Dando continuidade às suas Catequeses sobre a oração, iniciadas em 2011, em janeiro de 2012 o Papa Bento XVI começou a refletir sobre a oração de Jesus diante da sua Paixão e Morte.
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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
A oração (23):
A oração de Jesus na Última Ceia
Queridos irmãos e irmãs,
No nosso caminho
de reflexão sobre a oração de Jesus apresentada nos Evangelhos, gostaria de
meditar hoje sobre o momento, particularmente solene, da sua oração na Última
Ceia.
O cenário
temporal e emocional do banquete no qual Jesus se despede dos seus amigos é a
iminência da sua morte, que Ele já sente próxima. Havia muito tempo que Jesus
tinha começado a falar da sua Paixão, procurando também empenhar cada vez mais
os seus discípulos nesta perspectiva. O Evangelho segundo Marcos narra
que desde o início da viagem rumo a Jerusalém, nos povoados da longínqua
Cesareia de Filipe, Jesus «começou a ensiná-los, dizendo que o Filho do Homem
devia sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e
doutores da Lei; devia ser morto, e ressuscitar depois de três dias» (Mc 8,31). Além disso, precisamente nos
dias em que se preparava para dizer adeus aos discípulos, a vida do povo estava
marcada pela proximidade da Páscoa, ou seja, do memorial da libertação de
Israel do Egito. Esta libertação, experimentada no passado e esperada de novo
no presente e para o futuro, era revivida nas celebrações familiares da Páscoa.
A Última Ceia insere-se neste contexto, mas com uma novidade de fundo: Jesus
olha para a sua Paixão, Morte e Ressurreição plenamente consciente delas. Ele
quer viver esta Ceia com os seus discípulos com um caráter totalmente especial
e diferente dos outros banquetes; é a sua Ceia, na qual oferece Algo de
totalmente novo: Ele mesmo. Deste modo, Jesus celebra a sua Páscoa, antecipa a
sua Cruz e a sua Ressurreição.
Última Ceia (Afresco na Capela do Santíssimo do Mosteiro de São Bento, SP) |
Esta novidade nos
é evidenciada pela cronologia da Última Ceia no Evangelho de João, que
não a descreve como a ceia pascal, precisamente porque Jesus tenciona inaugurar
algo de novo, celebrar a sua Páscoa, certamente vinculada aos acontecimentos do
êxodo. E para João, Jesus morreu na Cruz precisamente no momento em que, no
templo de Jerusalém, eram imolados os cordeiros pascais.
Então, qual é o
núcleo desta Ceia? São os gestos da fração do pão, da sua distribuição aos seus
e da partilha do cálice do vinho, com as palavras que os acompanham e no
contexto de oração em que se inserem: é a instituição da Eucaristia, é a grande
oração de Jesus e da Igreja. Mas consideremos mais de perto este momento.
Antes de tudo,
as tradições neotestamentárias da instituição da Eucaristia (1Cor 11,23-25; Lc 22,14-20; Mc 14,22-25;
Mt 26,26-29), indicando a oração que
introduz os gestos e as palavras de Jesus sobre o pão e o vinho, utilizam dois
verbos paralelos e complementares. Paulo e Lucas falam de eucaristia, ação de graças: «Jesus tomou um pão, deu graças,
partiu-o e deu-o aos discípulos» (1Cor 11,23-24; Lc 22,19). Marcos e Mateus, ao contrário, sublinham o aspecto de eulogia, bênção: «Jesus tomou um pão e, tendo
pronunciado a bênção, partiu-o, distribuiu-o aos discípulos» (Mc 14,22; Mt 26,26). Ambos os
termos gregos, eucaristein e eulogein, remetem à berakha judaica, ou seja, à grandiosa
prece de ação de graças e de bênção da tradição de Israel, que inaugurava os
grandes banquetes. Essas duas palavras gregas indicam as duas orientações
intrínsecas e complementares desta oração. Com efeito, a berakha é antes de tudo ação de graças e louvor que se eleva a Deus
pelo dom recebido: na Última Ceia de Jesus, trata-se do pão - feito com o trigo
que Deus faz germinar e crescer da terra - e do vinho produzido pelo fruto
amadurecido nas videiras. Esta oração de louvor e de ação de graças que se eleva
a Deus, retorna como bênção, que desce de Deus sobre o dom e o enriquece.
Assim, a ação de graças e o louvor a Deus tornam-se bênção, e a oferenda doada
a Deus volta para o homem abençoada pelo Todo-Poderoso. As palavras da
instituição da Eucaristia inserem-se neste contexto de oração; nelas, o louvor
e a bênção da berakha tornam-se
bênção e transformação do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Jesus.
Antes das
palavras da instituição há os gestos: o da fração do pão e o da oferta do
vinho. Quem parte o pão e oferece o cálice é, antes de tudo, o chefe de
família, que recebe à sua mesa os familiares; mas estes gestos são também os da
hospitalidade, do acolhimento na comunhão convivial do estrangeiro, que não faz
parte da casa. Estes mesmos gestos, na ceia com a qual Jesus se despede dos
seus, adquirem uma profundidade totalmente nova: Ele oferece um sinal visível
do acolhimento à mesa em que Deus se doa. No pão e no vinho, Jesus oferece-se e
comunica-se a Si mesmo.
Mas como pode
realizar-se tudo isto? Como pode Jesus doar-se, naquele momento, a Si mesmo?
Jesus sabe que a vida está prestes a ser-lhe tirada através do suplício da
cruz, a pena capital dos homens não livres, aquela que Cícero definia a mors turpissima crucis. Com o dom do pão
e do vinho, que oferece na Última Ceia, Jesus antecipa a sua Morte e a sua Ressurreição,
realizando aquilo que já tinha dito no discurso do Bom Pastor: «Dou a minha
vida, para depois recebê-la novamente. Ninguém tira a minha vida, Eu a dou por
mim mesmo; tenho poder de entregá-la e tenho poder de recebê-la novamente; essa
é a ordem que recebi de meu Pai» (Jo 10,17-18).
Por conseguinte, Ele oferece antecipadamente a vida que lhe será tirada, e
deste modo transforma a sua morte violenta em um gesto livre de doação de Si
mesmo pelos outros e aos outros. A violência padecida transforma-se em sacrifício
concreto, livre e redentor.
Mais uma vez na
oração, começada segundo as formas rituais da tradição bíblica, Jesus mostra a
sua identidade e a determinação a cumprir até ao fim a sua missão de amor
total, de oferta em obediência à vontade do Pai. A profunda originalidade do
dom de Si mesmo aos seus, através do memorial eucarístico, é o ápice da oração
que distingue a ceia de adeus com os seus. Contemplando os gestos e as palavras
de Jesus naquela noite, vemos claramente que a relação íntima e constante com o
Pai é o lugar em que Ele realiza o gesto de transmitir aos seus, e a cada um de
nós, o Sacramento do amor, o «Sacramentum
caritatis». Por duas vezes no Cenáculo ressoam estas palavras: «Fazei isto
em memória de Mim» (1Cor 11,24.25).
Com o dom de Si, Ele celebra a sua Páscoa, tornando-se o verdadeiro Cordeiro
que leva a cumprimento todo o culto antigo. Por isso São Paulo, falando aos
cristãos de Corinto, afirma: «Cristo, nossa Páscoa [nosso Cordeiro pascal!], foi
imolado! Celebremos, pois, a festa... com os pães ázimos da pureza e da
verdade» (1Cor 5,7-8).
O evangelista
Lucas conservou um ulterior elemento precioso dos acontecimentos da Última Ceia
que nos permite ver a profundidade comovedora da oração de Jesus pelos seus
naquela noite, a sua atenção por cada um. Começando a partir da oração de ação
de graças e de bênção, Jesus chega ao dom eucarístico, à entrega de Si mesmo e,
enquanto oferece a realidade sacramental decisiva, dirige-se a Pedro. No final
da ceia, Ele diz: «Simão, Simão! Olha que Satanás pediu permissão para vos
peneirar como trigo. Eu, porém, rezei por ti, para que tua fé não se apague. E
tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos» (Lc 22,31-32). Quando se aproxima a provação também para os seus
discípulos, a oração de Jesus sustenta a sua debilidade, a sua dificuldade de
compreender que o caminho de Deus passa através do Mistério Pascal de Morte e Ressurreição,
antecipado na oferenda do pão e do vinho. A Eucaristia é alimento dos peregrinos,
que se torna força também para aqueles que se sentem cansados, prostrados e
desorientados. E a oração é particularmente para Pedro a fim de que, uma vez
convertido, confirme os irmãos na fé. O evangelista Lucas recorda que foi precisamente
o olhar de Jesus que procurou o rosto de Pedro no momento em que ele tinha
acabado de consumir a sua tríplice negação, para lhe conferir a força de
retomar o caminho no seu seguimento: «Nesse momento, enquanto Pedro ainda
falava, um galo cantou. Então o Senhor se voltou e olhou para Pedro. E Pedro
lembrou-se da palavra que o Senhor lhe tinha dito» (Lc 22,60-61).
Caros irmãos e
irmãs, participando na Eucaristia, vivamos de modo extraordinário a oração que
Jesus recitou, e recita continuamente, por cada um de nós, a fim de que o mal,
que todos nós encontramos na vida, não prevaleça, e para que aja em nós a força
transformadora da Morte e da Ressurreição de Cristo. Na Eucaristia, a Igreja
responde ao mandato de Jesus: «Fazei isto em memória de mim» (Lc 22,19; 1Cor 11,24-26); repete a oração de ação de graças e de bênção e,
com ela, as palavras da transubstanciação do pão e do vinho no Corpo e Sangue
do Senhor. As nossas Eucaristias consistem em sermos atraídos para aquele momento
de oração, em unir-nos sempre de novo à oração de Jesus. Desde o início a
Igreja compreendeu as palavras da consagração como parte da prece recitada juntamente com Jesus;
como uma parte central do louvor cheio de gratidão através da qual o fruto da
terra e do trabalho do homem nos é novamente oferecido por Deus como Corpo e
Sangue de Jesus, como autodoação do próprio Deus no amor acolhedor do Filho (cf.
Jesus de Nazaré, vol. II, Planeta, 2011, p. 122).
Participando na Eucaristia, alimentando-nos da Carne e do Sangue do Filho de
Deus, unamos a nossa oração à prece do Cordeiro pascal na sua noite suprema, a
fim de que a nossa vida não se perca, apesar da nossa debilidade e das nossas
infidelidades, mas seja transformada.
Estimados
amigos, peçamos ao Senhor que, depois de nos prepararmos devidamente, também
com o Sacramento da Penitência, a nossa participação na sua Eucaristia,
indispensável para a vida cristã, seja sempre o ponto mais elevado de toda a
nossa oração. Peçamos que, profundamente unidos na sua própria oferenda ao Pai,
possamos também nós transformar as nossas cruzes em sacrifício livre e
responsável de amor a Deus e aos irmãos.
O Papa Bento XVI preside a Eucaristia |
Fonte: Santa Sé.
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