segunda-feira, 6 de março de 2023

Catequese do Papa Bento XVI: A oração (12)

Após as quatro Catequeses “de férias” sobre a oração, proferidas durante o mês de agosto de 2011, o Papa Bento XVI retomou o ciclo principal das suas meditações, refletindo sobre sete salmos de diversos gêneros literários, começando pelo Salmo 3.

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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 07 de setembro de 2011
A oração (12):
Levantai-vos, ó Senhor, vinde salvar-me!” (Sl 3)

Estimados irmãos e irmãs,
Retomamos hoje as Audiências na Praça de São Pedro e, na «escola da oração» que vivemos juntos nestas Catequeses de quarta-feira, gostaria de começar a meditar sobre alguns salmos que, como eu dizia no passado mês de junho, constituem o «livro de oração» por excelência.

O primeiro salmo sobre o qual medito é de lamentação e de súplica, imbuído de profunda confiança, no qual a certeza da presença de Deus fundamenta a prece que brota de uma condição de extrema dificuldade na qual se encontra o orante. Trata-se do Salmo 3, referido pela tradição judaica a Davi no momento em que foge do filho Absalão (v. 1): é um dos episódios mais dramáticos e duros na vida do rei, quando o seu filho usurpa o seu trono régio e o obriga a deixar Jerusalém para salvar a própria vida (cf. 2Sm 15ss.). Portanto, a situação de perigo e de angústia experimentada por Davi serve de base para esta prece e ajuda a compreendê-la, apresentando-se como a situação típica em que tal Salmo pode ser recitado. No grito do salmista, cada homem pode reconhecer os sentimentos de dor, de amargura e também de confiança em Deus que, segundo a narração bíblica, tinham acompanhado a fuga de Davi da sua cidade.

Davi em oração (Pieter de Grebber)

O Salmo começa com uma invocação ao Senhor:
«Quão numerosos, ó Senhor, os que me atacam;
quanta gente se levanta contra mim!
Muitos dizem, comentando a meu respeito:
“Ele não acha a salvação junto de Deus!”» (vv. 2-3).

A descrição que o orante faz da sua situação é marcada por tons fortemente dramáticos. Repete-se três vezes a ideia de multidão - «numerosos», «muitos», «tantos» - que no texto original é dita com a mesma raiz hebraica, de modo a frisar ainda mais a enormidade do perigo, de forma repetitiva, quase “martelante”. Esta insistência sobre o número e a grandeza dos inimigos serve para expressar a percepção do salmista da desproporção absoluta existente entre ele e os seus perseguidores, uma desproporção que justifica e fundamenta a urgência do seu pedido de ajuda: os opressores são muitos, prevalecem, enquanto o orante está sozinho e inerme, à mercê dos seus agressores. E, no entanto, a primeira palavra que o salmista pronuncia é «Senhor»; o seu grito começa com a invocação a Deus. Uma multidão se aproxima e se revolta contra ele, gerando um medo que amplia a ameaça, fazendo-a parecer ainda maior e mais terrível; mas o orante não se deixa vencer por esta visão de morte, mantém firme a relação com o Deus da vida e antes de tudo dirige-se a Ele, em busca de ajuda.

Mas os inimigos procuram também romper este vínculo com Deus e debilitar a fé da sua vítima. Eles insinuam que o Senhor não pode intervir, afirmam que nem sequer Deus pode salvá-lo. Portanto, a agressão não é só física, mas diz respeito à dimensão espiritual: «O Senhor não pode salvá-lo», dizem, atacando o núcleo central da alma do salmista. É a extrema tentação à qual o crente é submetido, é a tentação de perder a fé, a confiança na proximidade de Deus. O justo supera a última prova, permanece firme na fé e na certeza da verdade e na plena confiança em Deus, e precisamente assim encontra a vida e a verdade. Parece-me que o Salmo nos toca muito pessoalmente: em muitos problemas somos tentados a pensar que talvez nem Deus me salve, não me conheça, talvez não seja capaz; a tentação contra a fé é a última agressão do inimigo, e a isto temos que resistir, pois só assim encontramos Deus e a vida.

Portanto, o orante do nosso Salmo é chamado a responder com a fé aos ataques dos ímpios: os inimigos - como eu disse - negam que Deus possa ajudá-lo, mas ele O invoca, chama-O pelo nome, «Senhor», e depois dirige-se a Ele com um «tu» enfático, que exprime uma relação firme, sólida, e encerra em si a certeza da resposta divina:
«Mas sois vós o meu escudo protetor,
a minha glória que levanta minha cabeça!
Quando eu chamei em alta voz pelo Senhor,
do Monte santo ele me ouviu e respondeu» (vv. 4-5).

Agora, a visão dos inimigos desaparece, eles não venceram porque quem crê em Deus está convicto de que Deus é o seu amigo: só permanece o «Tu» de Deus, aos «muitos» opõe-se agora um só, muito maior e poderoso que numerosos adversários. O Senhor é ajuda, defesa, salvação; como escudo protege quem se confia a Ele, e faz-lhe levantar a cabeça, no gesto de triunfo e de vitória. O homem deixou de estar só, os inimigos não são invencíveis como pareciam, porque o Senhor ouve o clamor do oprimido e responde do lugar da sua presença, do seu monte santo. O homem clama na angústia, no perigo e na dor; o homem pede ajuda e Deus responde. Este entrelaçar-se de clamor humano e resposta divina é a dialética da oração e a chave de leitura de toda a história da salvação. O clamor exprime a necessidade de ajuda e apela à fidelidade do outro; gritar quer dizer fazer um gesto de fé na proximidade e na disponibilidade à escuta de Deus. A oração expressa a certeza de uma presença divina já experimentada e acreditada, que na resposta salvífica de Deus se manifesta plenamente. Isto é relevante: que na nossa prece seja importante, presente, a certeza da presença de Deus. Assim o salmista, que se sente cercado pela morte, confessa a sua fé no Deus da vida que, como escudo, o circunda com uma proteção invulnerável; quem pensava já estar perdido pode erguer a cabeça, porque o Senhor o salva; o orante, ameaçado e desprezado, está na glória, porque Deus é a sua glória.

A resposta divina que ouve a prece oferece ao salmista uma segurança total; terminou também o medo, e o clamor sossega na paz, em uma profunda tranquilidade interior:
«Eu me deito e adormeço bem tranquilo;
acordo em paz, pois o Senhor é meu sustento.
Não terei medo de milhares que me cerquem
e furiosos se levantem contra mim» (vv. 6-7).

O orante, mesmo no meio do perigo e da batalha, pode adormecer tranquilo, em uma atitude inequívoca de abandono confiante. Ao seu redor os adversários acampam, assediam-no, são muitos, levantam-se contra ele, desprezam-no e procuram derrubá-lo, mas ele deita-se e dorme tranquilo e sereno, certo da presença de Deus. E quando acorda, encontra Deus ainda ao seu lado, como guardião que não dorme (cf. Sl 120,3-4), que o sustenta, o toma pela na mão e nunca o abandona. O medo da morte é vencido pela presença d’Aquele que não morre. E precisamente a noite, povoada por temores ancestrais, a noite dolorosa da solidão e da espera angustiante, agora transforma-se: o que evoca a morte torna-se presença do Eterno.

À visibilidade do assalto inimigo, maciço e imponente, opõe-se a presença invisível de Deus, com todo o seu poder invencível. É a Ele que, depois das suas expressões de confiança, o salmista novamente dirige a sua prece: «Levantai-vos, ó Senhor, vinde salvar-me!» (v. 8a). Os agressores «atacavam» (v. 2) a sua vítima, mas quem se «elevará» é o Senhor, e o fará para derrotá-los. Deus o salvará, respondendo ao seu grito. Por isso, o Salmo termina com a visão da libertação do perigo que mata e da tentação que pode fazer perecer. Depois do pedido dirigido ao Senhor, de se elevar para salvar, o orante descreve a vitória divina: os inimigos que, com a sua opressão injusta e cruel, são símbolo de tudo o que se opõe a Deus e ao seu plano de salvação, são derrotados. Atingidos na boca, já não poderão agredir com a sua violência destruidora, já não poderão insinuar o mal da dúvida na presença e na obra de Deus: o seu falar insensato e blasfemo é definitivamente desmentido e reduzido ao silêncio pela intervenção salvífica do Senhor (v. 8bc). Assim, o salmista pode concluir a sua prece com uma frase com conotações litúrgicas, que celebra, na gratidão e no louvor, o Deus da vida: «Em vós, Senhor, nós encontramos salvação; e repouse a vossa bênção sobre o povo!» (v. 9).

Caros irmãos e irmãs, o Salmo 3 apresentou-nos uma súplica cheia de confiança e consolação. Recitando este Salmo, podemos fazer nossos os sentimentos do salmista, figura do justo perseguido que encontra em Jesus o seu cumprimento. Na dor, no perigo, na amargura da incompreensão e da ofensa, as palavras do Salmo abrem o nosso coração à certeza confortadora da fé. Deus está sempre perto - mesmo nas dificuldades, nos problemas e nos contratempos da vida - ouve, responde e salva à sua maneira. Mas é preciso saber reconhecer a sua presença e aceitar os seus modos, como Davi na sua fuga humilhante do filho Absalão, como o justo perseguido do Livro da Sabedoria e, última e definitivamente, como o Senhor Jesus no Gólgota. E quando, aos olhos dos ímpios, Deus parece não intervir e o Filho morre, é precisamente então que se manifesta, para todos os fiéis, a verdadeira glória e a realização definitiva da salvação. Que o Senhor nos conceda a fé, nos ajude na nossa debilidade e nos torne capazes de crer e de rezar em todas as angústias, nas noites dolorosas da dúvida e nos longos dias da dor, abandonando-nos com confiança a Ele, que é o nosso «escudo» e a nossa «glória». 

Papa Bento XVI em oração (01 de maio de 2011)

Fonte: Santa Sé.

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