São Beda, o Venerável
Sermão V na Vigília do Natal
Ó
grande e insondável mistério!
Em poucas
palavras, porém cheias de realismo, o evangelista São Mateus descreve o
nascimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, pelo qual o Filho de Deus,
eterno antes do tempo, apareceu no tempo como Filho do homem. Conduzindo o
evangelista à sucessão genealógica, partindo de Abraão até chegar a José, o
esposo de Maria, e enumerar - conforme o modo costumeiro de narrar as gerações
humanas - a totalidade seja dos genitores como dos gerados, e dispondo-se a
falar do nascimento de Cristo ressaltou a enorme diferença que existe entre ele
e os demais nascimentos: os outros nascimentos ocorrem através da união normal
do homem e da mulher, enquanto que Ele, por ser o Filho de Deus, veio ao mundo
através de uma Virgem. E era conveniente sob todos os aspectos que Deus, ao
decidir tornar-se homem para salvar os homens, não nascesse senão de uma
virgem, pois era impensável que uma virgem não gerasse a nenhum outro, senão a
um que, sendo Deus, ela o gerasse como Filho.
Eis que, disse o profeta, a Virgem conceberá, e dará à luz um filho, e
lhe porá o nome de Emanuel (que significa “Deus conosco”). O nome que o
profeta dá ao Salvador, “Deus conosco”, indica a dupla natureza de sua única
pessoa. Na verdade, aquele que é Deus nascido do Pai antes de todos os séculos,
é o mesmo que, na plenitude dos tempos, tornou-se, no seio materno, no Emanuel,
isto é, em “Deus conosco”, porque se dignou assumir a fragilidade de nossa
natureza na unidade de sua pessoa, quando a
Palavra se fez carne e habitou entre nós, isto é, quando de modo admirável
começou a ser o que nós somos, sem deixar de ser o que era, assumindo de tal
forma nossa natureza que não ficasse obrigado a deixar de ser o que Ele era.
Maria deu à luz,
pois, a seu filho primogênito, isto é, ao filho de sua própria carne. Deu à luz
aquele que, antes da criação, nasceu Deus de Deus, e na humanidade, na qual foi
criado, superava superabundantemente a toda criatura. E ele lhe pôs, diz, o nome de
Jesus. Jesus é o nome do Filho que nasceu da Virgem; nome que significa -
conforme a explicação angélica - que Ele salvaria o seu povo dos seus pecados.
E aquele que salva dos pecados salvará do mesma forma das corrupções da alma e
do corpo, que são sequelas do pecado.
A palavra “Cristo” designa a dignidade
sacerdotal ou régia. Na lei, tanto os sacerdotes como os reis eram chamados
“cristos” pela crisma, isto é, pela unção com o óleo sagrado: Eram um sinal de
alguém que, ao manifestar-se no mundo como verdadeiro Rei e Pontífice, foi ungido com o óleo de júbilo entre todos
os seus companheiros.
Devido a esta
unção ou crisma, é chamado Cristo; aos que participam desta unção, ou seja,
desta graça espiritual, são chamados de “cristãos”. Que Ele, por ser nosso
Salvador, nos salve de nossos pecados; enquanto Pontífice nos reconcilie com
Deus Pai; na sua qualidade de Rei, digne-se conceder-nos o reino eterno de seu
Pai, Jesus nosso Senhor, que com o Pai e o Espírito Santo vive e reina e é
Deus, por todos os séculos dos séculos. Amém.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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