Padre Raniero Cantalamessa, OFMCap
III pregação de Quaresma
09 de março de 2018
“Não façam de si próprios uma opinião maior do que convém”
A exortação à caridade que
recolhemos da boca do Apóstolo, na meditação anterior, está encerrada entre
duas breves exortações à humildade que se recordam de forma proeminente entre
si, de modo a formar uma espécie de marco para o discurso sobre a caridade.
Lidas uma atrás da outra, omitindo o que está no meio, as duas exortações soam
assim:
“Não façam de si próprios uma
opinião maior do que convém, mas um conceito razoavelmente modesto [...] Não
aspirem a coisas muito elevadas, mas curvem-se perante às humildes. Não tenham
uma ideia muito alta de vocês mesmos” (Rm 12,3.16).
Não é uma questão de
pequenas recomendações à moderação e à modéstia; através destas poucas
palavras, a parênese apostólica nos abre diante de todo o vasto horizonte da
humildade. Ao lado da caridade, São Paulo encontra na humildade o segundo valor
fundamental, a segunda direção em que se deve trabalhar para renovar, no
Espírito, a própria vida e construir a comunidade.
Nunca, como neste campo, as
virtudes cristãs nos aparecem como um fazer próprios “os sentimentos que
estavam em Cristo Jesus”. Ele, recorda em outro lugar o Apóstolo, embora sendo
de natureza divina, “se humilhou fazendo-se obediente até a morte” (Fl 2,5-8) e
aos próprios discípulos, ele disse: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de
coração” (Mt 11,29). Podemos falar da humildade de diferentes pontos de vista,
como veremos que o Apóstolo fará, mas em seu significado mais profundo, a
humildade é apenas a de Cristo. É verdadeiramente humilde quem se esforça para
ter o coração de Cristo.
1. A humildade como
sobriedade
Na parênese da Carta aos
Romanos, São Paulo aplica à vida da comunidade cristã o ensinamento bíblico
tradicional sobre a humildade que é constantemente expressada através da
metáfora espacial do “elevar-se” e do “abaixar-se”, do tender ao alto e do
tender ao baixo. Pode-se “aspirar a coisas muito altas” ou com a própria inteligência,
com um questionamento imoderado que não leva em consideração a própria
limitação frente ao mistério, ou com a vontade, aspirando a
posições e cargos de prestígio. O Apóstolo tem em mente ambas possibilidades e,
em qualquer caso, as suas palavras combatem tanto uma quanto outra coisa: tanto
a presunção da mente, quanto a ambição da
vontade.
Ao transmitir, no entanto, o
ensinamento bíblico tradicional sobre a humildade, São Paulo dá uma motivação
parcialmente nova e original dessa virtude. No Antigo Testamento, o motivo ou a
razão que justifica a humildade é que Deus “rejeita os soberbos e dá sua graça
aos humildes” (cf. Pr 3,34; Jo 22,29), que ele “vê os humildes e conhece os soberbos
de longe” (Sl 137,6). Não se dizia, no entanto - pelo menos explicitamente –
por que Deus faz isso, isto é, por que “eleva os humildes e abaixa os
soberbos”. A este fato, podemos dar explicações diferentes: por exemplo, o
ciúme ou “inveja de Deus” (sphonos Theou), como pensavam alguns
escritores gregos, ou simplesmente a vontade divina de punir a arrogância
humana, a hybris.
O conceito decisivo que São
Paulo introduz no discurso da humildade é o conceito de verdade. Deus ama o
humilde porque o humilde está na verdade; é um homem verdadeiro, autêntico. Ele
castiga a soberba, porque a soberba, antes mesmo de ser arrogância, é mentira.
De fato, tudo aquilo que, no homem, não é humildade é mentira.
Isso explica por que os
filósofos gregos, que também conheceram e louvaram quase todas as outras
virtudes, não conheceram a humildade. A palavra humildade (tapeinosis)
sempre manteve, com eles, um significado predominantemente negativo de
abaixamento, de mesquinhez, de pedanteria, de pusilanimidade. Os filósofos
gregos ignoravam as duas pedras angulares que permitem associar entre si a
humildade e a verdade: a ideia de criação e a ideia bíblica
de pecado. A ideia de criação fundamenta a certeza de que tudo o
que é bom e bonito no homem vem de Deus, nada excluído; a ideia bíblica de
pecado fundamenta a certeza de que tudo o que é mau, no sentido moral, no
homem, vem de sua liberdade, de si mesmo. O homem bíblico é levado à humildade
tanto pelo bem quanto pelo mau que descobre em si mesmo.
Mas vamos ao pensamento do
Apóstolo. A palavra usada por ele no nosso texto para indicar a humildade-verdade
é a palavra sobriedade ou sabedoria. Ele exorta os cristãos a
não terem uma ideia errada e exagerada de si mesmos, mas sim uma avaliação
justa, sóbria, de si, quase podemos dizer objetiva. Na retomada da exortação,
no versículo 16, o "ter uma ideia sóbria de si”, encontra o seu
equivalente na expressão “tender às coisas humildes”. Com isso, ele diz que o
homem é sábio quando é humilde e que é humilde quando é sábio.
Abaixando-se, o homem se
aproxima da verdade. “Deus é luz”, diz São João (1 Jo 1, 5), é verdade, e não
pode encontrar o homem, a não ser na verdade. Ele dá a sua graça aos humildes
porque só o humilde é capaz de reconhecer a graça; não diz: “o meu braço, ou a
minha mente, fez isso!” (cf. Dt 8,17; Is 10,13). Santa Teresa d’Ávila escreveu:
“Perguntava-me um dia por que o Senhor ama tanto a humildade e de repente
pensei, sem qualquer reflexão minha, que isso deve ser porque ele é a suprema
Verdade e a humildade é a verdade” [1].
2. Que possuis que não
tenhas recebido?
O Apóstolo não nos deixa
agora no vago ou na superfície, a respeito desta verdade sobre nós mesmos.
Algumas de suas frases lapidárias, contidas em outras cartas, mas pertencentes
a essa mesma ordem de ideias, têm o poder de derrubar nossos “pontos de apoio”
e fazer-nos aprofundar na descoberta da verdade.
Uma dessas frases diz: “O
que possuis que não tenhas recebido? E, se recebeste, por que haverias de te
ensoberbecer como se não o tivesses recebido?” (1Cor 4,7). Há somente uma coisa
que não recebi, que é totalmente e somente minha, e é o pecado. Isso eu sei e
sinto que vem de mim, que encontra a sua fonte em mim, ou, de qualquer maneira,
no homem e no mundo, não em Deus, enquanto todo o resto - incluindo o fato de
reconhecer que o pecado vem de mim - é de Deus. Outra frase diz: “Se alguém
pensa ser alguma coisa, não sendo nada, engana a si mesmo” (Gl 6,3).
A “justa avaliação” de si
mesmos é, portanto, essa: reconhecer o nosso nada! Este é aquele terreno
sólido, ao qual tende a humildade! A pérola preciosa é precisamente a sincera e
pacífica persuasão de que, por nós mesmos, não somos nada, não podemos pensar
nada, não podemos fazer nada. Sem mim, nada podeis “fazer”, diz Jesus (Jo 15,5)
e o Apóstolo acrescenta: “Não que por nós mesmos sejamos capazes de pensar algo...”
(2Cor 3,5). Nós podemos, ocasionalmente, usar uma ou outra dessas palavras para
cortar uma tentação, um pensamento, uma complacência, como uma verdadeira
“espada do Espírito”: “Que possuis que não tenhas recebido?”. A eficácia da
palavra de Deus se experimenta sobretudo neste caso: quando se usa sobre si
mesmo, mais do que quando se usa nos outros.
Deste modo, estamos
começando a descobrir a verdadeira natureza do nosso nada, que não é um nada
puro e simples, uma “ninharia inocente”. Vislumbramos o objetivo final ao qual
a palavra de Deus nos quer conduzir, que é de reconhecer o que verdadeiramente
somos: um nada soberbo! Eu sou aquele alguém que “acredita que
é algo”, enquanto sou nada; eu sou aquele que não tem nada que não tenha
recebido, mas que sempre se vangloria – ou é tentado a fazê-lo – por algo, como
se não o tivesse recebido!
Esta não é uma situação de
alguns, mas uma miséria de todos. É a própria definição do homem velho: um nada
que acredita ser algo, um nada soberbo. O próprio Apóstolo confessa o que
descobria, quando ele mesmo descia ao fundo de seu coração: “Descubro em mim
mesmo – dizia – uma outra lei..., descubro que o pecado habita em mim ... Sou
um miserável! Quem me livrará?” (cf. Rm 7,14-25). Aquela “outra lei”, o “pecado
que habita em nós” é, para São Paulo, como sabemos, antes de mais nada, a
autoglorificação, o orgulho, o vangloriar-se de si mesmo.
Ao final da nossa jornada de
descida, portanto, não descobrimos a humildade em nós, mas a soberba. Mas,
precisamente esse descobrir que somos radicalmente soberbos e que o somos por
nossa culpa, não de Deus, porque nos tornamos assim ao fazer mau uso da nossa
liberdade, precisamente isso é a humildade, porque isso é a verdade. Ter
descoberto esse horizonte, ou somente tê-lo vislumbrado de longe, através da
palavra de Deus, é uma graça grande. Dá uma paz nova. Como quem, em tempo de
guerra, descobriu que possui em sua própria casa, sem sequer ter de sair, um
refúgio seguro contra os bombardeios, absolutamente inatingível.
Uma grande mestra espiritual
– Santa Ângela de Foligno –, perto da morte, exclamou: “Oh, nada desconhecido,
oh nada desconhecido! A alma não pode ter uma visão melhor neste mundo do que
contemplar seu próprio nada e viver nele como em uma cela de prisão”. A própria
Santa exortava os seus filhos espirituais a fazer o possível para retornarem
àquela cela, imediatamente depois de terem saído, por qualquer motivo. Devemos
fazer como certos animais cautelosos que não se distanciam de suas tocas, para
poderem entrar rápido, no primeiro sinal de perigo.
Há um grande segredo
escondido neste conselho, uma verdade misteriosa que se conhece experimentando.
Descobre-se, então, que existe realmente esta cela e que é possível entrar
realmente toda vez que se queira. Ela consiste na sensação tranquila e de
quietude de ser um nada, e um nada soberbo. Quando se está dentro da cela desta
prisão, não se veem mais os defeitos do próximo, ou são vistos com um outro
prisma. Compreende-se que é possível, com a graça e com o exercício, realizar o
que diz o Apóstolo e que parece, a primeira vista, excessivo, ou seja,
“considerar todos os demais superiores a si mesmo” (cf. Fl 2,3) ou pelo menos
entende-se como é que isso foi possível aos santos.
Certamente, fechar-se
naquela prisão não é fechar-se sobre si mesmos; é, em vez disso, abrir-se aos
outros, ao ser, à objetividade das coisas. O oposto do que os inimigos da
humildade cristã sempre pensaram. É fechar-se ao egoísmo,
não no egoísmo. É a vitória sobre um dos males que também a
moderna psicologia julga ser fatal para a pessoa humana: o narcisismo.
Naquela cela, além disso,
não penetra o inimigo. Um dia, Antonio o Grande teve uma visão; viu, num
instante, todos os laços infinitos do inimigo espalhados pela terra e disse
gemendo: “Quem poderá, então, evitar todos esses laços?” e ouviu uma voz lhe
responder: “A humildade!” [2].
O Evangelho nos apresenta um
modelo insuperável dessa humildade-verdade, e é Maria. Deus – canta Maria
no Magnificat – “olhou a humildade da sua serva” (Lc 1,48).
Mas o que a Virgem entende aqui por “humildade”? Não a virtude da
humildade, mas a sua condição humilde ou, no máximo, a sua
pertença à categoria dos humildes e dos pobres mencionados na continuação do
cântico. Isto é confirmado pela referência explícita ao cântico de Anna, a mãe
de Samuel, onde a mesma palavra usada por Maria (tapeinosis) significa
claramente miséria, esterilidade, condição humilde, não sentimento de
humildade.
Mas a coisa é clara em si
mesma. Como podemos pensar que Maria exalta a sua humildade, sem, por esse fato,
destruir a humildade de Maria? Como podemos pensar que Maria atribua à sua
humildade a escolha de Deus, sem, com isso, destruir a gratuidade desta escolha
e tornar a vida inteira de Maria incompreensível a partir de sua imaculada
conceição? Para sublinhar a importância da humildade, alguém escreveu com
cautela que Maria “não se vangloria de nenhuma outra virtude a não ser de sua
humildade”, como se, dessa forma, se fizesse uma grande honra, e não, pelo
contrário, um grande erro, a essa virtude. A virtude da humildade tem um status
muito especial: tem-na aquele que pensa não tê-la, não a tem aquele que pensa
tê-la. Somente Jesus pode declarar-se “humilde de coração” e verdadeiramente
sê-lo; esta é a característica única e irrepetível da humildade do homem-deus.
Maria, portanto, não tinha
a virtude da humildade? Claro que a tinha e em grau supremo,
mas isso só Deus sabia, ela não. Precisamente isso, de fato, constitui o
mérito incomparável da verdadeira humildade: que o seu perfume é sentido apenas
por Deus, e não por aquele que o emana. A alma de Maria, livre de toda real e
pecaminosa luxúria, diante da situação nova criada pela sua maternidade divina,
foi levada, com toda rapidez e naturalidade, ao seu ponto de verdade – ao seu
nada – e de lá nada nem ninguém pode mais movê-la.
Nisto, a humildade da Mãe de
Deus mostra-se um prodígio único da graça. Ela arrancou de Lutero esse elogio:
“Embora Maria tenha recebido em si aquela grande obra de Deus, teve e manteve
um tal sentimento de si a ponto de não elevar-se acima do menor homem da terra
[...]. Aqui se celebra o espírito de Maria maravilhosamente puro, que, enquanto
se lhe faz uma tamanha honra, não se deixa levar pela tentação, mas como se
nada visse, permanece no caminho certo” [3].
A sobriedade de Maria está
acima de qualquer comparação, mesmo entre os santos. Ela levantou a tremenda
tensão desse pensamento: “Tu es a mãe do Messias, a mãe de Deus! Tu es aquilo
que toda mulher do teu povo teria gostado de ser!”. “A que devo a mãe do meu
Senhor vir a mim?”, exclamava Isabel, e ela responde: “Ele olhou para a
pequenez de sua serva!”. Ela aprofundou em seu nada e “elevou” somente Deus,
dizendo: “Minha alma engradece o Senhor”. O Senhor, não a serva. Maria é
verdadeiramente a obra-prima da graça divina.
3. Humildade e
humilhação
Não devemos nos iludir de
ter alcançado a humildade apenas porque a Palavra de Deus e o exemplo de Maria
nos levou a descobrir o nosso nada. Podemos ver em que ponto estamos na
humildade, quando a iniciativa passa de nós para os demais, ou seja, quando não
somos mais nós a reconhecer os nossos defeitos e erros, mas são os demais que o
fazem; quando não somos somente capazes de dizer-nos a verdade, mas também de
deixar que no-la digam, de bom grado, os demais. Se vê, em outras palavras, nas
reprovações, nas correções, nas críticas e nas humilhações. “Muitas vezes é
muito útil preservar-nos na humildade - diz o autor da Imitação de Cristo - que
outros conheçam e repreendam os nossos defeitos” [4].
Pretender matar o próprio
orgulho atacando-o sozinho, sem que ninguém intervenha de fora, é como usar o
próprio braço para castigar-se: nunca se machucará realmente. É como querer
tirar um tumor sozinho. Existem pessoas (e eu certamente estou entre elas) que
são capazes de dizer de si – e também sinceramente – todo o mal possível e
imaginável; pessoas que, durante uma liturgia penitencial, fazem auto-acusações
com uma franqueza e coragem admiráveis, mas assim que alguém ao seu redor
apenas sugere levar suas confissões a sério, ou ousa acrescentar algo, saem
faíscas. Evidentemente, ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar a
verdadeira humildade e a humilde verdade.
Quando tento receber a
glória de um homem por algo que digo ou faço, é quase certo que aquele mesmo
homem procura receber glória de mim pelo que ele diz ou faz em resposta. E
assim acontece que cada um busca a própria glória e ninguém a obtém e se, por
acaso, a obtém, não passa de “vanglória”, ou seja, glória vazia, destinada a
dissolver-se em fumaça com a morte. Mas o efeito é igualmente terrível; Jesus
atribuía à busca da própria glória, inclusive, a impossibilidade de crer. Dizia
aos fariseus: “Como podeis crer, vós que recebeis glória uns dos outros, mas
não procurais a glória que vem do Deus único?” (Jo 5,44).
Quando nos encontremos
envolvidos em ideias e aspirações de glória humana, joguemos na mistura desses
pensamentos, como uma tocha acesa, a palavra que o próprio Jesus usou e que nos
deixou: “Não procuro a minha glória” (Jo 8,50). Ela tem o poder quase
sacramental de realizar o que significa, de dissipar tais pensamentos.
A humildade é uma luta que
dura toda a vida e se estende a todos os aspectos da vida. O orgulho é capaz de
alimentar-se tanto do mal quanto do bem e de sobreviver, portanto, em todas as
situações e em todos os “climas”. Na verdade, ao contrário do que acontece em
todos os outros vícios, o bem, e não o mal, é o terreno de cultivo preferido
para este terrível “vírus”.
“A vaidade tem raízes tão
profundas no coração do homem que um soldado, um servo de milícias, um
cozinheiro, um porteiro, se orgulha e pretende ter os seus admiradores e os
próprios filósofos querem isso. E aqueles que escrevem contra a vanglória
aspiram ao júbilo de ter escrito bem, e aqueles que os leem se vangloriam de
tê-los lido; eu, que escrevo isso, talvez nutra o mesmo desejo e talvez até
aqueles que me leem” [5].
A vaidade é capaz de
transformar em ato de orgulho o nosso próprio desejo de tender à humildade. Mas
com a graça, nós podemos sair vencedores também desta terrível batalha. Se, de fato,
o seu homem velho consegue transformar em atos de orgulho o seus próprios atos
de humildade, com a graça, transforma em atos de humildade também os seus atos
de orgulho, reconhecendo-os. Reconhecendo, humildemente, que você é um nada
soberbo. Assim, Deus também é glorificado pelo nosso próprio orgulho.
Nesta batalha, Deus
geralmente vem em socorro dos seus, com um remédio eficaz e único. Escreve São
Paulo: “Já que essas revelações eram extraordinárias, para eu não me encher de
soberba, foi-me dado um aguilhão na carne – um anjo de Satanás para me espancar
– a fim de que não me encha de soberba” (2Cor 12,7).
Para que o homem “não se
encha de soberba”, Deus o fixa no chão com uma espécie de âncora; coloca “peso
em nossos rins” (cf. Sl 66,11). Nós não sabemos exatamente o que era esse
“espinho na carne” e este “enviado de Satanás” para Paulo, mas sabemos bem o
que é para nós! Cada um que quer seguir o Senhor e servir a Igreja o tem. São
situações humilhantes que nos recordam constantemente, às vezes de noite e de
dia, a dura realidade daquilo que somos. Pode ser um defeito, uma doença, uma
fraqueza, uma impotência, que o Senhor nos deixa, apesar de todas as súplicas.
Uma tentação persistente e humilhante, talvez apenas uma tentação de soberba!
Uma pessoa com quem alguém é forçado a viver e que, apesar da retidão de ambas
as partes, tem o poder de expor nossa fragilidade, de demolir a nossa
presunção.
Às vezes, trata-se de algo
ainda mais pesado: são situações em que o servo de Deus é forçado a assistir
impotente ao fracasso de todos os seus esforços e a coisas muito maiores do que
ele, que o fazem tocar com as mãos a sua impotência diante do poder do mal e
das trevas. É aqui especialmente que ele aprende o que quer dizer “humilhar-se
sob a potente mão de Deus” (ver 1Pd 5,6).
A humildade não é somente
importante para o progresso pessoal no caminho da santidade; também é essencial
para o bom funcionamento da vida comunitária, para a construção da Igreja. Eu
digo que a humildade é o isolante na vida da Igreja. O isolante é muito
importante e vital para o progresso no campo da eletricidade. Quanto maior a
tensão, quanto mais poderosa a corrente elétrica que passa por um fio, mais
resistente deve ser o isolamento que impede a corrente de descarregar no chão
ou de causar curto-circuitos. Ao progresso no campo da eletricidade deve
corresponder um progresso semelhante na técnica de isolamento. A humildade é,
na vida espiritual, o grande isolante que permite que a corrente divina da
graça passe através de uma pessoa sem dissipar-se, ou, pior, provocar chamas de
orgulho e de rivalidade.
Terminamos com as palavras
de um salmo que nos permite transformar em oração a exortação que o Apóstolo
nos dirigiu com seus ensinamentos sobre humildade
“Senhor, meu coração não se
enche de orgulho,
meu olhar não se levanta
arrogante.
Não procuro grandezas, nem
coisas superiores a mim.
Ao contrário, mantenho em
calma e sossego a minha alma,
tal como uma criança no seio
materno, assim está minha alma em mim mesmo (Sl 130).
[1] SantaTeresa d’Avila, Castello
Interiore, VI dim., cap. 10.
[2] Il libro della
B. Angela da Foligno, cit., p. 737.
[3] M. Lutero, Commento
al Magnificat, ed. Weimar 7, p. 555s.
[4] Imitazione di
Cristo, II, 2.
[5] B. Pascal, Pensieri,
n. 150 Br.
Fonte: Vatican News
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