Santo Ambrósio
Exposição sobre o Evangelho de Lucas
És
tu o que virá ou devemos esperar outro?
João enviou dois dos seus discípulos para
perguntar a Jesus: És tu aquele que virá ou devemos esperar outro? Não é
fácil a compreensão destas palavras simples, ou, do contrário, este texto
estaria em desacordo com o que foi dito anteriormente. Na realidade, como João
pode afirmar aqui que desconhece a quem anteriormente havia reconhecido por
revelação de Deus Pai? Como é que naquela ocasião conheceu o que previamente
desconhecia, enquanto que agora parece desconhecer ao que já conhecia antes? Eu - disse ele - não o conhecia, porém aquele que me enviou a batizar com água me disse:
Aquele sobre quem vires baixar o Espírito Santo... E João acreditou no
oráculo, reconheceu aquele que foi revelado, adorou o que foi batizado e
profetizou sobre o enviado dizendo: E eu
o vi e dou testemunho de que este é o escolhido de Deus. Portanto, como
aceitar sequer a possibilidade de que tão grande profeta tenha se equivocado,
até o ponto de não considerar como Filho de Deus àquele de quem tinha afirmado:
Este é o que tira o pecado do mundo?
Por conseguinte,
já que a interpretação literal é contraditória, busquemos o seu sentido
espiritual. João, como já afirmamos, era tipo da lei precursora de Cristo. E é
correto afirmar que a lei - acorrentada materialmente como estava nos corações
dos que não têm fé, como em cárceres privados da luz eterna, e constrangida por
entranhas fecundas em sofrimentos e insensatez -, era incapaz de levar a pleno
cumprimento o testemunho da divina economia sem a garantia do Evangelho. Por
isso João envia a Cristo dois de seus discípulos, para conseguir um complemento
de sabedoria, visto que Cristo é a plenitude da lei.
Além do mais,
sabendo o Senhor que ninguém consegue ter uma fé plena sem o Evangelho - sendo que
a fé começa no Antigo Testamento, mas não se consuma senão no Novo -, da pergunta
sobre sua própria identidade, responde não com palavras, mas com fatos: Ide, disse ele, anunciar a João o que estais vendo e ouvindo: os cegos veem e os
paralíticos andam, os leprosos ficam limpos e os surdos ouvem, os mortos
ressuscitam e aos pobres lhes é anunciada a boa notícia. Contudo, estes exemplos
mencionados pelo Senhor ainda não são os definitivos. A plenificação da fé é a
cruz do Senhor, sua morte e sua sepultura. Por isso, completa suas afirmações
anteriores dizendo: E feliz daquele que
não se escandaliza por causa de mim!
É verdade que a cruz
se apresenta como motivo de escândalo inclusive para os escolhidos, porém,
também é verdade que não existe maior testemunho de uma pessoa divina, nada há
mais sublime que a total oblação de um só pela salvação do mundo. Só este fato
o corrobora plenamente como Senhor. Dizendo de outra forma, é assim que João o
designa: Este é o Cordeiro de Deus que
tira o pecado do mundo. Na verdade, esta resposta não está dirigida apenas
para aqueles homens, discípulos de João: vai dirigida a todos nós, para que
creiamos no Cristo baseados nos fatos.
Então, o que fostes ver? Um profeta? Sim, eu
vos digo, e alguém que é mais do que profeta. Porém, como é que queriam ver
a João no deserto, se estava preso na cadeia? O Senhor nos propõe como modelo
aquele que lhe havia preparado o caminho, não só precedendo-o por seu
nascimento segundo a carne e anunciando-o com a fé, mas também lhe antecipando
com sua gloriosa paixão. Sim, mais do que um profeta, já que é ele quem encerra
a sucessão dos profetas; mais do que um profeta, já que muitos desejaram ver a
quem ele profetizou, a quem ele contemplou, a quem ele batizou.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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