terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Os Jubileus na História da Igreja

“Eu sou o Alfa e o Ômega, diz o Senhor, Aquele que é, que era e que vem” (Ap 1,9).

Na tradição cristã, o Jubileu é um Ano Santo, um tempo especial de graça que se celebra, ordinariamente, a cada 25 anos.

O Papa Bonifácio VIII convoca o  Jubileu de 1300
(Afresco de Giotto na Basílica do Latrão)

Origens do Jubileu

Dado o rico simbolismo bíblico do número “sete”, no Antigo Testamento se celebrava a cada sete anos um “ano sabático”. Após sete anos sabáticos, por sua vez - isto é, a cada 50 anos -, se celebrava um ano jubilar, como indica o Livro do Levítico (Lv 25,8-17.23-34): “Declarareis santo o quinquagésimo ano e, pela terra, proclamareis a remissão a todos os seus habitantes. Será para vós um jubileu” (v. 10).

O termo “jubileu” vem da palavra hebraica yobel ou yovel, que se refere ao chifre de carneiro (ou outro animal) que era utilizado como instrumento de sopro e entoado no Yom Kippur, o “Dia da Expiação” (Lv 25,9). Posteriormente esse termo foi associado à palavra latina jubilum, júbilo, alegria.

De acordo com as prescrições do Levítico, durante o ano jubilar as terras de cultivo deveriam descansar, as terras arrendadas deveriam voltar ao seu dono e os escravos deveriam ser libertados. Nesse sentido, o Livro de Ezequiel se refere ao jubileu como “ano da remissão” (Ez 46,17).

O Livro de Isaías, por sua vez, anuncia um profeta que viria para “proclamar um ano da graça do Senhor” (Is 61,1-3). Jesus, no início do seu ministério, leu esse texto na sinagoga de Nazaré, anunciando que n’Ele se cumpria essa profecia (Lc 4,16-21).

1300: Bonifácio VIII

Na tradição cristã, o primeiro Jubileu seria convocado em 1300 pelo Papa Bonifácio VIII (†1303) através da Bula Antiquorum habet fida relatio. A iniciativa teria surgido entre os próprios fiéis, que desejavam celebrar solenemente a passagem do século.

Bula Antiquorum habet

Nesse ano o Papa concedeu um indulgência especial aos fiéis que visitassem as Basílicas de São Pedro no Vaticano e São Paulo fora-dos-muros, que guardam os túmulos dos Apóstolos.


Aqui já começam a delinear-se os elementos centrais do Jubileu, como a peregrinação e a indulgência. Esta última trata-se de uma graça especial concedida àqueles que, arrependidos dos seus pecados e absolvidos no Sacramento da Confissão (Reconciliação), realizam uma obra de piedade (cf. Catecismo da Igreja Católica, nn. 1471-1479).

Outro dos elementos do Jubileu é própria bula (do latim bulla, selo), documento através do qual o Papa convoca o Ano Santo e estabelece orientações para sua celebração.

Bonifácio VIII

1350: Clemente VI

A princípio o Jubileu seria celebrado a cada cem anos. Porém, em 1342 os fiéis romanos pediram ao Papa Clemente VI (†1352), que o Jubileu pudesse ser celebrado a cada 50 anos, respeitando a tradição judaica.

Assim, foi convocado o Jubileu de 1350 com a Bula Unigenitus Dei Filius, acrescentando a peregrinação à Basílica do Latrão, a Catedral de Roma. Contudo, o Papa não participou das celebrações, uma vez que na época se encontrava em Avignon (França).

Clemente VI

1390: Urbano VI e Bonifácio IX

Através da Bula Salvator noster Unigenitus, o Papa Urbano VI (†1389) convocou um novo Jubileu para 1390, propondo que a partir de então fosse celebrado a cada 33 anos, em alusão ao número tradicional dos anos da vida de Cristo.

Com a morte de Urbano VI, o Jubileu foi celebrado por seu sucessor, Bonifácio IX (†1404), sendo acrescentada a peregrinação à Basílica de Santa Maria Maior, completando assim o grupo das quatro Basílicas Maiores.

Urbano VI


Um grupo numeroso de fiéis desejava celebrar a passagem do século com peregrinações a Roma. Assim, embora não tenha convocado formalmente o Jubileu, o Papa Bonifácio IX concedeu a indulgência aos peregrinos.

A partir desse ano começa a se pensar a acolhida dos peregrinos das várias nações, com a construção de hospitais (que na época serviam tanto para a hospedagem quanto para o cuidado dos enfermos) e mesmo cemitérios.

Bonifácio IX

1423: Martinho V

Em 1423 o Papa Martinho V (†1431) retomou o intervalo dos 33 anos proposto por Urbano VI e concedeu a indulgência aos peregrinos, embora sem a Bula de convocação do Jubileu.

Nesse teria sido aberta pela primeira vez uma Porta Santa na Basílica do Latrão. As Portas Santas, com efeito, presentes nas quatro Basílicas Maiores, são um dos grandes símbolos do Jubileu, sendo abertas apenas durante os Anos Santos, indicando que esses são tempos especiais de graça e de perdão.

Martinho V

1450: Nicolau V

Em 1450 o Papa Nicolau V (†1455) resgatou o intervalo de 50 anos, convocando o Jubileu com a Bula Immensa et innumerabilia.

O Papa visitou várias vezes as Basílicas e determinou que fossem expostas aos fiéis as relíquias dos santos, para favorecer sua piedade. Dentre os peregrinos estavam também vários futuros santos, de modo que esse foi chamado “o Jubileu dos Santos”.

Nicolau V também deu início à tradição de celebrar importantes canonizações durante o Jubileu, canonizando São Bernardino de Sena (†1444), promotor da devoção ao Santíssimo Nome de Jesus.

Nicolau V

1475: Paulo II e Sisto IV

Em 1470 o Papa Paulo II (†1471) publicou a Bula Ineffabilis Providentia, convocando o Jubileu de 1475 e estabelecendo a partir de então esse fosse celebrado a cada 25 anos, reduzindo pela metade o intervalo para favorecer a participação dos fiéis.

Paulo II

Após a morte de Paulo II, Sisto IV (†1484) confirmou a decisão com a Bula Salvator noster Dei Filius e celebrou o Jubileu de 1475, durante o qual empenhou-se em restaurar várias igrejas e monumentos de Roma.

Sisto IV

1500: Alexandre VI

O Jubileu de 1500 foi convocado pelo Papa Alexandre VI (†1503) com a Bula Inter multiplices. O Pontífice promulgou ainda outros documentos sobre a preparação e a celebração do Jubileu, que marcou a passagem de mais um século.

O Cerimoniário do Papa, Monsenhor Johannes Burckardt (Giovanni Burcardo) preparou para a ocasião os ritos de abertura e encerramento do Jubileu. Na Noite de Natal o Papa derrubou o muro que fechava a Porta Santa da Basílica de São Pedro, e Cardeais Legados fizeram o mesmo nas outras três Basílicas.

No Natal do ano seguinte o Papa deu início à construção do muro que fecha a Porta Santa da Basílica Vaticana fora dos Jubileus, rito repetido pelos Cardeais Legados nas outras Basílicas.

Para saber mais, confira nossas postagens sobre o rito da abertura e sobre o rito do fechamento da Porta Santa no Grande Jubileu do ano 2000.

Alexandre VI

1525: Clemente VII

O Jubileu de 1525 foi celebrado pelo Papa Clemente VII (†1534), convocado pela Bula Inter sollecitudines.

Clemente VII

1550: Júlio III

Poucos dias após sua eleição em fevereiro de 1550, o Papa Júlio III (†1555) convocou o Jubileu com a Bula Si pastores ovium e logo em seguida abriu a Porta Santa.

Júlio III

1575: Gregório XIII

Convocado pela Bula Dominus ac Redemptor noster, o Jubileu de 1775 foi celebrado pelo Papa Gregório XIII (†1585).

Destaca-se a atuação de São Filipe Néri (†1595), presbítero romano que fundou a Confraria da Santíssima Trindade dos Peregrinos (Confraternità della Santissima Trinità dei Pellegrini), que se dedicava ao cuidado dos peregrinos independentemente da sua nacionalidade.

São Filipe Néri também estabeleceu o itinerário da “peregrinação às sete igrejas” (Giro delle Sette Chiese): as quatro Basílicas Maiores, Santa Cruz “em Jerusalém”, São Lourenço fora-dos-muros e São Sebastião fora-dos-muros.

Para saber mais, confira nossa postagem sobre os sete salmos penitenciais, associados às sete igrejas.

Gregório XIII


O Jubileu de 1600 foi convocado com a Bula Annus Domini placabilis e celebrado pelo Papa Clemente VIII (†1605), que se empenhou pessoalmente na acolhida aos peregrinos e no cuidado aos pobres.

Clemente VIII

1625: Urbano VIII

Com a Bula Omnes gentes o Papa Urbano VIII (†1644) convocou o Jubileu de 1625. Nesse ano, através da Bula Pontifica Sollicitudo, pela primeira vez a indulgência jubilar é concedida aos que não podiam ir a Roma: doentes, eremitas, presos...

Urbano VIII

1650: Inocêncio X

O Papa Inocêncio X (†1655) convocou o Jubileu de 1650 com a Bula Appropinquat dilectissimi Filii. Nesse ano a indulgência jubilar foi estendida também a alguns territórios de missão.

Inocêncio X

1675: Clemente X

Durante o Jubileu de 1675, convocado pelo Papa Clemente X (†1676) com a Bula Ad Apostolicae vocis oraculum, o Coliseu romano é proposto como lugar sagrado em memória dos mártires cristãos.

Para saber mais, confira nossa postagem sobre a história da Via Sacra presidida pelo Papa no Coliseu.

Clemente X

1700: Inocêncio XII e Clemente XI

O Papa Inocêncio XII (†1700) convocou o Jubileu de 1700 com a Bula Regi saeculorum; sua saúde frágil, porém, não lhe permitiu abrir a Porta Santa, sendo substituído por um Cardeal Legado.

Inocêncio XII

Após a morte de Inocêncio XII em setembro de 1700, o Ano Santo foi concluído por seu sucessor, Clemente XI (†1721).

Clemente XI

1725: Bento XIII

Com a Bula Redemptor et Dominus noster, o Papa Bento XIII (†1730) convocou o Jubileu de 1725. Durante o Ano Santo o Papa celebrou também um Sínodo na Diocese de Roma.

Bento XIII

1750: Bento XIV

O Jubileu de 1750 foi convocado com a Bula Peregrinantes a Domino do Papa Bento XIV (†1758).

Destaca-se nesse ano a exortação à penitência e a pregação de São Leonardo de Porto Maurício (†1751), sacerdote franciscano e grande promotor da Via Sacra, cujas quatorze estações foram edificadas dentro do Coliseu.

Para saber mais, confira nossa postagem sobre a história e o significado da Via Sacra e sobre a Via Sacra presidida pelo Papa no Coliseu.
 
Bento XIV

1775: Clemente XIV e Pio VI

Outro “Jubileu de dois Papas”: Clemente XIV (†1774) convocou o Jubileu com a Bula Salutis nostrae auctor, mas veio a falecer pouco antes do seu início.

Clemente XIV

O Ano Santo então foi aberto pelo seu sucessor, o Papa Pio VI (†1799), poucos dias após sua eleição em fevereiro de 1775.

Pio VI

1825: Leão XII

O Jubileu de 1800 não pode ser celebrado, devido aos conflitos na Europa após a Revolução Francesa: a cidade de Roma estava ocupada por tropas francesas e o Papa Pio VI morrera no exílio. Seu sucessor, Pio VII (†1823), eleito em Veneza no início do ano, só pode retornar a Roma meses mais tarde.

O Jubileu de 1825, por sua vez, foi convocado pelo Papa Leão XII (†1829) com a Bula Quod hoc ineunte saeculo, embora tenha sido celebrado em um clima de tensão.

Leão XII

1875: Pio IX

Assim como em 1800, o Jubileu de 1850 não pode ser celebrado, pelos conflitos no contexto da Unificação Italiana e do fim dos Estados Pontifícios. O Papa Pio IX (†1878), com efeito, estava exilado em Gaeta.

Após retornar a Roma, Pio IX convocou o Jubileu de 1875 com a Bula Gravibus Ecclesiae. Contudo, uma vez que as tensões continuavam, não foram abertas as Portas Santas nem se realizaram grandes peregrinações.

Pio IX

1900: Leão XIII

Com a Bula Properante ad exitum saeculo o Papa Leão XIII (†1903) convocou o Jubileu de 1900. Para marcar a passagem do século, foram edificados monumentos em honra a Cristo em toda a Itália.

Leão XIII

1925: Pio XI

O Papa Pio XI (†1939) convocou o Jubileu de 1925 com a Bula Infinita Dei misericordia. Esse Ano Santo teve um caráter fortemente missionário, destacando-se também a instituição da Solenidade de Cristo Rei.

Pio XI abre a Porta Santa (1925)

1933: Pio XI

Em 1933 foi convocado um Jubileu Extraordinário, isto é, fora da contagem “ordinária” de 25 anos, em comemoração aos 1900 anos da Morte de Cristo (ocorrida por volta do ano 33).

Esse “Ano Santo da Redenção”, como indicado pelo Papa Pio XI na Bula Quod nuper, foi celebrado do Domingo de Ramos de 1933 até a Páscoa de 1934.

Pio XI

1950: Pio XII

O Jubileu Ordinário de 1950, convocado pelo Papa Pio XII (†1958) com a Bula Jubilaeum maximum, deu grande ênfase à paz, após a Segunda Guerra Mundial.

Destacaram-se também a proclamação do dogma da Assunção de Maria e a inauguração da nova Porta Santa da Basílica de São Pedro, realizada em bronze pelo escultor italiano Vico Consorti (†1979).

Pio XII abre a Porta Santa (1950)

Pio XII

1975: Paulo VI

Primeiro Ano Santo após o Concílio Vaticano II (1962-1965), o Jubileu de 1975 foi convocado pelo Papa São Paulo VI (†1978) com a Bula Apostolorum Limina.

Esse Jubileu foi marcado pelo papel dos meios de comunicação (sobretudo a televisão) e pela reconciliação (incluindo o diálogo ecumênico e inter-religioso).

Paulo VI abre a Porta Santa (1975)

Paulo VI

1983: João Paulo II

50 anos após a iniciativa de Pio XI, em 1983 o Papa São João Paulo II (†2005) convocou um novo Jubileu Extraordinário para celebrar o 1950º ano da Morte de Cristo.

Como indicado na Bula Aperite portas Redemptori, esse “Ano Santo da Redenção” teve início na Solenidade da Anunciação de 1983 e foi concluído na Páscoa de 1984.

Destaca-se a participação dos jovens, aos quais o Papa confia uma grande cruz de madeira no encerramento do Ano Santo, que depois seria levada por todo o mundo nas Jornadas Mundiais da Juventude.

João Paulo II abre a Porta Santa (1983)

2000: João Paulo II

O Grande Jubileu do ano 2000, que marcou a passagem para um novo milênio, foi amplamente preparado pelo Papa João Paulo II.

Conforme as orientações da Carta Apostólica Tertio Milennio Adveniente, o Jubileu foi precedido por três anos de preparação, dedicados às três Pessoas da Santíssima Trindade (1997: Jesus Cristo; 1998: Espírito Santo; 1999: Deus Pai).

O Jubileu propriamente dito, convocado pela Bula Incarnationis mysterium, foi marcado pelo perdão (“purificação da memória”) e pelo seu alcance ecumênico. Também foram inauguradas novas Portas Santas na Basílicas do Latrão, de São Paulo e de Santa Maria Maior.

Logotipo do Grande Jubileu do ano 2000

João Paulo II

2015: Francisco

Em 2015, através da Bula Misericordiae vultus, o Papa Francisco convocou mais um Jubileu Extraordinário, dedicado à misericórdia.

Esse Ano Santo da Misericórdia teve início no dia 08 de dezembro de 2015, Solenidade da Imaculada Conceição e 50 anos da conclusão do Concílio Vaticano II, e foi concluído no dia 20 de novembro de 2016, Solenidade de Cristo Rei.

Logotipo do Jubileu Extraordinário da Misericórdia

Francisco

Referências:

McKENZIE, John Lawrence. Jubileu. in: Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulus, 2013, p. 468.

NOÉ, Cardeal Virgílio. A Porta Santa da Basílica de São Pedro no Vaticano. Roma: Libreria Editrice Vaticana, 1999.

OUSSANI, Gabriel. Year of Jubilee (Hebrew). in: The Catholic Encyclopedia, vol. 8, 1910. Disponível em: New Advent.

THURSTON, Herbert. Holy Year of Jubilee. in: The Catholic Encyclopedia, vol. 8, 1910. Disponível em: New Advent.

Imagens: Wikimedia Commons.

Postagem publicada em 01 de dezembro de 2015. Revista e ampliada em 26 de abril de 2024.

4 comentários:

  1. 1933 ....Ano que minha mãe TEREZINHA nasceu !!! 🙏👏👏👏👏

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  2. Merece uma benção no pergaminho próprio do Papa ...Como conseguir ?

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    1. Sobre a Bênção Apostólica em pergaminho, confira as informações no site da Esmolaria Apostólica (Elemosineria Apostolica):
      https://www.elemosineria.va/papal-blessing-parchments/?lang=pt-pt

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  3. Portanto Jubileu dela de 90 anos 👍

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