segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Homilia: Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus

São Cirilo de Alexandria
Sermão 38 sobre a Natividade
“Ó intercâmbio inaudito! Ó misteriosa união!”

De muitas formas foi o homem admoestado por causa da multidão de pecados que, por diversos motivos e circunstâncias, beberam da raiz do mal. Ele foi advertido pela Palavra de Deus, pelos profetas, através de benefícios, com ameaças, com desgraças, inundações, incêndios, guerras, vitórias, derrotas, com sinais procedentes do céu, do ar, da terra, do mar, dos homens, das batalhas, com inesperada migração de povos. O que por meio de tudo isto se pretendia era destruir o mal. Finalmente, teve o homem necessidade de um remédio mais eficaz, pois suas enfermidades se tornaram mais graves, ou seja, homicídios, adultérios, perjúrios e idolatria, que é o primeiro e pior de todos os males, pois translada às criaturas a adoração que é devida ao Criador.
Como tais males requeriam um remédio mais eficaz, eficaz o receberam. Tal remédio foi o próprio Filho de Deus, que é eterno, invisível, insondável, incorpóreo, princípio que provém do princípio, luz que da luz provém, fonte da vida e da imortalidade, expressão do protótipo de beleza, selo imóvel, imagem imutável, fim e Palavra do Pai. Este se inclina a quem é sua imagem, toma sobre si carne por causa de minha carne, por causa de minha alma se une a uma alma inteligente, para purificar o semelhante por meio do semelhante. Fez-se homem em todos os aspectos, menos no pecado. Nasceu da Virgem, primeiro purificada na alma e no corpo pelo Espírito, pois era necessário que fosse honrada a geração humana e, sobretudo, a virgindade. Sendo Deus, se apresentou com uma natureza humana, um só ser formado de duas naturezas opostas, carne e espírito, das quais uma era divina e a outra estava divinizada. Ó intercâmbio inaudito! Ó misteriosa união!
Aquele que é, nasce; faz-se criado quem não o é; o infinito se faz extensa mercê à alma racional, tornando-a mediadora entre a divindade e a gravidade da carne. O que enriquece mendiga. Empobrece-se tomando minha carne para que eu me enriqueça com sua natureza divina. Esvaziou-se quem está repleto de todas as coisas, pois, verdadeiramente, durante um breve tempo esvaziou-se de sua glória para que eu participasse de sua plenitude.
Qual é a riqueza de sua bondade? Que mistério é este que me rodeia? Eu participei da imagem de Deus e não a guardei. Ele participou de minha carne para salvar a imagem e tornar a carne imortal. Ele tomou parte de uma segunda união com o homem, mais extraordinária que a primeira, porque então me fez participar de uma natureza superior, e agora é ele quem toma parte em uma natureza inferior. Isto é muito mais divino que a primeira. Isto, para os sensatos, é muito mais sublime.
E aos poucos poderás também ver que Jesus se purifica no rio Jordão por minha expiação; ou, para ser mais preciso, santifica as águas com sua purificação, porque não estava necessitado de purificação quem tira o pecado do mundo. Verás que se abrem os céus e que o Espírito, que é de sua mesma natureza, dá testemunho dele. O verás tentado e vitorioso, servido pelos anjos, curando toda enfermidade e debilidade, devolvendo a vida aos mortos – oxalá fizesse outro tanto contigo, que estás morto por tua falsa crença! O verás expulsando aos demônios, a uns ele em pessoa, a outros por meio de seus discípulos. Alimenta com poucos pães uma multidão. Anda sobre o mar. É atraiçoado, crucificado: ele crucificado e com ele crucificada minha culpa. Conduzido como cordeiro, como sacerdote oferece o sacrifício. Sepultado como homem, ressuscita como Deus, depois sobe ao céu e retornará com toda a sua glória. Quantas festas se necessitariam para celebrar cada um dos mistérios de Cristo! Ponto fundamental de todas elas será somente um: minha perfeição e restauração, e o regresso à primitiva condição de Adão.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 550-552. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Confira também uma homilia de Santo Efrém para esta solenidade clicando aqui.

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