O quarto dos sete salmos meditados pelo Papa Bento XVI em suas Catequeses sobre a oração foi o Salmo 125 (126). Para acessar a postagem com o índice deste Ciclo de Catequeses, clique aqui.
Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 12 de outubro de 2011
A oração (15): Salmo 125
Prezados irmãos e irmãs,
Nas Catequeses anteriores
meditamos sobre alguns salmos de lamentação e confiança. Hoje gostaria de refletir
convosco sobre um Salmo com características alegres, uma prece que, no júbilo,
canta as maravilhas de Deus. É o Salmo 125 (126), que celebra as grandes obras
que o Senhor realizou com o seu povo e que continuamente realiza em cada crente.
O salmista, em
nome de todo Israel, começa a sua oração, recordando a experiência exaltante da
salvação:
«Quando o Senhor
reconduziu nossos cativos, parecíamos sonhar;
Encheu-se de
sorriso nossa boca, nossos lábios, de canções» (vv. 1-2a).
O retorno dos exilados (William Brassey Hole) |
O Salmo fala de
um «destino restaurado», ou seja, restituído ao estado originário, em toda a
sua positividade precedente. Isto é, começa-se a partir de uma situação de
sofrimento e necessidade, à qual Deus responde realizando a salvação e levando
o orante à condição precedente, aliás, enriquecida e melhorada. É o que
acontece com Jó quando o Senhor lhe restitui tudo aquilo que ele tinha perdido,
duplicando-o e concedendo-lhe uma bênção ainda maior (cf. Jó 42,10-13). É isto que experimenta o
povo de Israel quando volta para a pátria do exílio babilônico. É precisamente
em relação ao fim da deportação para a terra estrangeira que este Salmo é
interpretado: a expressão «restaurar o destino de Sião» é lida e entendida pela
tradição como «fazer voltar os cativos de Sião».
Com efeito, o regresso do
exílio é o paradigma de cada intervenção divina de salvação, porque a queda de
Jerusalém e a deportação para a Babilônia foram uma experiência devastadora
para o povo eleito, não só na esfera política e social, mas inclusive e
sobretudo na esfera religiosa e espiritual. A perda da terra, o fim da
monarquia davídica e a destruição do Templo parecem como uma negação das
promessas divinas, e o povo da aliança, disperso entre os pagãos, interroga-se
dolorosamente sobre um Deus que parece tê-lo abandonado.
Por isso, o fim da
deportação e o regresso à pátria são experimentados como uma volta maravilhosa
à fé, à confiança e à comunhão com o Senhor; é um «restabelecimento do
destino», que implica também conversão do coração, perdão, amizade reencontrada
com Deus, consciência da sua misericórdia e possibilidade renovada de louvá-Lo
(cf. Jr 29,12-14; 30,18-20;
33,6-11; Ez 39,25-29). Trata-se de
uma experiência de alegria transbordante, de sorrisos e gritos de júbilo, tão
exaltante que «parece um sonho». As intervenções divinas têm com frequência
formas inesperadas, que vão além do que o homem possa imaginar; eis, então, a
maravilha e a alegria que expressam no louvor: «O Senhor fez maravilhas». É
quanto dizem as nações, e é aquilo que proclama Israel:
«Entre os
gentios se dizia:
“Maravilhas fez com eles o Senhor!”
Sim, maravilhas
fez conosco o Senhor, exultemos de alegria!» (vv. 2b-3).
Deus faz grandes
obras na história dos homens. Realizando a salvação, revela-se a todos como
Senhor poderoso e misericordioso, refúgio do oprimido, que não se esquece do
clamor dos pobres (cf. Sl 9,10.13),
que ama a justiça e o direito, e de cujo amor a terra está cheia (Sl 32,5). Por isso, diante da libertação
do povo de Israel, todos os povos reconhecem as grandes obras e as maravilhas
que Deus faz pelo seu povo e celebram o Senhor na sua realidade de Salvador. E
Israel faz eco à proclamação das nações, e retoma-a repetindo-a, mas como
protagonista, como destinatário direto da obra divina: «Maravilhas fez conosco
o Senhor»; «por nós», ou ainda mais precisamente, «conosco», em hebraico ‘immanû, confirmando assim aquela relação
privilegiada que o Senhor mantém com os seus eleitos e que encontrará no nome Emanuel,
«Deus conosco», com que é chamado Jesus, o seu ápice e a sua plena manifestação
(Mt 1,23).
Caros irmãos e irmãs,
na nossa oração deveríamos considerar mais frequentemente o modo como, nas
vicissitudes da nossa vida, o Senhor nos protegeu, guiou e ajudou, e louvá-Lo
por aquilo que fez e faz por nós. Temos que prestar mais atenção às coisas boas
que o Senhor nos concede. Estamos sempre atentos aos problemas e dificuldades,
e quase não queremos ver que existem maravilhas que derivam do Senhor. Esta
atenção, que se torna gratidão, é muito importante para nós e cria em nós uma
memória do bem que nos ajuda também nas horas obscuras. Deus realiza
maravilhas, e quem as experimenta - atento à bondade do Senhor com a atenção do
coração - sente-se cheio de alegria. Com esta característica de alegria
conclui-se a primeira parte do Salmo. Ser salvo e regressar à pátria do exílio
é como voltar à vida: a libertação abre ao sorriso, mas ao mesmo tempo à
expectativa, a um cumprimento que se deve desejar e pedir. Esta é a segunda parte
do nosso Salmo que reza assim:
«Mudai a nossa
sorte, ó Senhor, como torrentes no deserto.
Os que lançam as
sementes entre lágrimas, ceifarão com alegria.
Chorando de
tristeza sairão, espalhando suas sementes;
Cantando de
alegria voltarão, carregando os seus feixes!» (vv. 4-6).
Se no início da
sua oração o salmista celebrava a alegria de um destino já restaurado pelo
Senhor, agora pede-a como algo ainda a realizar-se. Se aplicarmos este Salmo ao
regresso do exílio, esta aparente contradição se explicaria com a experiência
histórica, feita por Israel, de um regresso difícil à pátria, só parcial, que
induz o orante a pedir uma nova intervenção divina para completar o
restabelecimento do povo.
Mas o Salmo vai
além do dado puramente histórico, abrindo-se a dimensões mais amplas, de tipo
teológico. Contudo, a experiência consoladora da libertação da Babilônia ainda
está incompleta, «já» ocorrida, mas «ainda não» marcada pela plenitude
definitiva. Assim, enquanto na alegria celebra a salvação recebida, a prece
abre-se à expectativa da realização plena. Por isso, o Salmo utiliza imagens
especiais que, com a sua complexidade, remetem à realidade misteriosa da
redenção, em que se entrelaçam dom recebido e esperado, vida e morte, júbilo de
sonho e lágrimas de dor. A primeira imagem refere-se aos rios secos do deserto
de Negueb que, com as chuvas, se enchem de água impetuosa que dá nova vida ao
terreno árido, fazendo-o reflorescer. Portanto, o pedido do salmista é que o
restabelecimento do destino do povo e o regresso do exílio sejam como aquela
água, impetuosa e incessante, capaz de transformar o deserto em um imenso campo
de relva verde e de flores.
A segunda imagem
passa das colinas áridas e rochosas de Negueb para os campos que os camponeses
cultivam para dali tirar o alimento. Para falar da salvação, evoca-se aqui a
experiência que cada ano se renova no mundo agrícola: o momento difícil e
cansativo da sementeira e depois a alegria transbordante da colheita. Uma
sementeira que é acompanhada pelas lágrimas, porque se lança o que ainda
poderia tornar-se pão, expondo-se a uma expectativa cheia de incertezas: o
camponês trabalha, prepara o terreno, lança a semente, mas, como explica bem a
parábola do semeador, não sabe onde esta semente cai, se os pássaros a comerão,
se brotará, se lançará raízes, se chegará a tornar-se espiga (cf. Mt 13,3-9; Mc 4,2-9; Lc 8,4-8).
Semear é um gesto de confiança e esperança; é necessária a diligência do homem,
mas depois este deve entrar em uma expectativa impotente, consciente de que muitos
fatores serão determinantes para o bom êxito da colheita e que o risco de uma
falência está sempre à espreita. E, no entanto, ano após ano, o camponês repete
o seu gesto e lança a sua semente. E quando ela se torna espiga, e os campos se
enchem de searas, eis a alegria de quem se encontra diante de um prodígio
extraordinário. Jesus conhecia bem esta experiência, e falava dela com os seus:
«O Reino de Deus é como um homem que lança a semente à terra. Quer esteja a
dormir, quer se levante, de noite e de dia, a semente germina e cresce, sem ele
saber como» (Mc 4,26-27). É o
mistério escondido da vida, são as grandes «maravilhas» da salvação que o
Senhor realiza na história dos homens, e cujo segredo os homens ignoram. A
intervenção divina, quando se manifesta plenamente, demonstra uma dimensão
impetuosa, como os rios do Negueb e como o trigo nos campos, este último
evocador também de uma desproporção típica das realidades de Deus: desproporção
entre o cansaço da sementeira e a imensa alegria da colheita, entre a ansiedade
da espera e a visão tranquilizadora dos celeiros cheios, entre as pequenas
sementes lançadas à terra e as grandes quantidades de feixes dourados pelo sol.
Com a ceifa, tudo se transforma, o pranto termina, deixando lugar aos gritos de
alegria exultante.
A tudo isto faz
referência o salmista para falar da salvação, da libertação, do restabelecimento
do destino, da volta do exílio. A deportação para a Babilônia, como todas as
outras situações de sofrimento e de crise, com a sua escuridão dolorosa, feita
de dúvidas e de aparente distância de Deus, na realidade - diz o nosso Salmo -
é como uma sementeira. No mistério de Cristo, à luz do Novo Testamento, a
mensagem faz-se ainda mais explícita e clara: o crente que atravessa a escuridão
é como o grão de trigo que cai à terra e morre, mas para dar muito fruto (Jo 12,24); ou então, retomando outra
imagem querida a Jesus, é como a mulher que sofre as dores de parto para poder
chegar à alegria de dar à luz uma nova vida (Jo 16,21).
Amados irmãos e
irmãs, este Salmo ensina-nos que, na nossa oração, devemos permanecer sempre
abertos à esperança e firmes na fé em Deus. A nossa história, mesmo marcada
muitas vezes pela dor, por incertezas e por momentos de crise, é uma história
de salvação e de «restabelecimento do destino». Em Jesus, todos os nossos
exílios terminam, e toda a lágrima é enxugada, no mistério da sua Cruz, da
morte transformada em vida, como grão de trigo que se abre na terra,
tornando-se espiga. Também para nós esta descoberta de Jesus Cristo é o grande
júbilo do «sim» de Deus, do restabelecimento do nosso destino. Mas como aqueles
que - tendo voltado da Babilônia cheios de alegria - encontraram uma terra
depauperada e devastada, assim como a dificuldade da sementeira, e sofreram
chorando pois não sabiam se realmente no fim haveria a colheita, do mesmo modo
nós, após a grande descoberta de Jesus Cristo - a nossa vida, a verdade e o
caminho - entrando no terreno da fé, na «terra da fé», encontramos com
frequência uma vida obscura, dura, difícil, uma sementeira com lágrimas, mas
temos a certeza de que a luz de Cristo nos concede no final, realmente, a
grande colheita. E devemos aprender isto também nas noites escuras, sem
esquecer que há a luz, que Deus já está no meio da nossa vida e que podemos
semear com grande confiança, porque o «sim» de Deus é mais forte que todos nós.
É importante não perder esta recordação da presença de Deus na nossa vida, esta
alegria profunda que Deus entrou na nossa vida, libertando-nos: é a gratidão
pela descoberta de Jesus Cristo, que veio entre nós. E esta gratidão
transforma-se em esperança, é estrela da esperança que nos dá a confiança, é a
luz, porque precisamente as dores da sementeira são o início da vida nova, da
grande e definitiva alegria de Deus.
O semeador |
Fonte: Santa Sé.
Confira também outra Catequese do Papa Bento XVI sobre este Salmo no contexto das Catequeses sobre os Salmos e Cânticos da Liturgia das Horas (n. 143).
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