quarta-feira, 22 de março de 2023

Catequese do Papa Bento XVI: A oração (20)

A segunda das Catequeses sobre a oração do Papa Bento XVI dedicadas à oração na vida de Jesus esteve centrada no chamado “hino de júbilo” de Mt 11,25-30 e Lc 10,21-22.

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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 07 de dezembro de 2011
A oração (20):
A joia do hino de júbilo (Mt 11,25-30)

Queridos irmãos e irmãs,
Os evangelistas Mateus e Lucas deixaram-nos em herança uma «joia» da oração de Jesus, que muitas vezes é chamado “hino de júbilo” ou “hino de júbilo messiânico” (Mt 11,25-30; Lc 10,21-22). Trata-se de uma oração de reconhecimento e de louvor, como pudemos ouvir. No original grego dos Evangelhos, o verbo com que este hino começa, e que expressa a atitude de Jesus quando se dirige ao Pai, é “exomologoumai, traduzido frequentemente com «presto louvor». Mas nos escritos do Novo Testamento, este verbo indica principalmente estas duas coisas: a primeira é «reconhecer até ao fundo» - por exemplo, João Batista pedia que se reconhecesse até ao fundo os próprios pecados, àqueles que iam ter com ele para ser batizados (Mt 3,6); a segunda coisa consiste em «estar de acordo». Portanto, a expressão com que Jesus dá início à sua oração contém o seu reconhecer até ao fundo, plenamente, o agir de Deus Pai e, ao mesmo tempo, o seu estar em total, consciente e jubiloso acordo com este modo de agir, com o desígnio do Pai. O “hino de júbilo” constitui o ápice de um caminho de oração no qual sobressai claramente a profunda e íntima comunhão de Jesus com a vida do Pai no Espírito Santo, e manifesta-se a sua filiação divina.

Jesus em oração com os Apóstolos (James Tissot)

Jesus dirige-se a Deus, chamando-lhe «Pai». Este termo expressa a consciência e a certeza de Jesus, de que é «o Filho», e está em comunhão íntima e constante com Ele, e este é o ponto central e a fonte de cada oração de Jesus. Vemo-lo claramente na última parte do hino, que ilumina todo o texto. Jesus diz: «Tudo me foi entregue pelo meu Pai. Ninguém conhece quem é o Filho, a não ser o Pai; e ninguém conhece quem é o Pai, a não ser o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar» (Lc 10,22). Por conseguinte, Jesus afirma que somente «o Filho» conhece verdadeiramente o Pai. Cada conhecimento entre as pessoas - todos nós o experimentamos nos nossos relacionamentos humanos - exige um envolvimento, um certo vínculo interior entre aquele que conhece e aquele é conhecido, a nível mais ou menos profundo: não se pode conhecer sem uma comunhão do ser. No “hino de júbilo”, como em cada uma das suas orações, Jesus demonstra que o verdadeiro conhecimento de Deus pressupõe a comunhão com Ele: só permanecendo em comunhão com o outro, começo a conhecer; e assim também com Deus: só se eu tiver um contato verdadeiro, se estiver em comunhão, posso também conhecê-Lo. Portanto, o verdadeiro conhecimento está reservado ao Filho, o Unigênito que desde sempre se encontra no seio do Pai (Jo 1,18), em perfeita unidade com Ele. Somente o Filho conhece verdadeiramente Deus, permanecendo em comunhão íntima do ser; só o Filho pode revelar verdadeiramente quem é Deus.

O nome «Pai» é seguido por um segundo título, «Senhor do céu e da terra». Com esta expressão, Jesus recapitula a fé na criação e faz ressoar as primeiras palavras da Sagrada Escritura: «No princípio, Deus criou o céu e a terra» (Gn 1,1). Rezando, Ele evoca a grandiosa narração bíblica da história de amor de Deus pelo homem, que começa com a obra da criação. Jesus insere-se nesta história de amor, constitui o seu ápice e o seu cumprimento. Na sua experiência de oração, a Sagrada Escritura é iluminada e revive na sua mais completa amplidão: anúncio do mistério de Deus e resposta do homem transformado. Todavia, através da expressão: «Senhor do céu e da terra» podemos reconhecer também o modo como em Jesus, o Revelador do Pai, volta a apresentar-se ao homem a possibilidade de aceder a Deus.

Agora, interroguemo-nos: a quem deseja o Filho revelar os mistérios de Deus? No início do hino, Jesus manifesta a sua alegria, porque a vontade do Pai consiste em manter estas coisas escondidas aos sábios e entendidos, e em revelá-las aos pequeninos (Mt 11,25; Lc 10,21). Nesta expressão da sua oração, Jesus manifesta a sua comunhão com a decisão do Pai, que revela os seus mistérios a quantos têm um coração simples: a vontade do Filho é uma só com a do Pai. A revelação divina não se realiza em conformidade com a lógica terrena, para a qual são os homens cultos e poderosos que possuem os conhecimentos importantes e que depois os transmitem às pessoas mais simples, aos pequeninos. Deus recorreu a um outro estilo: os destinatários da sua comunicação foram precisamente os «pequeninos». Esta é a vontade do Pai, e o Filho compartilha-a com alegria. O Catecismo da Igreja Católica diz: «O seu estremecimento - “Sim, Pai!” - revela o íntimo do seu coração, a sua adesão ao “beneplácito” do Pai, como um eco do “Fiat” da sua Mãe quando da sua concepção e como prelúdio do que Ele próprio dirá ao Pai na sua agonia. Toda a oração de Jesus está nesta adesão amorosa do seu coração de homem ao “mistério da vontade” do Pai (Ef 1,9)» (n. 2.603). Daqui deriva a invocação que, no Pai nosso dirigimos a Deus: «Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu»: com Cristo e em Cristo, também nós pedimos para entrar em sintonia com a vontade do Pai, tornando-nos assim também nós seus filhos. Portanto, neste “hino de júbilo” Jesus manifesta a vontade de empenhar no seu conhecimento filial de Deus todos aqueles que o Pai quer tornar partícipes do mesmo; e aqueles que recebem esta dádiva são os «pequeninos».

Mas o que significa «ser pequenino», simples? Qual é «a pequenez» que abre o homem à intimidade filial com Deus e ao acolhimento da sua vontade? Qual deve ser a atitude de fundo da nossa oração? Meditemos sobre o «Sermão da montanha», onde Jesus afirma: «Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5,8). É a pureza do coração, aquela que permite reconhecer o rosto de Deus em Jesus Cristo; é ter um coração simples, como o das crianças, sem a presunção daqueles que se fecham em si mesmos, pensando que não têm necessidade de ninguém, nem sequer de Deus.

É interessante observar também a ocasião em que Jesus irrompe neste hino ao Pai. Na narração evangélica de Mateus é a alegria porque, não obstante as oposições e as rejeições, existem «pequeninos» que acolhem a sua palavra e se abrem ao dom da fé n’Ele. Com efeito, o “hino de júbilo” é precedido pelo contraste entre o elogio de João Batista, um dos «pequeninos» que reconheceram o agir de Deus em Jesus Cristo (Mt 11,2-19), e a repreensão pela incredulidade das cidades do lago, «nas quais se tinha verificado a maior parte dos seus milagres» (Mt 11,20-24). Por conseguinte, o júbilo é visto por Mateus em relação às palavras com as quais Jesus constata a eficácia da sua palavra e da sua obra: «Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a Boa Nova é anunciada aos pobres... Bem-aventurado aquele que não encontra em mim ocasião de escândalo!» (Mt 11,4-6).

Inclusive Lucas apresenta o “hino de júbilo” relacionado com um momento de desenvolvimento do anúncio do Evangelho. Jesus enviou os «setenta e dois discípulos» (Lc 10,1) e eles partiram com um sentido de temor pelo possível insucesso da sua missão. Também Lucas sublinha a rejeição encontrada nas cidades onde o Senhor pregou e realizou sinais prodigiosos. Mas os setenta e dois discípulos voltam cheios de alegria, porque a sua missão teve bom êxito; eles constataram que, com o poder da palavra de Jesus, os males do homem são derrotados. E Jesus compartilha a sua satisfação: «naquela mesma hora», naquele momento, Ele exultou de alegria.

Existem ainda dois elementos que eu gostaria de ressaltar. O evangelista Lucas introduz a oração, com a seguinte anotação: «Jesus exultou no Espírito Santo» (Lc 10,21). Jesus rejubila, a partir do íntimo de Si mesmo, naquilo que Ele possui de mais profundo: a singular comunhão de conhecimento e de amor com o Pai, a plenitude do Espírito Santo. Empenhando-nos na sua filiação, Jesus convida-nos, também a nós, a abrirmo-nos à luz do Espírito Santo, porque - como afirma o Apóstolo Paulo - «(nós) não sabemos... rezar de maneira conveniente, mas o próprio Espírito intercede com gemidos inefáveis... de acordo com os desígnios de Deus» (Rm 8,26-27), revelando-nos o amor do Pai. No Evangelho de Mateus, depois do “hino de júbilo” encontramos um dos apelos mais urgentes de Jesus: «Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso» (Mt 11,28). Jesus pede-nos para ir ter com Ele, que é a verdadeira sabedoria, com Ele que é «manso e humilde de coração»; propõe «o seu jugo», o caminho da sabedoria do Evangelho, que não é uma doutrina a aprender, nem uma proposta ética, mas uma Pessoa a seguir: Ele mesmo, o Filho Unigênito, em perfeita comunhão com o Pai.

Estimados irmãos e irmãs, pudemos degustar por um momento a riqueza desta oração de Jesus. Também nós, com o dom do seu Espírito, podemos dirigir-nos a Deus, mediante a oração, com a confiança de filhos, invocando-o com o nome de Pai, «Abbá». Mas devemos ter o coração dos pequeninos, dos «pobres de espírito» (Mt 5,3), para reconhecer que não somos autossuficientes, que não podemos construir a nossa vida sozinhos, mas precisamos de Deus, temos necessidade de encontrá-Lo e escutá-Lo, de lhe falar. A oração abre-nos à recepção do dom de Deus, à sua sabedoria, que é o próprio Jesus, para cumprir a vontade do Pai sobre a nossa vida e encontrar assim alívio nas dificuldades do nosso caminho.

“Vinde a mim e Eu vos darei descanso...”
(Eustache Le Sueur)

Fonte: Santa Sé.

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