Prosseguindo com a publicação dos textos sobre o sacerdote e a Celebração Eucarística divulgados pela Santa Sé durante o Ano Sacerdotal (2009-2010), confira a décima reflexão, dedicada à preparação e à ação de graças da Missa:
Departamento das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice
O sacerdote na preparação e na ação de graças da Santa Missa
1. A oração íntima e pessoal de Jesus
Para o
sacerdote, frutificar na vida e no ministério depende da união com Deus, união
que está na base também do fato de que os fiéis se dirijam a ele para que reze
por eles. Jesus Cristo confiou àqueles que o seguiam mais de perto uma palavra
que esclarece o sentido de todo o bem que fariam: “Eu sou a videira e vós, os
ramos. Aquele que permanece em mim, como eu nele, esse dá muito fruto; pois sem
mim, nada podeis fazer” (Jo 15,5). O próprio Senhor Jesus, no contexto dos
muitos milagres realizados, estabeleceu um tempo para estar só, para dedicar à
oração a seu Pai celestial. Para Jesus, a oração oficial da Liturgia era
sustentada por uma vida interior na qual a reserva apoiava essa intimidade que
nutre a oração pessoal. As dimensões eclesial e comunitária se reforçam por uma
relação pessoal similar com Deus, que cada fiel espera poder aprofundar.
A busca de Deus,
que dá significado à vida dos que o amam, serve de recordação quotidiana do
fato de que toda bênção provém e ao mesmo tempo se dirige para o Deus
onipotente. A Sagrada Escritura descreve de forma vívida o alimento que Jesus
tomava de sua vida de oração escondida: “ele se retirava a lugares desertos
para orar” (Lc 5,16). Do mesmo modo,
notamos a importância dos diferentes momentos do dia, pelo fato de que Jesus se
mostra particularmente atento ao silêncio da oração, em que busca a vontade do
Pai. Momentos similares animam um especial recolhimento e uma proximidade
ininterrupta: “De madrugada, quando ainda estava bem escuro, Jesus se levantou
e saiu rumo a um lugar deserto. Lá, ele orava” (Mc 1,35); “Depois de despedi-las, subiu à montanha, a sós, para
orar. Anoiteceu, e Jesus continuava lá, sozinho” (Mt 14,23).
2. A oração íntima e pessoal do sacerdote
O sacerdote,
consciente de participar na obra de Cristo, esforça-se por seguir seu exemplo,
por guiar o santo povo de Deus ao Pai, através de Cristo no Espírito Santo. Ele
sabe muito bem que, dado que seus defeitos danificam a credibilidade de seu
testemunho, deve pedir com não menor urgência a Deus que infunda nele as
virtudes próprias de seu estado. Parte da homilia proposta no rito de ordenação
do presbítero instrui aquele que vai ser ordenado desta forma: “Assim
continuarás a obra de santificação de Cristo. Através de teu ministério, o
sacrifício espiritual dos fiéis se faz perfeito, porque está unido ao
sacrifício de Cristo, é oferecido através de tuas mãos em nome da Igreja de
forma incruenta sobre altar, na celebração dos sagrados mistérios. Reconhece o
que fazes, imita aquele que tocas, para que, celebrando o mistério da morte e
ressurreição do Senhor, possas mortificar em ti mesmo todos os vícios e
preparar-te para caminhar em uma vida nova” [1].
Vê-se, por isso,
que o motivo de uma particular preparação do sacerdote antes da Missa e o
agradecimento depois dela reside no benefício para a Igreja inteira, porque o
sacerdote que santifica o povo cristão necessita em primeiro lugar de ser
moldado pelo espírito de santidade. Sempre é de ajuda para o sacerdote tomar um
momento para considerar os textos que rezará durante a Missa, seja no dia em
que a assembleia participará, ou não. Oportunas reflexões prévias sobre os
textos podem estimular um desejo mais profundo de Deus. A preparação textual
constitui uma preparação litúrgica coerente para a Santa Missa. Um sacerdote
que cultiva o silêncio pessoal no tempo que precede e que segue à Santa Missa,
com sua própria disposição animará o espírito de meditação.
Um sacerdote em
atenção pastoral poderia ter de lutar para estabelecer o silêncio desejável em
toda sacristia, especialmente se se apresenta a necessidade de ter de receber
nela os fiéis. Mas precisamente para ele em particular, os textos de preparação
antes da Missa e de agradecimento depois desta podem ser rezados em qualquer
momento. Estes reconhecem também as limitações de tempo e por isso se
apresentam como um apoio espiritual mais que como uma imposição de obrigação
sobre o sacerdote que tenta celebrar a Missa de modo mais reverente possível.
Deve-se assinalar que a rubrica que se encontra sob os títulos da Praeparatio ad Missam e da Gratiarum Actio no Missal de 1962
reconhece estas exigências concretas do sacerdote [2]. Nenhum ato de amor, por
definição, é apressado. Tendo oferecido o supremo sacrifício do amor de Cristo,
é de esperar que um sacerdote seja movido a fazer o que seja possível para
encontrar um tempo, ainda que seja breve, para uma ação de graças depois da
Missa. E se sentirá reforçado por tê-lo feito.
A preparação de
um sacerdote para a Missa será ulteriormente apoiada pelo ciclo da Liturgia das
Horas, que enriquece a vida de todo sacerdote. A antiga sabedoria do Ritus Servandus in Celebratione Missae,
que se encontra ainda na primeira parte do Missal de 1962, presume a
importância intrínseca do Ofício Divino para a vida interior do presbítero.
Esta estabelecia que as Matinas e as Laudes deveriam estar completos antes da
celebração. Também se deve dizer que o contexto dessa prescrição secular não
podia ter presente a Missa da tarde [3].
Dado que a Missa
celebra-se atualmente em qualquer hora do dia litúrgico, já não se aplica esta
norma de modo restritivo, no entanto, os Princípios
e Normas para a Liturgia das Horas explicam atentamente a conexão entre a
celebração da Eucaristia e a Liturgia das Horas: “Cristo mandou: ‘há que rezar
sempre, sem nunca desistir’ (Lc 18,1).
Por isso, a Igreja, obedecendo fielmente a este mandato, não cessa nunca de
elevar orações e nos exorta com estas palavras: ‘Por meio de Jesus, ofereçamos
a Deus um perene sacrifício de louvor’ (Hb
13,15). A este preceito, a Igreja responde não só celebrando a Eucaristia, mas
também de outras formas, e especialmente com a Liturgia das Horas, a qual,
entre as demais ações litúrgicas, tem como característica, por antiga tradição
cristã, santificar todo o transcurso do dia e da noite” [4].
3. A Praeparatio ad Missam
3.1 A comparação dos textos
oferecidos para a Praeparatio mostra
que as próprias orações estão incluídas nas duas formas do Rito Romano, ainda
que tenham sido reduzidas a quatro no Missale
Romanum de 1970. Neste, encontramos a oração Ad Mensam de Santo Ambrósio; a Omnipotens
sempiterne Deus, ecce accedo de Santo
Tomás de Aquino; uma oração à Bem-aventurada Virgem Maria, O Mater pietatis et misericordiae; e a fórmula de intenção Ego volo celebrare Missam [5]. À raiz de
uma primeira reforma das indulgências feita depois do Concílio Vaticano II e
publicada no Enchiridion das
Indulgências de 1968, não se mencionam as indulgências que foram unidas à
recitação destas orações por Pio IX, cujos detalhes tinham sido publicados no
Missal de 1962.
3.2 Amplos textos adornam este
Missal (de 1962): a antífona Ne
reminiscaris pede a Deus que seja misericordioso apesar de nossos pecados e
dos daqueles que nos precederam. Esta vai seguida dos Salmos 83, 84, 85, 115 e
129. O Kyrie eleison, Christe eleison,
Kyrie eleison e o Pater noster,
cujas duas últimas linhas formam o início de uma série de versículos, são
seguidos por um número de orações breves. Em alguns manuais devocionais, estas
sete orações se atribuem a Santo Ambrósio e estão assinaladas aos diferentes
dias da semana. Seja como for, pelo modo como estão colocadas no Missal,
considera-se que se devem dizer sucessivamente sob uma única conclusão. Todas,
exceto a sétima, concentram-se sobre a obra de santificação do Espírito Santo.
A sétima é seguida por uma doxologia mais longa, que conclui a série. A
primeira reza para que o Espírito Santo resplandeça em nossos corações, para
que possamos celebrar dignamente os santos mistérios. A segunda pede que
possamos amar a Deus perfeitamente e louvá-lo dignamente. A terceira, que
possamos servir a Deus na castidade e pureza de espírito, enquanto que a quarta
implora ao Paráclito que ilumine nossas mentes. A quinta pede a força do
Espírito Santo para expulsar as forças do inimigo. A sexta pede a sabedoria e a
consolação, e a última pede a Deus que nos purifique e que faça de nós o lugar
de sua morada.
3.3 A extensa Oratio Sacerdotis ante Missam está dividida no Missal em sete
partes, uma por cada dia da semana, e forma uma meditação orante sobre a
imitação das virtudes de Cristo, Sumo Sacerdote. Seu significado é tão
confortante como exigente. A relevância de seus diversos temas é adequada a seu
estilo literário, que é insistente e íntimo. No domingo, o sacerdote pede ao
Espírito Santo que o ensine a tratar os santos mistérios com reverência, honra,
devoção e íntimo temor. Na segunda-feira, concentra-se sua necessidade de
castidade perfeita, enquanto que na terça-feira, o sacerdote reconhece sua
própria indignidade ao celebrar a Missa e, enquanto proclama sua fé no que Deus
pode suprir quando lhe falte, pede para perceber sua presença enquanto celebra
e também ser rodeado pelos anjos. Na quarta-feira, sai à luz o elenco das
necessidades sociais das pessoas pelas quais Cristo derramou seu Sangue. Na
quinta-feira, o sacerdote, enquanto implora a misericórdia divina, recorda como
a providência socorre a fragilidade humana: “Tu amas tudo o que existe, e não
deprecias nada de quanto fizeste” [6]. Na sexta-feira, o sacerdote reza
especialmente pelos defuntos e no sábado reflete sobre o grande dom do
Santíssimo Sacramento e suplica que este lhe possa conceder ver a Deus face a
face.
3.4 O Ad Mensam de Santo Ambrósio pede que o Corpo e o Sangue possam
perdoar ao sacerdote seus pecados e protegê-lo de seus inimigos. A Oração de Santo
Tomás de Aquino, em contrapartida, pede que o poder curador do Santíssimo
Sacramento possa preparar o sacerdote para a visão eterna de Deus. Na Oração da
Bem-aventurada Virgem Maria, o sacerdote reza não só por si mesmo, mas por
todos seus irmãos que celebram a Missa nesse dia em todo o mundo. Seguem
orações a São José, a todos os anjos e santos e, finalmente, uma oração ao
santo em honra do qual será celebrada a Missa. A Fórmula de Intenção recorda ao
sacerdote a intenção da Igreja a respeito da celebração da Missa, assim como
seu papel dentro da mesma. O sacerdote não opera sozinho. O que ele realiza foi
entregue por Cristo a sua Igreja, confirmado pelo Magistério e apoiado pela
Tradição. O sacerdote faz presente o Corpo e o Sangue de Cristo. Ele segue o
rito da Santa Igreja Católica. Seu objetivo é louvar a Deus e a Igreja celeste,
enquanto reza pela terrena, e em particular por todos aqueles que se
encomendaram a suas orações, como também pelo bem-estar de toda Igreja
Católica. Depois, ao rezar por todos os fiéis, o sacerdote pede que o Senhor
conceda a ele e a todos alegria com paz, mudança de vida, um espaço de
verdadeira penitência, a graça e o consolo do Espírito Santo e a perseverança
nas boas obras.
4. A Gratiarum Actio post Missam
4.1 O corpo de textos que forma o
agradecimento após a Missa mostra amor, humildade e fé que se exaltam no dom
sublime da Santíssima Eucaristia. O Missale
Romanum de 2002 contém a Oração Universal atribuída ao Papa Clemente XI e a
Ave Maria. Ademais, em comum com o Missal de 1962, contém a Oração de Santo
Tomás de Aquino; as Aspirações ao Santíssimo Redentor ou Anima Christi; a Oferenda de si, ou Suscipe; a Oração ante Nosso Senhor Jesus Cristo crucificado, En Ego; e a Oração à Beata Virgem Maria.
A estes textos no Missal de 1962 se anexavam as indulgências dos Papas Pio X,
XI e XII, enquanto que alguns textos do Missale
Romanum de 2002 foram incluídos também no Enchiridion das Indulgências.
4.2. No Missal de 1962, uma
antífona precede ao Benedicite (cf. Dn 3,56-58) e ao Salmo 150. Observando a
própria estrutura da Preparação à Missa, o Kyrie
eleison e alguns versículos abrem o caminho para algumas orações. A
primeira delas reza para que, como os três jovens foram tirados ilesos das
chamas, assim possam os servos do Senhor evitar as feridas do pecado. A segunda
pede que as obras boas que Deus começou em seus servos possam chegar a seu
cumprimento, enquanto que a terceira, que tem um tema semelhante à primeira, é
uma oração a São Lourenço, diácono e mártir, que foi vencedor do sofrimento. As
devoções que o sacerdote pode recitar pro
opportunitate possuem expressões semelhantes aos pedidos de proteção em
nossa viagem para o céu. Após a oração de Santo Tomás há outra (alia oratio) e o hino métrico Adoro Te, segue a amada oração do Anima Christi. O Suscipe e o En Ego
precedem outra oração, que pede que a Paixão de Cristo seja a força do
sacerdote, sua defesa e glória eterna. Antes das orações a São José e ao santo
em honra do qual se celebrou a Missa, a Oração à Bem-aventurada Virgem Maria
oferece a Jesus, que foi recebido na Santíssima Eucaristia, à Virgem Mãe, para
que Ela possa voltar a oferecer-lhe no supremo ato de adoração (latreia), o culto perfeito, à Santíssima
Trindade.
5. Conclusão
A Introdução
Geral do Missal Romano estabelece: “É por isso de suma importância que a
celebração da Missa, ou Ceia do Senhor, esteja ordenada de tal forma que os
sagrados ministros e os fiéis, participando nela cada um segundo sua própria
ordem e grau, tragam abundância dos frutos pelos quais Cristo institui o
Sacrifício eucarístico de seu Corpo e de seu Sangue e o confiou, como memorial
de sua Paixão e ressurreição, à Igreja, sua amadíssima Esposa” [7]. A
preparação do sacerdote para a Missa e o ato de ação de graças sucessivo se
completam mutuamente. Estes nutrem a reverência nos corações e nas mentes dos
fiéis que são ajudados a participar com maior intensidade na liturgia celebrada
por um sacerdote que se beneficiou da oportunidade de recolhimento. O que anima
a preparação prévia promove também a ação de graças sucessiva à Missa. Ambas
guiam continuamente a Igreja para e a partir do Sacrifício eucarístico que
celebra e faz presente os frutos do mistério pascal até que Cristo volte no fim
dos tempos.
Notas:
[1] Pontificale Romanum, De Ordinatione Episcopi, Presbyterorum et Diaconorum, cap. 2, n. 151: «Munere item sanctificandi in Christo fungéris. Ministério enim tuo sacrifícium spirituále fidélium perficiétur, Christi sacrifício coniúnctum, quod una cum iis per manus tuas super altáre incruénter in celebratióne mysteriórum offerétur. Agnósce ergo quod agis, imitáre quod tracta, quátenus mortis et resurrectiónis Dómini mystérium célebrans, membra tua a vítiis ómnibus mortificáre et in novitáte vitæ ambuláre stúdeas».
[2] A expressão Praeparatio ad Missam estampada em negro é seguida por outra: pro opportunitate sacerdotis facienda, escrita em vermelho, o que qualifica os textos como recursos facultativos que o sacerdote pode usar segundo as circunstâncias.
[3] «Sacerdos celebraturus Missam [...] saltem
Matutino cum Laudibus absoluto».
[4] Institutio Generalis de Liturgia Horarum,
cap. 1, n. 10.
[5] Missale Romanum, editio typica tertia, 2002, nn. 1289-1291.
[6] Sb 11,24
forma o Intróito da Quarta-feira de Cinzas, tanto na Forma Ordinária como Extraordinária do Rito Romano.
[7] Institutio Generalis Missalis Romani,
2002, n. 17.
Fonte: Santa Sé, com pequenas correções.
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