quinta-feira, 22 de agosto de 2019

A Eucaristia nos primeiros séculos

No "Espaço Memória Histórica - 50 anos do Concílio Vaticano II" do site Vatican News (antiga Rádio Vaticano), depois de abordar vários aspectos da reforma litúrgica conciliar, estão sendo publicados alguns textos sobre a Eucaristia na Igreja primitiva.

Segue, pois, os três primeiros textos, centrados na contribuição de São Justino:

17 de julho de 2019

No nosso Espaço Memória Histórica, 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos falar hoje sobre “A essência da Eucaristia nos primeiros séculos.”
 “Caríssimos sacerdotes, vivam com alegria e com amor a Liturgia e o culto: é ação que o Ressuscitado realiza no poder do Espírito Santo em nós, conosco e por (...). E também gostaria de convidar todos os sacerdotes para celebrar e viver com intensidade a Eucaristia, que está no coração da missão de santificar; é Jesus quem quer estar conosco, viver em nós, dar-se a nós, mostrar-nos a infinita misericórdia e ternura de Deus; é o único Sacrifício de amor de Cristo que se torna presente, realiza-se entre nós e chega até o trono da graça, na presença de Deus, abraça a humanidade e nos une a Ele”, disse o Papa emérito Bento XVI no discurso ao clero de Roma em 18 de fevereiro de 2018. “E o sacerdote é chamado a ser ministro deste grande mistério, no Sacramento e na vida.”
O Sacramento da Eucaristia completa a iniciação cristã. “Aqueles que foram elevados à dignidade do sacerdócio real pelo Batismo e configurados mais profundamente com Cristo pela Confirmação, esses, por meio da Eucaristia, participam, com toda a comunidade, no próprio sacrifício do Senhor”. (CIC 1322) “A Eucaristia é «fonte e cume de toda a vida cristã». «Os restantes sacramentos, assim como todos os ministérios eclesiásticos e obras de apostolado, estão vinculados com a sagrada Eucaristia e a ela se ordenam. Com efeito, na santíssima Eucaristia está contido todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, nossa Páscoa»” (CIC 1324).
Mas, como os cristãos dos primeiros séculos celebravam a Eucaristia? Padre Gerson Schmidt - incardinado na Arquidiocese de Porto Alegre - traz uma breve  reflexão sobre este tema:
Falamos aqui em nosso estudo das origens da Eucaristia na Igreja Primitiva. O liturgista Boyer disse que se formos às fontes para descobrir a primeira Eucaristia, as celebrações da Missa na Igreja Primitiva, encontraremos uma verdadeira explosão festiva que é uma árvore viçosa de vida.
A celebração da Eucaristia primitiva é um processo pascal, um caminho aberto para a Páscoa de Cristo, é como uma estrela, uma luz forte e verdadeira que se eleva sobre a história, sobre todo o caminho litúrgico no decorrer dos séculos. Dom Botte, que foi uma alma da renovação litúrgica do Concilio, passou sua vida estudando as fontes. Somente pela tradução de alguns textos primitivos, que narram como a Eucaristia era celebrada pelos primeiros cristãos, Botte pôs fim a muitas discussões interpretativas de muitos teólogos.
Um dos textos belíssimos sobre a Eucaristia dos primeiros séculos que temos a disposição no atual Catecismo da Igreja Católica é o de São Justino, que viveu no ano de 150 e nasceu em Samaria, que, em sua apologia, não escreve na intenção de explicar a Liturgia, mas de defender os cristãos do imperador pagão Antonino Pio (138-161), acusados que foram de fazerem reuniões estranhas.
Diz assim o n. 1345 do Catecismo da Igreja Católica: “Desde o século II temos o testemunho de S. Justino Mártir sobre as grandes linhas do desenrolar da Celebração Eucarística, que permaneceram as mesmas até os nossos dias para todas as grandes famílias litúrgicas. Assim escreve, pelo ano de 155, para explicar ao imperador pagão Antonino Pio (138-161) o que os cristãos fazem: ‘No dia do Sol, como é chamado, reúnem-se num mesmo lugar os habitantes, quer das cidades, quer dos campos. Leem-se, na medida em que o tempo o permite, ora os comentários dos Apóstolos, ora os escritos dos Profetas. Depois, quando o leitor terminou, o que preside toma a palavra para aconselhar e exortar à imitação de tão sublimes ensinamentos. A seguir, pomo-nos todos de pé e elevamos nossas preces por nós mesmos (...) e por todos os outros, onde quer que estejam, a fim de sermos de fato justos por nossa vida e por nossas ações, e fiéis aos mandamentos, para assim obtermos a salvação eterna. Quando as orações terminaram, saudamo-nos uns aos outros com um ósculo.
Em seguida, leva-se àquele que preside aos irmãos pão e um cálice de água e de vinho misturados. Ele os toma e faz subir louvor e glória ao Pai do universo, no nome do Filho e do Espírito Santo e rende graças (em grego: eucharístia, que significa ação de graças) longamente pelo fato de termos sido julgados dignos destes dons. Terminadas as orações e as ações de graças, todo o povo presente prorrompe numa aclamação dizendo: Amém. Depois de o presidente ter feito a ação de graças e o povo ter respondido, os que entre nós se chamam diáconos distribuem a todos os que estão presentes pão, vinho e água eucaristizados e levam (também) aos ausentes’” (CIC, 1345).

24 de julho de 2019

No nosso espaço Memória Histórica – 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos falar hoje sobre “Eucaristia Primitiva narrada por São Justino”.
Damos prosseguimento neste nosso espaço, ao tema das origens da Eucaristia na Igreja Primitiva iniciado na última quarta-feira, quando falamos que as Celebrações Eucarísticas já nos primeiros tempos do cristianismo eram uma verdadeira explosão festiva, uma árvore viçosa da vida. Eram um “processo pascal, um caminho aberto para a Páscoa de Cristo, como uma estrela, uma luz forte e verdadeira que se eleva sobre a história, todo o caminho litúrgico no decorrer dos séculos”.
Sobre a Eucaristia, padre Gerson Schmidt nos trouxe no programa passado um belíssimo texto de São Justino disponível no Catecismo da Igreja Católica. E a Celebração Eucarística, como nos fala hoje o sacerdote incardinado na Arquidiocese de Porto Alegre, “será sempre uma celebração da Igreja”, como nos diz a Sacrosanctum Concilium, pois “as ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja”:
Um dos textos mais belos sobre a Eucaristia dos primeiros séculos, que temos à disposição no Catecismo da Igreja Católica, é o de São Justino, que faz uma apologia, uma defesa dos cristãos para o  imperador pagão Antonino Pio (138-161), acusados de fazerem reuniões estranhas. O Catecismo, a partir do número 1345 apresenta uma explicação mais detalhada dos aspectos próprios dessa Liturgia dos primórdios do século II.
Nessa apologética de São Justino fala que “no dia ‘do Sol’ (domingo), como é chamado, reúnem-se num mesmo lugar os habitantes, quer das cidades, quer dos campos”. Fala assim a respeito o CIC, no n. 1348: “Todos se reúnem. Os cristãos acorrem a um mesmo lugar para a assembleia eucarística, encabeçados pelo próprio Cristo, que é o ator principal da Eucaristia. Ele é o sumo sacerdote da Nova Aliança. É ele mesmo quem preside invisivelmente toda Celebração Eucarística. É representando-o que o Bispo ou o presbítero (agindo “em representação de Cristo-Cabeça”) preside a assembleia, toma a palavra depois das leituras, recebe as oferendas e profere a Oração Eucarística. Todos têm sua parte ativa na celebração, cada um a seu modo: os leitores, os que trazem as oferendas, os que dão a comunhão e todo o povo, cujo Amém manifesta a participação”.
Nesse sentido, vemos na narrativa de São Justino que há uma assembleia, um povo vindo do campo e da cidade. Portanto, a Celebração Eucarística, por mais privada que seja, celebrada por um monge solitário, será sempre uma celebração da Igreja, conforme aponta a SC, n. 26: “As ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja, que é sacramento de unidade, povo santo reunido e ordenado sob a direção dos Bispos”. Deve-se portanto preferir a Missa com assembleia do que a Missa privada, como aponta o n. 27 da SC: “Sempre que os ritos implicam, segundo a natureza particular de cada um, uma celebração comunitária, com a presença e ativa participação dos fiéis, inculque-se que esta deve preferir-se, à medida do possível, à celebração individual e quase particular”. Mas há também um direito dos sacerdotes de celebrar a Missa sine populo (sem povo) porque cada Eucaristia é uma celebração da Igreja. “Devido a sua essência, a Liturgia tem um caráter de uma celebração comunitária. Nela, a Igreja se edifica também como communio hierarchica. Todos exercitam um serviço autenticamente litúrgico, não só como celebrantes, mas também como leigos” [1].

31 de julho de 2019

No nosso espaço Memória Histórica - 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos falar no programa de hoje sobre a “Liturgia da Palavra na Igreja primitiva”.
Padre Gerson Schmidt tem nos proposto nos últimos programas preciosas informações sobre como era celebrada a Eucaristia nos primeiros séculos do cristianismo, propondo para tal um texto de São Justino, disponível no Catecismo da Igreja Católica. Na edição de hoje deste nosso espaço o sacerdote, incardinado na Arquidiocese de Porto Alegre, retoma este texto de São Justino quando fala sobre a Liturgia da Palavra e a homilia, trazendo este tema para os dias atuais à luz do Magistério do Papa Francisco na Evangelii Gaudium:
 São Justino, nos primeiros séculos, descreveu como era a Celebração Eucarística nos primeiros séculos. É um dos textos mais belos sobre a Eucaristia da Igreja primitiva, que temos à disposição no Catecismo da Igreja Católica. É uma defesa dos cristãos para o  imperador pagão Antonino Pio (138-161), acusados que foram de fazerem reuniões estranhas. Já apontamos a importância da assembleia. A palavra Ecclesia significa literalmente “assembleia dos convocados”, dos chamados. Convocados por quem? Por Deus, pela sua Palavra.
O Catecismo apresenta e explica esse texto de São Justino que afirmou assim: “No dia ‘do Sol’, como é chamado, reúnem-se num mesmo lugar os habitantes, quer das cidades, quer dos campos. Leem-se, na medida em que o tempo o permite, ora os comentários dos Apóstolos, ora os escritos dos Profetas. Depois, quando o leitor terminou, o que preside toma a palavra para aconselhar e exortar à imitação de tão sublimes ensinamentos” (CIC, 1345).
O n.1349 do CIC diz: “A Liturgia da Palavra comporta ‘os escritos dos profetas’, isto é, o Antigo Testamento, e ‘as memórias dos Apóstolos’, isto é, as epístolas e os Evangelhos; depois da homilia, que exorta a acolher esta palavra como ela verdadeiramente é, isto é, como Palavra de Deus, e a pô-la em prática, vêm as intercessões por todos os homens, de acordo com a palavra do Apóstolo: ‘Eu recomendo, pois, antes de tudo, que se façam pedidos, orações, súplicas e ações de graças por todos os homens, pelos reis e todos os que detêm a autoridade’ (1Tm 2,1-2)”.
Sabemos que na Liturgia da Palavra, dentro da Santa Missa, nunca se pode ler qualquer texto que não seja da Sagrada Escritura, nem mesmo se fosse um documento da Igreja ou o texto de um fundador de uma ordem. Nenhuma palavra humana poderá substituir a Palavra Divina, por mais inspirada que seja.
A homilia já fazia parte da Eucaristia dos primeiros séculos quando São Justino, na sua apologética, diz: “Depois, quando o leitor terminou, o que preside toma a palavra para aconselhar e exortar à imitação de tão sublimes ensinamentos”.
Na perspectiva da pregação dominical, o Papa Francisco proclama que a homilia é o ponto de comparação para avaliar a proximidade de um Pastor com o seu rebanho, uma experiência intensa e feliz do Espírito, um consolador encontro com a Palavra, uma fonte constante de renovação e crescimento [2]. “Aquele que prega deve conhecer o coração de sua comunidade para identificar onde está vivo e ardente o desejo de Deus e também onde é que este diálogo de amor foi sufocado ou não pôde dar fruto” [3], afirma na Evangelli Gaudium.
No encerramento do Ano da Misericórdia (2015-2016), o Papa Francisco proclamou em Carta Apostólica: “Quão grande importância adquire a homilia, onde ‘a verdade anda de mãos dadas com a beleza e o bem’ (Evangelii Gaudium, n. 142) para fazer vibrar o coração dos crentes perante a grandeza da misericórdia! Recomendo vivamente a preparação da homilia e o cuidado na sua proclamação. Será tanto mais frutuosa quanto mais o sacerdote tiver experimentado em si mesmo a bondade misericordiosa do Senhor. Comunicar a certeza de que Deus nos ama não é um exercício de retórica, mas condição de credibilidade do próprio sacerdócio. Por conseguinte, viver a misericórdia é a via mestra para fazê-la tornar-se um verdadeiro anúncio de consolação e conversão na vida pastoral. A homilia, como também a catequese, precisa ser sempre sustentada por este coração pulsante da vida cristã” [4].

Cristo ladeado pelos quatro Evangelhos - Abadia de Sant'Angelo in Formis (Cápua)

[1] Helmut Hoping. A Constituição Sacrosanctum Concilium. in: As Constituições do Vaticano II, ontem e hoje. org. Geraldo B. Hackmann e Miguel de Salis Amaral, Edições CNBB, 2015, p. 117.
[2] EG, n.135.
[3] ibid., 137.
[4] Papa Francisco, Carta Apostólica Misericordia et misera, n.06.

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