“Deus te ungiu com o óleo da alegria” (Hb 1,9; Sl 44,8).
Na manhã da Quinta-feira Santa (neste ano de 2023 a 06 de abril), cada Diocese celebra a Missa Crismal, durante a qual o Bispo abençoa os Óleos dos Catecúmenos e dos Enfermos e consagra o Crisma.
Em 2022 publicamos uma postagem sobre a história da Missa Crismal. Neste ano gostaríamos de propor a homilia do Papa Bento XVI para essa celebração em 2011, na qual este reflete sobre o simbolismo dos três Óleos:
Santa Missa Crismal
Homilia do Papa Bento XVI
Basílica Vaticana
Quinta-feira Santa, 21 de abril de 2011
Amados irmãos e irmãs,
No centro da Liturgia
desta manhã está a bênção dos Santos Óleos: o Óleo para a unção dos Catecúmenos,
o Óleo para a Unção dos Enfermos e o Óleo do Crisma para os grandes sacramentos
que conferem o Espírito Santo, ou seja, a Confirmação, a Ordenação Sacerdotal e
a Ordenação Episcopal. Nos sacramentos o Senhor toca-nos por meio dos elementos
da criação. Aqui torna-se visível a unidade entre criação e redenção. Os
sacramentos são expressão da corporeidade da nossa fé, que abraça corpo e alma,
isto é, o homem inteiro. Pão e vinho são frutos da terra e do trabalho humano.
O Senhor escolheu-os como portadores da sua presença. O óleo é símbolo do
Espírito Santo e, ao mesmo tempo, alude a Cristo: a palavra «Cristo» (Messias)
significa «Ungido». A humanidade de Jesus, graças à unidade do Filho com o Pai,
fica inserida na comunhão com o Espírito Santo e assim é «ungida» de um modo
único, é permeada pelo Espírito Santo. Aquilo que acontecera apenas
simbolicamente nos reis e sacerdotes da Antiga Aliança, quando eram instituídos
no seu ministério com a unção do óleo, verifica-se em toda a sua realidade em
Jesus: a sua humanidade é permeada pela força do Espírito Santo. Jesus abre a
nossa humanidade ao dom do Espírito Santo. Quanto mais estivermos unidos a
Cristo, tanto mais ficamos cheios do seu Espírito, do Espírito Santo.
Chamamo-nos «cristãos», ou seja, «ungidos»: pessoas que pertencem a Cristo e
por isso participam na sua unção, são tocadas pelo seu Espírito. Não quero
somente chamar-me cristão, mas sê-lo também: disse Santo Inácio de Antioquia.
Deixemos que estes Santos Óleos, que vão ser consagrados daqui a pouco, lembrem
este dever contido na palavra «cristão», e peçamos ao Senhor que não nos
limitemos a chamar-nos cristãos, mas o sejamos cada vez mais.
O Papa sopra sobre o Óleo do Crisma |
Como já disse,
na Liturgia deste dia são abençoados três óleos. Nesta tríade, exprimem-se três
dimensões essenciais da vida cristã, sobre as quais queremos agora refletir.
Em
primeiro lugar, temos o Óleo dos Catecúmenos. Este óleo indica como que
um primeiro modo de ser tocados por Cristo e pelo seu Espírito: um toque
interior, pelo qual o Senhor atrai e aproxima de Si as pessoas. Por meio desta
primeira unção, que tem lugar ainda antes do Batismo, o nosso olhar detém-se
nas pessoas que se põem a caminho de Cristo, nas pessoas que andam à procura da
fé, à procura de Deus. O Óleo dos Catecúmenos diz-nos: não só os homens
procuram a Deus, mas o próprio Deus anda à nossa procura. O fato de Ele mesmo Se
ter feito homem, descendo até aos abismos da existência humana, até à noite da
morte, mostra-nos quanto Deus ama o homem, sua criatura. Movido pelo amor, Deus
caminhou ao nosso encontro. «A buscar-me Vos cansastes, pela Cruz me
resgatastes: tanta dor não seja em vão!»: rezamos no Dies irae. Deus anda à minha procura. Tenho eu vontade de reconhecê-Lo?
Quero ser conhecido por Ele, ser encontrado por Ele? Deus ama os homens. Ele
sai ao encontro da inquietude do nosso coração, da inquietude que nos faz
questionar e procurar, com a inquietude do seu próprio coração, que O induz a
realizar o ato extremo por nós. A inquietude por Deus, o caminhar para Ele,
para melhor conhecê-Lo e amá-Lo não deve apagar-se em nós. Neste sentido, nunca
devemos deixar de ser catecúmenos. «Procurai sempre a sua face»: diz um Salmo (Sl
104,4). A este respeito, comentava Agostinho: Deus é tão grande que sempre
supera infinitamente todo o nosso conhecimento e todo o nosso ser. O conhecimento
de Deus nunca se esgota. Por toda a eternidade, poderemos, com uma alegria
crescente, continuar a procurá-Lo, para conhecê-Lo e amá-Lo cada vez mais. «O
nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Vós»: escreveu Agostinho
no início das suas Confissões. Sim, o homem vive inquieto, porque tudo o
que é temporal é demasiado pouco. Mas, verdadeiramente, sentimo-nos inquietos
por Ele? Não acabamos, talvez, por nos resignar com a sua ausência, procurando
bastar-nos a nós mesmos? Não consintamos em tal redução do nosso ser humano!
Continuemos incessantemente a caminhar para Ele, com saudades d’Ele, em um
acolhimento sempre novo feito de conhecimento e amor!
Temos, depois, o
Óleo para a Unção dos Enfermos. Pensamos agora na multidão das pessoas
que sofrem: os famintos e os sedentos, as vítimas da violência em todos os
continentes, os doentes com todos os seus sofrimentos, as suas esperanças e
desânimos, os perseguidos e os humilhados, as pessoas com o coração dilacerado.
Ao narrar o primeiro envio dos discípulos por Jesus, São Lucas diz-nos: «Ele
enviou-os a proclamar o Reino de Deus e a curar os enfermos» (Lc 9,2).
Curar é um mandato primordial confiado por Jesus à Igreja, a exemplo d’Ele
mesmo que, curando, percorreu os caminhos da sua terra. É certo que o dever
primordial da Igreja é o anúncio do Reino de Deus. Mas este mesmo anúncio deve
revelar-se um processo de cura: «curar as feridas da alma», diz hoje a 1ª
leitura do profeta Isaías (Is 61,1). O primeiro fruto que o anúncio do
Reino de Deus, da bondade sem limites de Deus, deve suscitar é curar o coração
ferido dos homens. O homem é essencialmente um ser em relação. Mas, se a sua
relação fundamental - a relação com Deus - é transtornada, então todo o resto também
fica transtornado. Se o nosso relacionamento com Deus se transtorna, se a
orientação fundamental do nosso ser está errada, não podemos ficar
verdadeiramente curados no corpo e na alma. Por isso, a primeira e fundamental
cura tem lugar no encontro com Cristo, que nos reconcilia com Deus e sara o
nosso coração despedaçado. Mas, além deste dever central, faz parte da missão
essencial da Igreja também a cura concreta da doença e do sofrimento. O Óleo
para a Unção dos Enfermos é expressão sacramental visível desta missão. Desde o
início amadureceu na Igreja a vocação de curar, amadureceu o amor solícito
pelas pessoas atribuladas no corpo e na alma. Esta é uma boa ocasião também para
agradecer mais uma vez às irmãs e aos irmãos que, em todo o mundo, proporcionam
um amor restaurador aos homens, sem olhar à sua posição ou confissão religiosa.
Desde Isabel da Hungria, Vicente de Paulo, Luísa de Marillac, Camilo de Lellis,
até Madre Teresa - para lembrar somente alguns nomes - o mundo é atravessado
por um rastro luminoso de pessoas, que tem a sua origem no amor de Jesus pelos
atribulados e doentes. Por tudo isso damos graças ao Senhor neste momento. E
agradecemos a todos aqueles que, em virtude da fé e do amor, se põem ao lado
dos doentes, dando assim, definitivamente, testemunho da bondade própria de
Deus. O Óleo para a Unção dos Enfermos é sinal deste óleo da bondade do
coração, que estas pessoas - juntamente com a sua competência profissional -
proporcionam aos doentes. Sem falar de Cristo, O manifestam.
Homilia do Papa Bento XVI na Missa Crismal 2011 |
Em terceiro
lugar, temos o mais nobre dos óleos eclesiais: o Crisma, uma mistura de
azeite de oliveira e com perfumes vegetais. É o óleo da unção sacerdotal e da
unção real, unções estas que estão ligadas com as grandes tradições de unção da
Antiga Aliança. Na Igreja, este óleo serve sobretudo para a unção na
Confirmação e nas Ordens sacras. A Liturgia de hoje relaciona com este óleo as
palavras de promessa do profeta Isaías: «Vós sois os sacerdotes do Senhor, chamados
ministros de nosso Deus» (Is 61,6a). Deste modo, o profeta retoma a
grande palavra de mandato e promessa que Deus dirigira a Israel no Sinai: «Vós
sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa» (Ex 19,6). No
meio do mundo imenso e em favor do mesmo, que em grande parte não conhecia Deus,
Israel devia ser como que um santuário de Deus para todos, devia exercer uma
função sacerdotal em favor do mundo; devia conduzir o mundo para Deus, abri-lo
a Ele. São Pedro, na sua grande catequese batismal, aplicou tal privilégio e
mandato de Israel a toda a comunidade dos batizados, proclamando: «Vós sois a raça
escolhida, o sacerdócio do Reino, a nação santa, o povo que Ele conquistou para
proclamar as obras admiráveis d’Aquele que vos chamou das trevas para a sua luz
maravilhosa. Vós sois aqueles que “antes não eram povo, agora, porém, são povo
de Deus”» (1Pd 2,9-10). O Batismo e a Confirmação constituem o ingresso
neste povo de Deus, que abraça todo o mundo; a unção no Batismo e na
Confirmação introduz neste ministério sacerdotal em favor da humanidade. Os
cristãos são um povo sacerdotal em favor do mundo. Os cristãos deveriam fazer
visível ao mundo o Deus vivo, testemunhá-Lo e conduzir a Ele. Ao falarmos desta
nossa missão comum enquanto batizados, não temos motivo para nos vangloriar. De
fato, trata-se de uma exigência que suscita em nós alegria e ao mesmo tempo
preocupação: somos nós verdadeiramente o santuário de Deus no mundo e para o
mundo? Abrimos aos homens o acesso a Deus ou, pelo contrário, o escondemos?
Porventura nós, povo de Deus, não nos tornamos em grande parte um povo marcado pela
incredulidade e pelo afastamento de Deus? Porventura não é verdade que o
Ocidente, os países centrais do Cristianismo, se mostram cansados da sua fé e,
enfastiados da sua própria história e cultura, já não querem conhecer a fé em
Jesus Cristo? Neste momento, temos motivos para gritar a Deus: «Não permitais
que nos tornemos um “não povo”! Fazei que Vos reconheçamos de novo! De fato,
ungistes-nos com o vosso amor, colocastes o vosso Espírito Santo sobre nós.
Fazei que a força do vosso Espírito se torne novamente eficaz em nós, para
darmos com alegria testemunho da vossa mensagem!».
Mas, apesar de
toda a vergonha pelos nossos erros, não devemos esquecer que hoje existem
também exemplos luminosos de fé; pessoas que, pela sua fé e o seu amor, dão
esperança ao mundo. Quando for beatificado o Papa João Paulo II no próximo dia
1º de maio, cheios de gratidão pensaremos nele como grande testemunha de Deus e
de Jesus Cristo no nosso tempo, como homem cheio do Espírito Santo. E
juntamente com João Paulo II, pensamos no grande número daqueles que ele
beatificou e canonizou, e que nos dão a certeza de que também hoje a promessa
de Deus e o seu mandato não ficam sem efeito.
Finalmente,
dirijo uma palavra especial a vós, caros irmãos no ministério sacerdotal. A
Quinta-feira Santa é de modo particular o nosso dia. Na hora da Última Ceia, o
Senhor instituiu o sacerdócio neotestamentário. «Consagra-os na verdade» (Jo
17,17): pediu Ele ao Pai para os Apóstolos e para os sacerdotes de todos os
tempos. Com imensa gratidão pela nossa vocação e com grande humildade por todas
as nossas insuficiências, renovemos neste momento o nosso «sim» ao chamamento
do Senhor: Sim, quero unir-me intimamente ao Senhor Jesus, renunciando a mim
mesmo... impelido pelo amor de Cristo. Amém.
Fonte: Santa Sé.
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