sexta-feira, 26 de julho de 2019

Annibale Bugnini e a atualidade da reforma litúrgica

Textos publicados pelo site Vatican News no início deste mês de julho:

03 de julho de 2019

No nosso espaço Memória Histórica – 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos falar hoje sobre a contribuição de Annibale Bugnini à Liturgia.
Damos continuidade a nossa série de programas dedicados à Liturgia. E, naturalmente, damos espaço aos grandes nomes que de forma ou outra contribuíram para seu enriquecimento, entre os quais, o Arcebispo italiano Annibale Bugnini, que teve um papel decisivo na reforma litúrgica seguida ao Concílio Vaticano II.
De 1948 a 1960, foi secretário da Comissão para a reforma geral da Liturgia, instituída pelo Papa Pio XII. Em 1957 foi nomeado professor de Liturgia da Pontifícia Universidade Lateranense e de 1959 a 1962 foi, em vista do Concílio Vaticano II, secretário da Comissão preparatória para a Liturgia.
A partir de 1964, foi secretário da Comissão para a Liturgia instituída por Paulo VI, que tinha por objetivo estabelecer e sucessivamente aplicar as mudanças da Liturgia. Do trabalho de tal Comissão, surgiu o que hoje é conhecida como a reforma litúrgica, sancionada pela adoção do Missal Romano de 1969.
De 1969 a 1975, Annibale Bugnini também foi secretário da Congregação para o Culto Divino, até esta ser unida à Congregação dos Sacramentos na Congregação do Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Quem nos traz mais detalhes, é o sacerdote incardinado na Arquidiocese de Porto Alegre, padre Gerson Schmidt:

Um dos grandes expoentes para a reforma litúrgica, já bem antes do Concílio e na sua efetiva aplicação, foi o Mons. Annibale Bugnini, que aqui merece referência à parte. Está à disposição no mercado bibliográfico brasileiro uma grande obra sobre a Liturgia, agora já na segunda edição do livro magnifico editado por três livrarias católicas brasileiras (Paulus, Paulinas e Loyola), de mais de 800 páginas, traduzida para o português de autoria Annibale Bugnini, “A reforma Litúrgica (1948-1975)”, traduzida por Paulo Valério, que aqui vamos referendar inúmeras vezes em nosso resgate histórico.
Monsenhor Annibale Bugnini foi um dos peritos do Concilio Vaticano II, que teve acesso em suas pesquisas litúrgicas à Biblioteca e ao Arquivo do Vaticano. Já oferecia à Igreja, nos seus estudos, uma tese sobre a Liturgia no Concílio de Trento que lhe proporcionou contato com os bastidores do Concilio de Trento, através das santas Liturgias [1]. Foi aluno no Pontifício Instituto de Arqueologia Cristã, que era considerada a ciência litúrgica antes do Concílio Vaticano II. Nesse ambiente Bugnini trava conhecimento dos grandes nomes de arqueólogos como Enrico Josi, Antônio Ferrua e Engelbert Kirschbaum, que desenterraram a Necrópole Vaticana e encontraram o túmulo de São Pedro. Na sua formação lazarista, entra em contato com a revista de Liturgia Ephemerides Liturgicae, onde se encontra com editores como o monge beneditino de Maria Laach, D. Cunibert Mohlberg (1878-1963), um dos maiores estudiosos dos textos antigos de Liturgia. Também conhece D. Alfredo Ildefondo Schuster (1880-1954), Abade de São Paulo Fora dos Muros - que chama de “seu primeiro professor de Liturgia” - que publicou a obra impactante Liber Sacramentorum sobre a importância fundamental da Liturgia [2].
Posteriormente, assume a cátedra de Liturgia, como Mestre, na Pontifícia Universidade Urbaniana e posteriormente é professor no Pontifício Instituto de Música Sacra, onde permanece até 1965, no ano de encerramento do Concílio. Já em 1948, por convite de Pio XII, Bugnini foi nomeado secretário da Comissão Piana, um organismo criado por Pio XII que estava encarregada de pensar a reforma litúrgica, que já se pretendia antes mesmo do Concílio. Com a convocação do Concílio Vaticano II, em 1959, Bugnini foi nomeado para ser secretário da Comissão Litúrgica preparatória para o Concílio.
Só não foi secretário da Sacrosanctum Concilium porque foi perseguido e caluniado, que lhe custou uma cruz muito pesada por muitos anos. Posteriormente foi secretário da Comissão Consilium, com “s”, a partir de 1969, organismo encarregado de aplicar a reforma da Sacrosanctum Concilium, que oficialmente é chamada de Consilium ad Exsequandam Constitutionem de Sacra Liturgia. A partir de 1969, torna-se secretário da recém-criada Congregação para o Culto Divino que posteriormente é extinta para ser anexada à Congregação dos Sacramentos e do Culto divino.  É nessa transição que fica de fora das comissões. Em 1972 recebe a ordenação episcopal de Paulo VI. Depois, em 1976, recebeu o encargo de Núncio Apostólico no Irã, contra a sua vontade, saindo do cenário das grandes decisões sobre as reformas litúrgicas. Nesses anos do que ele chamou de “exílio”, se dedica a reunir tudo o que tinha participado nos bastidores das reformas na Liturgia, compendiando nesse livro que mencionamos, “A reforma Litúrgica (1948-1975)”. Uma obra, sem sombra de dúvida, que vale a pena ser aprofundada, que aqui em nosso estudo vamos referendar com abundância.

10 de julho de 2019

Liturgia, um tema sempre apaixonante. Por ela, “especialmente no sacrifício eucarístico, «se opera o fruto da nossa Redenção», contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja, que é simultaneamente humana e divina, visível e dotada de elementos invisíveis, empenhada na ação e dada à contemplação, presente no mundo e, todavia, peregrina, mas de forma que o que nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, e o presente à cidade futura que buscamos. A Liturgia, ao mesmo tempo em que edifica os que estão na Igreja em templo santo no Senhor, em morada de Deus no Espírito, até à medida da idade da plenitude de Cristo, robustece de modo admirável as suas energias para pregar Cristo e mostra a Igreja aos que estão fora, como sinal erguido entre as nações, para reunir à sua sombra os filhos de Deus dispersos, até que haja um só rebanho e um só pastor” [3].
No programa de hoje, padre Gerson Schmidt nos fala sobre “A atualidade da reforma litúrgica”:
Falamos na ocasião anterior da importância fundamental de Monsenhor Annibale Bugnini, que foi um dos peritos do Concilio Vaticano II. Há quem afirme que sem ele não teria acontecido a Reforma Litúrgica e há quem arisque dizer que sem Bugnini, e lógico sem o Papa Paulo VI, não teria havido nem mesmo a Constituição Sacrosanctum Concilium nos moldes que ela foi proclamada. No seu túmulo, depois de ter sofrido muita perseguição e sido caluniado, foi escrito assim: “Annibale Bugnini, bispo, cultivador e amante da Liturgia, serviu a Igreja”.
A reforma litúrgica realmente sofreu muitos ataques desde seus inícios, mas, apesar disso, mostrou-se cada vez mais como um dos legados do Concilio Vaticano II, que fez recentemente o Papa Francisco dizer assim: “O Vaticano II foi uma releitura do Evangelho à luz da cultura contemporânea. Produziu um movimento de renovação que simplesmente vem do próprio Evangelho. Os frutos são enormes. Basta recordar a Liturgia. O trabalho da reforma litúrgica foi um serviço ao povo como releitura do Evangelho a partir de uma situação histórica concreta. Sim, há linha de hermenêutica de continuidade e descontinuidade, todavia, uma coisa é clara: a dinâmica de leitura do Evangelho atualizada no hoje, e que é própria do Concílio, é absolutamente irreversível” [4].
O Papa Francisco disse que a Reforma da Liturgia não pode retroceder [5]. No seu discurso na 68ª Semana Litúrgica Nacional, por ocasião do aniversário de 50 anos da Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium, ao grupo de Liturgia da Conferência Episcopal da Itália, na Sala Paulo VI, o Papa Francisco foi bem claro, usando novamente a palavra “irreversível”:
“E hoje ainda é preciso trabalhar neste sentido, em particular redescobrindo os motivos das decisões tomadas com a reforma litúrgica, superando leituras infundadas e superficiais, recepções parciais e práticas que a desfiguram. Não se trata de reconsiderar a reforma revendo as suas escolhas, mas de conhecer melhor as razões subjacentes, inclusive através da documentação histórica, assim como interiorizar os seus princípios inspiradores e de observar a disciplina que a regula”.
Conclui dizendo ainda: “Depois deste Magistério e, após este longo caminho podemos afirmar com certeza e com autoridade magisterial que a reforma litúrgica é irreversível”. Portanto, se há grupos que querem retroceder e engessar a Liturgia, é preciso saber que o Magistério da Igreja pensa diferente.
Há uma irreversibilidade na reforma da Liturgia, o que fazia Dom Clemente Isnard, Bispo brasileiro, falar da atualidade e necessidade da reforma usando a imagem de um pé na porta daqueles que querem impedir a reforma litúrgica. Muitos desejariam voltar atrás e trancar a porta aberta pelo Concílio, mas não se pode mais fechar a porta. Doravante essa só poderá ser aberta sempre mais, mas claro, respeitando a índole própria da liturgia [6].

[1] Gabriel Frade, Prefácio à edição brasileira de: Annibale Bugnini, A reforma Litúrgica (1948-1975). Tradução de Paulo F. Valério. 2ª edição. Editoras Paulus, Paulinas e Loyola: SP, 2018, p.17.
[2] ibid., pp. 18-19.
[3] Proêmio da Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia, n. 2.
[4] Papa Francisco. Entrevista ao Diretor da Revista La Cività Cattolica, n.3918 (19.09.2013), p. 467.
[5] Discurso do Papa Francisco na 68ª Semana Litúrgica Nacional, por ocasião do aniversário de 50 anos da Constituição Sacrosanctum Concilium, ao grupo de Liturgia da Conferência Episcopal da Itália, na Sala Paulo VI, 24 de agosto de 2017.
[6] Essa imagem foi usada originalmente pelo Pe. Josef Andreas Jungmann. in:  Gabriel Frade, Prefácio à edição brasileira de: Annibale Bugnini, A reforma Litúrgica (1948-1975). Tradução de Paulo F. Valério. 2ª edição. Editoras Paulus, Paulinas e Loyola: SP, 2018, p. 21.

Dom Annibale Bugnini

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