terça-feira, 28 de março de 2023

Catequese do Papa Bento XVI: A oração (23)

Dando continuidade às suas Catequeses sobre a oração, iniciadas em 2011, em janeiro de 2012 o Papa Bento XVI começou a refletir sobre a oração de Jesus diante da sua Paixão e Morte.

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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
A oração (23):
A oração de Jesus na Última Ceia

Queridos irmãos e irmãs,
No nosso caminho de reflexão sobre a oração de Jesus apresentada nos Evangelhos, gostaria de meditar hoje sobre o momento, particularmente solene, da sua oração na Última Ceia.

O cenário temporal e emocional do banquete no qual Jesus se despede dos seus amigos é a iminência da sua morte, que Ele já sente próxima. Havia muito tempo que Jesus tinha começado a falar da sua Paixão, procurando também empenhar cada vez mais os seus discípulos nesta perspectiva. O Evangelho segundo Marcos narra que desde o início da viagem rumo a Jerusalém, nos povoados da longínqua Cesareia de Filipe, Jesus «começou a ensiná-los, dizendo que o Filho do Homem devia sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei; devia ser morto, e ressuscitar depois de três dias» (Mc 8,31). Além disso, precisamente nos dias em que se preparava para dizer adeus aos discípulos, a vida do povo estava marcada pela proximidade da Páscoa, ou seja, do memorial da libertação de Israel do Egito. Esta libertação, experimentada no passado e esperada de novo no presente e para o futuro, era revivida nas celebrações familiares da Páscoa. A Última Ceia insere-se neste contexto, mas com uma novidade de fundo: Jesus olha para a sua Paixão, Morte e Ressurreição plenamente consciente delas. Ele quer viver esta Ceia com os seus discípulos com um caráter totalmente especial e diferente dos outros banquetes; é a sua Ceia, na qual oferece Algo de totalmente novo: Ele mesmo. Deste modo, Jesus celebra a sua Páscoa, antecipa a sua Cruz e a sua Ressurreição.

Última Ceia
(Afresco na Capela do Santíssimo do Mosteiro de São Bento, SP)

Esta novidade nos é evidenciada pela cronologia da Última Ceia no Evangelho de João, que não a descreve como a ceia pascal, precisamente porque Jesus tenciona inaugurar algo de novo, celebrar a sua Páscoa, certamente vinculada aos acontecimentos do êxodo. E para João, Jesus morreu na Cruz precisamente no momento em que, no templo de Jerusalém, eram imolados os cordeiros pascais.

Então, qual é o núcleo desta Ceia? São os gestos da fração do pão, da sua distribuição aos seus e da partilha do cálice do vinho, com as palavras que os acompanham e no contexto de oração em que se inserem: é a instituição da Eucaristia, é a grande oração de Jesus e da Igreja. Mas consideremos mais de perto este momento.

Antes de tudo, as tradições neotestamentárias da instituição da Eucaristia (1Cor 11,23-25; Lc 22,14-20; Mc 14,22-25; Mt 26,26-29), indicando a oração que introduz os gestos e as palavras de Jesus sobre o pão e o vinho, utilizam dois verbos paralelos e complementares. Paulo e Lucas falam de eucaristia, ação de graças: «Jesus tomou um pão, deu graças, partiu-o e deu-o aos discípulos» (1Cor 11,23-24; Lc 22,19). Marcos e Mateus, ao contrário, sublinham o aspecto de eulogia, bênção: «Jesus tomou um pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o, distribuiu-o aos discípulos» (Mc 14,22; Mt 26,26). Ambos os termos gregos, eucaristein e eulogein, remetem à berakha judaica, ou seja, à grandiosa prece de ação de graças e de bênção da tradição de Israel, que inaugurava os grandes banquetes. Essas duas palavras gregas indicam as duas orientações intrínsecas e complementares desta oração. Com efeito, a berakha é antes de tudo ação de graças e louvor que se eleva a Deus pelo dom recebido: na Última Ceia de Jesus, trata-se do pão - feito com o trigo que Deus faz germinar e crescer da terra - e do vinho produzido pelo fruto amadurecido nas videiras. Esta oração de louvor e de ação de graças que se eleva a Deus, retorna como bênção, que desce de Deus sobre o dom e o enriquece. Assim, a ação de graças e o louvor a Deus tornam-se bênção, e a oferenda doada a Deus volta para o homem abençoada pelo Todo-Poderoso. As palavras da instituição da Eucaristia inserem-se neste contexto de oração; nelas, o louvor e a bênção da berakha tornam-se bênção e transformação do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Jesus.

Antes das palavras da instituição há os gestos: o da fração do pão e o da oferta do vinho. Quem parte o pão e oferece o cálice é, antes de tudo, o chefe de família, que recebe à sua mesa os familiares; mas estes gestos são também os da hospitalidade, do acolhimento na comunhão convivial do estrangeiro, que não faz parte da casa. Estes mesmos gestos, na ceia com a qual Jesus se despede dos seus, adquirem uma profundidade totalmente nova: Ele oferece um sinal visível do acolhimento à mesa em que Deus se doa. No pão e no vinho, Jesus oferece-se e comunica-se a Si mesmo.

Mas como pode realizar-se tudo isto? Como pode Jesus doar-se, naquele momento, a Si mesmo? Jesus sabe que a vida está prestes a ser-lhe tirada através do suplício da cruz, a pena capital dos homens não livres, aquela que Cícero definia a mors turpissima crucis. Com o dom do pão e do vinho, que oferece na Última Ceia, Jesus antecipa a sua Morte e a sua Ressurreição, realizando aquilo que já tinha dito no discurso do Bom Pastor: «Dou a minha vida, para depois recebê-la novamente. Ninguém tira a minha vida, Eu a dou por mim mesmo; tenho poder de entregá-la e tenho poder de recebê-la novamente; essa é a ordem que recebi de meu Pai» (Jo 10,17-18). Por conseguinte, Ele oferece antecipadamente a vida que lhe será tirada, e deste modo transforma a sua morte violenta em um gesto livre de doação de Si mesmo pelos outros e aos outros. A violência padecida transforma-se em sacrifício concreto, livre e redentor.

Mais uma vez na oração, começada segundo as formas rituais da tradição bíblica, Jesus mostra a sua identidade e a determinação a cumprir até ao fim a sua missão de amor total, de oferta em obediência à vontade do Pai. A profunda originalidade do dom de Si mesmo aos seus, através do memorial eucarístico, é o ápice da oração que distingue a ceia de adeus com os seus. Contemplando os gestos e as palavras de Jesus naquela noite, vemos claramente que a relação íntima e constante com o Pai é o lugar em que Ele realiza o gesto de transmitir aos seus, e a cada um de nós, o Sacramento do amor, o «Sacramentum caritatis». Por duas vezes no Cenáculo ressoam estas palavras: «Fazei isto em memória de Mim» (1Cor 11,24.25). Com o dom de Si, Ele celebra a sua Páscoa, tornando-se o verdadeiro Cordeiro que leva a cumprimento todo o culto antigo. Por isso São Paulo, falando aos cristãos de Corinto, afirma: «Cristo, nossa Páscoa [nosso Cordeiro pascal!], foi imolado! Celebremos, pois, a festa... com os pães ázimos da pureza e da verdade» (1Cor 5,7-8).

O evangelista Lucas conservou um ulterior elemento precioso dos acontecimentos da Última Ceia que nos permite ver a profundidade comovedora da oração de Jesus pelos seus naquela noite, a sua atenção por cada um. Começando a partir da oração de ação de graças e de bênção, Jesus chega ao dom eucarístico, à entrega de Si mesmo e, enquanto oferece a realidade sacramental decisiva, dirige-se a Pedro. No final da ceia, Ele diz: «Simão, Simão! Olha que Satanás pediu permissão para vos peneirar como trigo. Eu, porém, rezei por ti, para que tua fé não se apague. E tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos» (Lc 22,31-32). Quando se aproxima a provação também para os seus discípulos, a oração de Jesus sustenta a sua debilidade, a sua dificuldade de compreender que o caminho de Deus passa através do Mistério Pascal de Morte e Ressurreição, antecipado na oferenda do pão e do vinho. A Eucaristia é alimento dos peregrinos, que se torna força também para aqueles que se sentem cansados, prostrados e desorientados. E a oração é particularmente para Pedro a fim de que, uma vez convertido, confirme os irmãos na fé. O evangelista Lucas recorda que foi precisamente o olhar de Jesus que procurou o rosto de Pedro no momento em que ele tinha acabado de consumir a sua tríplice negação, para lhe conferir a força de retomar o caminho no seu seguimento: «Nesse momento, enquanto Pedro ainda falava, um galo cantou. Então o Senhor se voltou e olhou para Pedro. E Pedro lembrou-se da palavra que o Senhor lhe tinha dito» (Lc 22,60-61).

Caros irmãos e irmãs, participando na Eucaristia, vivamos de modo extraordinário a oração que Jesus recitou, e recita continuamente, por cada um de nós, a fim de que o mal, que todos nós encontramos na vida, não prevaleça, e para que aja em nós a força transformadora da Morte e da Ressurreição de Cristo. Na Eucaristia, a Igreja responde ao mandato de Jesus: «Fazei isto em memória de mim» (Lc 22,19; 1Cor 11,24-26); repete a oração de ação de graças e de bênção e, com ela, as palavras da transubstanciação do pão e do vinho no Corpo e Sangue do Senhor. As nossas Eucaristias consistem em sermos atraídos para aquele momento de oração, em unir-nos sempre de novo à oração de Jesus. Desde o início a Igreja compreendeu as palavras da consagração como parte da prece recitada juntamente com Jesus; como uma parte central do louvor cheio de gratidão através da qual o fruto da terra e do trabalho do homem nos é novamente oferecido por Deus como Corpo e Sangue de Jesus, como autodoação do próprio Deus no amor acolhedor do Filho (cf. Jesus de Nazaré, vol. II, Planeta, 2011, p. 122). Participando na Eucaristia, alimentando-nos da Carne e do Sangue do Filho de Deus, unamos a nossa oração à prece do Cordeiro pascal na sua noite suprema, a fim de que a nossa vida não se perca, apesar da nossa debilidade e das nossas infidelidades, mas seja transformada.

Estimados amigos, peçamos ao Senhor que, depois de nos prepararmos devidamente, também com o Sacramento da Penitência, a nossa participação na sua Eucaristia, indispensável para a vida cristã, seja sempre o ponto mais elevado de toda a nossa oração. Peçamos que, profundamente unidos na sua própria oferenda ao Pai, possamos também nós transformar as nossas cruzes em sacrifício livre e responsável de amor a Deus e aos irmãos.

O Papa Bento XVI preside a Eucaristia

Fonte: Santa Sé.

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