quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Catequeses sobre os Salmos (51): Vésperas da quinta-feira da III semana

As Catequeses do Papa Bento XVI sobre os salmos das Vésperas da quinta-feira da III semana do Saltério foram proferidas nos dias 14 de setembro (Sl 131,1-10) e 21 de setembro de 2005 (Sl 131,11-18).

Como afirmamos anteriormente, o "Papa alemão" não retomou os cânticos do Apocalipse, sobre os quais João Paulo II já havia refletido.

146. As promessas do Senhor à casa de Davi I: Sl 131(132),1-10
14 de setembro de 2005

1. Ouvimos a primeira parte do Salmo 131, um hino que a Liturgia das Vésperas nos oferece em dois momentos distintos. Não poucos estudiosos pensam que este cântico tenha ressoado na celebração solene do transporte da arca do Senhor, sinal da presença divina no meio do povo de Israel, em Jerusalém, a nova capital escolhida por Davi. Na narração deste acontecimento, do modo como nos é narrado pela Bíblia, lê-se que o rei Davi “cingindo a insígnia votiva de linho, dançava com todas as suas forças diante do Senhor. O rei e todos os israelitas conduziram a Arca do Senhor, com gritos de alegria e tocando trombetas” (2Sm 6,14-15).
Outros estudiosos, ao contrário, reconduzem o Salmo 131 a uma celebração comemorativa daquele acontecimento antigo, depois da instituição do culto no santuário de Sião, por obra precisamente de Davi.

"Subi, Senhor, com vossa arca poderosa" (cf. Sl 131,8)
(Vitral representando a arca da aliança)

2. O nosso hino parece supor uma dimensão litúrgica: provavelmente era usado durante o desenvolvimento de uma procissão, com a presença de sacerdotes e fiéis e a participação de um coro.
Seguindo a Liturgia das Vésperas, nos deteremos sobre os primeiros dez versículos do Salmo, que agora proclamamos. No centro desta parte está colocado o juramento solene pronunciado por Davi. De fato, diz-se que ele - deixando para trás o áspero contraste com o predecessor, o rei Saul - “fez um juramento ao Senhor e um voto ao Poderoso de Jacó” (cf. Sl 131,2). O conteúdo deste compromisso solene, expresso nos vv. 3-5, é claro: o soberano não entrará no palácio real de Jerusalém, não irá repousar tranquilo, se primeiro não tiver encontrado uma morada para a arca do Senhor.
Por conseguinte, deve haver no próprio centro da vida social uma presença que evoca o mistério de Deus transcendente. Deus e homem caminham juntos na história, e o templo tem a tarefa de assinalar de modo visível esta comunhão.

3. Neste ponto, depois das palavras de Davi, apresenta-se, talvez através das palavras de um coro litúrgico, a memória do passado. De fato, é reevocado o encontro da arca nos campos de Iaar, na região de Éfrata (v. 6): permanecera ali durante muito tempo, depois de ter sido restituída pelos filisteus a Israel, que a tinha perdido durante uma batalha (cf. 1Sm 7,1; 2Sm 6,2.11). Da província, portanto, é conduzida à futura cidade santa e o nosso trecho termina com uma celebração de festa que vê, por um lado, o povo adorante (vv. 7.9), isto é, a assembleia litúrgica e, por outro lado, o Senhor que volta a fazer-se presente e operante no sinal da arca colocada em Sião (v. 8), no centro do seu povo.
A alma da Liturgia encontra-se neste cruzamento entre sacerdotes e fiéis, por um lado, e do Senhor com o seu poder, por outro.

4. Como selo da primeira parte do Salmo 131 ressoa uma aclamação orante em favor dos reis sucessores de Davi: “Por causa de Davi, o vosso servo, não afasteis do vosso ungido a vossa face” (v.10).
É fácil intuir uma dimensão messiânica nesta súplica, inicialmente destinada a impetrar amparo para o soberano hebraico nas provas da vida. A palavra “ungido” traduz de fato a palavra hebraica “Messias”: o olhar do orante vai, assim, para além das vicissitudes do reino de Judá e projeta-se para a grande expectativa do “Ungido” perfeito, o Messias, que será sempre agradável a Deus, por ele amado e abençoado.

5. Esta interpretação messiânica para o futuro “ungido” dominará a releitura cristã e se estenderá a todo o Salmo.
É significativa, por exemplo, a aplicação que Hesíquio de Jerusalém, um presbítero da primeira metade do século V, fará do v. 8 à Encarnação de Cristo. Na sua II Homilia sobre a Mãe de Deus ele dirige-se a Maria do seguinte modo: “Sobre ti e sobre Aquele que de ti nasceu, Davi não cessa de cantar sobre a cítara: ‘Levanta-te, Senhor, e entra no teu repouso, tu e a Arca do teu poder’ (Sl 131,8)”. Quem é a “Arca do teu poder?” Hesíquio responde: “Evidentemente a Virgem, a Mãe de Deus. Porque, se tu és a pérola, ela é de direito a arca; se tu és o sol, necessariamente a Virgem será chamada céu; e se tu és a Flor incontaminada, a Virgem será a planta incorruptível, paraíso de imortalidade” (Textos marianos do primeiro milênio, I, Roma, 1988, pp. 532-533).
Parece-me muito importante esta dupla interpretação. Cristo é o “Ungido”, o Filho do próprio Deus que se encarnou. E a Arca da Aliança, a verdadeira morada de Deus no mundo, não feita de madeira, mas de carne e sangue, é a Virgem, que oferece a si mesma ao Senhor como Arca da Aliança e nos convida a sermos, nós também, morada viva de Deus no mundo.

147. As promessas do Senhor à casa de Davi II: Sl 131(132),11-18
21 de setembro de 2005

1. Ressoou agora a segunda parte do Salmo 131, um cântico que evoca um acontecimento capital na história de Israel: a transladação da arca do Senhor para a cidade de Jerusalém.
Davi tinha sido o artífice desta transferência, como atesta a primeira parte do Salmo, já considerada por nós. De fato, o rei tinha feito o juramento de não se estabelecer no palácio real se não tivesse encontrado primeiro uma moradia para a arca de Deus, sinal da presença do Senhor junto ao seu povo (vv. 3-5).
Àquele juramento do soberano corresponde agora o juramento do próprio Deus: “O Senhor fez a Davi um juramento, uma promessa que jamais renegará” (v. 11). Substancialmente, esta promessa solene é a mesma que o profeta Natã fizera, em nome de Deus, ao próprio Davi; ela refere-se à descendência davídica futura, destinada a reinar estavelmente (cf. 2Sm 7,8-16).

2. Mas o juramento divino requer o compromisso humano, a ponto de estar condicionado por um “se”: “Se teus filhos conservarem minha Aliança” (v. 12). À promessa e ao dom de Deus, que nada tem de mágico, deve corresponder a adesão fiel e laboriosa do homem num diálogo que relaciona duas liberdades, a divina e a humana.
Neste ponto, o Salmo transforma-se em um cântico que exalta os maravilhosos efeitos quer do dom do Senhor, quer da fidelidade de Israel. De fato, se experimentará a presença de Deus no meio do povo (vv. 13-14): Ele será como um habitante entre os habitantes de Jerusalém, como um cidadão que vive com os outros cidadãos as vicissitudes da história, oferecendo contudo a força da sua bênção.

3. Deus abençoará as colheitas, preocupando-se com que os pobres sejam saciados (v. 15); revestirá com o seu manto protetor os seus sacerdotes, oferecendo-lhes a salvação; fará com que todos os fiéis vivam na alegria e na confiança (v. 16).
A bênção mais intensa é reservada mais uma vez a Davi e à sua descendência: “De Davi farei brotar um forte Herdeiro, acenderei ao meu Ungido uma lâmpada. Cobrirei de confusão seus inimigos, mas sobre ele brilhará minha coroa” (vv. 17-18).
Mais uma vez, como tinha acontecido na primeira parte do salmo (v. 10), entra em cena a figura do “Ungido”, em hebraico “Messias”, relacionando assim a descendência davídica com o messianismo que, na releitura cristã, encontra plena atuação na figura de Cristo. As imagens usadas são vivazes: Davi é representado como um rebento que cresce vigoroso; Deus ilumina o descendente davídico com uma lâmpada cintilante, símbolo de vitalidade e de glória; uma coroa esplendorosa marcará o seu triunfo sobre os inimigos e, por conseguinte, a vitória sobre o mal.

4. Em Jerusalém, no templo que conserva a arca e na dinastia davídica, realiza-se a dupla presença do Senhor, a presença no espaço e na história. O Salmo 131 torna-se, então, uma celebração do Deus-Emanuel que está com as suas criaturas, vive ao lado delas e beneficia-as, sob a condição de que permaneçam unidas a Ele na verdade e na justiça. O centro espiritual deste hino já é prelúdio à proclamação joanina: “E o Verbo se fez carne e veio habitar conosco” (Jo 1,14).

5. Concluímos recordando que o início desta segunda parte do Salmo 131 foi usado habitualmente pelos Padres da Igreja para descrever a Encarnação do Verbo no seio da Virgem Maria.
Já Santo Irineu, referindo-se à profecia de Isaías sobre a Virgem que está para dar à luz, explicava: “As palavras: ‘Ouve, pois, casa de Davi’ (Is 7,13) indicam que o rei eterno, que Deus tinha prometido a Davi de suscitar do ‘fruto do seu ventre’ (Sl 131,11), é o mesmo que nasceu da Virgem, proveniente de Davi. Por isso, ele tinha prometido um rei que teria nascido do ‘fruto do seu ventre’, expressão que indica uma virgem grávida. Portanto a Escritura... situa e afirma o “fruto do ventre” para proclamar que, a geração daquele que deveria vir, teria vindo na Virgem. Precisamente quanto Isabel, cheia de Espírito Santo, confirmou dizendo a Maria: ‘Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre’ (Lc 1,42), assim o Espírito Santo indica àqueles que o querem ouvir que, com o parto da Virgem, isto é, de Maria, se cumpriu a promessa, feita por Deus a Davi, de suscitar um rei do fruto do seu ventre” (Contra as heresias, 3, 21, 5).
E assim vemos no grande arco, que vai do Salmo antigo até à Encarnação do Senhor, a fidelidade de Deus. No Salmo já aparece e transparece o mistério de um Deus que habita conosco, que se torna um conosco na Encarnação. E esta fidelidade de Deus é a nossa confiança nas mudanças da história, é a nossa alegria.

Ap 11,17-18; 12,10-12: cf. Catequeses nn. 108 e 130.

"O Senhor fez a Davi um juramento" (Sl 131,11)
(Monumento ao rei Davi em Jerusalém)

Fonte: Santa Sé (14 de setembro e 21 de setembro de 2005).

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