No dia 09 de maio de 2024, Solenidade da Ascensão do Senhor, o Papa Francisco promulgou a Bula “Spes non confundit”- “A esperança não engana” (Rm 5,5), convocando o Jubileu Ordinário de 2025. Para saber mais, confira nossa postagem sobre os Jubileus na história da Igreja.
Spes non confundit
Bula de Proclamação do Jubileu Ordinário do Ano de 2025
Francisco
Bispo de Roma, Servo dos servos de Deus
A quantos lerem esta Carta que a esperança lhes encha o coração
1. «Spes non confundit» - «A esperança não engana» (Rm 5,5).
Sob o sinal da esperança, o Apóstolo Paulo infunde coragem à comunidade cristã
de Roma. A esperança é também a mensagem central do próximo Jubileu, que,
segundo uma antiga tradição, o Papa proclama a cada vinte e cinco anos. Penso
em todos os peregrinos de esperança que chegarão a Roma para viver
o Ano Santo e em quantos, não podendo vir à Cidade dos Apóstolos Pedro e Paulo,
vão celebrá-lo nas Igrejas particulares. Possa ser, para todos, um momento de
encontro vivo e pessoal com o Senhor Jesus, «porta» de salvação (cf. Jo 10,7.9);
com Ele, que a Igreja tem por missão anunciar sempre, em toda a parte e a
todos, como sendo a «nossa esperança» (1Tm 1,1).
Todos esperam. No coração de cada pessoa, encerra-se a esperança
como desejo e expectativa do bem, apesar de não saber o que trará consigo o
amanhã. Porém, esta imprevisibilidade do futuro faz surgir sentimentos por
vezes contrapostos: desde a confiança ao medo, da serenidade ao desânimo, da
certeza à dúvida. Muitas vezes encontramos pessoas desanimadas que olham, com
ceticismo e pessimismo, para o futuro como se nada lhes pudesse proporcionar
felicidade. Que o Jubileu seja, para todos, ocasião de reanimar a esperança! A
Palavra de Deus ajuda-nos a encontrar as razões para isso. Deixemo-nos guiar
pelo que o Apóstolo Paulo escreve precisamente aos cristãos de Roma.
2. «Uma vez que fomos justificados pela fé, estamos em paz com
Deus por Nosso Senhor Jesus Cristo. Por Ele tivemos acesso, na fé, a esta graça
na qual nos encontramos firmemente e nos gloriamos, na esperança da glória de
Deus (...). Ora a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos
nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5,1-2.5).
São Paulo oferece-nos aqui vários pontos de reflexão. Sabemos que a Carta aos
Romanos assinala uma passagem decisiva na sua atividade evangelizadora. Até
então, desenvolvera-a na zona oriental do Império; agora espera-o Roma, com
tudo o que esta representa aos olhos do mundo: um grande desafio, que há de
enfrentar em nome do anúncio do Evangelho, que não conhece barreiras nem
fronteiras. A Igreja de Roma não foi fundada por Paulo, mas este sente um vivo
desejo de lá chegar logo que possível, para levar a todos o Evangelho de Jesus
Cristo, Morto e Ressuscitado, como anúncio da esperança que realiza as
promessas, introduz na glória e não desilude porque está fundada no amor.
3. Com efeito, a esperança nasce do amor e funda-se no amor que
brota do Coração de Jesus transpassado na cruz: «Se de fato, quando éramos
inimigos de Deus, fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho, com
muito mais razão, uma vez reconciliados, havemos de ser salvos pela sua vida» (Rm 5,10).
E a sua vida manifesta-se na nossa vida de fé, que começa com o Batismo,
desenvolve-se na docilidade à graça de Deus e é por isso animada pela
esperança, sempre renovada e tornada inabalável pela ação do Espírito Santo.
Na verdade, é o Espírito Santo, com a sua presença perene no
caminho da Igreja, que irradia nos fiéis a luz da esperança: mantém-na acesa
como uma tocha que nunca se apaga, para dar apoio e vigor à nossa vida. Com
efeito a esperança cristã não engana nem desilude, porque está fundada na
certeza de que nada e ninguém poderá jamais separar-nos do amor divino: «Quem
poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição,
a fome, a nudez, o perigo, a espada? (...) Mas em tudo isso saímos mais do que
vencedores graças Àquele que nos amou. Estou convencido de que nem a morte nem
a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as
potestades, nem a altura nem o abismo, nem qualquer outra criatura poderá
separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, Senhor nosso» (Rm 8,35.37-39).
Por isso mesmo esta esperança não cede nas dificuldades: funda-se na fé e é alimentada
pela caridade, permitindo assim avançar na vida. A propósito escreve Santo
Agostinho: «Em qualquer modo de vida, não se pode passar sem estas três
propensões da alma: crer, esperar, amar» [1].
4. São Paulo é muito realista. Sabe que a vida é feita de alegrias
e sofrimentos, que o amor é posto à prova quando aumentam as dificuldades e a
esperança parece desmoronar-se diante do sofrimento. E, no entanto, escreve:
«Gloriamo-nos também das tribulações, sabendo que a tribulação produz a paciência,
a paciência a firmeza, e a firmeza a esperança» (Rm 5,3-4). Para o
Apóstolo, a tribulação e o sofrimento são as condições típicas de todos aqueles
que anunciam o Evangelho em contextos de incompreensão e perseguição (cf. 2Cor 6,3-10).
Mas em tais situações, através da escuridão, vislumbra-se uma luz: descobre-se
que a evangelização é sustentada pela força que brota da Cruz e da Ressurreição
de Cristo. Isto faz crescer uma virtude, que é parente próxima da esperança:
a paciência. Habituamo-nos a querer tudo e agora, em um mundo onde
a pressa se tornou uma constante. Já não há tempo para nos encontrarmos e, com
frequência, as próprias famílias sentem dificuldade para se reunir e falar
calmamente. A paciência foi posta em fuga pela pressa, causando grave dano às pessoas;
com efeito, sobrevêm a intolerância, o nervosismo e, por vezes, a violência
gratuita, gerando insatisfação e isolamento.
Além disso, na era da internet, onde o espaço e o
tempo são suplantados pelo «aqui e agora», a paciência deixou de ser de casa.
Se ainda fôssemos capazes de admirar a criação, poderíamos compreender como é
decisiva a paciência. Esperar a alternância das estações com os seus frutos;
observar a vida dos animais e os ciclos do respectivo desenvolvimento; ter os
olhos simples de São Francisco, que no seu Cântico das Criaturas,
escrito precisamente há 800 anos, sentia a criação como uma grande família,
chamando «irmão» ao sol e, à lua, «irmã» [2]. Redescobrir
a paciência faz bem a nós mesmos e aos outros. Frequentemente São Paulo recorre
à paciência para sublinhar a importância da perseverança e da confiança naquilo
que nos foi prometido por Deus, mas sobretudo testemunha que Deus é paciente conosco:
Ele, que é «o Deus da paciência e da consolação» (Rm 15,5). A
paciência - fruto também ela do Espírito Santo - mantém viva a esperança e
consolida-a como virtude e estilo de vida. Por isso, aprendamos a pedir muitas
vezes a graça da paciência, que é filha da esperança e, ao mesmo tempo, seu
suporte.
Um caminho de esperança
5. Deste entrelaçamento de esperança e paciência, resulta claro
que a vida cristã é um caminho, que precisa também de momentos
fortes para nutrir e robustecer a esperança, insubstituível
companheira que permite vislumbrar a meta: o encontro com o Senhor Jesus. Apraz-me
pensar que um percurso de graça, animado pela espiritualidade popular, tenha
antecedido a proclamação do primeiro Jubileu em 1300. Com efeito, não podemos
esquecer as diversas formas através das quais se derramou com abundância a
graça do perdão sobre o santo Povo fiel de Deus. Recordemos, por exemplo, o
grande «perdão» que São Celestino V quis conceder a quantos iam à Basílica de
Santa Maria de Collemaggio, em Áquila, nos dias 28 e 29 de agosto de 1294, seis
anos antes do Papa Bonifácio VIII instituir o Ano Santo. Por isso, a Igreja já
tinha a experiência da graça jubilar da misericórdia. E antes ainda, em 1216, o
Papa Honório III acolhera a súplica de São Francisco, que pedia a indulgência
para quantos tivessem visitado a Porciúncula nos dois primeiros dias de agosto.
O mesmo se pode dizer da peregrinação a Santiago de Compostela: de fato, o Papa
Calisto II, em 1122, concedeu que se celebrasse o Jubileu naquele Santuário
sempre que a festa do Apóstolo Tiago caísse em um domingo. É bom que continue
esta modalidade «generalizada» de celebrações jubilares, de modo que a força do
perdão de Deus sustente e acompanhe o caminho das comunidades e das pessoas.
Não é por acaso que a peregrinação representa um
elemento fundamental de todo o evento jubilar. Pôr-se a caminho é típico de
quem anda à procura do sentido da vida. A peregrinação a pé favorece muito a
redescoberta do valor do silêncio, do esforço, da essencialidade. Também no
próximo ano, os peregrinos de esperança não deixarão de
percorrer caminhos antigos e modernos para viver intensamente a experiência
jubilar. Além disso, na própria cidade de Roma, haverá itinerários de fé que se
juntarão aos tradicionais das catacumbas e das «sete igrejas». Deslocar-se de um
país ao outro como se as fronteiras estivessem superadas, passar de uma cidade
a outra contemplando a criação e as obras de arte, permitirá acumular
experiências e culturas diferentes e levar dentro de si, harmonizada pela
oração, a beleza que faz agradecer a Deus as maravilhas que Ele realizou. As igrejas
jubilares, ao longo dos percursos e em Roma, poderão ser oásis de
espiritualidade onde é possível restaurar o caminho da fé e beber nas fontes da
esperança, a começar pelo sacramento da Reconciliação, ponto de partida
insubstituível de um verdadeiro caminho de conversão. Nas Igrejas particulares,
deve ser dada uma atenção especial à preparação dos sacerdotes e dos fiéis para
as Confissões e para o acesso a este sacramento na sua forma individual.
Aos fiéis das Igrejas Orientais, sobretudo àqueles que já estão em
plena comunhão com o Sucessor de Pedro, quero dirigir um convite particular a
cumprir esta peregrinação. Eles que tanto sofreram, muitas vezes até à morte,
pela sua fidelidade a Cristo e à Igreja, hão de sentir-se particularmente bem-vindos
a Roma, que também é Mãe para eles e conserva tantas memórias da sua presença.
A Igreja Católica, que está enriquecida pelas suas Liturgias muito antigas e
pela teologia e espiritualidade dos Padres, monges e teólogos, quer exprimir
simbolicamente o acolhimento deles e dos irmãos e irmãs ortodoxos, em um tempo
em que vivem já a peregrinação da «Via Sacra», sendo muitas vezes obrigados a
deixar as suas terras de origem, as suas terras santas, onde a violência e a
instabilidade os expulsam rumo a países mais seguros. Para eles, a experiência
de ser amados pela Igreja, que não os abandonará, mas há de acompanhá-los para
onde quer que forem, torna ainda mais forte o sinal do Jubileu.
6. O Ano Santo de 2025 está em continuidade com os anteriores eventos de graça. No último Jubileu Ordinário, atravessou-se o limiar dos dois mil anos do nascimento de Jesus Cristo. Em seguida, no dia 13 de março de 2015, proclamei um Jubileu Extraordinário com o objetivo de manifestar e permitir encontrar o «Rosto da misericórdia» de Deus [3], anúncio central do Evangelho para toda a pessoa e em cada época. Agora chegou o momento de um novo Jubileu, em que se abre novamente de par em par a Porta Santa para oferecer a experiência viva do amor de Deus, que desperta no coração a esperança segura da salvação em Cristo. Ao mesmo tempo, este Ano Santo orientará o caminho rumo a outra data fundamental para todos os cristãos: de fato, em 2033, se celebrarão os dois mil anos da Redenção, realizada por meio da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor Jesus. Assim, abre-se diante de nós um percurso marcado por grandes etapas, nas quais a graça de Deus precede e acompanha o povo que caminha zeloso na fé, diligente na caridade e perseverante na esperança (cf. 1Ts 1,3).
Porta Santa da Basílica de São Pedro (09 de maio de 2024) |
Sustentado por tão longa tradição e certo de que este Ano Jubilar
poderá ser, para toda a Igreja, uma intensa experiência de graça e de
esperança, estabeleço que a Porta Santa da Basílica de São Pedro, no Vaticano,
seja aberta a 24 de dezembro do corrente ano de 2024, iniciando-se assim o
Jubileu Ordinário. No domingo seguinte, 29 de dezembro de 2024, abrirei a Porta
Santa da minha Catedral de São João de Latrão, que celebrará, no dia 09 de
novembro deste ano, 1700 anos da sua dedicação. Posteriormente, no dia 01 de
janeiro de 2025, Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, será aberta a Porta
Santa da Basílica Papal de Santa Maria Maior. Por fim, no domingo, 05 de
janeiro de 2025, será aberta a Porta Santa da Basílica Papal de São Paulo fora
dos muros. Estas últimas três Portas Santas serão fechadas no domingo 28 de
dezembro do mesmo ano.
Estabeleço ainda que, no domingo 29 de dezembro de 2024, em todas
as catedrais e concatedrais, os Bispos Diocesanos celebrem a Santa Missa como
abertura solene do Ano Jubilar, segundo o Ritual que será preparado para a ocasião.
Quanto à celebração na igreja concatedral, o Bispo poderá ser substituído por
um Delegado, propositadamente designado. A peregrinação, desde a igreja
escolhida para a concentração até à Catedral, seja o sinal do caminho de esperança
que, iluminado pela Palavra de Deus, une os fiéis. Durante o percurso, leiam-se
algumas passagens deste Documento e anuncie-se ao povo a Indulgência Jubilar,
que poderá ser obtida segundo as prescrições contidas no mesmo Ritual para a
celebração do Jubileu nas Igrejas particulares. Durante o Ano Santo, que
terminará nas Igrejas particulares no domingo, 28 de dezembro de 2025, zele-se
para que o Povo de Deus possa acolher, com plena participação, tanto o anúncio
de esperança da graça de Deus, como os sinais que atestam a sua eficácia.
O Jubileu Ordinário terminará com o fechamento da Porta Santa da
Basílica Papal de São Pedro, no Vaticano, na Solenidade da Epifania do Senhor,
dia 06 de janeiro de 2026. Que a luz da esperança cristã chegue a cada pessoa, como
mensagem do amor de Deus dirigida a todos. E que a Igreja seja testemunha fiel
deste anúncio em todas as partes do mundo.
Sinais de esperança
7. Além de beber a esperança na graça de Deus, somos também
chamados a descobri-la nos sinais dos tempos, que o Senhor oferece.
Como afirma o Concílio Vaticano II, «é dever da Igreja investigar a todo o
momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho; para que
assim possa responder, de modo adaptado em cada geração, às eternas perguntas
dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre
ambas» [4]. Por isso, para não cair na
tentação de nos considerarmos subjugados pelo mal e pela violência, é
necessário prestar atenção a tanto bem que existe no mundo. Porém, os sinais
dos tempos, que contêm o desejo do coração humano, carecido da presença
salvífica de Deus, pedem para ser transformados em sinais de esperança.
8. Que o primeiro sinal de esperança se traduza em paz para
o mundo, mais uma vez imerso na tragédia da guerra. Esquecida dos
dramas do passado, a humanidade encontra-se de novo submetida a uma difícil
prova que vê muitas populações oprimidas pela brutalidade da violência. Faltará
ainda a esses povos algo que não tenham já sofrido? Como é possível que o seu
desesperado grito de ajuda não impulsione os responsáveis das Nações a querer
pôr fim aos demasiados conflitos regionais, cientes das consequências que daí
podem derivar a nível mundial? Será excessivo sonhar que as armas se calem e
deixem de difundir destruição e morte? O Jubileu recorde que serão «chamados
filhos de Deus» todos aqueles que se fazem «promotores de paz» (Mt 5,9).
A necessidade da paz interpela a todos e impõe a busca de projetos concretos.
Que não falte o empenho da diplomacia para se construírem, de forma corajosa e
criativa, espaços de negociação em vista de uma paz duradoura.
9. Olhar para o futuro com esperança equivale a ter também uma
visão da vida carregada de entusiasmo para transmitir. Infelizmente, em muitas
situações, temos de constatar que falta esta perspectiva. A primeira
consequência é a perda do desejo de transmitir a vida. Por causa
dos ritmos frenéticos da vida, dos receios face ao futuro, da falta de
garantias laborais e de adequada proteção social, de modelos sociais ditados mais
pela procura do lucro do que pelo cuidado das relações humanas, assiste-se em
vários países a uma preocupante queda da natalidade. Já em outros
contextos, «culpar o incremento demográfico em vez do consumismo exacerbado e
seletivo de alguns é uma forma de não enfrentar os problemas» [5].
A abertura à vida, com uma maternidade e uma paternidade
responsáveis, é o projeto que o Criador inscreveu no coração e no corpo dos
homens e das mulheres, uma missão que o Senhor confia aos cônjuges e ao seu
amor. Além do empenho legislativo dos Estados, é urgente que não lhes falte o
apoio convicto das comunidades de fé e da inteira comunidade civil em todos os
seus componentes, porque o desejo dos jovens de gerar novos filhos e
filhas, como fruto da fecundidade do seu amor, dá futuro a toda a sociedade
e é uma questão de esperança: depende da esperança e gera esperança.
Por isso, a comunidade cristã não pode ficar atrás de ninguém no
apoio à necessidade de uma aliança social em prol da esperança, que
seja inclusiva e não ideológica, e trabalhe por um futuro marcado pelo sorriso
de tantos meninos e meninas que, em muitas partes do mundo, venham encher os
demasiados berços vazios. Todos, na realidade, sentem a necessidade de
recuperar a alegria de viver, porque o ser humano, criado à imagem e semelhança
de Deus (cf. Gn 1,26), não pode contentar-se com sobreviver ou
ir vivendo, nem se conformar com o tempo presente, satisfazendo-se com
realidades apenas materiais. Isto fecha-nos no individualismo e corrói a
esperança, gerando uma tristeza que se aninha no coração, tornando-nos amargos
e impacientes.
10. No Ano Jubilar, seremos chamados a ser sinais palpáveis de
esperança para muitos irmãos e irmãs que vivem em condições de dificuldade.
Penso nos presos que, privados de liberdade, além da dureza da
reclusão, experimentam dia a dia o vazio afetivo, as restrições impostas e, em
não poucos casos, a falta de respeito. Proponho aos Governos que, no Ano
Jubilar, tomem iniciativas que lhes restituam esperança: formas de anistia ou
de perdão da pena, que ajudem as pessoas a recuperar a confiança em si mesmas e
na sociedade; percursos de reinserção na comunidade, aos quais corresponda um
compromisso concreto de cumprir as leis.
Trata-se de um apelo antigo que, provindo da Palavra de Deus,
permanece com todo o seu valor sapiencial ao invocar atos de clemência e
libertação que permitam recomeçar: «Santificareis o quinquagésimo ano,
proclamando na vossa terra a libertação de todos os que a habitam» (Lv 25,10).
O que está estabelecido na Lei mosaica é retomado pelo profeta Isaías: «O
Senhor... enviou-me para levar a boa-nova aos que sofrem, para curar os
desesperados, para anunciar a libertação aos exilados e a liberdade aos
prisioneiros, para proclamar um ano da graça do Senhor» (Is 61,1-2).
São palavras que Jesus fez suas no início do seu ministério, declarando em Si
mesmo o cumprimento do «ano favorável da parte do Senhor» (Lc 4,19).
Em todos os cantos da terra, os fiéis, especialmente os Pastores, façam-se
intérpretes desses pedidos, formando uma só voz que peça corajosamente
condições dignas para quem está recluso, respeito pelos direitos humanos e
sobretudo a abolição da pena de morte, uma medida inadmissível para a fé cristã
que aniquila qualquer esperança de perdão e renovação [6]. A
fim de oferecer aos presos um sinal concreto de proximidade, eu mesmo desejo
abrir uma Porta Santa em uma prisão, para que seja para eles um símbolo que os
convida a olhar o futuro com esperança e renovado compromisso de vida.
11. Sinais de esperança hão de ser oferecidos aos doentes,
que se encontram em casa ou no hospital. Que os seus sofrimentos encontrem
alívio na proximidade de pessoas que os visitem e no carinho que recebem! As
obras de misericórdia são também obras de esperança, que despertam nos corações
sentimentos de gratidão. E que a gratidão chegue a todos os profissionais de
saúde que, em condições tantas vezes difíceis, desempenham a sua missão com
solícito cuidado pelas pessoas doentes e mais frágeis.
Oxalá não falte a atenção inclusiva por todos aqueles que,
encontrando-se em condições de vida particularmente extenuantes, experimentam a
sua própria fragilidade, de modo especial se sofrem de patologias ou
deficiências que limitam fortemente a autonomia pessoal. O cuidado para com
eles é um hino à dignidade humana, um canto de esperança que exige a
sincronização de toda a sociedade.
12. E de sinais de esperança também têm necessidade aqueles que, em si mesmos, a representam: os jovens. Muitas vezes, infelizmente, veem desmoronar-se os seus sonhos. Não podemos decepcioná-los: o futuro funda-se no seu entusiasmo. Como é belo vê-los irradiar energia, por exemplo, quando voluntariamente arregaçam as mangas e se comprometem nas situações de calamidade e mal-estar social! Já é triste ver jovens sem esperança; se bem que se torna inevitável viver o presente na melancolia e no tédio quando o futuro é incerto e impermeável aos sonhos, o estudo não oferece saídas e a falta de emprego ou de um trabalho suficientemente estável corre o risco de suprimir os desejos. A ilusão das drogas, o risco da transgressão e a busca do efêmero criam confusão nos jovens, mais do que nos outros, e escondem-lhes a beleza e o sentido da vida, fazendo-os escorregar para abismos escuros e impelindo-os a gestos autodestrutivos. Por isso, que o Jubileu seja, na Igreja, ocasião para um impulso a favor deles: com renovada paixão, cuidemos dos adolescentes, dos estudantes, dos namorados, das gerações jovens! Mantenhamo-nos próximo dos jovens, alegria e esperança da Igreja e do mundo!
Cópias da Bula entregues no dia 09 de maio |
13. Não poderão faltar sinais de esperança em relação aos migrantes,
que deixam a sua terra à procura de uma vida melhor para si mesmos e suas
famílias. Que as suas expectativas não sejam frustradas por preconceitos e
isolamentos! Ao acolhimento, que no respeito pela sua dignidade abre os braços
a cada um deles, junte-se a responsabilidade, de modo que a ninguém seja negado
o direito de construir um futuro melhor. A tantos exilados, deslocados
e refugiados que, por acontecimentos internacionais controversos, são
forçados a fugir para evitar guerras, violência e discriminação, sejam
garantidos a segurança e o acesso ao trabalho e à instrução, instrumentos
necessários para a sua inserção no novo contexto social.
Possa a comunidade cristã estar sempre pronta a defender os direitos
dos mais débeis. Generosamente abra de par em par as portas do acolhimento,
para que nunca falte a ninguém a esperança de uma vida melhor. Ressoe nos
corações a Palavra do Senhor que, na grande parábola do juízo final, disse:
«Era estrangeiro e me acolhestes», porque «sempre que fizestes isto a um destes
meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes» (Mt 25,35.40).
14. Sinais de esperança merecem-nos os idosos, que
muitas vezes experimentam a solidão e o sentimento de abandono. Valorizar o
tesouro que eles são, a sua experiência de vida, a sabedoria que trazem consigo
e a contribuição que podem dar, é um empenho da comunidade cristã e da
sociedade civil, chamadas a trabalhar em conjunto em prol da aliança entre as
gerações.
Dirijo um pensamento particular aos avôs e às avós,
que representam a transmissão da fé e da sabedoria de vida às gerações mais
jovens. Sejam amparados pela gratidão dos filhos e pelo amor dos netos, que
neles encontram as suas raízes, compreensão e estímulo.
15. E sentidamente invoco a esperança para os bilhões de pobres,
a quem muitas vezes falta o necessário para viver. Face à sucessão de renovadas
ondas de empobrecimento, corre-se o risco de nos habituarmos e resignarmos. Mas
não podemos desviar o olhar de situações tão dramáticas, que se veem já por
todo o lado, e não apenas em certas zonas do mundo. Todos os dias encontramos
pessoas pobres ou empobrecidas e, por vezes, podem ser nossas vizinhas de casa.
Frequentemente não têm uma habitação nem alimentação suficiente para o dia.
Sofrem a exclusão e a indiferença de muitos. É escandaloso que, em um mundo
dotado de enormes recursos destinados em grande parte para armas, os pobres
sejam «a maioria (...), bilhões de pessoas. Hoje são mencionados nos debates
políticos e econômicos internacionais, mas com frequência parece que os seus
problemas se coloquem como um apêndice, como uma questão que se acrescenta
quase por obrigação ou perifericamente, quando não são considerados meros danos
colaterais. Com efeito, na hora da implementação concreta, permanecem
frequentemente no último lugar» [7]. Não
esqueçamos: os pobres são quase sempre vítimas, não os culpados.
Apelos em favor da esperança
16. Fazendo ecoar a palavra antiga dos profetas, o Jubileu lembra
que os bens da terra se destinam a todos, e não a poucos
privilegiados. É preciso que seja generoso quem possui riquezas, reconhecendo o
rosto dos irmãos em necessidade. Penso de modo particular naqueles que carecem
de água e alimentação: a fome é uma chaga escandalosa no corpo da nossa
humanidade, e convida todos a um rebate de consciência. Renovo o apelo para
que, «com o dinheiro usado em armas e em outras despesas militares,
constituamos um Fundo global para acabar de vez com a fome e para o
desenvolvimento dos países mais pobres, a fim de que os seus habitantes não
recorram a soluções violentas ou enganadoras, nem precisem abandonar os seus
países à procura de uma vida mais digna» [8].
Outro convite premente que desejo fazer, tendo em vista o Ano
Jubilar, destina-se às nações mais ricas, para que reconheçam a gravidade de
muitas decisões tomadas e estabeleçam o perdão das dívidas dos
países que nunca poderão pagá-las. Mais do que magnanimidade, é uma questão de
justiça, agravada hoje por uma nova forma de desigualdade de que se vai tomando
consciência: «Com efeito, há uma verdadeira “dívida ecológica”, particularmente
entre o Norte e o Sul, ligada a desequilíbrios comerciais com consequências no
âmbito ecológico e com o uso desproporcionado dos recursos naturais efetuado
historicamente por alguns países» [9]. Como
ensina a Sagrada Escritura, a terra pertence a Deus e todos nós vivemos nela
como «estrangeiros e hóspedes» (Lv 25,23). Se queremos
verdadeiramente preparar no mundo a senda da paz, empenhemo-nos em remediar as causas
remotas das injustiças, reformulemos as dívidas injustas e insolventes,
saciemos os famintos.
17. Durante o próximo Jubileu, ocorrerá um aniversário muito
significativo para todos os cristãos: se completarão 1700 anos da
celebração do primeiro grande Concílio Ecumênico, o de Niceia. É bom
lembrar que já em diversas ocasiões, desde os tempos apostólicos, os Pastores
se reuniram em assembleia com a finalidade de tratar temáticas doutrinais e
questões disciplinares. Nos primeiros séculos da fé, multiplicaram-se os Sínodos
tanto no Oriente como no Ocidente cristão, mostrando como era importante
guardar a unidade do Povo de Deus e o anúncio fiel do Evangelho. O Ano Jubilar
poderá ser uma importante oportunidade para tornar concreto este modo sinodal,
que hoje a comunidade cristã sente como expressão cada vez mais necessária para
melhor corresponder à urgência da evangelização: todos os batizados, cada qual
com o próprio carisma e ministério, se sintam corresponsáveis pela mesma a fim
de que muitos sinais de esperança deem testemunho da presença de Deus no mundo.
O Concílio de Niceia teve a missão de preservar a unidade, então
seriamente ameaçada pela negação da plena divindade de Jesus Cristo e da sua
igualdade com o Pai. Estiveram presentes cerca de trezentos Bispos que,
convocados sob impulso do Imperador Constantino em 20 de maio de 325, se
reuniram no palácio imperial. Depois de vários debates, todos, com a graça do
Espírito, se reconheceram no Símbolo de fé que ainda hoje professamos no
Celebração Eucarística dominical. Os Padres conciliares quiseram iniciar aquele
Símbolo empregando pela primeira vez a expressão «Nós cremos» [10], testemunhando que, naquele «nós», todas as
Igrejas se encontravam em comunhão e todos os cristãos professavam a mesma fé.
O Concílio de Niceia é uma «pedra miliar» na história da Igreja. O
aniversário da sua realização convida os cristãos a unirem-se no louvor e
agradecimento à Santíssima Trindade e, em particular, a Jesus Cristo, o Filho
de Deus, «consubstancial ao Pai» [11], que
nos revelou este mistério de amor. Mas Niceia constitui também um convite a
todas as Igrejas e Comunidades eclesiais para avançarem rumo à unidade visível,
não se cansando de procurar formas apropriadas para corresponder plenamente à
oração de Jesus: «Que todos sejam um só, como Tu, Pai, estás em mim e Eu em ti;
para que assim eles estejam em Nós e o mundo creia que Tu me enviaste» (Jo 17,21).
No Concílio de Niceia tratou-se também da data da Páscoa. A este
respeito, ainda hoje existem posições diferentes, que impedem de celebrar, no
mesmo dia, o evento fundante da fé. Por uma circunstância providencial, isso
acontecerá precisamente no ano de 2025. Seja isto um apelo a todos os cristãos
do Oriente e do Ocidente para darem resolutamente um passo rumo à unidade em
torno de uma data comum para a Páscoa. Vale a pena recordar que muitos
desconhecem as diatribes do passado e não entendem como possam subsistir
divisões a esse respeito.
Ancorados na esperança
18. A esperança forma, juntamente com a fé e a caridade, o tríptico
das «virtudes teologais», que exprimem a essência da vida cristã (cf. 1Cor 13,13; 1Ts 1,3).
No dinamismo indivisível das três, a esperança é a virtude que imprime, por
assim dizer, a orientação, indicando a direção e a finalidade da existência
crente. Por isso, o Apóstolo Paulo convida-nos a ser «alegres na esperança,
pacientes na tribulação, perseverantes na oração» (Rm 12,12). Assim
deve ser: precisamos transbordar de esperança (cf. Rm 15,13) para
testemunhar de modo credível e atraente a fé e o amor que trazemos no coração;
para que a fé seja jubilosa, a caridade entusiasmada; para que cada um seja
capaz de oferecer ao menos um sorriso, um gesto de amizade, um olhar fraterno,
uma escuta sincera, um serviço gratuito, sabendo que, no Espírito de Jesus,
isso pode tornar-se uma semente fecunda de esperança para quem o recebe. Mas
qual é o fundamento da nossa esperança? Para compreendê-lo, é bom deter-nos nas
razões da nossa esperança (cf. 1Pd 3,15).
19. «Creio na vida eterna» [12]: assim professa a nossa fé, e a esperança cristã encontra nestas palavras um ponto fundamental de apoio. De fato, «é a virtude teologal pela qual desejamos (...) a vida eterna como nossa felicidade» [13]. O Concílio Ecumênico Vaticano II afirma: «Se faltam o fundamento divino e a esperança da vida eterna, a dignidade humana é gravemente lesada, como tantas vezes se verifica nos nossos dias, e os enigmas da vida e da morte, do pecado e da dor ficam sem solução, o que frequentemente leva os homens ao desespero» [14]. Enquanto, em virtude da esperança na qual fomos salvos, vendo passar o tempo, temos a certeza que a história da humanidade e a de cada um de nós não correm para uma meta sem saída nem para um abismo escuro, mas estão orientadas para o encontro com o Senhor da glória. Por isso vivemos na expectativa do seu regresso e na esperança de vivermos n’Ele para sempre: é com este espírito que fazemos nossa aquela comovente invocação dos primeiros cristãos com que termina a Sagrada Escritura: «Vem, Senhor Jesus!» (Ap 22,20).
Leitura da Bula junto à Porta Santa (09 de maio de 2024) |
20. Jesus Morto e Ressuscitado é o coração da nossa fé. São Paulo,
ao enunciar este conteúdo em poucas palavras (usa só quatro verbos),
transmite-nos o «núcleo» da nossa esperança: «Transmiti-vos, em primeiro lugar,
o que eu mesmo recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as
Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras;
apareceu a Cefas e depois aos Doze» (1Cor 15,3-5). Cristo morreu,
foi sepultado, ressuscitou, apareceu. Por nós, passou através do drama da morte.
O amor do Pai ressuscitou-o na força do Espírito, fazendo da sua humanidade as
primícias da eternidade para a nossa salvação. A esperança cristã consiste
precisamente nisto: face à morte onde tudo parece acabar, através de Cristo e
da sua graça que nos foi comunicada no Batismo, recebe-se a certeza de que «a
vida não acaba, apenas se transforma» [15], para
sempre. Com efeito, sepultados juntamente com Cristo no Batismo, recebemos
n’Ele, Ressuscitado, o dom de uma vida nova, que derruba o muro da morte,
fazendo dela uma passagem para a eternidade.
E se diante da morte, dolorosa separação que nos obriga
a deixar os nossos entes queridos, não é possível qualquer retórica, o Jubileu
nos oferecerá a oportunidade de descobrir, com imensa gratidão, o dom daquela
vida nova recebida no Batismo, capaz de transfigurar o seu drama. É
significativo repensar, no contexto jubilar, como este mistério foi
compreendido desde os primeiros séculos da fé. Durante muito tempo, por
exemplo, os cristãos construíram a pia batismal em forma octogonal, e ainda
hoje podemos admirar muitos batistérios antigos que mantêm esta forma, como em
São João de Latrão na cidade de Roma. Indica que, na fonte batismal, se
inaugura o oitavo dia, isto é, o da ressurreição, o dia que ultrapassa o ritmo
habitual, marcado pela cadência semanal, abrindo assim o ciclo do tempo à
dimensão da eternidade, à vida que dura para sempre: esta é a meta para a qual
tendemos na nossa peregrinação terrena (cf. Rm 6,22).
O testemunho mais convincente desta esperança nos é oferecido
pelos mártires que, firmes na fé em Cristo Ressuscitado, foram
capazes de renunciar à própria vida da terra para não trair o seu Senhor.
Temo-los em todas as épocas e são numerosos - e talvez mais do que nunca nos
nossos dias - como confessores da vida que não tem fim. Precisamos conservar o
seu testemunho para tornar fecunda a nossa esperança.
Estes mártires, pertencentes às diferentes tradições cristãs, são
também sementes de unidade, porque exprimem o ecumenismo do sangue. Durante o
Jubileu desejo ardentemente que não falte uma celebração ecumênica para
evidenciar a riqueza do testemunho desses mártires.
21. Então, que será de nós depois da morte? Com Jesus, além deste
limiar, há a vida eterna, que consiste na plena comunhão com Deus, na contemplação
e participação do seu amor infinito. Tudo o que agora vivemos na esperança, o veremos
então na realidade. Santo Agostinho escreveu a respeito: «Quando me unir a Vós
com todo o meu ser, não existirá para mim em lado algum dor e tristeza. A minha
vida será uma vida verdadeira, totalmente cheia de Vós» [16]. Então,
o que caracterizará tal plenitude de comunhão? O ser feliz. A felicidade é
a vocação do ser humano, uma meta que diz respeito a todos.
Mas, o que é a felicidade? Que felicidade esperamos e desejamos?
Não uma alegria passageira, uma satisfação efêmera que, uma vez alcançada,
volta sempre a pedir mais, em uma espiral de avidez em que o espírito humano
nunca se encontra saciado, antes sente-se cada vez mais vazio. Precisamos de uma
felicidade que se cumpra definitivamente naquilo que nos realiza, ou seja, no
amor, para se poder dizer já agora: sou amado, logo existo; e existirei para
sempre no Amor que não desilude e do qual nada e ninguém me poderá separar.
Recordemos ainda as palavras do Apóstolo: «Estou convencido de que nem a morte
nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem
as potestades, nem a altura nem o abismo, nem qualquer outra criatura poderá
separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, Senhor nosso» (Rm 8,38-39).
22. Outra realidade ligada à vida eterna é o juízo de Deus,
quer no final da nossa existência quer no fim dos tempos. Muitas vezes a arte
tentou representá-lo - pensemos na obra-prima de Michelangelo, na Capela
Sistina -, atendo-se à concepção teológica da época e transmitindo um
sentimento de temor a quem o observa. Se é justo preparar-se com viva
consciência e seriedade para o momento que recapitula a existência, ao mesmo
tempo é necessário fazê-lo sempre na dimensão da esperança, virtude teologal
que sustenta a vida e nos permite não cair no medo. O juízo de Deus, que é amor
(cf. 1Jo 4,8.16), só poderá basear-se no amor, especialmente
naquele que tivermos, ou não, praticado para com os mais necessitados, nos
quais Cristo, o próprio Juiz, está presente (cf. Mt 25,31-46).
Trata-se, portanto, de um juízo diferente do juízo dos homens e dos tribunais
terrenos; deve ser entendido como uma relação de verdade com Deus-amor e
consigo mesmo dentro do mistério insondável da misericórdia divina. A Sagrada
Escritura afirma a este respeito: «Tu ensinaste o teu povo que o justo deve ser
amigo dos homens, e deste a teus filhos uma boa esperança, porque, após o pecado,
dás a conversão (...), para que, ao sermos julgados, esperemos misericórdia» (Sb 12,19.22).
Como escreveu Bento XVI, «no momento do Juízo, experimentamos e acolhemos este
prevalecer do seu amor sobre todo o mal no mundo e em nós. A dor do amor
torna-se a nossa salvação e a nossa alegria» [17].
Por conseguinte, o juízo diz respeito à salvação na qual esperamos
e que Jesus nos obteve com a sua Morte e Ressurreição. Visa abrir ao encontro
definitivo com Ele. E, como em tal contexto não se pode pensar que o mal
cometido permaneça oculto, o mesmo precisa ser purificado, para nos
permitir a passagem definitiva ao amor de Deus. Compreende-se, neste sentido, a
necessidade de rezar por aqueles que concluíram o caminho terreno: uma
solidariedade na intercessão orante que encontra a sua eficácia na comunhão dos
santos, no vínculo comum que nos une em Cristo, primogênito da criação. Assim,
a Indulgência Jubilar, em virtude da oração, destina-se de modo particular a
todos aqueles que nos precederam, para que obtenham plena misericórdia.
23. De fato, a indulgência permite-nos descobrir
como é ilimitada a misericórdia de Deus. Não é por acaso que, na antiguidade, o
termo «misericórdia» era intercambiável com o de «indulgência», precisamente
porque pretende exprimir a plenitude do perdão de Deus que não conhece limites.
O sacramento da Penitência assegura-nos que Deus
apaga os nossos pecados. Vêm à mente, com toda a sua carga de consolação, estas
palavras do Salmo: «É Ele quem perdoa as tuas culpas e cura todas as tuas
enfermidades. É Ele quem resgata a tua vida do túmulo e te enche de graça e de ternura.
(...) O Senhor é misericordioso e compassivo, é paciente e cheio de amor. (...)
Não nos tratou segundo os nossos pecados, nem nos castigou segundo as nossas
culpas. Como é grande a distância dos céus à terra, assim são grandes os seus
favores para os que o temem. Como o Oriente está afastado do Ocidente, assim
Ele afasta de nós os nossos pecados» (Sl 102,3-4.8.10-12). A
Reconciliação sacramental não é apenas uma estupenda oportunidade espiritual,
mas representa um passo decisivo, essencial e indispensável no caminho de fé de
cada um. Ali permitimos ao Senhor que destrua os nossos pecados, sare o nosso
coração, nos levante e abrace, nos faça conhecer o seu rosto terno e
compassivo. Na verdade, não há modo melhor de conhecer a Deus do que deixar-se
reconciliar por Ele (cf. 2Cor 5,20), saboreando o seu perdão.
Por isso, não renunciemos à Confissão, mas redescubramos a beleza do Sacramento
da cura e da alegria, a beleza do perdão dos pecados.
Todavia o pecado, como sabemos por experiência pessoal, «deixa a
sua marca», traz consigo consequências: não só exteriores, como consequências
do mal cometido, mas também interiores, pois «todo o pecado, mesmo venial, traz
consigo um apego desordenado às criaturas, o qual precisa ser purificado, quer
nesta vida quer depois da morte, no estado que se chama Purgatório» [18]. Assim, na nossa débil humanidade atraída pelo
mal, permanecem «efeitos residuais do pecado». São tirados pela indulgência,
sempre por graça de Cristo, o qual, como escreveu São Paulo VI, é «a nossa “indulgência”» [19]. A Penitenciaria Apostólica providenciará a publicação
das disposições necessárias para poder obter e tornar efetiva a prática da
Indulgência Jubilar.
Tal experiência repleta de perdão não pode deixar de abrir o
coração e a mente para perdoar. Perdoar não muda o passado, não
pode modificar o que já aconteceu; no entanto, o perdão pode nos permitir mudar
o futuro e viver de forma diferente, sem rancor, ódio e vingança. O futuro
iluminado pelo perdão permite ler o passado com olhos diferentes, mais serenos,
mesmo que ainda banhados de lágrimas.
No passado Jubileu Extraordinário instituí os Missionários
da Misericórdia, que continuam a desempenhar uma missão importante. Que
eles exerçam o seu ministério também durante o próximo Jubileu, restituindo esperança
e perdoando todas as vezes que um pecador se dirija a eles de coração aberto e
espírito arrependido. Continuem a ser instrumentos de reconciliação, e ajudem a
olhar para o futuro com a esperança do coração que provém da misericórdia do Pai.
Espero que os Bispos possam valer-se do seu precioso serviço, sobretudo
enviando-os onde a esperança está posta a dura prova, como nas prisões, nos
hospitais e nos lugares onde a dignidade da pessoa é espezinhada, nas situações
mais desfavorecidas e nos contextos de maior degradação, para que ninguém fique
privado da possibilidade de receber o perdão e a consolação de Deus.
24. A esperança encontra na Mãe de Deus a sua
testemunha mais elevada. Nela vemos como a esperança não é um efêmero otimismo,
mas dom de graça no realismo da vida. Como todas as mães, cada vez que olhava
para o Filho pensava no seu futuro, e certamente no coração trazia gravadas
aquelas palavras que Simeão lhe dirigira no templo: «Este menino está aqui para
queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição.
Quanto a ti, uma espada transpassará a tua alma» (Lc 2,34-35). E
aos pés da cruz, enquanto via Jesus inocente sofrer e morrer, embora
atravessada por terrível angústia, repetia o seu «sim», sem perder a esperança
e a confiança no Senhor. Desta forma, cooperava em nosso favor no cumprimento
do que dissera seu Filho ao anunciar que Ele teria de «sofrer muito e ser
rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos doutores da Lei, e ser
morto e ressuscitar depois de três dias» (Mc 8,31), e no parto
daquela dor oferecida por amor tornava-se nossa Mãe, Mãe da esperança. Não é
por acaso que a piedade popular continua a invocar a Virgem Santa como Stella
Maris, um título expressivo da esperança segura de que, nas tempestuosas vicissitudes
da vida, a Mãe de Deus vem em nosso auxílio, apoia-nos e convida-nos a ter fé e
a continuar a esperar.
A esse respeito, apraz-me recordar que o Santuário de Nossa
Senhora de Guadalupe, na Cidade do México, está preparando-se para celebrar, em
2031, os 500 anos da primeira aparição da Virgem. Através do jovem Juan Diego,
a Mãe de Deus fazia-nos chegar uma revolucionária mensagem de esperança que,
ainda hoje, repete a todos os peregrinos e fiéis: «Porventura não estou aqui eu,
que sou tua Mãe?» [20]. Uma mensagem
semelhante é impressa nos corações em tantos Santuários Marianos espalhados
pelo mundo, metas de inúmeros peregrinos que confiam à Mãe de Deus
preocupações, sofrimentos e anseios. Neste Ano Jubilar, que os Santuários sejam
lugares sagrados de acolhimento e espaços privilegiados para gerar esperança.
Aos peregrinos que vierem a Roma, convido-os a fazerem uma parada orante nos
Santuários Marianos da cidade a fim de venerar a Virgem Maria e invocar a sua
proteção. Estou confiante de que todos, especialmente aqueles que sofrem e
estão atribulados, poderão experimentar a proximidade da mais afetuosa das
mães, que nunca abandona os seus filhos; ela que é, para o santo Povo de Deus,
«sinal de esperança segura e de consolação» [21].
25. No caminho rumo ao Jubileu, voltemos à Sagrada Escritura e
sintamos, dirigidas a nós, estas palavras: «Nós que procuramos refúgio n’Ele,
encontramos grande estímulo agarrando-nos à esperança proposta. Nessa
esperança, temos como que uma âncora segura e firme da alma,
que penetra até ao interior do véu, onde Jesus entrou como nosso precursor» (Hb 6,18-20).
É um forte convite a nunca perder a esperança que nos foi dada, a mantê-la
firme, encontrando refúgio em Deus.
A imagem da âncora é sugestiva para compreender a estabilidade e a
segurança que possuímos no meio das águas agitadas da vida, se nos confiarmos
ao Senhor Jesus. As tempestades nunca poderão prevalecer, porque estamos
ancorados na esperança da graça, capaz de nos fazer viver em Cristo, superando
o pecado, o medo e a morte. Esta esperança, muito maior do que as satisfações
quotidianas e as melhorias nas condições de vida, transporta-nos para além das
provações e exorta-nos a caminhar sem perder de vista a grandeza da meta a que
somos chamados: o Céu.
Portanto, o próximo Jubileu há de ser um Ano Santo caracterizado
pela esperança que não conhece ocaso, a esperança em Deus. Que nos ajude também
a reencontrar a confiança necessária, tanto na Igreja como na sociedade, no
relacionamento interpessoal, nas relações internacionais, na promoção da
dignidade de cada pessoa e no respeito pela criação. Que o testemunho fiel seja
fermento de esperança genuína no mundo, anúncio de novos céus e nova terra (cf. 2Pd 3,13),
onde habite a justiça e a harmonia entre os povos, visando a realização da
promessa do Senhor.
Deixemo-nos, desde já, atrair pela esperança, consentindo-lhe que,
por nosso intermédio, se torne contagiosa para quantos a desejam. Possa a nossa
vida dizer-lhes: «Confia no Senhor! Sê forte e corajoso, confia no Senhor» (Sl 26,14).
Que a força da esperança encha o nosso presente, aguardando com confiança o
regresso do Senhor Jesus Cristo, a quem é devido o louvor e a glória agora e
nos séculos futuros.
Dado em Roma, junto de São João de Latrão, na Solenidade da Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo, 09 de maio do ano de 2024, décimo segundo de Pontificado.
Francisco
Notas:
[1] Santo Agostinho, Discursos, 198 augm., 2.
[2] cf. Fontes Franciscanas, n. 263, 6.10.
[3] cf. Francisco, Misericordiae Vultus, Bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia (11 de abril de 2015), nn. 1-3.
[4] Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et spes sobre a Igreja no mundo contemporâneo (07 de dezembro de 1965), n. 4.
[5] Francisco, Carta Encíclica Laudato si’ sobre o cuidado da casa comum (24 de maio de 2015), n. 50.
[6] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2267.
[7] Laudato si’, n. 49.
[8] Francisco, Carta Encíclica Fratelli tutti sobre a fraternidade e a amizade social (03 de outubro de 2020), n. 262.
[9] Laudato si’, n. 51.
[10] Símbolo Niceno: H. Denzinger - A. Schönmetzer, Enchiridion Symbolorum definitionum et declarationum de rebus fidei et morum, n. 125.
[11] ibid.
[12] Símbolo dos Apóstolos: Denzinger - Schönmetzer, n. 30.
[13] Catecismo da Igreja Católica, n. 1817.
[14] Gaudium et spes, n. 21.
[15] Missal Romano, Prefácio dos defuntos I.
[16] Santo Agostinho, Confissões, X, 28.
[17] Bento XVI, Carta Encíclica Spe salvi sobre a esperança cristã (30 de novembro de 2007), n. 47.
[18] Catecismo da Igreja Católica, 1472.
[19] Paulo VI, Carta Apostólica Apostolorum limina (23 de maio de 1974), n. 2.
[20] Nican Mopohua, n. 119.
[21] Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen gentium sobre a Igreja (21 de novembro de 1964), 68.
Fonte: Santa Sé.
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