quarta-feira, 29 de março de 2023

Catequese do Papa Bento XVI: A oração (24)

Em suas Catequeses sobre a oração, após sua reflexão sobre a oração de Jesus na Última Ceia, o Papa Bento XVI dedicou uma meditação à oração sacerdotal do capítulo 17 do Evangelho de João.

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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
A oração (24):
A “oração sacerdotal” de Jesus

Queridos irmãos e irmãs,
Na Catequese de hoje concentramos a nossa atenção sobre a oração que Jesus dirige ao Pai na «Hora» da sua elevação e da sua glorificação (Jo 17,1-26). Como afirma o Catecismo da Igreja Católica: «A tradição cristã chama-lhe, a justo título, a oração “sacerdotal” de Jesus. Ela é, de fato, a oração de nosso Sumo Sacerdote, inseparável do seu sacrifício, da sua “passagem” [páscoa] deste mundo para o Pai, em que é inteiramente “consagrado” ao Pai» (n. 2747).

A oração sacerdotal de Jesus (Eugène Burnand)

Esta oração de Jesus é compreensível na sua riqueza extrema sobretudo se a inserirmos no cenário da festa judaica da expiação, o Yom kippur. Nesse dia, o sumo sacerdote cumpre a expiação primeiro para si mesmo, depois para a classe sacerdotal e finalmente para toda a comunidade do povo. A finalidade é restituir ao povo de Israel, após as transgressões de um ano, a consciência da reconciliação com Deus, a consciência de ser povo eleito, «povo santo» no meio dos outros povos. A oração de Jesus, apresentada no capítulo 17 do Evangelho segundo João, retoma a estrutura desta festa. Nessa noite, Jesus dirige-se ao Pai no momento em que se oferece a Si mesmo. Sacerdote e vítima, Ele ora por Si mesmo, pelos Apóstolos e por todos aqueles que acreditam n’Ele, pela Igreja de todos os tempos (v. 20).

A oração que Jesus recita por Si mesmo é o pedido da sua glorificação, da própria «elevação» na sua «Hora». Na realidade, é mais do que um pedido e a declaração de plena disponibilidade a entrar, livre e generosamente, no desígnio de Deus Pai que se cumpre em sua entrega e na Morte e Ressurreição. Esta «Hora» começou com a traição de Judas (Jo 13,31) e culminará com a elevação de Jesus Ressuscitado para o Pai (Jo 20,17). A saída de Judas do Cenáculo é comentada por Jesus com as seguintes palavras: «Agora o Filho do homem foi glorificado, e Deus foi glorificado n’Ele» (Jo 13,31). Não é por acaso que Ele começa a prece sacerdotal, dizendo: «Pai, chegou a hora. Glorifica o teu Filho, para que o teu Filho te glorifique a ti» (Jo 17,1). A glorificação que Jesus pede para Si mesmo, como Sumo Sacerdote, é o ingresso na obediência mais plena ao Pai, uma obediência que o leva à sua condição filial mais completa: «E agora, Pai, glorifica-me junto de ti, com a glória que eu tinha junto de ti antes que o mundo existisse» (v. 5). Esta disponibilidade e este pedido são o primeiro ato do novo sacerdócio de Jesus, que é um doar-se totalmente na cruz, e precisamente na cruz - o supremo gesto de amor - Ele é glorificado, porque o amor é a glória autêntica, a glória divina.

O segundo momento desta oração é a intercessão que Jesus faz pelos seus discípulos, que permaneceram com Ele. Eles são aqueles sobre os quais Jesus pode dizer ao Pai: «Manifestei o teu nome aos homens que tu me deste do meio do mundo. Eram teus, e tu os confiaste a mim, e eles guardaram a tua palavra» (v. 6). «Manifestar o nome de Deus aos homens» é a realização de uma nova presença do Pai no meio do povo, da humanidade. Este «manifestar» não é só uma palavra, mas é realidade em Jesus; Deus está conosco, e assim o nome - a sua presença conosco, o ser um de nós - «realizou-se». Portanto, esta manifestação realiza-se na Encarnação do Verbo. Em Jesus, Deus entra na carne humana, faz-se próximo de modo único e novo. E esta presença tem o seu ápice no sacrifício que Jesus realiza na sua Páscoa de Morte e Ressurreição.

No centro desta prece de intercessão e de expiação a favor dos discípulos encontra-se o pedido de consagração; Jesus diz ao Pai: «Eles não são do mundo, como Eu não sou do mundo. Consagra-os na verdade; a tua palavra é verdade. Como Tu me enviaste ao mundo, assim também Eu os enviei ao mundo. Eu me consagro por eles, a fim de que eles também sejam consagrados na verdade» (vv. 16-19). Pergunto: o que significa «consagrar» neste caso? Antes de tudo, é necessário dizer que só Deus é propriamente «Consagrado» ou «Santo». Portanto, consagrar quer dizer transferir uma realidade - uma pessoa ou coisa - para a propriedade de Deus. E nisto estão presentes dois aspectos complementares: por um lado, tirar das coisas comuns, separar, «pôr de lado» do ambiente da vida pessoal do homem, para ser doado totalmente a Deus; e, por outro lado, esta separação, esta transferência para a esfera de Deus tem o significado próprio de «envio», de missão: precisamente porque é doada a Deus, a realidade, a pessoa consagrada existe «para» os outros, é doada ao próximo. Doar a Deus quer dizer não existir mais para si mesmo, mas para todos. É consagrado aquele que, como Jesus, é separado do mundo e posto à parte para Deus, em vista de uma tarefa e precisamente por isso está plenamente à disposição de todos. Para os discípulos, consistirá em continuar a missão de Jesus, ser doados a Deus para estarem assim em missão para todos. Na noite de Páscoa, o Ressuscitado, aparecendo aos seus discípulos, lhes dirá: «A paz esteja convosco! Assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio» (Jo 20,21).

O terceiro ato desta oração sacerdotal amplia o olhar até o fim dos tempos. Nela, Jesus dirige-se ao Pai para interceder a favor de todos aqueles que forem levados à fé mediante a missão inaugurada pelos Apóstolos e continuada na história: «Pai santo, eu não te rogo somente por eles, mas também por aqueles que vão crer em mim pela sua palavra» (Jo 17,20). Jesus reza pela Igreja de todos os tempos, reza também por nós. O Catecismo da Igreja Católica comenta: «Jesus cumpriu perfeitamente a obra do Pai e a sua oração, assim como o seu sacrifício se estende até à consumação dos tempos. A oração da “Hora” preenche os últimos tempos e leva-os à sua consumação» (n. 2749).

O pedido central da oração sacerdotal de Jesus, dedicada aos seus discípulos de todos os tempos, é o da unidade futura de quantos acreditarem n’Ele. Esta unidade não é um produto mundano. Ela provém exclusivamente da unidade divina e chega até nós do Pai, mediante o Filho e no Espírito Santo. Jesus invoca um dom que provém do Céu, e que tem o seu efeito - real e perceptível - na terra. Ele reza «para que todos sejam um como tu, Pai, estás em mim e Eu em ti, e para que eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que Tu me enviaste» (Jo 17,21). A unidade dos cristãos, por um lado, é uma realidade secreta que está no coração das pessoas crentes. Mas, ao mesmo tempo, ela deve aparecer com toda a clareza na história, deve aparecer para que o mundo creia, tem uma finalidade muito prática e concreta, deve aparecer para que todos sejam realmente um só. A unidade dos discípulos futuros, sendo unidade com Jesus - que o Pai enviou ao mundo - é também a fonte originária da eficácia da missão cristã no mundo.

«Podemos dizer que na oração sacerdotal de Jesus se cumpre a instituição da Igreja... Precisamente aqui, no ato da última Ceia, Jesus cria a Igreja. Porque, o que é a Igreja, a não ser a comunidade dos discípulos que, mediante a fé em Jesus Cristo como enviado do Pai, recebe a sua unidade e é envolvida na missão de Jesus de salvar o mundo, conduzindo-o ao conhecimento de Deus? Aqui encontramos realmente uma verdadeira definição da Igreja. A Igreja nasce da oração de Jesus. E esta prece não é apenas palavra: é o gesto em que Ele se “consagra” a Si mesmo, ou seja, se “sacrifica” pela vida do mundo» (cf. Jesus de Nazaré, vol. II, Planeta, 2011, p. 99).

Jesus reza a fim de que os seus discípulos sejam um só. Em virtude desta unidade, recebida e conservada, a Igreja pode caminhar «no mundo» sem ser «do mundo» (Jo 17,16) e viver a missão que lhe foi confiada para que o mundo creia no Filho e no Pai que O enviou. A Igreja torna-se, então, o lugar em que continua a própria missão de Cristo: conduzir o «mundo» para fora da alienação do homem em relação a Deus e a si mesmo, para fora do pecado, a fim de que ele volte a ser o mundo de Deus.

Caros irmãos e irmãs, apreendemos alguns elementos da grande riqueza da oração sacerdotal de Jesus, que vos convido a ler e meditar, para que nos oriente no diálogo com o Senhor, a fim de que nos ensine a rezar. Então, também nós na nossa oração peçamos a Deus que nos ajude a entrar, de modo mais completo, no desígnio que tem para cada um de nós; peçamos-lhe para ser «consagrados» a Ele, para lhe pertencer cada vez mais, para poder amar sempre mais os outros, próximos e distantes; peçamos-lhe para sermos capazes de abrir a nossa oração às dimensões do mundo, sem a limitar ao pedido de ajuda para os nossos problemas, mas recordando diante do Senhor o nosso próximo, apreendendo a beleza de interceder pelos outros; peçamos-lhe o dom da unidade visível entre todos os crentes em Cristo - invocamo-lo com vigor na Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos - orando para estarmos sempre prontos a responder a quem nos pergunta a razão da nossa esperança (1Pd 3,15).

O Papa durante a Oração Eucarística,
a qual reflete de certa forma a oração sacerdotal de Jesus

Fonte: Santa Sé.

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