quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Homilia do Papa na Missa pelos seus 80 anos

Concelebração Eucarística com os Cardeais
Homilia do Papa Francisco
Capela Paulina
Sábado, 17 de dezembro de 2016

No momento em que a expetativa vigilante se torna mais intensa no percurso do Advento; neste instante em que a Igreja, hoje, começa a rezar com as grandes antífonas, momento forte durante o qual nos aproximamos do Natal, a Liturgia faz-nos deter-nos um pouco. Diz: “Paremos”, e faz-nos ler este trecho do Evangelho. Que significa este deter-se num momento em que vai progredindo em intensidade? Simplesmente, a Igreja quer que façamos memória: “Para e faz memória. Olha para trás, olha para a estrada». A memória: esta atitude deuteronómica que confere tanta força à alma. A memória que a própria Escritura sublinha como modo de rezar, de encontrar Deus. «Recordai-vos dos vossos chefes», diz-nos o autor da Carta aos Hebreus (13, 7). «Recordai-vos dos primeiros dias...» (Hb 10, 32): a mesma coisa. E depois, nessa Carta, aquela multidão de testemunhas, no capítulo 11, que percorreram muita estrada para chegar à plenitude dos tempos: «Fazei memória, olhai para trás para poder ir em frente melhor». Este é o significado da jornada litúrgica de hoje: a graça da memória. É necessário pedir esta graça: não esquecer.
É próprio do amor o facto de não esquecer; é próprio do amor ter sempre sob o olhar o muito, o muito bem que recebemos; é próprio do amor olhar para a história: de onde viemos, os nossos pais, os nossos antepassados, o caminho da fé... E esta memória faz-nos bem, porque torna ainda mais intensa esta expetativa vigilante do Natal. Um dia calmo. A memória que remonta ao início da eleição do povo: «Jesus Cristo, Filho de David, Filho de Abraão» (Mt 1, 1). O povo eleito, que caminha rumo a uma promessa com a força da aliança, das sucessivas alianças que vai fazendo. Assim é o caminho do cristão, assim é o nosso caminho, simples. Fizeram-nos uma promessa, foi-nos dito: caminha na minha presença e sê irrepreensível como é o nosso Pai. Uma promessa que, afinal, será plena mas que se consolida com cada aliança que nós fazemos com o Senhor, aliança de fidelidade; e faz-nos ver que não fomos nós que elegemos: faz-nos compreender que todos nós fomos eleitos. A eleição, a promessa e a aliança são como os pilares da memória cristã, este olhar para trás a fim de seguir em frente.
Esta é a graça de hoje: fazer memória. E quando escutamos este trecho do Evangelho, há uma história, uma história de graça, tão grande; mas também uma história de pecado. No caminho sempre encontramos graça e pecado. Aqui, na história da salvação há grandes pecadores, nesta genealogia (cf. Mt 1, 1-17), e há alguns santos. E também nós, na nossa vida, encontraremos o mesmo: momentos de grande fidelidade ao Senhor, de alegria no serviço, e qualquer momento difícil de infidelidade, de pecado que nos faz sentir a necessidade de salvação. Esta é também a nossa segurança, porque quando precisamos de salvação, confessamos a fé, façamos uma profissão de fé: «Eu sou pecador, mas Tu podes salvar-me, Tu levas-me em frente». E assim vamos em frente na alegria da esperança.
No Advento começamos a percorrer este caminho, na expetativa vigilante do Senhor. Hoje paremos, olhemos para trás, vejamos que o caminho foi bonito, que o Senhor não nos desiludiu, que o Senhor é fiel. Vejamos também que tanto na história como na nossa vida houve momentos belíssimos de fidelidade e momentos maus de pecado. Mas o Senhor está ali, com a mão estendida para te levantar e te dizer: «Segue em frente!». E esta é a vida cristã: vai em frente, rumo ao encontro definitivo. Este caminho de muita intensidade, na expetativa vigilante que venha o Senhor, nunca nos tire a graça da memória, de olhar para trás, para tudo aquilo que o Senhor fez por nós, pela Igreja, na história da salvação. E assim compreenderemos porque hoje a Igreja faz ler este trecho que pode parecer um pouco maçador, mas aqui encontramos a história de um Deus que quis caminhar com o seu povo e tornar-se, afinal, um homem, como cada um de nós.
Que o Senhor nos ajude a retomar esta graça da memória. «Mas é difícil, maçador, há muitos problemas...». O autor da Carta aos Hebreus tem uma frase belíssima para os nossos lamentos, belíssima: «Fica tranquilo, ainda não resististe até ao sangue” (cf. 12, 4). Inclusive um pouco de humorismo, por parte daquele autor inspirado, pode ajudar-nos a ir em frente. O Senhor nos dê esta graça.

Saudação no final da missa
Gostaria de vos agradecer esta concelebração, por me terem acompanhado neste dia: muito obrigado! E a Vossa Eminência, Cardeal Decano, as Suas palavras deveras sinceras: muito obrigado!
Desde há alguns dias vem-me à mente uma palavra, que parece feia: a velhice. Assusta, pelo menos, assusta... Também ontem, para me oferecer um dom, monsenhor Cavalieri ofereceu-me o De senectute de Cícero - uma gota a mais... Recordo o que vos disse a 15 de março [de 2013], no nosso primeiro encontro: «A velhice é a sede da sabedoria». Esperemos que também para mim seja isto. Esperemos que seja assim!
Vem-me à mente também - dado que veio tão cedo, dado que veio tão cedo - vem-me à mente aquele poema... acho de Plínio: «Tacito pede lapsa vetustas» [Ovídio]: chegará a velhice recurvada com passo silencioso. É assustador! Mas quando a consideramos como uma etapa da vida que serve para proporcionar alegria, sabedoria, esperança, começamos a viver. E vem-me à mente também outra poesia que vos citei naquele dia: «A velhice é tranquila e religiosa» - «Es ist ruhig, das Alter, und fromm» [Hölderlin].
Rezai para que a minha seja assim: tranquila, religiosa e fecunda. E também jubilosa. Obrigado.


Fonte: Santa Sé

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