Santo Ambrósio
Tratado sobre o Evangelho de São Lucas
“O
desprendimento das riquezas”
Disse-lhe alguém da multidão: Mestre, diz ao
meu irmão que reparta comigo a herança. E ele respondeu: Mas homem, quem me constituiu
juiz ou repartidor entre vós? Toda esta passagem está ordenada a como
aceitar a dor para confessar ao Senhor, seja por desprezo da morte, pela
esperança do prêmio ou pela ameaça de um castigo eterno que jamais deixará de
ser tal. E visto que, frequentemente, acontece que a avareza é causa de
tentação para a virtude, acrescenta-se também o mandamento de suprimi-la e como
se deverá fazê-lo, quando diz o Senhor: Quem
me constituiu juiz ou repartidor entre vós?
Aquele que havia
descido por razões divinas, com toda a justiça rejeita as terrenas, e não se
digna fazer-se juiz de pleitos nem repartidor de heranças terrenas, visto que
ele tinha que julgar e decidir sobre os méritos dos vivos e mortos. Deves,
portanto, observar não o que pedes, mas a quem pedes, e não acredites que um
espírito dedicado a coisas maiores pode ser importunado por insignificâncias.
Por isso, não é
sem razão que é rejeitado esse irmão que pretendia que o Dispensador dos bens
celestiais se ocupasse em coisas materiais, quando precisamente não deve ser um
juiz o mediador no pleito da repartição de um patrimônio, mas o amor fraterno;
ainda que, na realidade, o que um homem deve buscar não é o patrimônio de
dinheiro, mas o da imortalidade. Porque de forma vã reúne riquezas aquele que não
sabe se poderá desfrutar delas, como aquele que, pensando em derrubar os
granjeiros repletos para recolher as novas messes, preparava outros maiores
para as abundantes colheitas, sem saber quem as reunia.
Já que todas as
coisas que são do mundo permanecem nele, e nos abandona tudo aquilo que
entesouramos para os nossos herdeiros; e, na realidade, deixam de ser nossas
todas essas coisas que não podemos levar conosco. Somente a virtude acompanha
aos falecidos, somente a misericórdia nos serve de companheira, essa
misericórdia que atua em nossa vida como norte e guia até as mansões
celestiais, e busca conseguir para os falecidos, em troca do desprezível
dinheiro, os tabernáculos eternos.
Assim o
testemunham os preceitos do Senhor, quando diz: Fazei-vos amigos das riquezas injustas, para que, quando estas faltem,
vos recebam nos eternos tabernáculos. Este é um preceito inteligente, cheio
de sabedoria e apto para animar também aos avaros a que optem por trocar as
coisas corruptíveis pelas eternas, as terrenas pelas divinas. Porém, visto que
muitas vezes a entrega se entorpece pela debilidade da fé e, quando se vai
repartir a herança, vem à mente a preocupação de tudo o que é necessário para a
vida, o Senhor acrescenta: Não vos
preocupeis de vossa vida pelo que comereis nem de vosso corpo pelo que
vestireis; porque, em verdade, a alma é mais importante que o alimento e o
corpo mais do que as vestes.
Porque aos que
creem em Deus não há melhor meio para dar-lhes confiança como esse sopro vital
que é o espírito, o qual faz durar a união completa da alma e do corpo, unidade
que, por outro lado, não exige nenhum trabalho nosso e que perdura, sem que
falte o alimento apropriado, até chegar o dia da morte. E se a alma está
vestida da roupagem do corpo e este recebe vida em virtude da energia da alma,
torna-se absurdo crer que nos faltará o alimento suficiente precisamente quando
recebemos o mais, que é a realidade permanente da vida.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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