Na segunda parte das suas Catequeses sobre a oração (nn. 19-28), o Papa Bento XVI refletiu sobre a oração na vida de Jesus. Confira a seguir a primeira meditação dessa seção, sobre a oração que atravessa toda a vida de Jesus, destacando seu batismo no Jordão.
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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 30 de novembro de 2011
A oração (19):
A oração atravessa toda a vida de Jesus
Queridos irmãos e irmãs,
Nas últimas Catequeses
refletimos sobre alguns exemplos de oração no Antigo Testamento, e hoje
gostaria de começar a olhar para Jesus, para a sua oração, que atravessa toda a
sua vida, como um canal secreto que irriga a existência, as relações e os
gestos, e que O guia, com firmeza progressiva, rumo ao dom total de Si mesmo,
segundo o desígnio de amor de Deus Pai. Jesus é o Mestre também das nossas
orações, aliás, Ele é o nosso sustento concreto e fraterno, cada vez que nos
dirigimos ao Pai. Verdadeiramente, como resume um título do Compêndio do Catecismo
da Igreja Católica, «a oração é plenamente revelada e realizada em
Jesus» (nn. 541-547). Nas próximas Catequeses desejamos olhar para Ele.
Jesus em oração (Heinrich Hofmann) |
Um momento
particularmente significativo deste seu caminho é a oração que se segue ao batismo
ao qual se submete no rio Jordão. O Evangelista Lucas escreve que Jesus, depois
de ter recebido, juntamente com todo o povo, o batismo das mãos de João Batista,
entra numa oração extremamente pessoal e prolongada: «Quando todo o povo estava
sendo batizado, Jesus também recebeu o batismo. E, enquanto rezava, o céu se
abriu e o Espírito Santo desceu sobre Ele» (Lc
3,21-22). Precisamente este «rezar, «estar em oração», em diálogo com o Pai,
ilumina a obra que Ele realizou juntamente com muitos do seu povo, que
acorreram à margem do Jordão. Rezando, Ele confere a este seu gesto, do batismo,
uma característica exclusiva e pessoal.
João Batista
tinha dirigido um apelo vigoroso a viver verdadeiramente como «filhos de
Abraão», convertendo-se para o bem e produzindo frutos dignos de tal mudança (Lc 3,7-9). E um grande número de
israelitas moveu-se, como recorda o Evangelista Marcos, o qual escreve: «Saíam
ao seu encontro [de João] todos os habitantes da Judeia e de Jerusalém, e eram
batizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados» (Mc 1,5). João Batista anunciava algo
realmente novo: submeter-se ao batismo devia marcar uma mudança determinante,
abandonar um comportamento ligado ao pecado e começar uma vida nova. Também
Jesus acolhe este convite, entra na multidão triste dos pecadores que esperam à
margem do Jordão. Mas, como aos primeiros cristãos, também em nós surge a
interrogação: por que Jesus se submete voluntariamente a este batismo de
penitência e de conversão? Não tem pecados para confessar, não tinha pecados, e,
portanto, também não tinha necessidade de se converter. Então, por que este
gesto? O Evangelista Mateus descreve a admiração de João Batista, que afirma:
«Eu é que tenho necessidade de ser batizado por ti e Tu vens a mim?» (Mt 3,14), e a resposta de Jesus: «Deixa
por agora. Convém que cumpramos assim toda a justiça» (v. 15). O sentido da
palavra «justiça» no mundo bíblico é aceitar plenamente a vontade de Deus.
Jesus mostra a sua proximidade àquela parte do seu povo que, seguindo João Batista,
reconhece que é insuficiente o simples considerar-se filho de Abraão, mas quer
cumprir a vontade de Deus, deseja comprometer-se para que o seu comportamento
seja uma resposta fiel à aliança oferecida por Deus em Abraão. Então, descendo
ao rio Jordão, Jesus, sem pecado, torna visível a sua solidariedade para com
aqueles que reconhecem os próprios pecados, escolher arrepender-se e mudar de
vida; faz compreender que pertencer ao povo de Deus significa entrar numa
perspectiva de novidade de vida, de vida segundo Deus.
Neste gesto,
Jesus antecipa a cruz, dá início à sua atividade assumindo o lugar dos
pecadores, carregando sobre os seus ombros o peso da culpa da humanidade
inteira, cumprindo a vontade do Pai. Recolhendo-se em oração, Jesus mostra o
vínculo íntimo com o Pai que está nos Céus, experimenta a sua paternidade, capta
a beleza exigente do seu amor e, no diálogo com o Pai, recebe a confirmação da
sua missão. Nas palavras que ressoam do Céu há a referência antecipada ao Mistério
Pascal, à Cruz e à Ressurreição. A voz divina define-O «meu Filho muito amado» (Lc 3,22), evocando Isaac, o amadíssimo
filho que o pai Abraão estava disposto a sacrificar, segundo a ordem de Deus (Gn 22,1-14). Jesus não é só o Filho de Davi, descendente messiânico
real, ou o Servo do qual Deus se
compraz, mas é também o Filho Unigênito,
o amado, semelhante a Issac, que Deus Pai oferece para a salvação do mundo.
No momento em que, através da oração, Jesus vive em profundidade a própria
filiação e a experiência da paternidade de Deus (Lc 3,22b), desce o Espírito Santo (Lc 3,22a), que o guia na sua missão e que Ele infundirá depois de
ter sido elevado na cruz (Jo 1,32-34;
7,37-39), para que ilumine a obra da Igreja. Na oração, Jesus vive um contato
ininterrupto com o Pai, para realizar até ao fim o seu desígnio de amor pelos
homens.
No fundo desta
oração extraordinária encontra-se toda a existência de Jesus, vivida em uma
família profundamente ligada à tradição religiosa do povo de Israel.
Demonstram-no as referências que encontramos nos Evangelhos: a sua circuncisão
(Lc 2,21) e a sua apresentação no
templo (Lc 2,22-24), assim como a
educação e a formação em Nazaré (Lc
2,39-40.51-52). Trata-se de «cerca de trinta anos» (Lc 3,23), um tempo prolongado de vida escondida e de trabalho,
embora com as experiências de participação em momentos de expressão religiosa
comunitária, come as peregrinações a Jerusalém (Lc 2,41). Narrando o episódio de Jesus no templo quando tinha doze
anos, sentado no meio dos doutores, o Evangelista Lucas deixa entrever como
Jesus, que reza depois do batismo no Jordão, tem um prolongado hábito de oração
íntima com Deus Pai, arraigada nas tradições, no estilo da sua família e nas
experiências decisivas nela vividas (Lc
2,42-52). A resposta do menino de doze anos a Maria e José já indica aquela
filiação divina, que a voz celeste manifesta após o batismo: «Por que me
procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?» (v. 49). Ao sair
das águas do Jordão, Jesus não inaugura a sua oração, mas continua a sua
relação constante, habitual com o Pai; e é nesta união íntima com Ele que
realiza a passagem da vida escondida de Nazaré, para o seu ministério público.
O ensinamento de
Jesus sobre a oração deriva, sem dúvida, do seu modo de rezar, adquirido em
família, mas tem a sua origem profunda e essencial no seu ser o Filho de Deus,
na sua relação singular com Deus Pai. À pergunta: “De quem aprendeu Jesus a rezar?”, o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica assim responde:
«Jesus, segundo o seu coração de homem, foi ensinado a rezar por sua Mãe e pela
tradição judaica. Mas a sua oração brota de uma fonte secreta, porque Ele é o
Filho eterno de Deus que, na sua santa humanidade, dirige a seu Pai a oração
filial perfeita» (n. 541).
Na narração
evangélica, as ambientações da oração de Jesus colocam-se sempre na
encruzilhada entre a inserção na tradição do seu povo e a novidade de uma
relação pessoal singular com Deus. «O lugar deserto» (Mc 1,35; Lc 5,16) em que
se retira com frequência, «o monte» onde sobe para rezar (Lc 6,12; 9,28) e «a noite» que lhe permite a solidão (Mc 1,35; 6,46-47; Lc 6,12) evocam momentos do caminho da revelação de Deus no Antigo
Testamento, indicando a continuidade do seu desígnio salvífico. Mas, ao mesmo
tempo, indicam momentos de importância particular para Jesus que, de modo
consciente, se insere neste plano, totalmente fiel à vontade do Pai.
Também na nossa
oração temos que aprender, cada vez mais, a entrar nesta história de salvação,
cujo ápice é Jesus, renovar diante de Deus a nossa decisão pessoal para nos
abrirmos à sua vontade, pedir-lhe a força de conformar a nossa vontade com a
sua, em toda a nossa vida, em obediência ao seu desígnio de amor por nós.
A oração de
Jesus diz respeito a todas as fases do seu ministério e a todos os seus dias. As
dificuldades não a impedem. Aliás, os Evangelhos deixam transparecer um hábito de
Jesus, de transcorrer em oração uma parte da noite. O Evangelista Marcos narra
uma destas noites, depois do dia pesado da multiplicação dos pães, e escreve: «Jesus
obrigou logo os seus discípulos a subirem para o barco e a irem à frente, para
outro lado, rumo a Betsaida, enquanto Ele mesmo despedia a multidão. Depois de
os ter despedido, foi ao monte para orar. Já era noite, o barco estava no meio
do mar e Ele sozinho em terra» (Mc 6,45-47).
Quando as decisões se fazem urgentes e complexas, a sua prece torna-se mais
prolongada e intensa. Na iminência da escolha dos doze Apóstolos, por exemplo,
Lucas sublinha a duração da oração preparatória de Jesus à noite: «Naqueles dias,
Jesus foi para o monte fazer a oração e passou toda a noite a orar a Deus.
Quando nasceu o dia, convocou os seus discípulos e escolheu doze dentre eles,
aos quais deu o nome de Apóstolos» (Lc
6,12-13).
Olhando para a
oração de Jesus, em nós deve surgir uma pergunta: como rezo eu, como oramos
nós? Que tempo dedico à relação com Deus? Tem-se hoje uma educação e formação
suficiente para a oração? E quem pode ser mestre nisto? Na Exortação Apostólica
Verbum Domini
falei sobre a importância da leitura orante da Sagrada Escritura. Reunindo o
que sobressaiu na Assembleia do Sínodo dos Bispos, pus em evidência especial a
forma específica da lectio divina.
Ouvir, meditar e silenciar diante do Senhor que fala é uma arte, que se aprende
praticando-a com constância. Certamente, a oração é um dom, que todavia é
necessário acolher; é obra de Deus, mas exige o nosso compromisso e continuidade;
sobretudo, a continuidade e a constância são importantes. Precisamente a
experiência exemplar de Jesus mostra que a sua oração, animada pela paternidade
de Deus e pela comunhão do Espírito, aprofundou-se em um exercício prolongado e
fiel, até ao Horto das Oliveiras e à Cruz. Hoje, os cristãos são chamados a
tornar-se testemunhas de oração, precisamente porque o nosso mundo se encontra
muitas vezes fechado ao horizonte divino e à esperança que contém o encontro
com Deus. Na amizade profunda com Jesus e vivendo n’Ele e com Ele a relação
filial com o Pai, através da nossa oração fiel e constante, podemos abrir
janelas para o Céu de Deus. Aliás, ao percorrer o caminho da oração, sem uma
consideração humana, podemos ajudar outros a percorrê-lo: também para a oração
cristã é verdade que, caminhando, se abrem veredas.
Amados irmãos e
irmãs, eduquemo-nos para uma relação intensa com Deus, para uma prece que não
seja esporádica, mas constante, cheia de confiança, capaz de iluminar a nossa
vida, como nos ensina Jesus. E peçamos-lhe que possamos comunicar às pessoas
que estão próximas de nós, àqueles que encontramos ao longo do nosso caminho, a
alegria do encontro com o Senhor, Luz para a nossa existência.
Batismo de Cristo (Andrea del Verrocchio e Leonardo da Vinci) |
Fonte: Santa Sé.
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