quinta-feira, 16 de março de 2023

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Deus Pai 34

Concluindo a seção sobre a queda e o pecado, e com ela o ciclo de Catequeses sobre Deus Pai, o Papa São João Paulo II dedicou suas duas últimas meditações ao protoevangelho, isto é, o primeiro anúncio da salvação em Gn 3,15.

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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM DEUS PAI

58. O homem implicado na luta contra as forças das trevas
João Paulo II - 10 de dezembro de 1986

1. Na introdução da Constituição Gaudium et spes do Concílio Vaticano II lemos:
“[O Concílio] tem diante dos olhos o mundo dos homens, ou seja, toda a família humana, com a universalidade das coisas entre as quais vive; o mundo, que é teatro da história do gênero humano e marcado por seu esforço, por suas derrotas e vitórias; o mundo, que os cristãos acreditam ser criado e conservado pelo amor do Criador, certamente posto sob a escravidão do pecado, mas que Cristo Crucificado e Ressuscitado libertou, quebrando o poder do maligno para que, segundo o desígnio de Deus, se transforme e chegue à consumação” (Gaudium et spes, n. 2).

Expulsão de Adão e Eva do paraíso e “protoevangelho”
(Virginio Monti)

2. É o mundo que temos diante dos olhos nestas Catequeses. Estas se referem, como sabemos, à realidade do mal, isto é, do pecado, seja no princípio ou durante toda a história da família humana. Ao tentar reconstruir uma imagem sintética do pecado, nos servimos também de tudo o que a variada experiência do homem ao longo dos séculos disse sobre ele. No entanto, não esqueçamos que o pecado é em si mesmo um mistério de iniquidade, cujo início na história, e também seu desenvolvimento sucessivo, não podem ser compreendidos plenamente sem referência ao mistério de Deus-Criador, e particularmente do Criador dos seres feitos à sua imagem e semelhança. As palavras do Vaticano II que citamos dizem que o mistério do mal e do pecado, o “mysterium iniquitatis”, não pode ser compreendido sem referência ao mistério da redenção, ao “Mysterium Paschale” de Jesus Cristo, como observamos desde a primeira Catequese deste ciclo. Precisamente esta “lógica de fé” era expressa já nos Símbolos mais antigos.

3. Somos introduzidos nesse quadro sobre a verdade do pecado, constantemente professada e anunciada pela Igreja, já no primeiro anúncio de redenção que encontramos no Gênesis. Com efeito, depois da infração do primeiro mandamento, sobre o qual Deus-Criador fundou a sua mais antiga aliança com o homem, o Gênesis informa-nos do seguinte diálogo: “O Senhor Deus chamou o homem e disse-lhe: ‘Onde estás?’. Ele respondeu: ‘Ouvi tua voz no jardim. Fiquei com medo, porque estava nu, e me escondi’. Deus perguntou: ‘E quem te fez saber que estavas nu? Acaso comeste da árvore da qual te proibi comer?’. O homem respondeu: ‘A mulher que puseste a meu lado, ela me deu do fruto da árvore, e eu comi’. Então o Senhor Deus perguntou à mulher: ‘Por que fizeste isso?’. E a mulher respondeu: ‘A serpente me enganou, e eu comi” (Gn 3,9-13).
“O Senhor Deus disse à serpente: ‘Porque fizeste isso, maldita sejas tu... Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3,14-15).

4. Esta passagem de Gênesis 3 se insere harmoniosamente no contexto “javista” do qual faz parte, tanto no estilo como na forma de apresentar a verdade que já conhecemos pelo exame das palavras do tentador e pela descrição do primeiro pecado. Não obstante as aparências que o estilo do relato bíblico pode suscitar, as verdades essenciais são suficientemente legíveis nele. Estas se deixam captar e compreender em si mesmas, e ainda mais no contexto de tudo o que a Bíblia inteira diz sobre esse tema, desde o princípio até o fim, através do sentido mais pleno da Sagrada Escritura (“sensus plenior”).
Assim, pois, a passagem de Gn 3,9-15 (e também a continuação deste capítulo) contém a resposta de Deus ao primeiro pecado do homem. É uma resposta direta ao primeiro pecado e, ao mesmo tempo, uma resposta em prospectiva, porque se refere a toda a história futura do homem sobre a terra, até o seu fim. Entre o Gênesis e o Apocalipse há uma verdadeira continuidade e, ao mesmo tempo, uma profunda coerência na verdade revelada por Deus. A esta coerência harmoniosa da Revelação corresponde por parte do homem, que crê conscientemente, a “lógica da fé”. A verdade sobre o pecado pertence ao desenvolvimento desta lógica.

5. Segundo Gn 3,9-15, o primeiro pecado do homem é descrito sobretudo como “desobediência”, isto é, oposição ao mandamento que exprime a vontade do Criador. O ser humano (homem e mulher) é responsável por este ato, pois Adão é completamente consciente e libre para fazer o que faz. A mesma responsabilidade se encontra em cada pecado pessoal na história do homem, que age com um propósito. É significativo a este respeito o que nos faz saber o Gênesis, ou seja, que o Senhor Deus pergunta a ambos -primeiro ao homem, depois à mulher - o motivo do seu comportamento: “Por que fizeste isso?”. Podemos deduzir que o alcance essencial do ato está na referência a este motivo, isto é, à finalidade do agir. Na pergunta divina, o “por quê?” significa “por qual motivo?”, mas também “com que propósito?”. E aqui a mulher (com o homem) remete à instigação do tentador: “A serpente me enganou”. Desta resposta podemos deduzir que o motivo sugerido pela serpente - “Sereis como Deus” - contribuiu de maneira decisiva para a transgressão da proibição do Criador e deu uma dimensão essencial ao primeiro pecado. Tal motivo não é retomado diretamente por Deus na sua sentença de castigo: mas sem dúvida está presente e domina todo o cenário bíblico e histórico como um lembrete da gravidade e da insensatez da pretensão de se opor ou de substituir Deus, como uma indicação da dimensão mais essencial e profunda do pecado original e de todo pecado, que tem nele sua primeira raiz.

6. Por isso é significativo e justo que depois da resposta ao primeiro pecado do homem, Deus se dirija com o mesmo cuidado ao tentador, à “antiga serpente”, de quem o autor do Apocalipse dirá que “tenta todo o mundo” (cf. Ap 12,9: “engana o mundo inteiro”). Segundo o Gênesis, com efeito, o Senhor Deus disse à serpente: “Porque fizeste isso, maldita sejas tu”. As palavras da maldição dirigidas à serpente se referem àquele que Cristo chamará “pai da mentira” (Jo 8,44). Mas, ao mesmo tempo, nessa resposta de Deus ao primeiro pecado, está o anúncio da luta que será travada durante toda a história do homem entre o mesmo “pai da mentira” e a Mulher e sua Descendência.

7. O Concílio Vaticano II se pronuncia sobre este tema de forma mui clara: “Uma árdua luta contra os poderes das trevas perpassa toda a história dos homens: iniciada na origem do mundo, continuará até o último dia, segundo disse o Senhor (cf. Mt 24,13; 13,24-30.36-43). Inserido nesta batalha, para aderir ao bem o homem deve combater constantemente e não consegue alcançar sua própria unidade senão com grandes labutas e a ajuda da graça de Deus” (Gaudium et spes, n. 37). Em outra passagem o Concílio se expressa de uma forma ainda mais explícita, falando da luta “entre o bem e o mal” que é travada em cada homem: “O homem descobre-se incapaz de, por si mesmo, debelar eficazmente os ataques do mal, de tal forma que cada um quase se sente amarrado por correntes” (ibid., n. 13). Mas a esta forte expressão o Concílio contrapõe a verdade da redenção com uma afirmação de fé não menos forte e decidida: “Mas o próprio Senhor veio para libertar e confortar o homem, renovando-o interiormente e expulsando o ‘príncipe deste mundo’ (Jo 12,31) que o retinha na escravidão do pecado” (ibid.).

8. Estas observações do Magistério da Igreja de hoje repetem de forma precisa e homogênea a verdade sobre o pecado e sobre a redenção, expressa inicialmente em Gn 3,15 e a seguir em toda a Sagrada Escritura. Escutemos mais a Gaudium et spes: “Constituído por Deus em estado de justiça, o homem... desde o início da história, abusou de sua liberdade, insurgindo-se contra Deus e desejando alcançar sua meta fora de Deus” (n. 13). Evidentemente trata-se de um pecado no sentido estrito da palavra: tanto no caso do primeiro pecado como no de qualquer outro pecado do homem. Mas o Concilio não deixa de recordar que aquele primeiro pecado foi cometido pelo homem “seduzido pelo maligno” (ibid.). Como lemos no Livro da Sabedoria: “Foi por inveja do diabo que a morte entrou no mundo, e a experimentam os que lhe pertencem” (Sb 2,24). Parece que neste caso “a morte” significa tanto o próprio pecado (a morte da alma como perda da vida divina conferida pela graça santificante), quanto a morte corporal despojada da esperança da ressurreição gloriosa. O homem que infringiu a lei a respeito da “árvore do conhecimento do bem e do mal”, foi afastado pelo Senhor da “árvore da vida” (Gn 3,22), na perspectiva de toda a sua história terrena.

9. No texto do Concílio, com a referência ao primeiro pecado e o seu legado na história do homem, se encerra a perspectiva da luta anunciada pelas palavras atribuídas a Deus em Gn 3,15: “Porei inimizade”. Daqui se deduz que se o pecado está desde o princípio ligado ao livre-arbítrio e à responsabilidade do homem e levanta um problema “dramático” entre o homem e Deus, também é verdade que o homem, por causa do pecado, está inserido (como se expressa justamente o Vaticano II) em “uma árdua luta contra os poderes das trevas” (Gaudium et spes, n. 37). Está envolvido e como que “amarrado por correntes” (sempre segundo o Concílio; ibid., n. 13) no dinamismo obscuro daquele “mysterium iniquitatis”, que é maior que ele e que sua história terrena.
A propósito disso se expressa bem a Carta aos Efésios: “Nossa luta não é contra o sangue e a carne, mas contra os principados, as potestades, os dominadores deste mundo tenebroso, os espíritos malignos espalhados pelo espaço” (Ef 6,12). Mas também o pensamento da imensa realidade do pecado que pesa sobre toda a história, com uma particular consideração sobre os nossos tempos, nos faz retornar à tremenda verdade daquelas palavras bíblicas e conciliares sobre “o homem... inserido na árdua luta contra os poderes das trevas”. No entanto, não devemos nos esquecer que, desde o princípio, sobre este mistério de trevas se acende uma luz que liberta a história do pesadelo de uma condenação inexorável: o anúncio do Salvador.

59. O protoevangelho da salvação
João Paulo II - 17 de dezembro de 1986

1. Na Oração Eucarística IV a Igreja se dirige a Deus com as seguintes palavras: “Nós proclamamos a vossa grandeza, Pai santo, a sabedoria e o amor com que fizestes todas as coisas: criastes o homem e a mulher à vossa imagem e lhes confiastes todo o universo, para que, servindo a vós, seu Criador, dominassem toda criatura. E quando pela desobediência perderam a vossa amizade, não os abandonastes ao poder da morte...” (Missal Romano, p. 489).
Em harmonia com a verdade expressa nesta oração da Igreja, na última Catequese destacamos o complexo conteúdo das palavras de Gn 3, que constituem a resposta de Deus ao primeiro pecado do homem. Nesse texto se fala da luta contra “os poderes das trevas”, na qual o homem está envolvido por causa do pecado desde o princípio da sua história sobre a terra; mas, ao mesmo tempo, nos assegura que Deus não abandona o homem a si mesmo, não o deixa “sob o poder da morte”, reduzido a ser “escravo do pecado” (Rm 6,17). Com efeito, dirigindo-se à serpente tentadora, o Senhor diz assim: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3,14-15).

2. Estas palavras do Gênesis foram definidas como o “protoevangelho”, ou seja, como o primeiro anúncio do Messias Redentor. Elas, com efeito, deixam transparecer o desígnio salvífico de Deus em relação ao gênero humano, que depois do pecado original se encontrava no estado de decadência que conhecemos (status naturae lapsae). Elas expressam acima de tudo o que constitui o acontecimento central do plano salvífico de Deus, mesmo acontecimento ao qual se refere a Oração Eucarística IV, já citada, quando se dirige a Deus com esta profissão de fé: “De tal modo, Pai santo, amastes o mundo que, chegada a plenitude dos tempos, nos enviastes vosso próprio Filho para ser o nosso Salvador. Verdadeiro homem, concebido do Espírito Santo e nascido da Virgem Maria, viveu em tudo a condição humana, menos o pecado” (Missal Romano, p. 489).

3. O anúncio de Gn 3 se chama “protoevangelho” porque só encontrou sua confirmação e seu cumprimento na Revelação da nova aliança, que é o Evangelho de Cristo. Na antiga aliança este anúncio era constantemente recordado de diversas formas: nos ritos, nos símbolos, nas orações, nas profecias, na própria história de Israel como “povo de Deus” orientado para uma meta messiânica, mas sempre sob o véu da fé imperfeita e provisória do Antigo Testamento. Quando se cumprir o anúncio em Cristo, haverá a plena revelação do conteúdo trinitário e messiânico implícito no monoteísmo de Israel. O Novo Testamento revelará então o significado pleno dos escritos do Antigo Testamento, segundo o famoso aforismo de Santo Agostinho: “In vetere Testamento novum latet, in novo vetus patet”, isto é: “No Antigo Testamento o Novo está latente, no Novo o Antigo se torna patente” (Quaestiones in Heptateuchum II, 73).

4. A análise do “protoevangelho” nos permite saber, portanto, através do anúncio e da promessa nele contidos, que Deus não abandonou o homem ao poder do pecado e da morte. Quis socorrê-lo e salvá-lo. E o fez à sua maneira, na medida da sua santidade transcendente e, ao mesmo tempo, na medida de uma “condescendência” tal que só o Deus-Amor poderia demonstrar.
As próprias palavras do “protoevangelho” expressam essa condescendência salvífica, quando anunciam a luta (“Porei inimizade”) entre aquele que representa “os poderes das trevas” e Aquele que o Gênesis chama “descendência da mulher”. É uma luta que terminará com a vitória de Cristo (“te ferirá a cabeça”). Mas esta será a vitória conquistada a preço do sacrifício da cruz (“tu lhe ferirás o calcanhar”). O “mistério da piedade” dissipa o “mistério da iniquidade”. Com efeito, precisamente o sacrifício da cruz nos faz penetrar no próprio núcleo essencial do pecado, permitindo-nos captar algo do seu mistério tenebroso. Guia-nos de modo particular São Paulo na Carta aos Romanos quando escreve: “Como, pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores, assim também, pela obediência de um só, muitos se tornarão justos” (Rm 5,19); “Como pela transgressão de um só, a condenação se estendeu a todos os homens, assim pelo ato de justiça de um só, estendeu-se a todos a justificação que dá a vida” (v. 18).

5.  No “protoevangelho” em certo sentido Cristo é anunciado pela primeira vez como “o novo Adão” (cf. 1Cor 15,45). Com efeito, a sua vitória sobre o pecado, obtida mediante a “obediência até a morte de cruz” (cf. Fl 2,8), comportará tal abundância de perdão e de graça salvífica que superará incomensuravelmente o mal do primeiro pecado e de todos os pecados dos homens. Escreve também São Paulo: “Se pela transgressão de um só muitos morreram, muito mais abundou sobre muitos a graça de Deus, concedida na graça de um só homem, Jesus Cristo” (Rm 5,15).
Mesmo permanecendo só no terreno do “protoevangelho”, podemos descobrir que no destino do homem caído (status naturae lapsae) é introduzida já a perspectiva da futura redenção (status naturae redemptae).

6. A primeira resposta do Senhor Deus ao pecado do homem, narrada em Gn 3, nos permite, pois, conhecer desde o princípio Deus como infinitamente justo e, ao mesmo tempo, infinitamente misericordioso. El, desde aquele primeiro anúncio, se manifesta como o Deus que “tanto amou o mundo, que lhe deu o seu Filho Unigênito” (Jo 3,16); que “enviou o seu Filho como oferenda de expiação pelos nossos pecados” (1Jo 4,10); que “não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós” (Rm 8,32).
Temos assim a certeza de que Deus, que na sua santidade transcendente abomina o pecado, castiga com justiça o pecador, mas, ao mesmo tempo, em sua inefável misericórdia o abraça com seu amor salvífico. O “protoevangelho” já anuncia esta vitória salvífica do bem sobre o mal, que se manifestará no Evangelho mediante o Mistério Pascal de Cristo Crucificado e Ressuscitado.

7. Note-se como nas palavras de Gn 3,15 - “Porei inimizade” - em certo sentido é colocada em primeiro lugar a mulher: “Porei inimizade entre ti e a mulher”. Não “entre ti e o homem”, mas precisamente “entre ti e a mulher”. Os comentaristas desde tempos muito antigos salientam que aqui é traçado um significativo paralelismo. O tentador, “a serpente antiga”, segundo Gn 3,4, se dirigiu primeiro à mulher, e por meio dela alcançou sua vitória. O Senhor Deus, por sua vez, anunciando o Redentor, constitui a Mulher como primeira “inimiga” do príncipe das trevas. Em certo sentido, ela deve ser a primeira destinatária da aliança definitiva, na qual as forças do mal serão vencidas pelo Messias, seu Filho (“sua descendência”).

8. Este - repito - é um detalhe extremamente significativo, si tivermos em conta que, na história da aliança, Deus se dirige antes de tudo aos homens (Noé, Abraão, Moisés...). Neste caso a precedência parece pertencer à Mulher, naturalmente em consideração ao seu descendente, Cristo. Com efeito, muitíssimos Padres e Doutores da Igreja veem na Mulher anunciada no “protoevangelho” a Mãe de Cristo, Maria. É também ela a primeira a participar nessa vitória sobre o pecado conquistada por Cristo: é, pois, livre do pecado original e de qualquer outro pecado, como, segundo a Tradição, destacou já o Concílio de Trento (cf. Denzinger, nn. 1516.1573) e, especialmente no que diz respeito ao pecado original, Pio IX definiu solenemente, proclamando o dogma da Imaculada Conceição (ibid., n. 2803).
Os Santos Padres, como diz o Concílio Vaticano II, em sua pregação com frequência apresentavam Maria, Mãe de Cristo, como a “nova Eva”, assim como Cristo é o “novo Adão” segundo São Paulo (cf. Constituição Lumen Gentium, n. 56). Maria ocupa o lugar e constitui o oposto de Eva, que é “a mãe de todos os viventes” (Gn 3,20), mas também a causa, junto com Adão, da universal queda no pecado, enquanto Maria é para todos “causa salutis” (causa de salvação), por sua obediência ao cooperar com Cristo em nossa redenção (cf. Santo Irineu, Adversus haereses III, 22, 4).

9. Magnífica é a síntese que o Concílio faz desta doutrina, do qual por ora nos limitamos a referir um texto que pode ser o melhor “selo” das Catequeses sobre o pecado, que desenvolvemos à luz da antiga fé e esperança no advento do Redentor:
“O Pai das misericórdias quis que a aceitação da predestinada Mãe precedesse a Encarnação, para que assim como a mulher contribuíra para a morte, da mesma forma a mulher também contribuísse para a vida. Isso vale de maneira extraordinária para a Mãe de Jesus, que deu ao mundo a própria Vida que tudo renova... Não admira que nos Santos Padres prevalecesse o costume de chamar a Mãe de Deus de ‘toda santa’ e ‘imune de toda mancha de pecado’, como que plasmada pelo Espírito Santo e feita nova criatura” (Lumen Gentium, n. 56).
“Adornada desde o primeiro instante de sua concepção com os esplendores de uma santidade absolutamente singular, por ordem de Deus, a Virgem de Nazaré foi saudada pelo Anjo anunciador como ‘cheia de graça’ (Lc 1,28), e ao celeste mensageiro ela responde: ‘Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua Palavra’ (v. 38). Assim, Maria, filha de Adão, consentindo na palavra divina, fez-se Mãe de Jesus, abraçando de todo o coração e sem nenhum peso de pecado a vontade salvífica de Deus, consagrou-se totalmente, como serva do Senhor, à pessoa e à obra de seu Filho, servindo o mistério da redenção sob Ele e com Ele, por graça do Deus Onipotente” (ibid.).
Assim, em Maria e por Maria foi transformada a situação da humanidade e do mundo, que de certa forma voltaram ao esplendor da manhã da criação.


Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (10 de dezembro e 17 de dezembro de 1986). 

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