No último dia 25 de maio o Cardeal Robert Sarah, Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos,
pronunciou uma Conferência na igreja de Saint-François-Xavier em Paris, por ocasião do lançamento do seu livro “Le soir approche et
déjà le jour baisse” (“A tarde cai e o dia já declina”, ainda sem tradução para
o português).
Ao refletir sobre a crise de fé do Ocidente, o
Cardeal Sarah, com extraordinária lucidez e coragem, diz também algumas
palavras a respeito do valor da Liturgia. Segue, portanto, o texto da
Conferência na íntegra:
Caros
amigos, permitam-me, antes de tudo, agradecer a Dom Michel Aupetit, Arcebispo
de Paris, e ao pároco desta paróquia de São Francisco Xavier, o padre
Lefèvre-Pontalis, pelas boas-vindas tão fraternas.
Devo
apresentar-lhes meu mais recente livro: “A tarde cai e o dia já declina”. Nele,
analiso a profunda crise que vive
o Ocidente, crise da fé, crise da Igreja, crise sacerdotal, crise de
identidade, crise do sentido do homem e da vida humana, o colapso espiritual e
suas consequências.
Esta noite,
gostaria de lhes reafirmar estas profundas convicções que vivem em mim,
pondo-as em perspectiva com a comovente visita que fiz ontem. Algumas horas
atrás estive na Catedral de Notre-Dame de Paris. Ao entrar naquela igreja
mutilada, contemplando suas abóbadas desmoronadas, não pude deixar de vê-la
como um símbolo da situação em que se encontra a civilização ocidental e a
Igreja na Europa.
Sim, hoje,
em todos os cantos, a Igreja parece estar em chamas. Parece devastada por um
incêndio muito mais destrutivo que o da catedral de Notre-Dame. Qual é esse
fogo? É preciso coragem para dizer seu nome. Porque “não nomear fielmente as
coisas é aumentar a infelicidade do mundo” [1].
Esse fogo,
esse incêndio que assola a Igreja, particularmente na Europa, é a confusão
intelectual, doutrinal e moral; é a covardia de proclamar a verdade sobre Deus
e sobre o homem, e de defender e transmitir os valores morais e éticos da
tradição cristã; é a perda da fé, do espírito da fé, a perda do sentido da
objetividade da fé e, portanto, a perda do sentido de Deus. Como João Paulo II
escreveu em Evangelium Vitae:
“Quando se procuram as raízes mais profundas da luta entre a ‘cultura da vida’
e a ‘cultura da morte’… É necessário chegar ao coração do drama vivido pelo
homem contemporâneo: o eclipse do sentido de Deus e do homem, típico de um
contexto social e cultural dominado pelo secularismo que, com os seus
tentáculos invasivos, não deixa às vezes de pôr à prova as próprias comunidades
cristãs (…) produz uma espécie de ofuscamento progressivo da capacidade de
enxergar a presença vivificante e salvífica de Deus” [2].
Caros
amigos, a Catedral de Notre-Dame tinha um pináculo que parecia um dedo
apontando o céu. Ele parecia nos orientar para Deus. No coração de Paris, este
pináculo parecia dizer a cada um de nós todos o sentido último de toda a vida.
Esse
pináculo simbolizava a única razão de ser da Igreja: conduzir-nos a Deus,
orientar-nos para Deus. Uma igreja que não é orientada para Deus é uma Igreja
que morre e entra em colapso. O pináculo da Catedral de Paris entrou em
colapso: não é uma coincidência! Notre-Dame de Paris simboliza todo o Ocidente.
Ao se afastar de Deus, o Ocidente está entrando em colapso.
Ela
simboliza a grande tentação dos cristãos no Ocidente: ao não mais se voltarem
para Deus, ao se voltarem para si mesmos, eles morrem.
Estou
convencido de que esta civilização está vivendo uma crise mortal. Como na época
da queda de Roma, as elites de hoje se preocupam tão somente em aumentar o luxo
de sua vida cotidiana; as pessoas estão anestesiadas por um entretenimento cada
vez mais vulgar.
Como Bispo,
devo avisar o Ocidente! O fogo da
barbárie ameaça-vos! E quem são os bárbaros?
Bárbaros são aqueles que odeiam a natureza humana. Os bárbaros são
aqueles que desprezam o significado do sagrado. Os bárbaros são aqueles que desprezam
e manipulam a vida e querem “aumentar o homem”!
Quando um
país se prontificar a deixar um
homem morrer de fome e sede, um homem em estado de grande debilidade e
dependência, esse país avança pela senda da barbárie! O mundo inteiro viu a
França hesitar em alimentar Vincent Lambert, um de seus filhos mais fracos.
Meus caros amigos, como, depois disso, o vosso país pode dar ao mundo lições da
civilização?
Quando um
país arroga para si o direito de viver e de morrer sobre os menores e os mais
fracos, quando um país mata crianças não nascidas, ainda no seio de suas mães,
ele avança em direção à barbárie!
O Ocidente está cego pela sua sede de riquezas! O engodo do dinheiro que o liberalismo dissemina
nos corações entorpece os povos! Enquanto isso, a tragédia silenciosa do aborto
e da eutanásia continua. Enquanto isso, a pornografia e a ideologia de gênero
mutilam e destroem crianças e adolescentes.
Nós estamos
acostumados à barbárie, isso nem nos surpreende mais!
A civilização ocidental está em profunda decadência e ruína, apesar de seus fantásticos sucessos científicos e
tecnológicos e das aparências de prosperidade! Como a Catedral de Notre-Dame: a
civilização ocidental está vacilante. Ela perdeu sua razão de ser: mostrar Deus
e conduzir a Deus. Sem o pináculo que coroa o edifício, as abóbadas desmoronam.
Eu quero
erguer um grito de alarme que é também um grito de amor e de compaixão pela
Europa e pelo Ocidente: um
Ocidente que abjura sua fé, renega sua história e suas raízes cristãs está
condenado ao desprezo e à morte! Não é mais como uma bela catedral
alicerçada na fé, mas sim uma ruína sem sentido!
Tendo
perdido o sentido de Deus, minamos a fundação de toda a civilização humana. Uma
catedral proclama, pela sua arquitetura vertical, que nós somos feitos para
Deus. O homem, ao contrário, separado de Deus é reduzido unicamente à sua
dimensão horizontal.
Se Deus
perde sua centralidade e primazia, o homem perde seu lugar de direito; ele não
encontra mais seu lugar na criação, nas relações com os outros. A moderna
negação de Deus nos condena a um novo totalitarismo: o do relativismo, que não
admite lei, exceto a do lucro. É necessário rompermos as correntes que essa nova
ideologia totalitária nos quer impor! Se o homem renega Deus e Dele se separa,
o homem se assemelha a um rio imenso e majestoso, mas que, separado de sua
fonte, mais cedo ou mais tarde secará e desaparecerá. Se o homem nega a Deus e
o rejeita, ele é como uma árvore gigante que não tem mais raiz: ele logo
morrerá. Nicolas Berdiaeff tem razão quando diz: “Se Deus não é, então o homem
também não é: eis o que a nossa época tem descoberto por experiência. A
natureza do socialismo está sendo exposta e desmascarada, suas últimas
consequências estão sendo reveladas. Do mesmo modo, desnuda-se e desmascara-se
o fato de que a irreligião e a neutralidade religiosa não existem, e que à
religião do Deus vivo opõe-se tão somente a religião do diabo, à religião de
Cristo opõe-se tão somente a religião do Anticristo. O reino do humanismo
neutro, que queria se estabelecer numa espécie de esfera média, entre o céu e o
inferno, decompõe-se e descortina, então, um abismo superior e um inferior. Ao
Deus-Homem opõe-se não o homem do Reino neutro e médio, mas o homem-deus, o
homem que se colocou a si no lugar de Deus. Os pólos opostos do ser e do nada
são desvelados” [3].
Negar a Deus
a oportunidade de entrar em todas as dimensões da vida humana é condenar o
homem à solidão. Este homem não é mais do que um indivíduo isolado, sem origem
nem destino. Este homem se vê condenado a vagar pelo mundo como um nômade
bárbaro, sem saber que é filho e herdeiro de um Pai que o criou por amor e o
chama para participar de Sua felicidade eterna.
Sozinho,
vagando num descampado de ruínas: eis no que se tornou o homem moderno, eis o
que eu experimentei ontem, enquanto visitava Notre-Dame em ruínas.
A crise
espiritual que descrevo afeta o mundo inteiro. Mas ela tem sua fonte na Europa.
A negação de Deus nasceu nas consciências ocidentais. O colapso espiritual,
portanto, tem traços propriamente ocidentais. Eu gostaria de mencionar aqui, em
particular, a rejeição da paternidade. Nossos contemporâneos estão convencidos
de que, para ser livre, é preciso não depender de ninguém. Isto é um erro
trágico.
Os
ocidentais estão convencidos de que (o ato de) receber é contrário à dignidade
da pessoa humana. Ora, o homem civilizado é fundamentalmente um herdeiro: ele
recebe uma história, uma cultura, um nome, uma família, uma língua, uma
religião, uma fé, uma tradição, uma pátria.
É isso que o
distingue do bárbaro. Recusar-se a tomar parte nessa cadeia de dependência, de
herança e de filiação é condenar-se a perambular pela selva da competição de
uma economia autorreferente.
Os
construtores de Notre-Dame eram profundamente imbuídos do sentido da
dependência e da transmissão. Eles trabalhavam por décadas e séculos, por seus
descendentes, muitas vezes sem jamais poderem ver a conclusão de seu trabalho.
Eles eram conscientes de que eram herdeiros e queriam transmitir essa herança.
Como o homem
moderno se recusa a aceitar a si mesmo como herdeiro, ele se condena ao inferno
da mundialização liberal, em que os interesses individuais confrontam-se sem
qualquer outra lei além da lei do lucro a qualquer preço.
Mas no meu
livro eu queria lembrar aos ocidentais que a verdadeira razão para essa recusa
em herdar, essa rejeição da paternidade é basicamente a recusa de Deus. Eu vejo
no fundo do coração dos ocidentais uma profunda rejeição da paternidade
criadora de Deus.
No entanto,
nós recebemos de Deus nossa natureza como homem e como mulher. “E criou Deus o
homem à sua imagem, criou-o à imagem de Deus, homem e mulher Ele os criou” (Gn
1,27). Ora, para as mentes modernas essa verdade se tornou insuportável. A ideologia de gênero é, assim, a recusa de receber de Deus uma natureza
sexuada. Alguns, no Ocidente, chegam a revoltar-se, a rebelar-se e a
lutar contra Deus. Eles se opõem frontalmente ao seu Criador e Pai. Então eles
se mutilam horrível e inutilmente para mudar de sexo. Mas não mudam
fundamentalmente nada na sua estrutura de homem e de mulher. Na verdade, elas
apenas materializam e tornam mais radicais suas oposições e sua revolta contra
Deus. A lei natural é
violentamente rejeitada e combatida pela filosofia e espírito modernos.
Agora, São João define o pecado como: “Todo homem que comete pecado rebela-se a
lei, porque o pecado é uma violação da lei” (1 Jo 3,4). Essa negação é o auge
da rejeição de Deus, a proclamação da liberdade sem limites como valor absoluto
e a justificação do pecado. Encontramos um exemplo perfeito disso na ideologia
de gênero.
O Ocidente
se recusa a receber; ele só aceita o que ele mesmo constrói. O transumanismo é
a última degeneração desse movimento. Até mesmo a natureza humana, porque ela é
um dom de Deus, torna-se insuportável para o homem do Ocidente.
Essa revolta é, em sua essência, espiritual. É a revolta de Satanás
contra o dom da graça!
No fundo, eu
acredito que o homem do Ocidente se recusa a ser salvo pela pura misericórdia.
Ele se recusa a receber a salvação e quer construí-la por conta própria. Os “valores ocidentais” promovidos pela ONU
baseiam-se numa rejeição de Deus que eu comparo com a do jovem rico
do Evangelho. Deus olhou para o Ocidente e Ele amou-o, porque ele fez grandes
coisas. Ele o convidou a ir mais longe, mas o Ocidente se afastou d’Ele, porque
preferiu a riqueza, que ele conquistara por si mesmo.
Acredito que
as grandes catedrais do Ocidente só poderiam ser construídas por homens de
grande fé e grande humildade, que estavam profundamente felizes em saber que
eram filhos de Deus. Eles são como um canto de alegria, um hino à glória de
Deus talhado na pedra e pintado nos vitrais. Eles são o trabalho de filhos que
amam e adoram seu Pai Celeste! Todos ficavam felizes em gravar na pedra a
expressão de sua fé e seu amor por Deus, e não a glória de seu nome. Suas
obras-primas serviam para glorificar e louvar unicamente a Deus. O homem
moderno ocidental é triste demais para realizar tais obras-primas.
Ele escolheu
ser órfão e solitário; como poderia ele cantar a glória do Pai Eterno, de quem
ele recebeu tudo? Que fazer? Diante das ruínas de Notre-Dame, alguns são
tentados a dizer: “Eis aqui um edifício que já deu o que tinha de dar.
Construamos algo novo, mais moderno”.
“Vamos
construir algo à nossa imagem! Um edifício que fale, não mais da glória de
Deus, mas da glória do homem, do poder da ciência e da modernidade”.
Da mesma
forma, alguns olham para a Igreja Católica e dizem: “O tempo dessa Igreja já
passou; vamos mudá-la, façamos uma nova Igreja, à nossa imagem”.
Eles pensam:
“A Igreja não tem mais credibilidade, a mídia já não dá ouvidos a ela. Ela foi
marcada demais por escândalos de pedofilia, de homossexualidade no clero. Um
número grande de padres tem um comportamento perverso. É preciso, portanto,
mudar a Igreja, é preciso reinventá-la”.
O celibato
sacerdotal parece muito difícil em nosso tempo? “Vamos torná-lo opcional!”
O ensino
moral do Evangelho parece muito exigente? “Vamos atenuá-lo! Vamos diluir a
moral no relativismo e no laxismo. E vamos focar mais nas questões sociais”.
A doutrina
católica é mal falada na mídia? “Mudemos a doutrina! Vamos adaptá-la às
mentalidades e às perversidades morais do nosso tempo. Vamos adaptá-la à nova
ética global promovida pelas Nações Unidas. Vamos adaptá-la à ideologia de
gênero”.
“Queremos
fazer da Igreja uma sociedade mais humana e mais horizontal. Queremos que ela
fale a língua da mídia. Queremos torná-la popular”.
Mas uma tal
Igreja não interessa a ninguém!
Meus caros
amigos, o mundo não precisa de uma Igreja que seja o reflexo da própria imagem
do mundo!
A Igreja só
tem importância porque ela nos permite encontrar Jesus. Não é outra sua utilidade
senão a de ser uma porta que nos leva ao âmago da realidade do mistério divino
e nos permite olhar a Deus, olhos nos olhos. É não é legítima senão porque nos
transmite a Revelação. Quando a
Igreja se sobrecarrega com estruturas humanas, ela obstrui o brilho de Deus
nela e através dela.
A Igreja
deve ser como uma catedral. Tudo nela deve cantar a glória de Deus. Ela deve
constantemente orientar nosso olhar para Ele, como o pináculo de Notre-Dame
apontando para o céu.
Meus caros
amigos, temos que reconstruir a catedral. Temos que refazê-la exatamente como
era antes. Nós não precisamos inventar uma nova Igreja. Devemos nos converter
para deixar a Igreja brilhar novamente, para que a Igreja seja novamente uma
catedral que cante a glória de Deus e eleve os homens a Ele.
Por onde
começar prioritariamente?
Respondo,
dizendo sem hesitar: Você quer
reerguer a Igreja? Então, ajoelha-te!
Você quer
levantar essa bela catedral que é a Igreja Católica? Fique de joelhos!
Porque uma
catedral é, antes de tudo, um lugar onde os homens podem se ajoelhar; ela é o
porta-joias da presença de Deus no Santíssimo Sacramento.
A primeira
das urgências, portanto, é reencontrar
o sentido da adoração! A perda do senso da adoração de Deus é o
princípio de todos os incêndios e crises que estão sacudindo o mundo e abalando
a Igreja hoje.
Mas
faltam-nos adoradores! O mundo
está morrendo porque faltam adoradores! A Igreja está definhando por
falta de adoradores que saciam sua sede! Faltam-nos pessoas que se ajoelhem
como Jesus quando Ele fala com Seu Pai e nosso Pai: “Então (Jesus) afastou-se
deles a distância de um tiro de pedra; e, posto de joelhos, rezava… Pai, afasta
de mim este cálice! Não se faça, porém, a minha vontade, mas a Tua” (Lc 22,41;
Mt 26,39; Mc 14,35).
Nós só
reencontraremos o sentido da dignidade da pessoa humana se aceitamos reconhecer
a transcendência de Deus. O homem é grande e alcança sua mais alta nobreza
somente quando se ajoelha diante de Deus. O grande homem é humilde e o homem
humilde está de joelhos!
Meus amigos,
se às vezes bate o desespero diante dos poderes deste mundo; se acontecer de
você baixar a guarda diante dos poderes deste mundo, então lembre-se, ninguém
jamais será capaz de te tirar a liberdade de se ajoelhar! Se padres ímpios
abusam de sua autoridade e brutalmente te impedem e proíbem de se ajoelhar para
receber a Sagrada Comunhão, não perca a sua calma e serenidade diante de Jesus
Eucarístico. Não resista, mas reze
pelos padres cujo comportamento blasfema e profana Aquele que eles
têm nas mãos. Tente imitar a humildade de Deus e ajoelhe seu coração, sua
vontade, sua inteligência, seu amor-próprio, seu espírito e alma. Ali os ímpios
não podem alcançar você. Eles não têm acesso ao seu coração, que é domínio
exclusivo de Deus. Um homem de
joelhos é mais poderoso que o mundo! É uma fortaleza inexpugnável
contra o ateísmo e a loucura dos homens. Um homem de joelhos faz tremer o orgulho de Satanás!
Todos vocês
que, aos olhos dos homens, não têm poder nem influência, mas que sabem
permanecer de joelhos diante de Deus, não tenham medo daqueles que querem
intimidá-los! Sua missão é grandiosa, “ela consiste em impedir que o mundo se
desfaça!” [4].
Dirijo-me
particularmente aos enfermos,
os mais fracos de corpo ou de inteligência, vocês que sofrem a deficiência,
vocês, a quem a sociedade julga inúteis e preferiria suprimir: quando vocês rezam, quando vocês adoram,
vocês são grandes! Vocês têm uma dignidade particular porque vocês
se assemelham singularmente ao Cristo crucificado. Permitam-me dizer-lhes que
toda a Igreja se ajoelha diante de vocês porque vocês carregam Sua imagem, Sua
presença! Nós queremos servir-vos, amar-vos, confortar-vos, tranquilizar-vos. E
queremos também aprender com vocês. Vocês nos anunciam o Evangelho da adoração
no sofrimento. Vocês são uma riqueza para nós!
Uma catedral
não tem sentido se ninguém vier adorar! Se ninguém vier prostrar-se de joelhos
diante de Deus. Ela já não tem sentido se a Liturgia celebrada ali não é
inteiramente concebida para nos orientar para Deus, para a Sua cruz. Por isso
será necessário para a nossa catedral, padres para celebrarem a Liturgia da
Missa e a Liturgia das Horas.
Para que o
povo de Deus adore, é preciso que os padres e os Bispos sejam os primeiros
adoradores. Eles são chamados a permanecer constantemente diante de Deus. Sua
existência é destinada a se tornar uma oração incessante e perseverante, uma Liturgia
permanente. Eles são os primeiros da cordada [5].
Não é raro
que Bispos e padres negligenciem a adoração, quando focam em si mesmos e em
suas atividades, preocupados com os resultados humanos de seu ministério. Eles
não encontram tempo para Deus porque perderam o senso de Deus. Deus não tem
muito espaço em suas vidas.
Meus caros
amigos, estou convencido de que, no coração da crise da Igreja, há uma crise
sacerdotal, uma crise dos padres. Se a catedral desmorona, é porque a
identidade sacerdotal desmoronou primeiro. A identidade dos padres foi-lhes
saqueada. Fizeram-lhes acreditar que eles deviam ser como gestores,
funcionários eficientes, ativos e presentes em todos os lugares e em todos os
momentos.
Ora, um
padre é fundamentalmente um continuador, entre nós, da presença de Cristo. Ele
é essencialmente um adorador, um homem que permanece constantemente diante de
Deus. Não devemos defini-lo pelo que faz, mas pelo que é: ele é ipse Christus, é o próprio Cristo.
A descoberta
de numerosos abusos sexuais de menores cometidos por padres revela uma profunda
crise espiritual. Claro, existem fatores sociais: a crise dos anos 60, a
erotização da sociedade, que se refletem na Igreja. Mas é necessário ter a
coragem ir além. Como bem disse Bento XVI recentemente, as raízes dessa crise
são espirituais. A razão última dos abusos ou de uma vida moral incompatível
com o celibato sacerdotal é, definitivamente, a ausência concreta de Deus na
vida dos padres. Há muito tempo temos visto difundir-se um estilo de vida
sacerdotal que não é mais determinado pela fé. Se há, porém, uma vida que deve
ser total e absolutamente determinada pela fé, é justamente a vida sacerdotal.
Em última análise, a razão dos abusos sexuais é a ausência de Deus. É somente
lá onde a fé não determina mais as ações do homem que tais fatos são possíveis.
Como o Papa Bento XVI nos lembra, é importante compreender que “o fundamento
permanente e vital do nosso celibato é a Eucaristia… (como sacerdotes) o centro
da nossa vida deve ser realmente a celebração quotidiana da Sagrada Eucaristia;
e aqui são centrais as palavras da consagração: ‘Isto é o meu Corpo, isto é o
meu Sangue’, ou seja: falamos in persona
Christi. Cristo permite que usemos o seu ‘Eu’, que falemos no ‘Eu’ de
Cristo, Cristo ‘atrai-nos para Si’ e permite que nos unamos, une-nos com o seu
‘Eu’. E assim, através desta ação, este fato que Ele nos ‘atrai’ para si mesmo,
de modo que o nosso ‘eu’ se torna um só com o Seu, realiza a permanência, a
unicidade do Seu Sacerdócio… É esta união com o seu ‘Eu’ que se realiza nas
palavras da consagração… Esta unificação do seu ‘Eu’ com o nosso implica que
somos ‘atraídos’ também para a sua realidade de Ressuscitado… O celibato é uma
antecipação tornada possível pela graça do Senhor que nos ‘atrai’ para si rumo
ao mundo da ressurreição… Isso exige uma vida de oração íntima. Um padre que
não reza, que não vive concretamente como outro Cristo, está separado de seu
ser, de sua fonte. Ele acaba morrendo ou caindo em onipotência e perversidade [6].
Eu dediquei
este livro aos padres ao redor do mundo inteiro, porque sei que eles estão
sofrendo. Muitos se sentem abandonados. Nós, Bispos, temos uma pesada
responsabilidade na crise do sacerdócio. Será que nós fomos pais para eles?
Será que nós os ouvimos, compreendemos, guiamos? Será que nós lhes demos o
exemplo?
As dioceses,
frequentemente, se transformam em estruturas administrativas. As reuniões, as
conferências, as comissões, as viagens se multiplicam.
O Bispo deve
ser o modelo do sacerdócio. Mas estamos longe de ser os primeiros a rezar em
silêncio e a cantar o Ofício em nossas catedrais. Eu temo que estejamos nos
descaminhando (e enganando) em responsabilidades seculares e secundárias.
O lugar de um padre é na Cruz. Quando celebra a Missa, ele está aos pés da fonte de toda a sua vida,
isto é, aos pés da Cruz. O celibato é um dos meios concretos que nos permitem
viver este mistério em nossas vidas. O celibato grava a Cruz em nossa carne. É
por isso que o celibato é insuportável para o mundo moderno. O celibato
sacerdotal é um escândalo para os modernos, porque a Cruz é um escândalo.
Nesse livro,
eu quis encorajar os padres. Eu quis dizer-lhes: Amem o seu sacerdócio! Tenha orgulho de ser crucificados com o Cristo!
Não tenha medo do ódio do mundo! Eu quis expressar meu afeto de pai
e irmão pelos padres de todo o mundo! Eu gostaria de, diante de vocês e com
vocês, exprimir meu profundo afeto pelos padres fiéis, do mundo inteiro! Eu
quero diante de vocês e com você prestar homenagem a eles!
Caros
amigos, amem seus padres! Não lhes
agradeça pelo que fazem, mas pelo que são! Caros amigos, não se
deixem perturbar pelas pesquisas tendenciosos de opinião que nos apresentam a
situação desastrosa dos homens irresponsáveis da Igreja, homens de vida
interior anêmica, mesmo que eles estejam no comando do governo da Igreja.
Guardem a serenidade e permaneçam como a Virgem e São João ao pé da Cruz. Os
padres, os Bispos e os Cardeais sem moral não mancharão o luminoso testemunho
dos mais de quatrocentos mil sacerdotes do mundo inteiro que, todos os dias e
fielmente, servem ao Senhor com santidade, alegria e humildade!
Caros
amigos, eu acredito que precisamos ser realistas e práticos. Sim, há pecadores.
Sim, há padres, Bispos e até Cardeais infiéis que faltam à castidade, mas
também, e isso é tanto ou mais grave, faltam à verdade da doutrina! O pecado
não nos deve surpreender. Por outro lado, é preciso ter a coragem de chamá-lo
pelo nome. Precisamos ter a
coragem de reencontrar os caminhos do combate espiritual: a oração, a
penitência e o jejum. Nós devemos ter a lucidez para punir as
infidelidades. Nós devemos encontrar formas concretas de preveni-las. Acredito
que sem uma vida de oração em comum, sem um mínimo de vida fraterna e em comum
entre os padres, a fidelidade é uma ilusão. Devemos nos voltar para o modelo
dos Atos dos Apóstolos. Mas quero repetir a vocês, sacerdotes e religiosos
discretos e esquecidos, vocês, que a sociedade às vezes despreza, vocês que são
fiéis aos votos de sua ordenação, vocês fazem os poderosos deste mundo
tremerem!
Você os
lembram que nada pode resistir à força do dom da própria vida pela verdade.
Vocês os lembram da presença vital e indispensável de Deus para o futuro da
humanidade. Sua presença é insuportável para o príncipe da mentira.
Sem vocês,
caros irmãos padres e consagrados, a humanidade seria menos grandiosa, menos
radiante e menos bela! Sem vocês, as catedrais seriam edifícios sem vida e
inúteis!
Vocês são a
muralha viva da Verdade, porque aceitaram amá-la até à Cruz.
Caros irmãos
padres, caros religiosos e religiosas, a experiência da Cruz é a experiência da
verdade da nossa vida! O homem ou o clérigo que proclama a verdade de Deus
ascende, invariavelmente, à Cruz. Ele conhecerá a paixão, a crucificação e a
morte de cruz. Todos os cristãos, e os padres em particular, estão
constantemente sobre a Cruz, de modo que através de seu testemunho brilhe a
verdade e a mentira seja destruída. De modo eminente, nós carregamos em todos
os lugares e sempre em nosso corpo os sofrimentos da morte de Jesus, para que a
vida de Jesus também se manifeste em nosso corpo (2Cor 4,10).
Muitas vezes
ouço que o celibato dos sacerdotes é apenas uma questão de disciplina
histórica. Eu acredito firmemente que isso é falso. Como dissemos antes, o celibato revela a própria essência do
sacerdócio cristão, isto é, a configuração perfeita, a identificação
total do sacerdote com Cristo, Sumo Sacerdote da Nova Aliança e dos bens
futuros (Hb 9,11). Neste sentido, o padre não é apenas um alter Christus, um outro Cristo, mas
realmente ipse Christus, o
próprio Cristo. Pela consagração eucarística, ele configura-se totalmente a
Cristo, ele é como ‘transubstanciado’, transformado, mudado em Cristo. E porque
o Cristo e os Apóstolos viveram perfeitamente a castidade e o celibato como
sinal de seu dom total e absoluto ao Pai, ainda hoje é fundamental considerar o
celibato como uma exigência vital para a Igreja. Falar disso como uma realidade
secundária é uma violência contra todos os sacerdotes do mundo! Eu estou
intimamente convencido de que a relativização da lei do celibato sacerdotal
equivale a reduzir o sacerdócio a uma simples função. Ora, o sacerdócio não é
uma função, mas um estado. Ser padre não é primeiro fazer, mas é ser. É ser o
Cristo; é ser um prolongamento, uma extensão da presença de Cristo entre os
homens. O Cristo é realmente o esposo da Igreja. E Ele amou a Igreja e por ela
se entregou a Si mesmo, para santificá-la, purificando-a no batismo da água
pela palavra, para apresentar a Si mesmo esta Igreja gloriosa, sem mácula, nem
ruga ou coisa semelhante, mas santa e imaculada (Ef 5,25-27). O padre, por sua
vez, entrega-se como Cristo se entregou por toda a Igreja. O celibato manifesta
este dom, é o seu sinal concreto e vivo. O celibato é o selo da Cruz em nossa vida como padre! É um
clamor da alma sacerdotal que proclama o amor pelo Pai e o dom total de si à
Igreja!
A vontade de
relativizar o celibato é o desprezo por este dom radical que tantos sacerdotes
fiéis vivem desde sua ordenação. Eu quero clamar, com tantos dos meus irmãos
sacerdotes, o meu profundo
sofrimento pelo desprezo com o celibato sacerdotal! Por certo, pode
acontecer de haver uma fraqueza nesse domínio. Mas aquele que cai imediatamente
se levanta e continua seguindo a Cristo com mais fidelidade e determinação.
E então,
caros amigos, o que ainda será necessário em nossa catedral? Ele precisará de
pilares fortes para sustentar suas abóbadas ogivais. Quais serão esses pilares?
Sobre que fundamento apoiar a elegância graciosa das nervuras góticas? Acredito
que podemos dizer que a Doutrina
Católica recebida dos Apóstolos é o único fundamento sólido possível.
Se cada um
defende sua opinião, suas hipóteses teológicas, sua novidade ou uma abordagem
pastoral que contradiga as exigências do Evangelho e o Magistério perene da
Igreja, então a divisão se propagará por toda parte.
Estou horrorizado por ver tantos pastores barganharem a Doutrina Católica
e instaurarem a divisão entre os fiéis. Devemos ao povo cristão um ensinamento claro, firme e estável. Como se
pode aceitar que os Bispos ou as Conferências Episcopais se contradigam entre
elas? Onde reina a confusão, Deus
não pode habitar! Porque Deus é Luz e Verdade.
A unidade da
fé pressupõe a unidade do Magistério no espaço e no tempo. Quando um novo
ensinamento nos é dado, ele deve sempre ser interpretado em coerência com o
ensinamento que o precede. Se nós introduzirmos rupturas e revoluções,
quebramos a unidade que rege a Santa Igreja ao longo dos séculos. Isso não
significa que estamos condenados ao fixismo. Mas toda evolução deve ser uma
melhor compreensão e aprofundamento do passado. A hermenêutica da continuidade,
que Bento XVI tão claramente ensinou, é uma condição sine qua non da unidade. Aqueles que anunciam em alto e bom
som a mudança e a ruptura são falsos profetas! Eles não buscam o bem do
rebanho. Eles são mercenários introduzidos fraudulentamente no redil!
Nossa unidade será forjada em torno da verdade da Doutrina Católica e do
ensino moral da Igreja. Não
há outro caminho. Querer ganhar popularidade na mídia ao preço da verdade é
como replicar a obra de Judas! Não tenhamos medo! Que presente mais maravilhoso
podemos oferecer à humanidade, senão a verdade do Evangelho? Que tesouro mais
precioso oferecer-lhe, senão a luz do Evangelho e a Sabedoria de Deus, isto é,
Jesus Cristo (1Cor 1,24).
Alguns
cristãos parecem querer se privar dessa luz e dessa sabedoria. Eles como que se
forçam a ver o mundo com um olhar secularizado. Por quê? É o desejo de ser
aceito pelo mundo? O desejo de ser como todo mundo?
Eu me
pergunto se, no fundo, essa atitude não mascara simplesmente o medo que nos faz
recusar a ouvir o que o próprio Jesus nos diz: “Vós sois o sal da terra, vós
sois a luz do mundo”. Que honra, mas também que responsabilidade! Que fardo! Renunciar
a ser o sal da terra, é condenar o mundo a permanecer insosso e insípido;
renunciar a ser a luz do mundo, é condená-lo à escuridão, é abandoná-lo nas
trevas da rebelião contra Deus! Nós não podemos nos resignar a isso!
Voltemo-nos
para o mundo, para portar-lhe, porém, a única luz que não engana: quando a
Igreja se volta para o mundo, isso não significa que ela suprime o escândalo da
Cruz, mas tão somente que ela o torna novamente acessível em toda a sua
desnudez. Caros amigos, eu fiquei espiritualmente bastante comovido com uma
fotografia publicada no dia seguinte ao incêndio de Notre-Dame de Paris. Via-se
o interior da igreja cheia de destroços ainda fumegantes. Elevando-se acima
desses amontoados de vigas calcinadas e pedras partidas, via-se a Cruz,
instalada pelo Cardeal Lustiger, luminosa e de pé! “Stat Crux, dum volvitur orbis”: “A Cruz permanece (de pé), enquanto
gira o mundo” [7]. O mundo gira e desmorona, somente a Cruz permanece
estável e indica a direção da salvação. Somente a verdade da Cruz permanece, a verdade da Doutrina Católica.
Se para a
Igreja voltar-se ao mundo ela tivesse que se afastar da Cruz, isso a levaria
não a uma renovação, mas à morte!
Há em muitos
cristãos um medo e uma relutância em testemunhar a fé ou em levar ao mundo a
luz do Evangelho. Nossa fé tornou-se tíbia, como uma lembrança que pouco a
pouco vai desvanecendo. Ela tornou-se como uma neblina friorenta. Nós não
ousamos mais que ela é a única luz no mundo. No entanto, temos que testemunhar
não de nós mesmos, mas de Deus que veio ao nosso encontro e se revelou em Jesus
Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem.
Assim, é urgente insistir em ensinar o catecismo aos
adultos e às crianças. Dispomos para isso de uma maravilhosa ferramenta:
o Catecismo da Igreja Católica e seu Compêndio.
O fracasso da catequese leva muitos cristãos a manter uma forma
indefinida da fé ou de sincretismo religioso. Alguns escolhem crer num tal artigo do Credo e rejeitam um tal outro.
Chegamos ao ponto de fazer pesquisas para sondar a adesão dos católicos à fé
cristã... A fé não é uma banca de feira onde escolhemos frutas e legumes do
nosso gosto! Ao recebê-la, é Deus inteiro que nós recebemos! Solenemente eu chamo os cristãos a amarem os
dogmas, os artigos de fé, e a apreciá-los. Amemos nosso Catecismo! Se
o recebermos não apenas com os lábios, mas com o coração, então, através das
fórmulas da fé, entraremos verdadeiramente em comunhão com Deus. É hora de arrancar os cristãos dos discursos
ambíguos e confusos de certos prelados ou do relativismo ambiente
que anestesia os corações e adormece o amor! Lembre-se do testemunho claro e
firme de Pedro: “senão pelo nome de Jesus Cristo Nazareno… não há salvação em
nenhum outro, porque, sob o céu, nenhum outro nome foi dado aos homens, pelo
qual devamos ser salvos” (At 4,10-12). Pense em todos aqueles cristãos na
África, Ásia e Oriente Médio que estão sendo massacrados por causa do nome de
Jesus!
É hora de a fé tornar-se para os cristãos o tesouro mais íntimo e mais
precioso. Pense em
todos esses mártires mortos pela pureza de sua fé.
Medimos pela
nossa apatia face aos desvios doutrinários, a tibieza que se instalou entre
nós. Não é incomum ver erros graves serem ensinados em universidades católicas
ou em publicações oficialmente cristãs. E ninguém reage! Nós, Bispos,
contentamo-nos com correções prudentes e tímidas. Tenhamos muito cuidado, pois
um dia os fiéis nos pedirão contas. Eles vão nos acusar diante de Deus de
tê-los entregue aos lobos e desertado nosso posto de pastores defensores do
redil.
Não me levem
a mal: meu grito é um grito de amor! Nossa fé condiciona nosso amor por
Deus. Defender a fé é defender os
mais fracos, os mais simples, e permitir-lhes que amem a Deus em verdade.
Caros amigos, devemos arder de
amor pela nossa fé. Não podemos diluí-la, atenuá-la e dissolvê-la em
compromissos mundanos. Não podemos falsificá-la nem corrompê-la. Isso
comprometeria a salvação das almas, das nossas e dos nossos irmãos! O dia em
que não mais arderemos de o amor pela nossa fé, o mundo morrerá de frio,
privado de seu bem mais precioso. Cabe
a nós defender e anunciar a fé!
Quem se
levantará hoje para anunciar às cidades do Ocidente a fé que esperam? Quem se
levantará para anunciar a verdadeira fé aos muçulmanos? Eles a procuram sem sabê-lo.
Eles se voltam para o Islã porque o Ocidente lhes oferece como única religião:
a sociedade de consumo.
Quem serão
os missionários de que o mundo necessita? Quem serão os missionários que
ensinarão a integralidade da fé a tantos católicos que não sabem em que
acreditam? Não coloquemos mais a luz da fé sob o alqueire, não vamos esconder
mais este tesouro que nos foi dado de graça! Ousemos anunciar, testemunhar, catequizar!
Nós não podemos
dizer “temos fé” e, na prática, viver como ateus!
A fé ilumina
toda a nossa vida familiar, profissional e cultural, não apenas nossa vida
espiritual. No Ocidente, vemos alguns, sob o pretexto da tolerância ou da
laicidade, impor uma forma de esquizofrenia entre a vida privada e pública. A
fé tem seu lugar no debate público! Precisamos falar de Deus, não para impô-Lo,
mas para revelá-Lo e propô-Lo. Deus é uma luz indispensável para o homem.
Meus caros
amigos, para completar a nossa catedral, faltam-nos ainda os vitrais. Eles nos
trazem a presença luminosa, alegre e rica em cores dos Santos do Céu.
Precisamos
de santos que ousem ver todas as coisas com um olhar de fé, e ousem
esclarecer-se à luz de Deus. Meus amigos, seríamos nós os santos que o mundo
está esperando? Vocês, cristãos de
hoje, serão os santos e os mártires que as nações esperam para uma nova
evangelização! Suas pátrias estão sedentas por Cristo! Não as decepcionem! A
Igreja confia-vos esta missão!
Eu acredito
que estamos em um momento decisivo da história da Igreja. Sim, ela precisa de
uma reforma profunda e radical que deve começar com uma reforma do modo de vida
dos padres. Mas todos esses meios estão a serviço de sua santidade. A Igreja é
santa em si mesma. Nossos pecados e preocupações mundanas impedem que a
santidade da Igreja resplandeça. É hora de derrubar toda essa sobrecarga para
enfim deixar aparecer a Igreja como Deus a modelou.
Às vezes,
acredita-se que a história da Igreja é marcada por reformas estruturais. Tenho
certeza que são os santos que estão mudando a história. As estruturas sucedem
essas mudanças e perpetuam a ação dos santos. Quando Deus chama, Ele é radical!
Isso significa que Ele vai até ao fim, até à raiz. Caros amigos, nós não somos
chamados a ser cristãos medíocres! Não, Deus nos chama a todos para o dom total, até ao martírio do corpo ou do
coração! Ele nos chama à santidade: “Sede santos, porque Eu, o
Senhor vosso Deus, Sou santo” (Lv 19,1).
Na conclusão
do meu livro, falo do veneno do qual todos somos vítimas: o ateísmo líquido.
Ele se infiltra em tudo, até nos nossos discursos eclesiásticos. Ele consiste
em admitir, ao lado da fé, modos de pensamento ou estilos de vida radicalmente
pagãos e mundanos, realmente opostos ao Evangelho; e nós nos damos por
satisfeitos com essa coabitação contra
naturam! Isso mostra que a nossa fé tornou-se líquida e inconsistente!
A primeira
reforma a ser feita é em nosso coração. Consiste em não mais pactuar com a
mentira do ateísmo líquido. A fé é ao mesmo tempo o tesouro que queremos
defender e a força que nos permite defendê-lo.
De todo meu
coração de pastor, convido hoje os
cristãos para a conversão. Não precisamos de partidos na Igreja. Não
precisamos nos autoproclamarmos os salvadores dessa ou daquela instituição.
Tudo isso contribuiria para o jogo do adversário. Por outro lado, cada um de
nós pode tomar esta resolução: a mentira do ateísmo não passará mais por mim.
Não quero mais renunciar à luz da fé, não quero, por conveniência, preguiça ou
conformismo, fazer que a luz e as trevas coabitem em mim! É uma decisão muito
simples, ao mesmo tempo interior e concreta. Ela vai mudar a nossa vida seus
mais mínimos detalhes. Não se trata de ir à guerra. Não se trata de denunciar
os inimigos. Não se trata de atacar ou criticar. Trata-se de permanecer
firmemente fiel a Jesus Cristo, ao seu Evangelho e ao mistério da Igreja. Se
não podemos mudar o mundo, podemos mudar-nos. Se cada um decidisse isso com
humildade, então o sistema da mentira entraria em colapso por si só, porque sua
única força é o lugar que nós lhe damos em nós!
Meus caros
amigos, o Ocidente construiu maravilhosas catedrais. Hoje elas correm o risco
de se tornarem museus sem alma. Mas um mundo em que as catedrais se tornassem
como cadáveres de pedras seria um mundo triste, vão e sem sentido.
Permitam-me
concluir citando ainda Bento XVI: “O homem precisa de um chamado feito à sua
alma que possa carregá-lo e sustentá-lo. Ele precisa de um espaço para sua
alma. É isto o que uma catedral simboliza. Mas um edifício só se torna uma
catedral graças aos homens que constroem este espaço da alma, homens que
transformam pedras em catedrais e assim mantêm aberto para todos o chamado do
infinito, o chamado sem o qual a humanidade sufoca. A humanidade precisa de
‘servos da catedral’ cuja vida desinteressada e pura faça com que Deus seja
digno de crédito”.
Meus caros
amigos, convido-vos a serem esses construtores de catedrais.
Precisamos
criar lugares onde as virtudes possam florescer. É hora de recuperar a coragem
do “anticonformismo”. Os cristãos devem ter a força para formar oásis onde o ar
seja respirável, onde, simplesmente, a vida cristã seja possível.
Eu conclamo
os cristãos para abrir oásis de gratuidade no deserto da rentabilidade
triunfante! Sim, vocês não devem
ficar sozinhos no deserto da sociedade sem Deus. Um cristão que
permanece sozinho é um cristão em perigo! Ele acabará sendo devorado pelos
tubarões da sociedade mercantil. Os
cristãos devem se reunir em grupos, ao redor de suas catedrais: as casas
de Deus. Precisamos criar lugares onde o ar seja respirável, ou simplesmente, a
vida cristã seja possível. Nossas paróquias devem colocar Deus no centro! No
centro de nossas vidas, no centro de nossos pensamentos, no centro de nossa
ação, nossas Liturgias e nossas catedrais. Em meio a avalanche de mentiras, devemos ser poder encontrar lugares onde
a verdade não seja apenas explicada, mas vivida. Trata-se, simplesmente,
de viver o Evangelho! Não de pensa-lo como uma utopia, mas de vivenciá-lo
concretamente! A fé é como um fogo! É preciso que ela esteja ardendo para poder
ser transmitida. Vigiem este fogo sagrado! Que ele seja o seu calor no coração
do inverno do Ocidente. Quando à noite se acende um fogo, os homens se reúnem
em volta dele. Essa é nossa esperança. Essa é a nossa catedral.
Cardeal Robert Sarah
Tradução: Pe.
Geraldo Vasconcelos, C.O (Retirado da página do Facebook de Dom Antônio
Carlos Rossi Keller)
Fonte: Soyons
des bâtisseurs de cathédrale - La Nef
[1] N.T.:
Aforismo atribuído a Albert Camus.
[2] Encíclica
Evangelium Vitae de 25 de março de
1995, n. 21.
[3] Nikolai
Berdiaev, Le Nouveau Moyen Âge. Réflexions sur les destinées de la Russie et de
l’Europe,Paris, 1986.
[4] N.T.:
Citação do discurso de agradecimento à Academia Sueca proferido pelo escritor
Albert Camus, em Estocolmo, no dia 10 de dezembro de 1957
[5] N.T.:
Do francês cordée, no vocabulário do
alpinismo, uma equipe de escaladores unidos entre si por uma ou mais cordas
[6] Diálogo
do Papa Bento XVI com os sacerdotes. Praça de São Pedro, aos 10 de junho de
2010.
[7] N.T.:
Divisa da Ordem dos Cartuxos
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