Homilia na Ordenação de Diáconos
«Vigiai e orai em todo o tempo, para terdes a força de vos
livrar de tudo o que vai acontecer e poderdes estar firmes na presença do Filho
do homem»
Irmãos caríssimos: Esta última frase que ouvimos há de
preencher todo o Advento, insistentemente.
“Vigiai!” – É a palavra de ordem, para ser atitude constante
de cada discípulo de Cristo, como os que hoje recebem o diaconado. Da parte
deles é um exercício de vigilância, para acolherem o Senhor que os tomará
sinais vivos, sacramentos, do seu serviço. É neles e através deles que o Senhor
continuará a dizer: «Eu estou no meio de vós como aquele que serve» – como um
“diácono” na letra evangélica (Lc 22,27).
A vigilância espiritual e prática define-nos também a nós,
como os que esperam o Senhor e divisam a sua vinda, com tudo quanto Ele nos
traz de sentido absoluto e conversor. Converte-nos o desejo e exige a
coerência. Viver como quem realmente O espera, impele-nos ao seu encontro,
descobre-lhe a presença, sobretudo onde mais se aproxima e nos reclama: na
Palavra em que ressoa, no sacramento em que se oferece, nos outros em que nos
pede o que precisa, para nos dar muito mais.
É como um movimento mútuo, que Ele próprio suscita. Como
João apresenta no Apocalipse: «Olha que Eu estou à porta e bato: se alguém
ouvir a minha voz e abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e
ele comigo» (Ap 3,20). E Tiago resume assim na sua Epístola: «Aproximai-vos de
Deus e Ele aproximar-se-á de vós» (Tg 4, 8). Desde a primeira geração, os
cristãos vivem em Advento, quando autenticamente o são.
As leituras ouvidas insistem muito neste ponto. E é também
assim que o Evangelho se traduz como “boa nova”. Parece contraditório, entre
tantas imagens do fim, mas nós cristãos sabemos que o não é. Parece
contraditório… De facto, como podemos considerar “boa nova” um tal cenário de
coisas graves, que mais provocariam medo do que esperança?
Por duas razões principais: A primeira é Jesus insistir
naquilo de que já devíamos estar certos. O mundo, este mundo como o vemos e vivemos,
é uma realidade magnífica, mas também frágil, caduca e perecível. Não tem a
consistência garantida, nem a perenidade que só a Deus pertence. Foi criado
diferente do seu Autor, como única possibilidade de existirmos distintos de
Deus, ainda que para Deus. Conserva as marcas da autoria divina que o sustenta,
mas também as nossas, que tantas vezes o desfiguram e destroem.
Àquelas imagens fortes que Jesus usou – sinais na lua e nas
estrelas, rugido e agitação do mar, forças celestes abaladas – podemos acrescentar
as que hoje nos alertam, como a desertificação, a falta de água potável e os
cataclismos que o descuido humano provoca, ou os intermináveis conflitos que
eliminam tantas vidas e desfiguram a terra.
Alertar-nos Jesus para realidades assim é já Evangelho, como
lição e apelo. Mas é também “boa nova”, como segunda razão, pois nos garante
que, se correspondermos positivamente, se nos convertemos e mudarmos as coisas,
poderemos soerguer-nos e levantar a cabeça, libertando-nos com Ele na cruz
deste mundo. Trata-se de viver já pascalmente o Advento.
Sobretudo porque, estando vigilantes e atentos aos sinais da
sua presença ressuscitada e ressuscitadora, ganharemos firmeza diante do Filho
do Homem. Venha o que vier e aconteça o que acontecer, Ele está connosco e
continuará a fazer Páscoa. Connosco e para os outros. Nele, Verbo divino que em
tudo ressoa, n’Ele Verbo divino em quem tudo se refaz.
Este Evangelho vivo para um Advento pleno, exige da nossa
parte a vigilância pronta, que desperta o mundo que levamos conosco. Desperta-o
para o que na verdade importa. Para distinguirmos o que vale do que não vale, o
que persiste do que decai e desaparece.
Viver o Advento é concentrar-se no essencial da vida e no
substancial das coisas. Para nós cristãos, tudo se concentra numa relação
pessoal absoluta, como a podemos e devemos ter com Cristo. Resumindo a nossa
vida com as palavras de Paulo, quando já vivia em Advento: «Para nós, um só é
Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos, e um só é o Senhor Jesus
Cristo, por meio do qual tudo existe e mediante o qual nós existimos» (1Cor 8,6).
Tantas vezes o repetimos no Credo: «Creio em um só Senhor
Jesus Cristo… consubstancial ao Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas…
Também por nós foi crucificado… Ressuscitou ao terceiro dia... De novo há de
vir em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim…
E espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir». Do
princípio ao fim, um completo Advento. Advento da vida, que recebemos em
Cristo; e da vida eterna, revivendo-Lhe a Páscoa.
Pelo meio está a Cruz, nossa e alheia, como Cristo a tomou,
para a preencher de vida. Viver em Advento é sê-lo para os outros, que são
sinais de Cristo, que nos toca e reclama. Repetindo a sua proximidade em
relação a quem mais sofra fragilidades e ruínas. A cor litúrgica do Advento
induz-nos à conversão, que se traduz em caridade, sentida e praticada.
Depois do Advento virá o Natal. Porém, como aconteceu na sua
primeira vinda, Jesus continuará a “nascer” no lugar que encontrar. Há dois mil
anos só pôde ser num presépio, pois «não havia lugar na hospedaria» (Lc 2,7).
Preparemos-lhe agora um lugar melhor, no nosso coração e na nossa vida.
- Certamente o fareis, caríssimos ordinandos. E todos nós
convosco, como o mundo espera!
Santa Maria de Belém,
2 de dezembro de 2018
+ Manuel,
Cardeal-Patriarca
Fonte: Patriarcado de Lisboa
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