quinta-feira, 14 de julho de 2022

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Deus Pai 1

Dando início às Catequeses do Papa São João Paulo II sobre Deus Pai, trazemos aqui sua meditação sobre “a justa atitude diante de Deus”.

Para acessar a postagem introdutória às Catequeses do Papa polonês sobre o Creio, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM DEUS PAI

QUEM É DEUS? (nn. 1-23)

I.  A existência de Deus (nn. 1-3)

1. A justa atitude diante de Deus
João Paulo II - 03 de julho de 1985

1. Nossas Catequeses chegam hoje ao grande mistério da fé, o primeiro artigo do nosso Creio: Creio em Deus. Falar de Deus significa enfrentar um tema sublime e ilimitado, misterioso e atraente. Porém, aqui, no limiar, como quem se prepara para uma larga e fascinante viagem de descoberta - assim permanece sempre um genuíno discurso sobre Deus -, sentimos a necessidade de tomar antecipadamente a direção certa, preparando o nosso espírito à compreensão de verdades tão elevadas e decisivas.
Para tanto, considero necessário responder imediatamente algumas perguntas, a primeira das quais é: por que falar de Deus hoje?

2. Na escola de Jó, que confessou humildemente: “Fui leviano ao falar. Que responderei? Porei minha mão sobre a boca” ( 40,4), percebemos que justamente a fonte de nossas supremas certezas de crentes, o mistério de Deus, é antes ainda a fonte fecunda de nossas mais profundas perguntas: Quem é Deus? Podemos conhecê-Lo verdadeiramente em nossa condição humana? Quem somos nós, criaturas, diante de Deus?

Deus se manifesta a Jó (Detalhe - William Blake)

Com as perguntas nascem sempre muitas e às vezes tormentosas dificuldades: se Deus existe, então porque há tanto mal no mundo? Porque o ímpio triunfa e o justo é pisoteado? A onipotência de Deus não acaba esmagando nossa liberdade e responsabilidade?
São perguntas e dificuldades que se entrelaçam com as expectativas e as aspirações das quais os homens da Bíblia, particularmente nos Salmos, fizeram-se porta-vozes universais: “Como a corça anseia pelas fontes das águas, assim anseia minha alma por ti, ó Deus. Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei e estarei ante a face de Deus?” (Sl 41/42,2-3); de Deus se espera a saúde, a libertação do mal, a felicidade e também, com um esplêndido impulso de confiança, o poder estar junto a Ele, “habitar em sua casa” (cf. Sl 83/84). Assim, pois, nós falamos de Deus porque é uma necessidade do homem que não pode ser suprimida.

3. A segunda pergunta é como falar de Deus, como falar d’Ele retamente. Muitos possuem uma imagem deformada de Deus, mesmo entre os cristãos. Devemos nos perguntar se estamos fazendo um caminho correto de investigação, buscando a verdade em fontes genuínas e com uma atitude adequada. Aqui considero necessário citar, antes de tudo, como primeira atitude, a honestidade intelectual, isto é, o permanecer abertos àqueles sinais da verdade que o próprio Deus deixou de Si no mundo e na nossa história.
Há certamente o caminho da sã razão (e teremos tempo de considerar o que pode o homem conhecer de Deus com suas forças). Mas aqui urge dizer que à razão, para além de seus recursos naturais, Deus mesmo oferece de Si uma esplêndida documentação: aquela que, com a linguagem da fé, se chama “Revelação”. O crente, e todo homem de boa vontade que busque o rosto de Deus, tem à sua disposição antes de tudo o imenso tesouro da Sagrada Escritura, verdadeiro diário de Deus nas relações com seu povo, que tem no centro o insuperável revelador de Deus, Jesus Cristo: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,9). Jesus, por sua parte, confiou seu testemunho à Igreja, que desde sempre, com a ajuda do Espírito de Deus, fez d’Ele objeto de apaixonado estudo, de progressivo aprofundamento e inclusive de valente defesa frente a erros e deformações. A documentação genuína de Deus passa, pois, através da Tradição viva, da qual todos os Concílios são testemunhas fundamentais: desde os Concílios de Niceia (325) e de Constantinopla (381), passando pelo Concílio de Trento (1546-1563), até o Vaticano I (1869-1870) e o Vaticano II (1962-1965).
Teremos o cuidado de remeter-nos a estas genuínas fontes da verdade.
A Catequese toma ademais seus conteúdos sobre Deus também da dupla experiência eclesial: a fé rezada, a Liturgia, cujas formulações são um contínuo e incansável falar de Deus falando com Ele; e a fé vivida pelos cristãos, particularmente pelos santos, que alcançaram a graça de uma profunda comunhão com Deus. Assim, pois, não estamos destinados apenas a fazer perguntas sobre Deus para depois nos perdermos em uma selva de respostas hipotéticas ou demasiado abstratas. Deus mesmo veio ao nosso encontro com uma riqueza orgânica de seguras indicações. A Igreja sabe que possui, pela graça do próprio Deus, em seu patrimônio de doutrina e de vida, a direção certa para falar com respeito e verdade sobre Ele. E nunca como hoje sente o empenho de oferecer com lealdade e amor aos homens a resposta essencial que esperam.

4. É o que pretendo fazer nestes encontros. Mas como? Há diversas maneiras de catequizar, e sua legitimidade depende, em última instância, da fidelidade à fé integral da Igreja. Considero oportuno escolher o caminho que, embora faça referência direta à Sagrada Escritura, faz referência também aos Símbolos da Fé, na compreensão profunda que deu dela o pensamento cristão ao longo de vinte séculos de reflexão.
É meu propósito, ao proclamar a verdade sobre Deus, convidar todos a reconhecer a validade, além do caminho histórico-positivo, daquele oferecido pela reflexão doutrinal elaborada nos grandes Concílios e no Magistério ordinário da Igreja. Deste modo, sem diminuir em nada a riqueza dos dados bíblicos, se poderão ilustrar verdades de fé ou próximas à fé ou, de toda forma, teologicamente fundadas que, sendo expressas em linguagem dogmático-especulativa, correm o risco de ser menos percebidas e apreciadas por muitos homens de hoje, sem nenhum empobrecimento do conhecimento d’Aquele que é mistério insondável de luz.

5. Não poderia terminar esta Catequese inicial do nosso discurso sobre Deus sem recordar uma segunda atitude fundamental, além daquela da honestidade intelectual, da qual falei anteriormente. É a atitude do coração dócil e agradecido. Falamos d’Aquele que Isaías nos propõe como o “três vezes Santo” (cf. Is 6,3). Devemos, pois, falar d’Ele com vivíssimo e total respeito, em adoração. Ao mesmo tempo, porém, sustentados por Aquele “que está no seio do Pai” e que O revelou a nós (cf. Jo 1,18), Jesus Cristo, nosso irmão, falemos d’Ele com suavíssimo amor. Porque “na verdade, tudo é d’Ele, por Ele e para Ele. A Ele a glória para sempre. Amém” (Rm 11,36).

João Paulo II em 1985
Ano do início das Catequeses sobre Deus Pai

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (03 de julho de 1985).

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