São João Crisóstomo
Do Tratado sobre a Providência
Deus
não perdoou ao seu próprio Filho, mas o entregou à morte por nós
Honrando como
honramos por motivos tão diversos o nosso comum Senhor, não devemos, sobretudo,
honrá-lo, glorificá-lo e admirá-lo pela cruz e por aquela morte tão
ignominiosa? Ou será que Paulo não apresenta frequentemente a morte de Cristo
como prova de seu amor por nós? E morrer por quê? Silenciando tudo o que Cristo
fez para nosso bem e consolação, Paulo volta quase que obsessivamente ao tema
da cruz, dizendo: A prova de que Deus nos
ama é que Cristo morreu por nós quando ainda éramos pecadores. Deste fato,
São Paulo tenta elevar-nos às mais promissoras esperanças, dizendo: Se quando éramos inimigos fomos
reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, com muito mais razão, estando
já reconciliados, seremos salvos por sua vida! O mesmo Paulo tem isto como
motivo de alegria e de orgulho, e salta de júbilo escrevendo aos gálatas: Deus me livre de gloriar-me, a não ser na
cruz de nosso Senhor Jesus Cristo.
E por que te
admiras de que isto faça Paulo saltar, dançar e alegrar-se? O mesmo que padeceu
tais sofrimentos chama “glória” ao seu suplício: Pai, diz ele, chegou minha
hora: glorifica a teu Filho.
E o discípulo
que escreveu estas coisas dizia: Mas
ainda não tinha dado o Espírito, porque Jesus não havia sido glorificado,
chamando “glória” à cruz. E, quando quis ressaltar a caridade de Cristo, do que
João se serviu? De seus milagres? Das maravilhas que realizou? Dos prodígios
que operou? Nada disso: traz à cruz a comparação, dizendo: Deus tanto amou o mundo que entregou a seu Filho único, para que todo o
que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. E novamente Paulo: Aquele que não perdoou ao seu próprio Filho,
mas o entregou à morte por nós, como não nos dará tudo com ele?
E quando deseja
convidar-nos à humildade, então dá o sentido à sua exortação se expressando
assim: Tende em vós os sentimentos de
Cristo Jesus. Ele, apesar de sua condição divina, não se vangloriou de sua
igualdade com Deus; ao contrário, despojou-se de sua dignidade e assumiu a
condição de servo, fazendo-se semelhante aos homens. E assim, agindo como um
dentre nós, rebaixou-se até submeter-se à morte, e morte de cruz.
Em outra
ocasião, dando conselhos a respeito da caridade, retorna ao mesmo tema,
dizendo: Vivei no amor assim como Cristo
vos amou e se entregou por nós como oblação e vítima de agradável odor. E,
finalmente, o próprio Cristo, para demonstrar como a cruz era sua principal
preocupação, e como sua paixão primava nele, escuta o que ele disse ao príncipe
dos Apóstolos, ao fundamento da Igreja, ao corifeu do coro dos Apóstolos,
quando a partir de sua ignorância lhe dizia: Que Deus não o permita, Senhor! Isso não pode acontecer: Aparta-te, lhe disse, satanás, com teus obstáculos. Com a
severa correção e reprimenda, quis deixar muito claro a grande importância que
a cruz tinha aos seus olhos. Por que te maravilhas, portanto, de que nesta vida
a cruz seja tão célebre a ponto de Cristo chamá-la de sua “glória” e Paulo nela
se glorie?
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 317-318. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
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