oração em comum.
55. Ao concluir estas observações, prova da solicitude e da estima desta
Sé Apostólica pelo santo Rosário (Terço-Coroa), queremos entretanto recomendar
que, na difusão de tão salutar devoção, as suas reais proporções não sejam
nunca alteradas, e que jamais ela seja apresentada com inoportuno exclusivismo:
o Rosário é uma oração excelente, em relação à qual, contudo, os fiéis se
devem sentir serenamente livres, e solicitados a recitá-la com compostura e tranquilidade,
atraídos pela sua beleza intrínseca.
Conclusão: Valor teológico e pastoral do culto da Santíssima Virgem
66. A terminar esta nossa Exortação Apostólica, veneráveis Irmãos,
desejamos frisar ainda, em breve síntese, o valor teológico do culto à
Santíssima Virgem, e relembrar, resumidamente, a sua eficácia pastoral para a
renovação dos costumes cristãos.
A piedade da Igreja para com a bem-aventurada Virgem Maria é elemento
intrínseco do culto cristão. Essa veneração que a Igreja tem vindo a prestar à
Mãe do Senhor, em todos os lugares e em todos os tempos, desde a saudação com
que Isabel a bendiz (cf. Lc 1,42-45) até as expressões de louvor e de súplica
da nossa época, constitui um excelente testemunho da sua norma de
oração e um convite a reavivar nas consciências a sua norma de
fé. E, em contrapartida, a norma de fé da Igreja exige também que, por toda
a parte, floresça com pujança a sua norma de oração pelo que
se refere à Mãe de Cristo.
Tal culto à Virgem Santíssima tem raízes profundas na Palavra revelada
e, conjuntamente, sólidos fundamentos dogmáticos: a singular dignidade de
Maria, “Mãe do Filho de Deus e, por isso, filha predileta do Pai e templo do
Espírito Santo; por este seu dom de graça sem igual ela ultrapassa, de longe,
todas as outras criaturas, celestes e terrestres” (LG, n.53); a sua cooperação
nos momentos decisivos da obra da Salvação, realizada pelo Filho; a sua
santidade, já plena na Conceição imaculada e, não obstante, sempre crescente, a
medida que ela aderia à vontade do Pai e ia percorrendo a via do sofrimento
(cf. Lc 2,25-35.41-52; e Jo 19,25-27) e ia progredindo constantemente na fé, na
esperança e na caridade; a sua missão e condição única no Povo de Deus, do qual
é, ao mesmo tempo, membro supereminente, modelo limpidíssimo e Mãe
amorosíssima; a sua incessante e eficaz intercessão, em virtude da qual, embora
assumida ao céu, continua muito perto dos fiéis que a imploram, e até mesmo
daqueles que ignoram ser seus filhos; a sua glória, enfim, que enobrece todo o
gênero humano, como de modo admirável o exprimiu o poeta Dante: “tu és aquela
que a humana natureza / nobilitaste de tal modo, que o seu Autor / não
desdenhou fazer-se sua feitura” [74]. Maria, de fato, é da nossa estirpe,
verdadeira filha de Eva, se bem que isenta do labéu do mal, e nossa verdadeira
irmã, que compartilhou plenamente, mulher humilde e pobre como foi, a nossa
condição.
Acrescentaremos, ainda: o culto da bem-aventurada Virgem Maria tem a sua
suprema razão de ser na insondável e livre vontade de Deus, que, sendo a eterna
e divina Caridade (cf.1Jo 4,7-8.16), realiza todas as coisas segundo um plano
de amor: amou-a e fez-lhe grandes coisas (cf. Lc 1,49), amou-a por causa de si
mesmo e por causa de nós e, deu-a a si mesmo e no-la deu a nós.
57. Cristo é o único caminho para o Pai (cf. Jo 14,4-11). Cristo é o
modelo supremo, ao qual o discípulo deve conformar o próprio comportamento (cf.
Jo 13,15), até chegar ao ponto de ter em si os seus mesmos sentimentos (cf. Fl
2,5), viver da sua vida e possuir o seu Espírito (cf. Gl 2,20; Rm 8,10-11): foi
isto o que a Igreja ensinou em todos os tempos e nada, na atividade pastoral,
deve ensombrar jamais esta doutrina.
A Igreja, no entanto, instruída pelo Espírito e amestrada por uma
experiência multissecular, reconhece que também a piedade para com a bem-aventurada
Virgem Maria, subordinadamente à piedade para com o divino Salvador e em
conexão com ela, tem uma grande eficácia pastoral e constitui uma força
renovadora dos costumes cristãos.
A razão de tal eficácia pode facilmente ser entrevista. A multifacetada
missão de Maria, em relação ao Povo de Deus, é, efetivamente, uma realidade
sobrenatural, operante e fecunda no organismo eclesial. E dá gosto considerar
cada um dos aspectos dessa missão e ver como todos eles se orientam, cada um
com a sua eficácia própria, para o mesmo fim: reproduzir nos filhos as feições
do Filho primogênito. Quer dizer: a materna intercessão da Virgem Santíssima,
assim como a sua santidade exemplar, a graça divina, que está nela, tornam-se
motivo de esperanças supernas para todo o gênero humano.
A materna missão de Maria, pois, impele o Povo de Deus a dirigir-se, com
filial confiança, àquela que está sempre pronta para o atender, com afeto de
mãe e com o valimento eficaz de auxiliadora (LG, nn. 60-63). Por isso,
cedo começou o mesmo Povo de Deus a invocá-la sob os títulos de Consoladora
dos aflitos, Saúde dos enfermos e Refúgio dos pecadores, a fim de alcançar conforto nas
tribulações, alívio nas doenças e, quando ilaqueado pela culpa, a força
libertadora; porque ela, isenta do pecado, leva os seus filhos a isto: a
debelarem, com decisão enérgica, o pecado (LG, n. 65). E tal libertação do
pecado e do mal (cf. Mt 6,13), importa frisá-lo bem, é a condição necessária
para toda e qualquer renovação dos costumes cristãos.
Depois, a santidade exemplar da Virgem Santíssima estimula, realmente,
os fiéis a levantarem “os olhos para Maria, que brilha como modelo de
virtudes sobre toda a comunidade dos eleitos” (LG, n. 65). São virtudes
sólidas e evangélicas, as suas: a fé e a dócil aceitação da Palavra de Deus
(cf. Lc 1,26-28.45; 11,27-28; Jo 2,5); a obediência generosa (cf. Lc 1,38); a
humildade genuína (cf. Lc 1,48); a caridade solícita (cf. Lc 1,39-56); a
sapiência reflexiva (cf. Lc 1,29.34; 2,19.33.51); a piedade para com Deus,
álacre no cumprimento dos deveres religiosos (cf. Lc 2,21.22-40.41),
reconhecida pelos dons recebidos (cf. Lc 1,46-49), oferente no Templo (cf. Lc
2,22-24) e orante na comunidade apostólica (cf. At 1,12-14); a fortaleza no
exílio (cf. Mt 2,13-23) e no sofrimento (cf. Lc 2,34-35.49; Jo 19,25); a
pobreza levada com dignidade e confiante em Deus (cf. Lc 1,48; 2,24); a
solicitude vigilante para com o Filho, desde a humilhação do berço até a
ignomínia da cruz (cf. Lc 2,1-7; Jo 19,25-27); a delicadeza previdente (cf. Jo
2,1-12); a pureza virginal (cf. Mt 1,18-25; Lc 1,2638); e, enfim, o forte e
casto amor esponsal. Destas virtudes da Mãe se poderão também revestir os
filhos que, com firmes propósitos, souberem reparar nos seus exemplos, para
depois os traduzir na própria vida. E semelhante progresso na virtude
aparecerá, assim, como consequência e fruto já maduro também, daquela força
pastoral que promana do culto tributado à Virgem Santíssima.
A piedade para com a Mãe do Senhor torna-se pois, para o fiel, ocasião
de crescimento na graça divina, que é, de resto, a finalidade última de toda e
qualquer atividade pastoral. Na realidade, é impossível honrar a “cheia de
graça” (Lc 1,28), sem honrar o estado de graça em si próprio; quer dizer: a
amizade com Deus, a comunhão com Ele e a inabitação do Espírito Santo. Esta
graça divina reveste todo o homem e torna-o conforme a imagem do Filho de Deus
(cf. Rm 8,29; Cl 1,18).
A Igreja católica, apoiada numa experiência de séculos, reconhece na
devoção a Virgem Santíssima um auxílio poderoso para o homem em marcha
para a conquista da sua própria plenitude. Maria, a Mulher nova,
está ao lado de Cristo “o Homem novo, em cujo mistério, somente,
encontra verdadeira luz o mistério do homem” (Gaudium et Spes, n. 22); e está aí, qual penhor e garantia de que
numa simples criatura, nela, se tornou já realidade o plano de Deus em Cristo,
para a salvação de todo o homem.
Para o homem contemporâneo, - não raro atormentado entre a angústia e a
esperança, prostrado mesmo pela sensação das próprias limitações e assaltado
por aspirações sem limites, perturbado na mente e dividido em seu coração, com
o espírito suspenso perante o enigma da morte, oprimido pela solidão e,
simultaneamente, a tender para a comunhão, presa da náusea e do tédio, a
bem-aventurada Virgem Maria contemplada no enquadramento das vicissitudes
evangélicas em que interveio e na realidade que já alcançou na Cidade de Deus, proporciona-lhe
uma visão serenadora e uma palavra tranquilizante: a da vitória da esperança
sobre a angústia, da comunhão sobre a solidão, da paz sobre a perturbação da
alegria e da beleza sobre o tédio e a náusea, das perspectivas eternas sobre as
temporais e, enfim, da vida sobre a morte.
A sigilar esta nossa Exortação e como um ulterior argumento em favor do
valor pastoral da devoção à Virgem Santíssima, para conduzir os homens a
Cristo, sejam aquelas mesmas palavras que ela dirigiu aos servos das bodas de
Caná: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2,5). Palavras estas limitadas, na
aparência, ao desejo de achar remédio para uma complicação surgida no decorrer
do convívio; mas que, na perspectiva do quarto Evangelho, são realmente
palavras em que parece repercutir-se o eco da fórmula usada pelo Povo de Israel
para sancionar a Aliança sinaíta (cf. Ex 19,8; 24,3.7; Dt 5,27), ou para
renovar os compromissos da mesma (cf. Js 24,24; Esd 10,12; Ne 5,12); e
palavras, ainda, em que há uma consonância admirável com aquelas outras do Pai,
quando da teofania do monte Tabor: “Ouvi-O” (Mt 17,5).
58. Tratamos amplamente, veneráveis Irmãos, de um elemento que é parte
integrante do culto cristão: a veneração para com a Mãe do Senhor. Exigia-o a
natureza da matéria que, nestes últimos anos, tem sido objeto de estudo, de
revisão e, algumas vezes, mesmo de certas perplexidades. É para nós motivo de
conforto, no entanto, o pensar que o trabalho realizado, em execução das normas
do Concílio, por esta Sé Apostólica e por vós próprios, de modo particular a
reforma litúrgica, há de ficar a constituir um pressuposto válido, para um
culto a Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, cada dia mais vivo e adorante, e
para o crescimento da vida cristã entre os fiéis. E é motivo de confiança para
nós, ainda, o verificar que a Liturgia romana renovada constitui, no seu
conjunto, também ela, um fúlgido testemunho da piedade da Igreja para com a
Santíssima Virgem. Alenta-nos a esperança de que as diretrizes emanadas em
ordem a tornar cada vez mais límpida e vigorosa essa piedade virão a ser
sinceramente aplicadas. E confessamos a nossa alegria, por fim, por o Senhor
nos ter concedido a oportunidade de apresentar alguns pontos de reflexão que
visam renovar e confirmar a estima em relação à prática do santo Rosário.
Conforto, confiança, esperança e alegria são os sentimentos que, unindo a nossa
voz à voz da Virgem Maria, como implora a Liturgia romana [75], queremos
traduzir em fervoroso louvor e ação de graças ao Senhor.
Ao mesmo tempo em que auspiciamos, portanto, que graças à vossa
aplicação generosa, Irmãos caríssimos, se verifique entre o clero e entre o
povo confiado aos vossos cuidados, um salutar incremento da devoção
mariana, com indubitável proveito para a Igreja e para a sociedade humana,
outorgamo-vos, do coração, a vós e a todos os féis em prol dos quais se
exercita o vosso zelo pastoral uma especial bênção apostólica.
Dada em Roma,
junto de São Pedro, no dia 02 de fevereiro, Festa da Apresentação do Senhor, do
ano de 1974, décimo primeiro do nosso pontificado.
PAULUS PP. VI
NOTAS
[1] Cf. Lactâncio, Divinae institutiones IV,
3, 6-10: CSEL 19, p. 279.
[2] Missa votiva da bem-aventurada Virgem Maria Mãe
da Igreja, Prefácio.
[3] Cf. Exortação Apostólica Signum Magnum:
AAS 59 (1967), pp. 465-475.
[4] Cf. Missal Romano (ex Decr. Sacr. Oec. Conc. Vat. II instauratum,
Auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, Ed. typica, MCMLXX), 8 de
dezembro, Prefácio.
[5] Missal Romano, Lecionário (ex Decr. Sacr. Oec. Conc. Vat. II
instauratum auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, Ordo lectionum Missae Ed. Typica, MCMLXIX, p. 8):
Leitura I (Ano A. Is 7,10-14: “Eis a Virgem que concebe”; Ano B: 2Sm
7,1-5.8b-11.16: “A realeza de Davi será estável para sempre diante do Senhor”;
Ano C: Mq 5,2-5a [Hb 1-4a]: “...de ti sairá para mim aquele que há de dominar
em Israel”).
[6] ibid., (p. 8): Evangelho (Ano
A: Mt 1,18-24: “Jesus nascerá de Maria, desposada com José, filho de Davi”; Ano
B: Lc 1,26-38: “Eis que conceberás e darás à luz um filho”; Ano C: Lc 1,39-45: “E
donde me é dada a graça que venha visitar-me a mãe do meu Senhor?”).
[7] Cf. Missal Romano, Prefácio do
Advento , II.
[8] Cf. Missal Romano, ibid.
[9] Cf. Missal Romano, Prece
Eucarística I, Communicantes próprio da Festa de Natividade do
Senhor e da Oitava.
[10] Cf. Missal Romano, l° de
janeiro, Intróito e Coleta.
[11] Cf. Missal Romano, 22 de
agosto, Coleta.
[12] Cf. Missal Romano, 8 de
setembro, Depois da Comunhão.
[13] Cf. Missal Romano, 31 de
maio, Coleta.
[14] Cf. Ibidem, Coleta e Oração sobre as
oblatas.
[15] Cf. Missal Romano, l5 de
setembro, Coleta.
[16] Cf. supra, n. l, p.13.
[17] Entre as numerosas anáforas, cf. as seguintes,
particularmente apreciadas entre os Orientais: Anaphora Marci
Evangelistae: Prex Eucharistica, ed. A. Haenggi-I. Pahl,
Fribourg, Editions Universitaires, 1968, p.107; Anaphora Iacobi fratris
Domini graeca, ibid., p. 257: Anaphora Iannis Chrysostomi, ibid.,
p. 229.
[18] Cf. Missal Romano, 8 de
dezembro, Prefácio.
[19] Cf. Missal Romano, l5 de
agosto, Prefácio.
[20] Cf. Missal Romano, l° de janeiro, Depois
da Comunhão.
[21] Cf. Missal Romano, Comum das
Festas de Nossa Senhora, Tempo Pascal, 6, Coleta.
[22] Cf. Missal Romano, l5 de
setembro, Coleta.
[23] Cf. Missal Romano, 31 de
maio, Coleta. Na mesma linha, veja-se também o II Prefácio de
Nossa Senhora: “É verdadeiramente nosso dever... exaltar de modo particular a
Vossa bondade, na evocação da memória da bem-aventurada Virgem Maria,
inspirando-nos no seu canto de louvor”.
[24] Cf. Missal Romano, - Lecionário,
III Domingo do Advento (Ano C: Sf 3,14-18a); IV Domingo do Advento (Cf. supra a
nota 12); Domingo dentro da Oitava do Natal (Ano A: Mt 2,13-15.19-23; Ano B: Lc
2,22-40; Ano C: Lc 2,41-52); II Domingo depois do Natal (Jo 1,1-18); VII
Domingo da Páscoa (Ano A: At 1,12-14); II Domingo durante o ano (Ano C: Jo
2,1-12); X Domingo durante o ano (Ano B: Gn 3,9-15); XIV Domingo durante o ano
(Ano B: Mc 6,1-6).
[25] Cf. Missal Romano - Lecionário,
Para o Catecumenato e Batismo dos adultos, “Ad
traditionem” da Oração Dominical (Leitura II, 2: Gl 4,4-97); Para a Iniciação
Cristã fora da vigília Pascal (Evang., 7: Jo 1,1-5.9.14.16-18); Para as núpcias
(Evang., 7: Jo 2,1-12); Para a consagração das virgens e profissão religiosa
(Leitura I, 7: Is 61,9-11; Evang., 6: Mc 3,31-35; Lc 1,26-38 [cf. o "Ordo" da
consagração das virgens, n.130; e o "Ordo" da
profissão religiosa, Segunda Parte, n.145]).
[26] Cf. Missal Romano - Lecionário,
Pelos prófugos e exilados (Evang., 1: Mt 2,13-15.19-23); Em ação de graças
(Leitura I, 4: Sf 3,14-15).
[27] La Divina Commedia, Paradiso
XXXIII,1-9; Cf. Liturgia das Horas, Memória de Santa Maria “in Sabbato”, Ofício da Leitura, Hino.
[28] Cf. “Ordo” do Batismo das crianças, n. 48; “Ordo” da Iniciação cristã dos adultos,
n. 214.
[29] Cf. Ritual Romano, Tít. VII, cap.
III, Bênção da mulher depois do parto.
[30] Cf. “Ordo” da profissão religiosa, Primeira Parte, nn. 57 e 67.
[31] Cf. “Ordo” da consagração das virgens, n.16.
[32] Cf. “Ordo” da profissão religiosa, Primeira Parte, nn. 62 e 142;
Segunda Parte, nn. 67 e 158; e “Ordo” da consagração das virgens, nn.18 e 20.
[33] Cf. “Ordo” da unção dos enfermos e cuidados pastorais dos mesmos,
nn. 143,146,147,150.
[34] Cf. Missal Romano, Missas dos
defuntos - pelos irmãos, parentes e benfeitores falecidos, Coleta.
[35] Cf. “Ordo” das exéquias, n. 226.
[36] Cf. Adversus Haereses IV,
7,1: PG 7,1; 990-991; S. Ch., n.100, t. II, pp. 454-458.
[37] Cf. Adversus Haereses III,10,
2: PG 7,1, 873; S. Ch., n. 34, p.164.
[38] Tractatus XXV (In
Nativitate Domini), 5: CCL 138, p.123; S. Ch., 22 bis, p. 132;
C£ também Tractatus XXIX (In
Nativitate Domini), 1: CCL ibid., p. 147; S. Ch., ibid., p.178;
Tractatus LXIII (De Passione Domini),
6: CCL ibid., p. 386; S. Ch., 74, p. 82.
[39] M. Ferotin, Le “Liber Mozarabicus Sacramentorum”,
col. 56.
[40] In Purificatione B. Mariae, Sermo III,
2: PL 183, 370; Sancti Bernardi Opera, ed., J. Leclercq-H. Rochais,
vol. IV, Romae 1966, p. 342.
[41] Cf. Pio XII, Encíclica Mystici
Corporis: AAS 35 (1943), p. 247.
[42] “(...) Dignai-vos lembrar todos aqueles que
partiram deste mundo e vos foram aceites - dos santos padres, patriarcas,
profetas, apóstolos (...) e da santa e gloriosa Mãe de Deus, Maria, e de
todos os santos. (...); que eles recordem a nossa miséria e pobreza e vos
ofereçam, juntamente conosco, este sacrifício formidável e incruento”: Anaphora
Iacobi fratris Domini syriaca; Prex Eucharistica, ed., A.
Haenggi-I. Pahl, Fribourg, Editions Universitaires, 1968, p. 274.
[43] Expositio Evangelii secundum Lucam,
II, 26: CSEL 32, IV, p. 55; S. Ch., 45, pp. 83-84.
[44] Cf. Paulo VI, Alocução no Santuário
mariano de “Nostra Signora di Bonaria”, Cagliari, a 24 de abril de 1970:
AAS 62 (1970), p. 300.
[45] Cf. Pio IX, Bula Dogmática Ineffabilis
Deus: Pii IX Pontificas Maximi Acta, I, l, Romae, 1854, p. 599; Cf. ed. V
Sarda, La solenne definizione del dogma dell'Immacolato concepimento di
Maria Santíssima. Atti e documenti..., Roma 1904-1905, vol. II, p. 302.
[46] S. Ildefonso, De virginitate perpetua
sanctae Mariae, cap. XII; PL 96, 108.
[47] Lumen Gentium, n. 56, e os
autores citados na relativa.
[48] Cf. S. Ambrósio, De Spiritu Sancto II,
37-38: CSEL 79, pp. 100-101; Cassiano, De Incarnatione Domina II,
cap. II: CSEL 17, pp. 247-249; S. Beda, Homilia I, 3: CCL 122,
p.18 e p. 20.
[49] Cf. S. Ambrósio, De institutione
virginis, cap. XII, 79: PL 16 (ed. 1880), 339; Epistula 30,
3 e Epistula 42, 7: ibid., 1107 e 1175; Expositio
evangelii secundum Lucam X, 132; S. Ch., 52, p. 200; S.
Procles de Constantinopla, Oratio I, et Oratio V,
3: PG 65, 681 e 720; S. Basílio de Selêucia, Oratio XXXIX, 3:
PG 85, 433; S. André de Creta, Oratio IV: PG 97, 868; S.
Germano de Constantinopla, Oratio II,15: PG 98, 305.
50. Cf. S. Jerônimo, Adversos
Iovinianum I, 33: PL 23, 267; S. Ambrósio, Epistula 63,
33: PL 16 (ed. 1880), 1249; De institutione virginis, cap. XVII,
195: Ibid., 346; De Spiritu Sancto III, 79-80:
CSEL 79, pp. 182-183; Sedúlio, Hymnus “A solis ortus cardine”, vv.13-14: CSEL 10, p.164; Hymnus Akathistos,
str. 23: ed. I B. Pitra, Analecta Sacra, I, p. 261; S. Proclo de
Constantinopla, Oratio I, 3: PG 65, 684; Oratio II,
6: ibid., 700: S. Basílio de Selêucia, Oratio IV:
PG 97, 868; S. João Damasceno, Oratio IV,10: PG 96, 677.
[51] Cf. S. Severo de Antioquia, Homilia 57:
PO 8, pp. 357-358; Hesíquio de Jerusalém, Homilia de Sancta Maria
Deipara: PG 93,1464: Crisipo de Jerusalém, Oratio in sanctam Mariam
Deiparam, 2: PO 19, p. 338; S. André de Creta, Oratio V:
PG 97, 896; S. João Damasceno, Oratio VI, 6: PG 96, 672.
[52] Liber Apotheosis, vv 571-572: CCL
126, p. 97.
[53] Cf. S. Isidoro, De ortu et obitu
Patrum, cap. LXVII, 111: PL 83, 148; S. Ildefonso, De virginitate
perpetua sanctae Mariae, cap. X: PL 96, 95; S. Bernardo, In
Assumptione B. Virginis Mariae, Sermo IV, 4: PL 183, 428; In
Nativitate B. Virginis Mariae: ibid., 442; S. Pedro Damião, Carmina
sacra et preces II, Oratio ad Deum, Filium: PL 145, 921; Antiphona “Beata Dei Genetrix Maria”: Corpus
antiphonalium officcii, ed. R. J. Hesbert, Roma 1970, vol. N, n. 6314,
p. 80.
[54] Cf. Paulo Diácono, Homilia I, In
Assumptione B. Mariae Virginis: PL 95, 1567; Pascásio Rodberto, De
Assumptione sanctae Mariae Virginis, trib., nn. 31, 42, 57, 83: ed. A.
Ripberger, in “Spicilegium Friburgense”, n. 9, 1962, pp. 72, 76, 84, 96-97;
Eadmero de Cantuária. De excellentia Vrginis Mariae, cap. IV- V: PL
159, 562-567; S. Bernardo, In laudibus Virginis Matris, Homilia IV,
3: Sancti Barnardi Opera, ed. J. Leclercq-H. Rochais, IV, Romae
1966, pp. 49-50.
[55] Cf. Orígenes, In Lucam Homilia VII,
3: PG 13,1817; S. Ch., 87, p.156; S. Cirilo de Alexandria, Commentarius
in Aggaeum prophetam, cap. XIX: PG 71, 1060; S. Ambrósio, De fide IV,
9, 113-114: CSEL 78, pp. 197-198; Expositio evangelii secundum Lucam II,
23 e 27-28; CSEL 32, N, pp. 53-54 e 55-56; Severiano de Gábala, In
mundi creationem oratio IV, 10. PG 56, 497-498; Antipater
Bostrensis, Homilia in Sanctissimae Deiparae Annuntiationem, 16: PG
85,1785.
56. Cf. Eadmero de Cantuária, De
excellentia Virginis Mariae, cap. VII: PL 159, 571: S. Amadeu de
Lausana, Homilia VII: PL 188,1337; S. Ch., 72,
p.184.
[57] De virginitate perpetua sanetae Mariae,
cap. XII: PL 96,106.
[58] Lumen Gentium, n. 54. Cf.
Paulo VI, Alocução durante o Concílio Ecumênico Vaticano II, na
altura do encerramento da segunda sessão, em 04 de dezembro de 1963. AAS 56
(1964), p. 37.
[59] S. Cipriano, De catholicae Ecclesiae
unitate, 5: CSEL 3, p. 214.
[60] Isaac de Stella, Sereno LI, In
Assumptione B. Mariae; PL 194,1863.
[61] Sermo XXX,1: S. Ch.,
164, p.134.
[62] Cf. Officium magni canonis paracletici, Magnum
Orologion, Athenis 1963, p. 558; ocorre com frequência nos cânones e
tropários litúrgicos: Cf. Sofrônio Eustradiadou, Theotokarion,
Chennevières-sur-Marne,1931, pp. 9 e 19.
[63] Cf. Paulo VI, Alocução aos Padres
Conciliares, na Basílica de S. Pedro, em 21 de novembro de 1964: AAS 56
(1964), p.1017.
[64] Carta Encíclica Adiutricem populi:
AAS 28 (1895-1896), p.135.
[65] Cf. S. Pedro Crisólogo, Sermo CXLIII:
PL 52, 583.
[66] Cf. Paulo VI, Exortação Apostólica Signum
Magnum, I: AAS 59 (1967), pp. 467-468; Missal Romano, l5 de setembro, Oração
sobre as oferendas.
[67] S. Agostinho, In Iohannis Evangelium,
Tractatus X, 3: CCL 36, pp. 101.102; Epistula 243, Ad
Laetum, n. 9. CSEL 57, pp. 575-576; S. Beda, In Lucae Evangelium
expositio, N, xi, 28: CCL 120, p. 237; Homilia I, 4: CCL
122, pp. 26-27.
[68] Cf. Missal Romano, IV Domingo do
Advento, Oração do dia. Analogamente a Oração do dia de
25 de março, que na recitação do Ângelus Domini pode
substituir a precedente.
[69] Pio XII, Carta Philippinas Insulas, ao
Arcebispo de Manila: AAS 38 (1946), p. 419.
[70] Cf. Discurso aos participantes no III
Congresso Internacional Dominicano do Rosário: Insegnamenti di Paolo VI,
l (1963), pp. 463-464.
[71] Cf. AAS 58 (1966), pp. 745-749.
[72] Cf. AAS 61 (1969), pp. 649-654.
[73] Cf. n.13: AAS 56 (1964), p.103.
[74] La Divina Commedia, Paradiso
XXXIII, 4-6.
[75] Cf. Missal Romano, 31 de maio, Oração
do dia.
Fonte: Santa Sé
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