terça-feira, 1 de janeiro de 2019

III Catequese do Papa João Paulo II sobre o Natal

João Paulo II
Audiência Geral
Quarta-feira, 10 de janeiro de 1979
Natal (3): O significado da maternidade para a sociedade e para a família

1. Chegou ao fim o tempo do Natal. Passou também a festa da Epifania. Mas as meditações dos nossos encontros das quartas-feiras referir-se-ão ainda ao conteúdo fundamental das verdades que o período natalício todos os anos nos coloca diante dos olhos. Tais verdades aparecem-nos com densidade especial. E necessário tempo para se verem com os olhos abertos do espírito, que tem o direito e a necessidade de meditar a verdade, de contemplar toda a sua simplicidade e profundidade.
Durante a oitava do Natal, a Igreja leva a que dirijamos o olhar do nosso espírito para o mistério da Maternidade. No último dia da oitava, que é também o primeiro dia do ano novo, celebra-se a festa da Maternidade da Mãe de Deus. Deste modo põe-se em evidência «o lugar» da Mãe, «a dimensão» maternal em todo o mistério do nascimento de Deus.
2. Esta Mãe tem o nome de Maria. A Igreja venera-a de modo particular. O culto que Lhe presta supera o culto de todos os outros santos (culto de hiperdulia). Venera-a deste modo porque foi a Mãe; porque foi eleita para ser a Mãe do Filho de Deus; porque àquele Filho, que é o Verbo Eterno, deu no tempo «o corpo», deu num momento histórico «a humanidade». A Igreja insere esta veneração especial da Mãe de Deus em todo o ciclo do ano litúrgico, durante o qual, de modo discreto mas também muito solene, é acentuado - por meio da festa da Anunciação celebrada nove meses antes do Natal, a 25 de março - o momento da conceição humana do Filho de Deus. Pode dizer-se que durante todo este período, de 25 de março a 25 de dezembro, a Igreja caminha com Maria, a qual, como todas as mães, espera a hora do nascimento: o dia do Natal. E durante este tempo Maria «caminha» também com a Igreja. A sua maternal expectativa inscreve-se de modo discreto na vida da Igreja cada ano. Tudo o que sucedeu entre Nazaré, Ain Karin e Belém é o tema da liturgia, da vida da Igreja, da oração - especialmente da oração do rosário - e da contemplação. Hoje já desapareceu do ano litúrgico uma festa especial dedicada à «Virgo Paritura», a festa «da maternal expectação da Virgem», que antigamente era celebrada a 18 de Dezembro.
3. Inserindo deste modo, no ritmo da sua liturgia, o Mistério «da maternal expectação da Virgem», a Igreja medita, projetada sobre o fundo do Mistério daqueles meses que unem a hora do nascimento com a hora da conceição, toda a medida espiritual da maternidade da Mãe de Deus.
Esta maternidade «espiritual» (quoad spiritum) iniciou-se ao mesmo tempo que a maternidade física (quoad corpus). No momento da anunciação, Maria teve este diálogo com o Anunciador: Como poderá ser, se eu não conheço homem? (Lc 1,34). Resposta: O Espírito Santo descerá sobre ti e o poder do Altíssimo cobrir-te-á com a sua sombra. Por isso é que o Santo que vai nascer se há de chamar Filho de Deus (Lc 1,35). Começou ao mesmo tempo que a maternidade física (quoad corpus) a sua maternidade espiritual (quoad spiritum). Esta maternidade encheu assim os nove meses de expectativa da hora do nascimento, como os 30 anos passados entre Belém, Egito e Nazaré, como também os anos seguintes  durante os quais Jesus, depois de sair da casa de Nazaré, ensinou o Evangelho do Reino  esses anos que terminaram com os acontecimentos do Calvário e com a Cruz. Ali chegou a maternidade «espiritual», em certo sentido, ao seu momento-chave: Ao ver sua Mãe e, junto dela, o discípulo que Ele amava, Jesus disse a Sua Mãe: «Mulher, eis aí o teu filho» (Jo 19,26). Assim, de maneira nova, legou a Sua própria Mãe ao homem: ao homem, a quem transmitiu o Evangelho. Legou-a a cada homem. Legou-a à Igreja no dia do seu nascimento histórico, o dia do Pentecostes. Desde esse dia toda a Igreja a tem como Mãe. E todos os homens a têm como Mãe. Compreendem estes as palavras, pronunciadas do alto da Cruz, como dirigidas a cada um. Mãe de todos os homens. A maternidade espiritual não conhece limites. Prolonga-se no tempo e no espaço. Atinge tantos corações humanos! Atinge as nações inteiras. A maternidade constitui argumento predileto e talvez o mais frequente para a criatividade do espírito humano. É elemento constitutivo da vida interior de tantos homens! E chave de abóbada da cultura humana. Maternidade: grande, esplêndida, fundamental realidade humana, desde o início chamada com o próprio nome pelo Criador. De novo admitida no Mistério da Natividade de Deus no tempo. Nele, neste Mistério, incluída. Com ele inseparavelmente unida.
4. Nos primeiros dias do meu ministério na sé romana de São Pedro tive o prazer de encontrar-me com um homem ao qual, desde aquele momento, fiquei a sentir-me particularmente unido. Permiti-me que não pronuncie aqui o nome dessa Pessoa, cuja autoridade na vida da Nação italiana é tão grande, e cujas palavras também eu ouvi no último dia do ano com atenção unida ao reconhecimento. Eram simples, profundas e cheias de solicitude pelo bem do homem, da Pátria e da humanidade inteira, da juventude em particular. Perdoar-me-á o meu Egrégio Interlocutor se, embora não dizendo o Seu Nome, tomo dalgum modo a liberdade de referir-me às palavras que durante aquele primeiro encontro lhe ouvi [*]. Eram palavras que diziam respeito à mãe: à sua mãe. Depois de tantos anos de vida, de experiência, de lutas políticas e sociais, recordava ele a sua mãe como aquela a quem, juntamente com a vida, deve ainda o que forma o início e o esqueleto da história do seu espírito. Ouvi essas palavras com sincera comoção. Conservei-as na memória e não as esquecerei nunca. Eram para mim como anúncio, e ao mesmo tempo um apelo.
Não falo aqui da minha mãe, porque a perdi cedo demais; mas sei que a ela devo as mesmas coisas, que o meu Ilustre Interlocutor expressou de modo tão simples. Por isso me permito referir-me àquilo que Lhe ouvi.
5. E falo hoje deste assunto para cumprir o que anunciei há uma semana. Então disse que devemos estar em expectativa ao lado de cada mãe; que devemos circundar com particular assistência a maternidade e o grande acontecimento a ela ligado, a concepção e o nascimento do homem, que se coloca sempre na base da educação humana. A educação apoia-se sobre a confiança naquela que deu a vida. Esta confiança não a podemos nunca expor a perigos. No tempo do Natal, a Igreja coloca diante dos olhos do nosso espírito a Maternidade de Maria, e faz isso no primeiro dia do novo ano. Faz isso também para colocar em evidência a dignidade de cada mãe, para definir e recordar o significado da maternidade, não só na vida de cada homem mas também em toda a cultura humana. A maternidade é a vocação da mulher. É vocação eterna e é também vocação contemporânea. «A Mãe que tudo compreende e de coração abraça cada um de nós»: são palavras duma canção, cantada pela juventude na Polónia, palavras que me vêm ao espírito neste momento; a canção anuncia, em seguida, que o mundo hoje, de maneira especial, «tem fome e sede» daquela maternidade, que «física» e «espiritualmente» é a vocação da mulher, assim como o é de Maria.
É necessário fazer tudo para que a dignidade desta esplêndida vocação não fique destruída na vida interior das gerações novas; para que não seja diminuída a autoridade da mulher-mãe na vida familiar, social e pública, e em toda a nossa civilização: em toda a nossa legislação contemporânea, na organização do trabalho, nas publicações, na cultura da vida quotidiana, na educação e no estudo. Em todos os campos da vida.
É este um critério fundamental.
Devemos fazer tudo para que a mulher mereça o amor e a veneração. Devemos fazer tudo para que os filhos, a família e a sociedade vejam nela aquela dignidade que na mesma viu Cristo.
Mater genetrix, spes nostra!

[*] É obviamente compreensível a reserva do Papa nesta passagem do discurso pronunciado num contexto e num ambiente particulares. Não cremos, porém, que contrarie a delicadeza do Santo Padre o fato de explicitarmos aqui o seu pensamento, como aliás já o fizeram vários outros órgãos de informação: João Paulo II referia-se ao Presidente da República Italiana, Sandro Pertini.


Fonte: Santa Sé

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