quarta-feira, 15 de março de 2023

Catequese do Papa Bento XVI: A oração (18)

Concluindo suas meditações sobre os salmos e com elas a primeira parte das suas Catequeses sobre a oração, centrada no Antigo Testamento, o Papa Bento XVI refletiu sobre o Salmo 109 (110).

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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 16 de novembro de 2011
A oração (18):
O Rei Messias (Sl 109)

Queridos irmãos e irmãs,
Gostaria de terminar hoje as minhas catequeses sobre a oração do Saltério meditando um dos mais famosos «salmos reais», um Salmo que o próprio Jesus citou e que os autores do Novo Testamento retomaram e leram amplamente com referência ao Messias, a Cristo. Trata-se do Salmo 109 (110) - 110 segundo a tradição judaica, 109 segundo a greco-latina -, um Salmo muito amado pela Igreja antiga e pelos crentes de todos os tempos. Inicialmente esta oração talvez estivesse relacionada com a entronização de um rei davídico; contudo o seu sentido vai além da específica contingência do fato histórico, abrindo-se a dimensões mais amplas e tornando-se assim celebração do Messias vitorioso, glorificado à direita de Deus.

O Salmo inicia com uma declaração solene:
«Palavra do Senhor ao meu Senhor:
“Assenta-te ao meu lado direito
até que eu ponha os inimigos teus
como escabelo por debaixo de teus pés!”» (v. 1).

Jesus Cristo, Rei e Sacerdote

O próprio Deus entroniza o rei na glória, fazendo-o sentar-se à sua direita, um sinal de grandíssima honra e de absoluto privilégio. O rei é admitido desta forma a participar do senhorio divino, do qual é mediador junto ao povo. Este senhorio do rei concretiza-se também na vitória sobre os adversários, que são colocados aos seus pés pelo próprio Deus; a vitória sobre os inimigos é do Senhor, mas o rei é feito participante disso e o seu triunfo torna-se testemunho e sinal do poder divino.

A glorificação real expressa neste início do Salmo foi assumida no Novo Testamento como profecia messiânica; por isso o versículo é um dos mais usados pelos autores neotestamentários, ou como citação explícita ou como alusão. O próprio Jesus mencionou este versículo a propósito do Messias para mostrar que o Messias é mais do que Davi, é o Senhor de Davi (Mt 22,41-45; Mc 12,35-37; Lc 20,41-44). E Pedro retoma-o no seu sermão de Pentecostes, anunciando que com a Ressurreição de Cristo se realiza esta entronização do rei e que a partir de agora Cristo está à direita do Pai, participa do Senhorio de Deus sobre o mundo (At 2,29-35). De fato, é o Cristo, o Senhor entronizado, o Filho do homem sentado à direita de Deus que vem sobre as nuvens do céu, como o próprio Jesus se define durante o processo diante do Sinédrio (Mt 26,63-64; Mc 14,61-62; cf. Lc 22,66-69). É Ele o verdadeiro rei que com a sua Ressurreição entrou na glória à direita do Pai (Rm 8,34; Ef 2,5; Cl 3,1: Hb 8,1; 12,2), feito superior aos anjos, sentado no céu acima de qualquer poder e com todos os adversários aos seus pés, até quanto a última inimiga, a morte, for derrotada definitivamente por Ele (1Cor 15,24-26; Ef 1,20-23; Hb 1,3-4.13; 2,5-8; 10,12-13; 1Pd 3,22). E compreende-se imediatamente que este rei que está à direita de Deus e participa do seu senhorio não é um destes homens sucessores de Davi, mas só o novo Davi, o Filho de Deus que venceu a morte e participa realmente na glória de Deus. É o nosso rei, que nos dá também a vida eterna.

Existe, por conseguinte, uma relação inseparável entre o rei celebrado pelo nosso Salmo e Deus; os dois governam juntos em um único governo, a tal ponto que o salmista pode afirmar que é o próprio Deus quem estende o cetro do soberano, atribuindo-lhe a tarefa de dominar sobre os seus adversários, como recita o versículo 2:
«O Senhor estenderá desde Sião
vosso cetro de poder, pois Ele diz:
“Domina com vigor teus inimigos”» (v. 2).

O exercício do poder é um encargo que o rei recebe diretamente do Senhor, uma responsabilidade que deve viver na dependência e na obediência, tornando-se assim sinal, no âmbito do povo, da presença poderosa e providente de Deus. O domínio sobre os inimigos, a glória e a vitória são dons recebidos, que fazem do soberano um mediador do triunfo divino sobre o mal. Ele domina sobre os inimigos transformando-os e vencendo-os com o seu amor.

Por isso, no versículo seguinte, celebra-se a grandeza do rei. O versículo 3, na realidade, apresenta algumas dificuldades de interpretação. No texto original judaico faz-se referência à convocação do exército à qual o povo responde generosamente estreitando-se ao seu soberano no dia da sua coroação. A tradução grega dos Setenta, que remonta aos séculos II-III antes de Cristo, ao contrário faz referência à filiação divina do rei, ao seu nascimento ou geração da parte do Senhor, e é esta a escolha interpretativa de toda a tradição da Igreja, pela qual o versículo ressoa do seguinte modo:
«Tu és príncipe desde o dia em que nasceste;
na glória e esplendor da santidade,
como o orvalho, antes da aurora, eu te gerei!» (v. 3).

Este oráculo divino sobre o rei afirmaria, portanto, uma geração divina repleta de esplendor e de mistério, uma origem secreta e imperscrutável, ligada à beleza arcana da aurora e ao prodígio do orvalho que à luz do amanhecer brilha sobre os campos e os torna fecundos. Delineia-se assim, indissoluvelmente relacionada com a realidade celeste, a figura do rei que vem realmente de Deus, do Messias que leva ao povo a vida divina e é mediador de santidade e de salvação. Também aqui vemos que tudo isto não é realizado pela figura de um rei davídico, mas pelo Senhor Jesus Cristo, que provém realmente de Deus; Ele é a luz que traz a vida divina ao mundo.

Com esta sugestiva e enigmática imagem termina a primeira estrofe do Salmo, à qual se segue outro oráculo, que abre uma nova perspectiva, em sintonia com uma dimensão conexa com a realeza. O versículo 4 recita:
«Jurou o Senhor e manterá sua palavra:
“Tu és sacerdote eternamente,
segundo a ordem do rei Melquisedec!”» (v. 4).

Melquisedec era o sacerdote rei de Salém que tinha abençoado Abraão e oferecido pão e vinho depois da vitoriosa campanha militar guiada pelo patriarca para salvar o sobrinho Ló das mãos dos inimigos que o tinham capturado (cf. Gn 14). Na figura de Melquisedec poder real e sacerdotal convergem e são agora proclamados pelo Senhor em uma declaração que promete eternidade: o rei celebrado pelo Salmo será sacerdote para sempre, mediador da presença divina no meio do seu povo, através da bênção que vem de Deus e que na ação litúrgica se encontra com a resposta bendizente do homem.

A Carta aos Hebreus faz referência explícita a este versículo (Hb 5,5-6.10; 6,19-20) e centra sobre ele todo o capítulo 7, elaborando a sua reflexão sobre o sacerdócio de Cristo. Jesus, assim nos diz a Carta aos Hebreus à luz do Salmo 109, é o sacerdote verdadeiro e definitivo, que dá cumprimento às características do sacerdócio de Melquisedec, tornando-as perfeitas.

Melquisedec, como diz a Carta aos Hebreus, não tinha «pai, nem mãe, nem genealogia» (Hb 7,3a): por conseguinte, era sacerdote não segundo as regras dinásticas do sacerdócio levítico. Por isso, ele «é sacerdote para sempre» (Hb 7,3c), prefiguração de Cristo, sumo sacerdote perfeito «não em virtude de uma prescrição de ordem carnal, mas segundo a força de uma vida imperecível» (Hb 7,16). No Senhor Jesus que ressuscitou e subiu ao céu, onde está sentado à direita do Pai, concretiza-se a profecia do nosso Salmo e o sacerdócio de Melquisedec é levado a cumprimento, porque é absoluto e eterno, tendo-se tornado uma realidade que não conhece ocaso (Hb 7,24). E a oferta do pão e do vinho, realizada por Melquisedeque no tempo de Abraão, tem o seu cumprimento no gesto eucarístico de Jesus, que no pão e no vinho se oferece a si mesmo e, uma vez vencida a morte, leva à vida todos os crentes. Sacerdote perene, «santo, inocente, sem mancha» (Hb 7,26), Ele, como diz ainda a Carta os Hebreus, «é capaz de salvar para sempre aqueles que, por seu intermédio, se aproximam de Deus. Ele está sempre vivo para interceder por eles» (v. 25).

Depois deste oráculo divino do versículo 4, com o seu juramento solene, o cenário do Salmo muda e o poeta, dirigindo-se diretamente ao rei, proclama: «À vossa destra está o Senhor» (v. 5a). Se no versículo 1 era o rei quem se sentava à direita de Deus em sinal de sumo prestígio e de honra, agora é o Senhor que se coloca à direita do soberano para protegê-lo com o escudo na batalha e para salvá-lo de qualquer perigo. O rei está protegido. Deus é o seu defensor e juntos combatem e vencem qualquer mal.

Abrem-se assim os versículos finais do Salmo com a visão do soberano triunfante que, apoiado pelo Senhor, tendo recebido d’Ele poder e glória (v. 2), se opõe aos inimigos dispersando os adversários e julgando as nações. A escolha é apresentada com fortes tonalidades, para significar a dramaticidade do combate e a plenitude da vitória real. O soberano, protegido pelo Senhor, abate qualquer obstáculo e procede seguro rumo à vitória. Diz-nos: sim, há tanto mal no mundo, há uma batalha permanente entre o bem e o mal, e parece que o mal é mais forte. Não, o Senhor é mais forte, o nosso verdadeiro rei e sacerdote Cristo, porque combate com toda a força de Deus e, apesar de todas as coisas que nos fazem ter dúvidas sobre o êxito positivo da história, vence Cristo e vence o bem, vence o amor e não o ódio.

Insere-se aqui a imagem sugestiva com a qual se conclui o nosso Salmo, que é também uma palavra enigmática:
«Beberás água corrente no caminho,
por isso seguirás de fronte erguida!» (v. 7).

No meio da descrição da batalha, sobressai a figura do rei que, em um momento de trégua e de repouso, mata a sede na torrente de água, encontrando nela alívio e novo vigor, de modo a poder retomar o seu caminho triunfante, de cabeça erguida, em sinal de vitória definitiva. É óbvio que esta palavra muito enigmática era um desafio para os Padres da Igreja devido às diversas interpretações que se podiam dar. Assim, por exemplo, Santo Agostinho diz: esta torrente é o ser humano, a humanidade, e Cristo bebeu desta torrente tornando-se homem, e desta forma, entrando na humanidade do ser humano, levantou a cabeça e agora é a cabeça do Corpo místico, é a nossa cabeça, é o vencedor definitivo (cf. Enarrationes in Psalmos 109, 20: PL 36, 1462).

Queridos amigos, seguindo a linha interpretativa do Novo Testamento, a tradição da Igreja teve em grande consideração este Salmo como um dos textos messiânicos mais significativos. E, de forma eminente, os Padres fizeram contínua referência a ele em chave cristológica: o rei cantado pelo salmista é, definitivamente Cristo, o Messias que instaura o Reino de Deus e vence os poderes do mundo, é o Verbo gerado pelo Pai antes de todas as criaturas, antes da aurora, o Filho encarnado, morto e ressuscitado e sentado no céu, o sacerdote eterno que, no mistério do pão e do vinho, concede a remissão dos pecados e a reconciliação com Deus, o rei que levanta a cabeça triunfando sobre a Morte com a sua Ressurreição. Seria suficiente recordar mais uma vez um trecho do comentário de Santo Agostinho sobre este Salmo, quando escreve: «Era necessário conhecer o único Filho de Deus, que estava para vir entre os homens, para assumir o homem e para se tornar homem através da natureza assumida: ele morreu, ressuscitou, subiu ao céu, sentou-se à direita do Pai e realizou entre as nações quanto tinha prometido... Por conseguinte, tudo isto tinha que ser profetizado, tinha que ser prenunciado, tinha que ser indicado como destinado a acontecer, para que, tendo chegado imprevistamente, não amedrontasse. Mas fosse prenunciado, bastante aceito com fé e alegria e esperado. Insere-se no âmbito destas promessas este Salmo, o qual profetiza, com palavras tão certas quanto explícitas, o nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, que nós não podemos minimamente duvidar que ele seja realmente anunciado o Cristo» (ibid., 3: PL 36, 1447).

O acontecimento pascal de Cristo torna-se assim a realidade para a qual nos convida a olhar o Salmo, a olhar para Cristo a fim de compreender o sentido da verdadeira realeza, que deve ser vivida no serviço e na doação de si, em um caminho de obediência e de amor levado «até ao fim» (Jo 13,1; 19,30). Por conseguinte, ao rezar este Salmo, pedimos ao Senhor para poder andar também nós pelos seus caminhos, no seguimento de Cristo, o rei Messias, dispostos a subir com Ele ao monte da cruz para alcançar com Ele a glória, e para contemplá-Lo sentado à direita do Pai, rei vitorioso e sacerdote misericordioso que concede o perdão e a salvação a todos os homens. E também nós, tornados, por graça de Deus, «raça escolhida, sacerdócio real, nação santa» (1Pd 2,9), podemos beber com alegria do manancial da salvação (Is 12,3) e proclamar a todo o mundo as maravilhas d’Aquele que nos «chamou das trevas para a sua luz maravilhosa» (1Pd 2,9).

Queridos amigos, nestas últimas Catequeses quis apresentar-vos alguns Salmos, orações preciosas que encontramos na Bíblia e que refletem as várias situações da vida e os diversos estados de ânimo que podemos ter em relação a Deus. Gostaria então de renovar a todos o convite a rezar com os Salmos, possivelmente habituando-se a utilizar a Liturgia das Horas da Igreja, as Laudes da manhã, as Vésperas da tarde, as Completas antes de dormir. A nossa relação com Deus só poderá ser enriquecida no caminho quotidiano rumo a Ele e realizada com maior alegria e confiança.

O Papa venera o ícone de Cristo Salvador
(Domingo de Páscoa, 2010)

Fonte: Santa Sé.

Confira também duas Catequeses do Papa João Paulo II sobre este Salmo no contexto das Catequeses sobre os Salmos e Cânticos da Liturgia das Horasn. 93n. 115.

2 comentários:

  1. Muito bom, vc tem algum grupo ni whatsaap ou Telegram? eu amo liturgia e gostaria de aprofundar nesse tema

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    1. Não. Apenas o blog. Mas fique a vontade para conferir nossas postagens sobre Liturgia.

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