sexta-feira, 3 de março de 2023

Catequese do Papa Bento XVI: A oração (11)

A leitura da Bíblia, os “oásis do espírito”, a meditação... Concluindo suas Catequeses “de férias” sobre a oração, proferidas em Castel Gandolfo durante o mês de agosto de 2011, o Papa Bento XVI refletiu sobre a relação entre arte e oração.

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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 31 de agosto de 2011
A oração (11): Arte e oração

Estimados irmãos e irmãs,
Ao longo deste período de férias, evoquei várias vezes a necessidade de que cada cristão encontre tempo para Deus, para a oração, no meio das numerosas ocupações dos nossos dias. O próprio Senhor oferece-nos muitas oportunidades para nos recordarmos d’Ele. Hoje gostaria de meditar brevemente sobre um desses canais que podem nos conduzir a Deus e servir também de ajuda no encontro com Ele: trata-se do caminho das expressões artísticas, que faz parte daquela «via pulchritudinis» - «caminho da beleza» - da qual já falei diversas vezes e que o homem contemporâneo deveria recuperar no seu significado mais profundo.

O Papa preside a Missa na célebre Capela Sistina, sob os afrescos de Michelangelo

Talvez vos tenha acontecido algumas vezes, diante de uma escultura, de um quadro, de certos versos de uma poesia ou de uma peça musical, sentir uma emoção íntima, uma sensação de alegria, ou seja, sentir claramente que diante de vós não havia apenas matéria, um pedaço de mármore ou de bronze, uma tela pintada, um conjunto de letras ou um cúmulo de sons, mas algo maior, algo que «fala», capaz de sensibilizar o coração, de comunicar uma mensagem e de elevar a alma. Uma obra de arte é fruto da capacidade criativa do ser humano, que se interroga diante da realidade visível, procura descobrir o seu sentido profundo e comunicá-lo através da linguagem, das formas, das cores e dos sons. A arte é capaz de expressar e de tornar visível a necessidade que o homem tem de ir além daquilo que se vê, pois manifesta a sede e a busca do infinito. Aliás, é como uma porta aberta para o infinito, para uma beleza e para uma verdade que vão mais além da vida quotidiana. E uma obra de arte pode abrir os olhos da mente e do coração, impelindo-nos rumo ao alto.

Mas existem expressões artísticas que constituem verdadeiros caminhos que conduzem a Deus, à Beleza suprema, aliás, são uma ajuda a crescer na relação com Ele, na oração. Tratam-se das obras que nascem da fé e que expressam a fé. Por exemplo, quando visitamos uma catedral gótica: sentimo-nos arrebatados pelas linhas verticais que se perfilam rumo ao céu e atraem para o alto o nosso olhar e o nosso espírito enquanto, ao mesmo tempo, nos sentimos pequenos e, no entanto, desejosos de plenitude... Ou então quando entramos em uma igreja românica: somos convidados de modo espontâneo ao recolhimento e à oração. Compreendemos que nestes edifícios maravilhosos está como que encerrada a fé de gerações.

Ou ainda, quando ouvimos uma peça de música sacra, que faz vibrar as cordas do nosso coração, a nossa alma é como que dilatada e ajudada a dirigir-se a Deus. Volta-me à mente um concerto de músicas de Johann Sebastian Bach (†1750), em Munique da Baviera, dirigido por Leonard Bernstein (†1990). No final da última peça, uma das Cantatas, senti, não por raciocínio, mas no profundo do coração, que o que eu ouvira tinha me transmitido a verdade, a verdade do Sumo Compositor, impelindo-me a dar graças a Deus. Ao meu lado estava o Bispo luterano de Munique e, espontaneamente, eu disse-lhe: «Ouvindo isto, compreende-se: é verdade; é verdadeira essa fé tão forte, e a beleza que a presença da verdade de Deus exprime de maneira irresistível».

Mas quantas vezes quadros ou afrescos, fruto da fé do artista, nas suas formas, nas suas cores e na sua luz, nos impelem a dirigir o pensamento para Deus e fazem aumentar em nós o desejo de beber na fonte de toda a beleza. Permanece profundamente verdadeiro aquilo que foi escrito por um grande artista, Marc Chagall (†1985), ou seja, que durante séculos os pintores molharam o seu pincel naquele alfabeto colorido que é a Bíblia. Quantas vezes então as expressões artísticas podem ser ocasiões para nos recordarmos de Deus, para nos ajudar na nossa oração ou também na conversão do coração! Paul Claudel (†1955), famoso poeta, dramaturgo e diplomata francês, na Basílica de Notre-Dame em Paris, em 1886, precisamente ouvindo o canto do Magnificat durante a Missa de Natal, sentiu a presença de Deus. Não tinha entrado na igreja por motivos de fé, mas precisamente para procurar argumentos contra os cristãos e, no entanto, a graça de Deus agiu no seu coração.

Queridos amigos, vos convido a redescobrir a importância deste caminho também para a oração, para a nossa relação viva com Deus. As cidades e os povoados do mundo inteiro encerram tesouros de arte que exprimem a fé e nos exortam à relação com Deus. A visita aos lugares de arte, portanto, não seja apenas uma ocasião de enriquecimento cultural - também isto - mas possa tornar-se sobretudo um momento de graça, de estímulo para refortalecer o nosso vínculo e o nosso diálogo com o Senhor, para nos determos a contemplar - na passagem da simples realidade exterior para a realidade mais profunda que exprime - o raio de beleza que nos atinge, que quase nos «fere» no íntimo e nos convida a elevar-nos rumo a Deus. Termino com a oração de um salmo, o Salmo 26: «Uma só coisa pedi ao Senhor, e desejo-a ardentemente: poder habitar na casa do Senhor todos os dias da minha vida, contemplando a beleza do Senhor e orando no seu templo» (v. 4). Esperemos que o Senhor nos ajude a contemplar a sua beleza, tanto na natureza como nas obras de arte, assim como a sermos sensibilizados pela luz da sua Face, a fim de que também nós possamos ser luzes para o nosso próximo.

O Papa preside as Vésperas na Catedral de Notre-Dame de Paris (2008)

Fonte: Santa Sé.

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