Concluindo
suas Catequeses sobre os salmos e cânticos das Vésperas da III semana do
Saltério, o Papa Bento XVI refletiu sobre os textos da sexta-feira dessa semana
nos dias 28 de setembro (Sl 134,1-12) e 05 de outubro de 2005 (Sl 134,13-21).
Como
afirmamos em postagens anteriores, o Papa não retomou os cânticos do Apocalipse, sobre os
quais João Paulo II já havia refletido.
148. Louvor ao Senhor por suas maravilhas I:
Sl 134(135),1-12
28 de setembro de 2005
1. Apresenta-se
agora diante de nós a primeira parte do Salmo 134, um hino de índole litúrgica,
composto de alusões, reminiscências e referências a outros textos bíblicos. A Liturgia,
de fato, elabora com frequência os seus textos bíblicos haurindo do grande
patrimônio da Bíblia um rico repertório de temas e orações, que sustentam o
caminho dos fiéis.
Sigamos a
elaboração orante desta primeira parte (vv. 1-12), que se abre com um amplo e
apaixonado convite a louvar o Senhor (vv. 1-3). O apelo dirige-se aos “servos
do Senhor”, que estão no “templo do Senhor”, nos “átrios da casa de Deus” (vv.
1-2).
Portanto,
estamos perante uma atmosfera viva do culto que se faz no templo, o lugar
privilegiado e comunitário da oração. Ali se experimenta de maneira eficaz a
presença de Deus, um Deus “bom” e “amável”, o Deus da eleição e da aliança (vv.
3-4).
Depois do
convite ao louvor, eis que uma voz solista proclama a profissão de fé, que tem
início com uma fórmula “Eu bem sei” (v. 5). Este “creio” constituirá a
substância de todo o hino, que se revela uma proclamação da grandeza do Senhor
(ibid.), manifestada em suas obras
maravilhosas.
"Louvai o Senhor, bendizei-o" (Sl 134,1) (A menorah, associada à Liturgia judaica) |
2. A onipotência
divina manifesta-se continuamente no mundo inteiro, “no céu e na terra, no oceano
e nos fundos abismos” (v. 6). É Ele que faz as nuvens, os relâmpagos, a chuva e
os ventos, imaginados como que se estivessem encerrados em “reservatórios” ou depósitos
(v. 7).
Mas é sobretudo
outro aspecto da atividade divina que é celebrado nesta profissão de fé.
Trata-se da admirável intervenção na história, onde o Criador mostra o rosto de
redentor do seu povo e de soberano do mundo. Passam diante dos olhos de Israel
recolhido em oração os grandes acontecimentos do êxodo.
Antes de tudo,
eis a comemoração sintética e essencial das “pragas” do Egito, os flagelos
suscitados pelo Senhor para dominar o opressor (vv. 8-9). Segue-se depois a
evocação das vitórias alcançadas por Israel depois da longa caminhada no
deserto. São atribuídas à intervenção poderosa de Deus, que “abateu numerosas nações
e matou muitos reis poderosos” (v. 10). Por fim, eis a meta tão desejada e esperada,
a da terra prometida: “Ele deu sua terra em herança, em herança a seu povo,
Israel” (v. 12).
O amor divino
tornou-se concreto e quase experimentável na história com todas as suas vicissitudes,
ásperas e gloriosas. A Liturgia tem a tarefa de fazer com que os dons divinos
estejam sempre presentes, sobretudo na grande celebração pascal, que é a raiz
de todas as outras solenidades e constitui o emblema supremo da liberdade e da
salvação.
3. Acolhamos o
espírito do Salmo e o seu louvor a Deus propondo-o novamente através da voz de
São Clemente Romano, do modo como ressoa na longa oração conclusiva da sua Carta aos Coríntios. Ele faz notar que,
como no Salmo 134 se manifesta o rosto de Deus redentor e a sua proteção, já
concedida aos antigos pais, esta chega agora até nós em Cristo: “Ó Senhor, faz
resplandecer o teu rosto sobre nós, para o bem da paz, para nos proteger com a
tua mão poderosa e livrar-nos de todos os pecados com o teu braço altíssimo e
salvar-nos de quantos nos odeiam injustamente. Concede a concórdia e a paz a
nós e a todos os habitantes da terra, como a concedeste aos nossos pais quando
te invocavam santamente na fé e na verdade... A ti, o único capaz de realizar
estes bens e outros maiores para nós, agradecemos por meio do grande Sacerdote
e protetor das nossas almas, Jesus Cristo, pelo qual sejam dadas agora glória e
magnificência a Ti, de geração em geração e nos séculos dos séculos” (60, 3-4;
61, 3: Coleção de Textos Patrísticos,
V, Roma, 1984, pp. 90-91).
Sim, também nós
podemos recitar esta oração de um Papa do primeiro século, como nossa oração
para o tempo presente: “Ó Senhor, faz resplandecer o teu rosto sobre nós hoje,
para o bem da paz. Concede a estes tempos concórdia e paz, a nós e a todos os
habitantes da terra, por Jesus Cristo que reina de geração em geração e pelos
séculos dos séculos. Amém”.
149. Louvor ao Senhor por suas maravilhas
II: Sl 134(135),13-21
05 de outubro de 2005
1. O Salmo 134,
um cântico de tonalidade pascal, nos é oferecido pela Liturgia das Vésperas em
dois trechos distintos. O que agora ouvimos trata-se da segunda parte (vv. 13-21),
que termina com o “aleluia”, a exclamação de louvor ao Senhor que tinha
iniciado o Salmo.
Depois de ter
comemorado na primeira parte do hino o acontecimento do êxodo, coração da
celebração pascal de Israel, agora o salmista confronta de maneira incisiva
duas visões religiosas diferentes. Por um lado, eleva-se a figura do Deus vivo
e pessoal que está no centro da fé autêntica (vv. 13-14). A sua presença é eficaz
e salvífica; o Senhor não é uma realidade imóvel e ausente, mas uma pessoa viva,
que “guia” os seus fiéis, “se compadece” deles, apoiando-os com o seu poder e o
seu amor.
2. Por outro
lado, emerge a idolatria (vv. 15-18), expressão de uma religiosidade desviada e
enganadora. De fato, o ídolo não é mais do que uma “obra das mãos do homem”, um
produto dos desejos humanos; por conseguinte, é impotente para superar as
limitações criaturais. O ídolo possui uma forma humana, com boca, olhos,
ouvidos, garganta, mas é inerte, sem vida, como acontece precisamente com uma
estátua inanimada (cf. Sl 113B,4-8).
O destino de
quem adora estas realidades mortas é tornar-se semelhante a elas, impotente,
inerte. Nesta descrição da idolatria como falsa religião está representada a
eterna tentação do homem de procurar a salvação na “obra das nossas mãos”,
pondo a sua esperança na riqueza, no poder, no sucesso, na matéria.
Infelizmente a quem se move nesta direção, que adora a riqueza, a matéria,
acontece o que já tinha descrito de maneira eficaz o profeta Isaías: “Esta
gente alimenta-se de cinzas, e o seu coração, extraviado, desencaminha-os. Não
consegue salvar-se, dizendo: ‘Não será um puro engano o que tenho na mão
direita?’” (Is 44,20).
3. O Salmo 134,
depois desta meditação sobre a verdadeira e a falsa religião, sobre a fé
genuína no Senhor do universo e da história e a idolatria, conclui-se com uma
bênção litúrgica (vv. 19-21), que coloca em cena uma série de figuras presentes
no culto praticado no templo de Sião (cf.
Sl 113B,9-13).
De toda a
comunidade reunida no templo eleva-se ao Deus criador do universo e salvador do
seu povo na história uma bênção coral, expressa na diversidade das vozes e na humildade
da fé.
A Liturgia é o
lugar privilegiado para a escuta da Palavra divina, que torna presentes os atos
salvíficos do Senhor, mas é também o âmbito no qual se eleva a oração
comunitária que celebra o amor divino. Deus e homem encontram-se num abraço de
salvação, que encontra o seu cumprimento próprio na celebração litúrgica.
Poderíamos dizer que esta é quase uma definição da Liturgia: ela realiza um
abraço de salvação entre Deus e o homem.
4. Ao comentar
os versículos deste Salmo relativos aos ídolos e à semelhança que assumem com
quantos neles confiam (vv. 15-18), Santo Agostinho faz notar: “De fato
acreditai, irmãos, incide-se neles uma certa semelhança com os seus ídolos:
certamente não no seu corpo, mas no seu homem interior. Eles têm ouvidos, mas
não ouvem o que Deus lhes grita: ‘Quem tem ouvidos para ouvir, ouça’. Têm olhos
mas não veem: isto é, têm os olhos do corpo, mas não os olhos da fé”.
Eles não sentem
a presença de Deus, têm olhos mas não veem. E do mesmo modo, “têm narinas mas
não sentem odores. Somos o bom odor de Cristo em todos os lugares (cf. 2Cor 2,15). Que vantagem têm eles em
possuir as narinas, se não conseguem perceber o perfume suave de Cristo?”.
É verdade - reconhece
Agostinho -, existem ainda pessoas ligadas à idolatria; isto é válido também
para o nosso tempo, com o seu materialismo que é uma idolatria. Agostinho
acrescenta: mesmo se estas pessoas permanecem, continua esta idolatria; “mas há,
contudo, todos os dias, pessoas que, convencidas dos milagres de Cristo Senhor,
abraçam a fé - e graças a Deus também hoje acontece! -. Todos os dias se abrem
olhos aos cegos e ouvidos aos surdos, começam a respirar narinas que antes
estavam fechadas, dissolvem-se as línguas dos mudos, consolidam-se os membros
dos paralíticos, endireitam-se os pés tortos. De todas estas pedras saem filhos
de Abraão (cf. Mt 3,8). Por
conseguinte, diga-se também a todos eles: ‘Casa de Israel, bendizei ao Senhor’...
Bendizei o Senhor vós, todos os povos! Isto significa: ‘Casa de Israel’. Bendizei-o
vós, prelados da Igreja! Isto significa ‘Casa de Aarão’. Bendizei-o, vós,
ministros! Isto significa ‘Casa de Levi’. E que dizer das outras nações? ‘Vós que
temeis o Senhor, bendizei-o’” (Exposição
sobre o Salmo 134, 24-25: Nova
Biblioteca Agostiniana, XXVIII, Roma, 1977, pp. 375.377).
Apropriemo-nos
deste convite e bendigamos, louvemos e adoremos o Senhor, o Deus vivo e
verdadeiro.
"São os deuses pagãos ouro e prata, todos eles são obras humanas" (Sl 134,15) (A adoração do "bezerro de ouro" - Nicolas Poussin) |
Fonte: Santa Sé (28 de setembro e 05 de outubro de 2005).
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