Padre Raniero Cantalamessa, OFMCap
II pregação de Quaresma
02 de março de 2018
“Que vossa caridade não seja
fingida”
O amor cristão
1. Indo às fontes da santidade
cristã
Juntamente
com a chamada universal à santidade, o Concílio Vaticano II também deu indicações
precisas sobre o que se entende por santidade, no que consiste. Na Lumen Gentium se lê: “Jesus, mestre e
modelo divino de toda a perfeição, pregou a santidade de vida, de que Ele é
autor e consumador, a todos e a cada um dos seus discípulos, de qualquer
condição: «sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito» (Mt. 5,48). A
todos enviou o Espírito Santo, que os move interiormente a amarem a Deus com
todo o coração, com toda a alma, com todo o espírito e com todas as forças (cf.
Mc 12,30) e a amarem-se uns aos outros como Cristo os amou (cf. Jo 13,34;
15,12). Os seguidores de Cristo, chamados por Deus e justificados no Senhor
Jesus, não por merecimento próprio mas pela vontade e graça de Deus, são
feitos, pelo Batismo da fé, verdadeiramente filhos e participantes da natureza
divina e, por conseguinte, realmente santos. É necessário, portanto, que, com o
auxílio divino, conservem e aperfeiçoem, vivendo-a, esta santidade que
receberam” (LG 40).
Tudo
isso está resumido na fórmula: “a santidade é a união perfeita com Cristo” (LG,
50). Esta visão reflete a preocupação geral do Concílio de voltar às fontes
bíblicas e patrísticas, superando, também neste campo, a postura escolástica
dominante durante séculos. Agora é uma questão de tomar consciência dessa
renovada visão de santidade e fazê-la passar na prática da Igreja, isto é, na
pregação, na catequese, na formação espiritual dos candidatos ao sacerdócio e à
vida religiosa e - por que não? - também na visão teológica que inspira a
prática da Congregação dos Santos [1].
Uma
das principais diferenças entre a visão bíblica da santidade e a da escolástica
reside no fato de que as virtudes não se fundamentam tanto na "reta
razão" (a recta ratio
aristotélica), mas no querigma; ser santo não significa seguir a razão (muitas
vezes, é o contrário!), mas seguir a Cristo. A santidade cristã é
essencialmente cristológica: consiste na imitação de Cristo e, no seu cume -
como diz o Concílio - na “perfeita união com Cristo”.
A
síntese bíblica mais completa e mais compacta de uma santidade fundada no querigma
é aquela descrita por São Paulo na parte parenética da Carta aos Romanos
(capítulos 12-15). No início, o Apóstolo dá uma visão resumida do caminho de
santificação do crente, do seu conteúdo essencial e do seu propósito: “Eu vos
exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos
em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: é este o vosso culto espiritual.
Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso
espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o
que lhe agrada e o que é perfeito” (Rm 12,1-2).
Na
última pregação, nós meditamos estes versículos. Nas próximas meditações,
partindo do que se segue no texto paulino e completando-o com o que o Apóstolo
diz em outro lugar sobre o mesmo argumento, tentaremos destacar os traços
salientes da santidade, aqueles que hoje são chamados de “virtudes cristãs” e
que o Novo Testamento define como os “frutos do Espírito”, as “obras da luz”,
ou também “os sentimentos que estavam em Cristo Jesus” (Fl 2,5).
A
partir do capítulo 12 da Carta aos Romanos, todas as principais virtudes
cristãs, ou frutos do Espírito, estão listadas: o serviço, a caridade, a
humildade, a obediência, a pureza. Não como virtudes a serem cultivadas por si
mesmo, mas como necessárias consequências da obra de Cristo e do batismo. A
seção começa com uma conjunção que por si só vale um tratado: “Vos exorto,
portanto...”. Aquele "portanto" significa que tudo o que o Apóstolo
dirá desse momento em diante é a consequência do que escreveu nos capítulos
precedentes sobre a fé em Cristo e sobre a obra do Espírito. Refletiremos sobre
quatro destas virtudes: caridade, humildade, obediência e pureza, começando com
a primeira.
2. Um amor sincero
O
Ágape, ou caridade cristã, não é uma das virtudes, nem sequer a primeira; é a
forma de todas as virtudes, da qual “dependem todas as leis e os profetas” (Mt
22,40; Rm 13,10). Entre os frutos do Espírito que o Apóstolo lista em Gálatas
5, 22, em primeiro lugar, encontramos o amor: “O fruto do Espírito é amor,
alegria, paz...”. E é com isso que, de forma coerente, também começa a parênese
sobre as virtudes na Carta aos Romanos. Todo o capítulo doze é uma sucessão de
exortações à caridade: “Que vossa caridade não seja fingida [...]; amai-vos
mutuamente com afeição terna e fraternal. Adiantai-vos em honrar uns aos
outros...” (Rm 12, 9ss).
Para
entender a alma que unifica todas essas recomendações, a ideia básica, ou
melhor, o “sentimento” que Paulo tem da caridade deve começar daquela palavra
inicial: “Que vossa caridade não seja fingida!” Esta não é uma das muitas
exortações, mas a matriz a partir da qual derivam todas as demais. Contém o
segredo da caridade.
O
termo original usado por São Paulo e que é traduzido como “sem fingimentos”, é anhypòkritos, isto é, sem hipocrisia.
Esta palavra é uma espécie de lâmpada-piloto; na verdade, é um termo raro que
encontramos empregado, no Novo Testamento, quase que exclusivamente para
definir o amor cristão. A expressão “amor sincero” (anhypòkritos) retorna novamente em 2Cor 6,6 e 1Pd 1,22. Este último
texto permite compreender, com toda a certeza, o significado do termo em
questão, porque o explica com uma perífrase; o amor sincero – diz – consiste em
amar-se intensamente “com coração verdadeiro”.
São
Paulo, então, com aquela simples afirmação: “a caridade seja sem fingimento!”,
leva o discurso à própria raiz da caridade, ao coração. O que se requer do amor
é que seja verdadeiro, autêntico, não fingido. Também nisso o Apóstolo é o eco
fiel do pensamento de Jesus; ele, de fato, havia indicado, repetidamente e com força,
o coração, como o “lugar” no qual se decide o valor do que o homem faz (Mt
15,19).
Podemos
falar de uma intuição paulina em relação à caridade; consiste em revelar, por
trás do universo visível e externo da caridade, feito de obras e de palavras,
outro universo todo interior, que é, em relação ao primeiro, o que é a alma
para o corpo. Reencontramos essa intuição no outro grande texto sobre a
caridade, que é 1Cor 13. O que São Paulo diz ali, observando bem, se refere
inteiramente a esta caridade interior, às disposições e sentimentos de
caridade: a caridade é paciente, é benigna, não é invejosa, não se irrita, tudo
desculpa, tudo crê, tudo espera... Nada que diga respeito, por si e
diretamente, ao fazer o bem, ou as obras de caridade, mas tudo é reconduzido à
raiz do querer bem. A benevolência vem antes da beneficência.
É
o próprio Apóstolo que faz explícita a diferença entre as duas esferas da
caridade, dizendo que o maior ato de caridade externa (distribuir aos pobres
todas as próprias coisas) não beneficiaria em nada, sem a caridade interior
(cf. 1Cor 13,3). Seria o oposto da caridade “sincera”. A caridade hipócrita, de
fato, é precisamente aquela que faz o bem, sem querer bem, que mostra
externamente uma coisa que não encontra uma correspondência no coração. Neste
caso, há uma aparência de caridade, que pode, no máximo, esconder egoísmo, a
busca de si mesmo, instrumentalização do irmão, ou também simplesmente o
remorso de consciência.
Seria
um erro fatal contrapor a caridade do coração à caridade dos fatos, ou se
refugiar na caridade interior, para encontrar nela uma espécie de álibi perante
a falta de caridade fatual. Sabemos com que vigor a palavra de Jesus (Mt 25),
de São Tiago (2,16s) e de São João (1Jo 3,18) encorajam à caridade dos fatos.
Sabemos a importância que São Paulo mesmo deu às coletas a favor dos pobres de
Jerusalém.
Além
disso, dizer que, sem a caridade, "não ganho nada” inclusive dando tudo aos
pobres, não significa dizer que tal atitude não sirva para ninguém e que seja
inútil; significa, pelo contrário, dizer que não serve “para mim”, enquanto que
pode servir para o pobre que a recebe. Não se trata, portanto, de atenuar a
importância das obras de caridade, mas de garantir-lhes um fundamento seguro
contra o egoísmo e os seus infinitos truques. São Paulo quer que os cristãos
estejam “enraizados e fundamentados na caridade” (Ef 3,17), ou seja, que a
caridade seja a raiz e o fundamento de tudo.
Quando
amamos “de coração”, é o próprio amor de Deus “derramado em nossos corações
pelo Espírito Santo” (Rm 5,5) que passa por nós. A ação humana é verdadeiramente
deificada. Tornar-se “participantes da natureza divina” (2Pd 1,4) significa, de
fato, tornar-se participantes da ação divina, da ação divina de amar, dado que
Deus é amor!
Nós
amamos os homens não só porque Deus os ama, ou porque Ele quer que os amemos,
mas porque, ao nos dar o seu Espírito, Ele colocou em nossos corações seu
próprio amor por eles. Isso explica por que o apóstolo afirma imediatamente
depois: “A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, a não ser o amor recíproco;
porque aquele que ama o seu próximo cumpriu toda a lei” (Rm 13,8).
Por
que, nos perguntamos, uma “dívida”? Porque recebemos uma medida infinita de
amor para ser distribuído, a seu tempo, entre os irmãos (cf Lc 12,42, Mt 24,45s).
Se não o fizermos, retiramos do irmão algo que lhe é devido. O irmão que
aparece à sua porta, talvez peça algo que você não lhe pode dar; mas se você não
pode dar-lhe o que ele pede, preste atenção para não manda-lo embora sem aquilo
que lhe é devido, ou seja, o amor.
3. Caridade com os de fora
Depois
de nos ter explicado o que é a verdadeira caridade cristã, o Apóstolo, na
sequência da sua parênese, mostra como esse “amor sincero” deve ser traduzido
em ação nas situações de vida da comunidade. O Apóstolo destaca duas situações:
a primeira diz respeito às relações ad
extra da comunidade, ou seja, com os de fora; a segunda, as relações ad intra, entre os membros da própria
comunidade. Vamos ouvir algumas das suas recomendações referentes à primeira
relação, aquela com o mundo exterior: “Abençoai os que vos perseguem;
abençoai-os, e não os praguejeis [...] Aplicai-vos a fazer o bem diante de
todos os homens. Se for possível, quanto depender de vós, vivei em paz com
todos os homens. Não vos vingueis uns aos outros, caríssimos, mas deixai agir a
ira de Deus [...] Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede,
dá-lhe de beber [...]Não te deixes vencer pelo mal, mas triunfa do mal com o
bem” (Rm 12,17-21).
Nunca
antes, como neste ponto, a moral do evangelho parece original e diferente de
qualquer outro modelo ético, e nunca a parênese apostólica parece mais fiel e
em continuidade com a do Evangelho. O que torna tudo isso particularmente atual
para nós é a situação e o contexto em que esta exortação é dirigida aos que
creem. A comunidade cristã de Roma é um corpo estranho em um organismo que - na
medida em que toma consciência de sua presença - rejeita-o. É uma pequena ilha
no mar hostil da sociedade pagã. Em circunstâncias como esta, sabemos quão
forte é a tentação de se fechar, desenvolvendo o sentimento elitista e sombrio
de uma minoria de salvos em um mundo de perdidos. Com este sentimento vivia, naquele
mesmo momento histórico, a comunidade essênia de Qumran.
A
situação da comunidade de Roma descrita por Paulo representa, em miniatura, a
situação atual de toda a Igreja. Não falo das perseguições e do martírio ao
qual nossos irmãos de fé são expostos em muitas partes do mundo; falo da
hostilidade, da recusa e muitas vezes do profundo desprezo com que não só os
cristãos, mas todos os crentes em Deus são vistos em vastos estratos da
sociedade, geralmente os mais influentes e que determinam o sentimento comum.
Eles são considerados precisamente como corpos estranhos em uma sociedade
evoluída e emancipada.
A
exortação de Paulo não nos permite perder um único momento em recriminações
acrimoniosas e em polêmicas estéreis. Naturalmente, não se exclui o fato de dar
razão da esperança que está em nós “com gentileza e respeito”, como recomendava
São Pedro (1Pd 3,15-16). É uma questão de entender qual atitude do coração deve
ser cultivada com relação a uma humanidade que, como um todo, rejeita Cristo e
vive nas trevas e não na luz (cf. Jo 3,19). Tal atitude é aquela de uma
profunda compaixão e tristeza espiritual, de amá-los e sofrer por eles;
carregar seus fardos perante Deus, como Jesus carregou nossos fardos perante o
Pai, e não deixar de parar de chorar e orar pelo mundo. Este é um dos mais
belos traços da santidade de alguns monges ortodoxos. Penso em São Silvano do
Monte Athos. Ele dizia: “Há homens que desejam a seus inimigos e aos inimigos
da Igreja a ruína e os tormentos do fogo da condenação. Eles pensam assim
porque não foram instruídos pelo Espírito Santo no amor de Deus. Aquele que,
pelo contrário, realmente aprendeu derrama lágrimas por todo o mundo. Você diz:
‘É mau e deve queimar no fogo do inferno’. Mas, eu lhe pergunto: ‘Se Deus desse
a você um lindo lugar no paraíso e de lá você visse queimar nas chamas aquele
que você desejou tal fim, possivelmente, nem então, você sentiria compaixão por
ele, quem quer que ele tivesse sido, mesmo se inimigo da Igreja” [2].
Na
época deste santo monge, os inimigos eram principalmente os bolcheviques que
perseguiam a Igreja da sua amada pátria, a Rússia. Hoje, a frente alargou-se e
não existe “cortina de ferro” a esse respeito. Na medida em que um cristão
descobre a infinita beleza, o amor e a humildade de Cristo, não pode deixar de
sentir uma profunda compaixão e sofrimento por aqueles que voluntariamente se
privam do maior bem da vida. O amor torna-se mais forte nele do que qualquer
ressentimento. Em uma situação semelhante, Paulo diz que está disposto a ser
ele mesmo “anátema, separado de Cristo”, se isso pudesse servir para ser aceito
por aqueles do seu povo que permaneceram fora (Rm 9,3).
4. A caridade ad intra
O
segundo grande campo de exercício da caridade é, se dizia, as relações dentro
da comunidade. Na prática: como gerenciar os conflitos de opiniões que emergem
entre seus vários componentes. Sobre este tema, o Apóstolo dedica todo o
capítulo 14 da Carta.
O
conflito que ocorria então na comunidade romana era entre aqueles que o
Apóstolo chama de “os fracos” e aqueles que chama de “os fortes”, entre os
quais ele se coloca (“Nós, que somos os fortes ...”) (Rm 15,1). Os primeiros
eram aqueles que se sentiam moralmente obrigados a observar determinadas
prescrições herdadas da lei ou de crenças pagãs anteriores, como não comer
carne (com suspeita de que tinha sido sacrificada aos ídolos) e o distinguir os
dias em felizes e infelizes. Os segundos, os fortes, eram aqueles que, em nome
da liberdade cristã, tinham superado estes tabus e não distinguiam comida de
comida ou dia de dia. A conclusão do discurso (cf. Rm 15,7-12) deixa claro que,
no fundo, há o usual problema da relação entre os crentes provenientes do
judaísmo e os crentes provenientes dos gentios.
As
exigências da caridade que o Apóstolo inculca neste caso nos interessam no mais
alto grau porque são as mesmas que se impõem em cada tipo de conflito
intereclesial, inclusive aqueles que vivemos hoje, tanto a nível de Igreja
universal quanto na comunidade em que cada um mora.
Os
critérios que o Apóstolo sugere são três. O primeiro é seguir a própria
consciência. Se alguém está convencido de cometer pecado fazendo certa coisa,
não deve fazê-la. “Tudo isso, de fato, que não vem da consciência - escreve o
Apóstolo - é pecado” (Rm 14,23). O segundo critério é respeitar a consciência
dos outros e abster-se de julgar o irmão: “Por que julgas, então, o teu irmão?
Ou por que desprezas o teu irmão? [...]"Deixemos, pois, de nos julgar uns
aos outros; antes, cuidai em não pôr um tropeço diante do vosso irmão ou dar-lhe
ocasião de queda." (Rm 14,10.13).
O
terceiro critério diz respeito principalmente aos “fortes” e é de evitar o
escândalo: “Sei, estou convencido no Senhor Jesus de que nenhuma coisa é impura
em si mesma; somente o é para quem a considera impura. Ora, se por uma questão
de comida entristeces o teu irmão, já não vives segundo a caridade. Pela comida
não causes a perdição daquele por quem Cristo morreu! [...] Portanto,
apliquemo-nos ao que contribui para a paz e para a mútua edificação” (Rm
14,14-19).
Todos
esses critérios são, no entanto, particulares e relativos, em comparação com
outro que, pelo contrário, é universal e absoluto, o do senhorio de Cristo. Ouçamos
como o Apóstolo o formula: “Quem distingue o dia, age assim pelo Senhor. Quem
come de tudo, o faz pelo Senhor, porque dá graças a Deus. E quem não come,
abstém-se pelo Senhor, e igualmente dá graças a Deus. Nenhum de nós vive para
si, e ninguém morre para si. Se vivemos, vivemos para o Senhor; se morremos,
morremos para o Senhor. Quer vivamos quer morramos, pertencemos ao Senhor. Para
isso é que morreu Cristo e retomou a vida, para ser o Senhor tanto dos mortos
como dos vivos” (Rm 14,6-9).
Cada
um é convidado a examinar-se a si mesmo para ver o que há no fundo da própria
escolha: se há o senhorio de Cristo, a sua glória, o seu interesse, ou não,
pelo contrário, mais ou menos dissimuladamente, a própria afirmação, o próprio
“eu” e o próprio poder; se a sua escolha é de natureza verdadeiramente
espiritual e evangélica, ou se não depende pelo contrário da própria inclinação
psicológica, ou, pior, da própria opção política. Isso vale em um e no outro
sentido, ou seja, tanto para os assim chamados fortes quanto para os assim
chamados fracos; tanto, diremos nós hoje, para aqueles que estão do lado da
liberdade e da novidade do Espírito, quanto para aqueles que estão do lado da
continuidade e da tradição.
Há
uma coisa que deve ser levada em consideração para não ver, na atitude de Paulo
sobre esse assunto, uma certa inconsistência em relação ao seu ensino anterior.
Na Carta aos Gálatas, ele parece muito menos disposto ao compromisso e
negociações, por vezes, encolerizado. (Se ele tivesse que se submeter ao
processo de canonização hoje, Paulo, dificilmente, se tornaria santo: teria
sido difícil demonstrar a "heroicidade" de sua paciência! Ele às
vezes "explode", mas podia dizer: "Não sou mais eu quem vivo,
Cristo vive em mim "(Gl 2,20), e essa, nós vimos, é a essência da
santidade cristã).
Na
Carta aos Gálatas, Paulo censura Pedro pelo que ele parece recomendar a todos,
ou seja, abster-se de mostrar sua convicção para não escandalizar os simples.
Na verdade, em Antioquia, Pedro estava convencido de que comer com os gentios
não contaminasse um judeu (já havia estado na casa de Cornélio!), mas se abstém
de fazê-lo para não causar escândalo aos judeus presentes (cf. Gl 2,11-14). O
próprio Paulo, em outras circunstâncias, agirá da mesma maneira (veja At 16,3;
1Cor 8,13).
A
explicação não está naturalmente apenas no temperamento de Paulo. Em primeiro
lugar, o que estava em jogo em Antioquia era muito mais claramente ligado à fé
e à liberdade do Evangelho do que parecia ser em Roma. Em segundo lugar - e
este é o principal motivo - para os Gálatas Paulo fala como fundador da Igreja,
com a autoridade e a responsabilidade do pastor; para os Romanos, fala como
mestre e irmão na fé: para contribuir, diz ele, à edificação comum (ver Rm 1,11-12).
Há uma diferença entre o papel do pastor ao qual é devida a obediência e o do
mestre ao qual somente se deve respeito e escuta. Isso nos faz entender que aos
critérios de discernimento mencionados deve-se acrescentar outro, do qual não
se demorará para se tomar consciência com o desenvolvimento da comunidade
cristã, ou seja, o critério da autoridade e da obediência.
Enquanto
isso, ouçamos como dirigida à Igreja de hoje a exortação conclusiva que o
Apóstolo dirigia à comunidade de então: "Por isso, acolhei-vos uns aos
outros, como Cristo nos acolheu para a glória de Deus." (Rm 15,7).
[1]
Cf. Le cause dei santi. Sussidio per lo Studium, a cura della Congregazione
delle Cause dei Santi, Libreria Editrice Vaticana, 3ª ed., 2014, pp. 13-81.
[2]
Archimandrita Sofronio, Silvano del Monte Athos. La vita, la dottrina, gli
scritti, Torino, 1978, pp. 255s.
Fonte: Vatican News
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