São Cirilo de Alexandria
Sermão 38 sobre a Natividade
“Ó
intercâmbio inaudito! Ó misteriosa união!”
De muitas formas
foi o homem admoestado por causa da multidão de pecados que, por diversos
motivos e circunstâncias, beberam da raiz do mal. Ele foi advertido pela
Palavra de Deus, pelos profetas, através de benefícios, com ameaças, com
desgraças, inundações, incêndios, guerras, vitórias, derrotas, com sinais
procedentes do céu, do ar, da terra, do mar, dos homens, das batalhas, com
inesperada migração de povos. O que por meio de tudo isto se pretendia era
destruir o mal. Finalmente, teve o homem necessidade de um remédio mais eficaz,
pois suas enfermidades se tornaram mais graves, ou seja, homicídios,
adultérios, perjúrios e idolatria, que é o primeiro e pior de todos os males,
pois translada às criaturas a adoração que é devida ao Criador.
Como tais males
requeriam um remédio mais eficaz, eficaz o receberam. Tal remédio foi o próprio
Filho de Deus, que é eterno, invisível, insondável, incorpóreo, princípio que
provém do princípio, luz que da luz provém, fonte da vida e da imortalidade,
expressão do protótipo de beleza, selo imóvel, imagem imutável, fim e Palavra
do Pai. Este se inclina a quem é sua imagem, toma sobre si carne por causa de
minha carne, por causa de minha alma se une a uma alma inteligente, para
purificar o semelhante por meio do semelhante. Fez-se homem em todos os
aspectos, menos no pecado. Nasceu da Virgem, primeiro purificada na alma e no
corpo pelo Espírito, pois era necessário que fosse honrada a geração humana e,
sobretudo, a virgindade. Sendo Deus, se apresentou com uma natureza humana, um só ser formado de duas naturezas opostas, carne e espírito, das quais uma era
divina e a outra estava divinizada. Ó intercâmbio inaudito! Ó misteriosa união!
Aquele que é,
nasce; faz-se criado quem não o é; o infinito se faz extensa mercê à alma
racional, tornando-a mediadora entre a divindade e a gravidade da carne. O que
enriquece mendiga. Empobrece-se tomando minha carne para que eu me enriqueça
com sua natureza divina. Esvaziou-se quem está repleto de todas as coisas,
pois, verdadeiramente, durante um breve tempo esvaziou-se de sua glória para
que eu participasse de sua plenitude.
Qual é a riqueza
de sua bondade? Que mistério é este que me rodeia? Eu participei da imagem de
Deus e não a guardei. Ele participou de minha carne para salvar a imagem e
tornar a carne imortal. Ele tomou parte de uma segunda união com o homem, mais
extraordinária que a primeira, porque então me fez participar de uma natureza
superior, e agora é ele quem toma parte em uma natureza inferior. Isto é muito
mais divino que a primeira. Isto, para os sensatos, é muito mais sublime.
E aos poucos
poderás também ver que Jesus se purifica no rio Jordão por minha expiação; ou,
para ser mais preciso, santifica as águas com sua purificação, porque não
estava necessitado de purificação quem tira o pecado do mundo. Verás que se
abrem os céus e que o Espírito, que é de sua mesma natureza, dá testemunho
dele. O verás tentado e vitorioso, servido pelos anjos, curando toda
enfermidade e debilidade, devolvendo a vida aos mortos – oxalá fizesse outro
tanto contigo, que estás morto por tua falsa crença! O verás expulsando aos
demônios, a uns ele em pessoa, a outros por meio de seus discípulos. Alimenta
com poucos pães uma multidão. Anda sobre o mar. É atraiçoado, crucificado: ele
crucificado e com ele crucificada minha culpa. Conduzido como cordeiro, como
sacerdote oferece o sacrifício. Sepultado como homem, ressuscita como Deus,
depois sobe ao céu e retornará com toda a sua glória. Quantas festas se
necessitariam para celebrar cada um dos mistérios de Cristo! Ponto fundamental
de todas elas será somente um: minha perfeição e restauração, e o regresso à
primitiva condição de Adão.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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