A oração de Jesus no Getsêmani (Jardim das Oliveiras) foi o tema da 25ª Catequese sobre a oração do Papa Bento XVI. Para acessar a postagem com os links para todas as suas Catequeses, clique aqui.
Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 1° de fevereiro de 2012
A oração (25):
A oração de Jesus no Getsêmani
Queridos irmãos e irmãs,
Hoje gostaria de
falar sobre a oração de Jesus no Getsêmani, no Jardim das Oliveiras. O cenário
da narração evangélica desta prece é particularmente significativo. Jesus
dirige-se para o Monte das Oliveiras, depois da Última Ceia, enquanto está rezando
com os seus discípulos. O evangelista Marcos narra: «Depois de terem cantado o
hino, foram para o monte das Oliveiras» (Mc 14,26). Alude-se,
provavelmente, ao canto de alguns Salmos do Hallel, com os quais se dá graças a Deus
pela libertação do povo da escravidão e se pede a sua ajuda para as
dificuldades e as ameaças sempre novas do presente. O percurso até ao Getsêmani
está constelado de expressões de Jesus que fazem sentir incumbente o seu
destino de morte e anunciam a dispersão iminente dos discípulos.
Jesus em oração no Getsêmani (Santuário de Lourdes, França) |
Tendo chegado ao
horto no Monte das Oliveiras, também naquela noite Jesus se prepara para a
oração pessoal. Mas desta vez acontece algo de novo: parece que Ele não quer
permanecer só. Muitas vezes Jesus afastava-se da multidão e dos próprios
discípulos, permanecendo «em lugares desertos» (Mc 1,35) ou subindo «ao monte», diz São Marcos (Mc 6,46). No Getsêmani, contudo, ele
convida Pedro, Tiago e João, para que fiquem com Ele. São os discípulos que chamou
para estar com Ele no Monte da Transfiguração (Mc 9,2-13). Esta proximidade dos três durante a oração no Getsêmani
é significativa. Também naquela noite Jesus rezará ao Pai «sozinho», porque a
sua relação com Ele é totalmente única e singular: é a relação do Filho Unigênito.
Aliás, se poderia dizer que sobretudo naquela noite ninguém podia aproximar-se
verdadeiramente do Filho, que se apresenta ao Pai na sua identidade absolutamente
única, exclusiva. Mas Jesus, mesmo chegando «sozinho» ao ponto onde se deterá
para rezar, deseja que pelo menos três discípulos permaneçam não distantes, em uma
relação mais íntima com Ele. Trata-se de uma proximidade espacial, de um pedido
de solidariedade no momento em que sente aproximar-se a morte, mas é
principalmente uma proximidade na oração, para expressar de algum modo a
sintonia com Ele, no momento em que se prepara para cumprir até ao fim a
vontade do Pai, e é um convite a cada discípulo, a segui-lo no caminho da Cruz.
O evangelista Marcos narra: «Levou consigo Pedro, Tiago e João, e começou a
sentir pavor e angústia. Então Jesus lhes disse: “Minha alma está triste até
à morte. Ficai aqui e vigiai”» (Mc 14,33-34).
Na palavra que
dirige aos três, mais uma vez Jesus se expressa com a linguagem dos Salmos: «A minha alma está triste», uma expressão
do Salmo 42 (v. 5). Depois, a dura determinação, «mortal», evoca uma situação
vivida por muitos dos enviados de Deus no Antigo Testamento e expressa na sua
oração. Com efeito, seguir a missão que lhes é confiada não raro significa
encontrar hostilidade, rejeição e perseguição. Moisés sente de modo dramático a
prova que padece enquanto guia o povo no deserto, e diz a Deus: «Já não posso
suportar sozinho o peso de todo este povo: é grande demais para mim. Se queres
continuar a tratar-me assim, peço-te que me tires a vida, se achei graça a teus
olhos» (Nm 11,14-15). Também para o
profeta Elias não é fácil dar continuidade ao serviço a Deus e aos seu povo. No
Primeiro Livro dos Reis narra-se: «Elias entrou deserto adentro e
caminhou o dia todo. Sentou-se finalmente debaixo de um junípero e pediu para
si a morte, dizendo: “Agora basta, Senhor! Tira a minha vida, pois não sou
melhor que meus pais”» (1Rs 19,4).
As palavras de
Jesus aos três discípulos que Ele quer próximos durante a oração no Getsêmani
revelam como Ele sente pavor e angústia naquela «Hora», como experimenta a
última e profunda solidão precisamente enquanto o desígnio de Deus se está realizando.
E em tal pavor e angústia de Jesus está recapitulado todo o horror do homem
diante da própria morte, a certeza da sua inexorabilidade e a percepção do peso
do mal que ameaça a nossa vida.
Depois do
convite a permanecer e a vigiar em oração, feito aos três, Jesus dirige-se «sozinho»
ao Pai. O evangelista Marcos narra que Ele «foi um pouco mais adiante e,
prostrando-se por terra, rezava que, se fosse possível, aquela hora se
afastasse d’Ele» (Mc 14,35). Jesus prostrou-se com a face por terra: é
uma posição da oração que exprime a obediência à vontade do Pai, o abandonar-se
com plena confiança nele. É um gesto que se repete no início da Celebração da
Paixão, na Sexta-Feira Santa, assim como na profissão monástica e nas
Ordenações diaconal, presbiteral e episcopal, para expressar na oração,
inclusive corporalmente, o confiar-se completo a Deus, o confiar n’Ele. Depois,
Jesus pede ao Pai que, se fosse possível, afastasse d’Ele aquele cálice. Não é
só o pavor e a angústia do homem diante da morte, mas é o transtorno do Filho
de Deus que vê a massa terrível do mal que Ele deverá assumir sobre Si para superá-lo,
para privá-lo do poder.
Caros amigos,
também nós na oração temos que ser capazes de apresentar a Deus as nossas
dificuldades, o sofrimento de certas situações, de determinados dias, o
compromisso quotidiano de segui-Lo, de ser cristãos, e também o peso do mal que
vemos em nós e ao nosso redor, para que Ele nos infunda esperança, nos faça
sentir a sua proximidade, nos conceda um pouco de luz no caminho da vida.
Jesus continua a
sua prece: «Abbá! Pai! Tudo te é
possível: Afasta de mim este cálice! Contudo, não seja feito o que eu quero,
mas sim o que Tu queres!» (Mc 14,36).
Esta invocação contém três passagens reveladoras. No início temos a duplicação
do termo com que Jesus se dirige a Deus: «Abbá!
Pai!». Sabemos bem que a palavra aramaica Abbá
era utilizada pelo filho para se dirigir ao pai, e, portanto, exprime a relação
de Jesus com Deus Pai, uma relação de ternura, de confiança e de abandono. Na
parte central da invocação há o segundo elemento: a consciência da onipotência
do Pai - «tudo te é possível» - que introduz um pedido no qual, mais uma vez,
aparece o drama da vontade humana de Jesus perante a morte e o mal: «Afasta de
mim este cálice!». Mas há uma terceira expressão da prece de Jesus, que é
decisiva, na qual a vontade humana adere plenamente à vontade divina. Com
efeito, Jesus conclui dizendo com vigor: «Contudo, não seja feito o que eu
quero, mas sim o que Tu queres». Na unidade da pessoa divina do Filho, a
vontade humana encontra a sua plena realização no abandono total do Eu ao Tu do
Pai, chamado Abbá. São Máximo, o
Confessor, afirma que desde o momento da criação do homem e da mulher a vontade
humana está orientada para a divina, e é precisamente no «sim» a Deus que a
vontade humana é plenamente livre e encontra a sua realização. Infelizmente,
por causa do pecado, este «sim» a Deus transformou-se em oposição: Adão e Eva
pensavam que o «não» a Deus fosse o ápice da liberdade, o ser plenamente eles mesmos.
No Monte das Oliveiras Jesus restitui a vontade humana ao «sim» completo a
Deus; n’Ele a vontade natural está plenamente integrada na orientação que lhe
confere a Pessoa Divina. Jesus vive a sua existência segundo o centro da sua
Pessoa: o seu ser Filho de Deus. A sua vontade humana é atraída para dentro do
Eu do Filho, que se abandona totalmente ao Pai. Assim Jesus diz-nos que só
conformando a própria vontade com a divina o ser humano alcança a sua
verdadeira altura, tornando-se «divino»; só saindo de si mesmo, só no «sim» a
Deus, se realiza o desejo de Adão, de todos nós, de sermos completamente
livres. É isto que Jesus realiza no Getsêmani: transferindo a vontade humana
para a vontade divina nasce o homem verdadeiro, e nós somos remidos.
O Compêndio do Catecismo
da Igreja Católica ensina
sinteticamente: «A oração de Jesus durante a agonia no Jardim do Getsêmani e
nas últimas palavras sobre a cruz revelam a profundidade da sua oração filial:
Jesus conduz à sua realização o desígnio de amor do Pai e toma sobre si todas
as angústias da humanidade, todas as interrogações e intercessões da história
da salvação. Ele apresenta-as ao Pai que as acolhe e escuta, para além de toda
a esperança, ressuscitando-O dos mortos» (n. 543). Verdadeiramente, «em nenhuma
outra parte da Sagrada Escritura olhamos tão profundamente para dentro do
mistério interior de Jesus como na oração no Monte das Oliveiras» (Jesus de Nazaré, vol. II, Planeta, 2011, p. 147).
Estimados irmãos
e irmãs, cada dia na oração do “Pai nosso” nós pedimos ao Senhor: «Seja feita a
vossa vontade, assim na terra como no céu» (Mt
6,10). Isto é, reconhecemos que há uma vontade de Deus conosco e para nós, uma
vontade de Deus sobre a nossa vida, que deve tornar-se cada dia mais a
referência da nossa vontade e do nosso ser; além disso, reconhecemos que é no
«céu» que se cumpre a vontade de Deus, e que a «terra» só se torna «céu», lugar
da presença do amor, da bondade, da verdade e da beleza divina, se nela se
cumprir a vontade de Deus. Na prece de Jesus ao Pai, naquela noite terrível e
admirável do Getsêmani, a «terra» tornou-se «céu»; a «terra» da sua vontade
humana, abalada pelo pavor e pela angústia, foi assumida pela sua vontade
divina, de maneira que a vontade de Deus se cumpriu sobre a terra. E isto é importante
inclusive na nossa oração: devemos aprender a confiar-nos mais à Providência Divina,
pedir a Deus a força para sairmos de nós mesmos e renovarmos o nosso «sim», para
lhe repetirmos: «Seja feita a vossa vontade», para conformarmos a nossa vontade
com a sua. Trata-se de uma prece que devemos recitar quotidianamente, porque
nem sempre é fácil confiar-nos à vontade de Deus, repetir o «sim» de Jesus, o
«sim» de Maria. As narrações evangélicas do Getsêmani demonstram dolorosamente
que os três discípulos, escolhidos por Jesus para estar ao seu lado, não foram
capazes de vigiar com Ele, de compartilhar a sua oração, a sua adesão ao Pai, e
foram dominados pelo sono. Caros amigos, peçamos ao Senhor para sermos capazes
de vigiar com Ele em oração, de cumprirmos a vontade de Deus todos os dias,
mesmo quando se fala de Cruz, de viver uma intimidade cada vez maior com o
Senhor, para trazer a esta «terra» um pouco do «céu» de Deus.
O Papa se prostra no início da Celebração da Paixão do Senhor (2007) |
Fonte: Santa Sé.
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