Viagem Apostólica do Papa Francisco ao Canadá
Santa Missa pela Reconciliação
Homilia do Santo Padre
Santuário Nacional de Sainte Anne de Beaupré
Quinta-feira, 28 de julho de 2022
[Leituras: Gn 3,8-15.20-21; Sl 129; Lc 24,13-35]
A viagem dos discípulos de Emaús, que
encontramos na conclusão do Evangelho de São Lucas, é uma imagem do nosso
caminho pessoal e da Igreja. Na estrada da vida, e vida de fé, ao levarmos por
diante os sonhos, os projetos, os anseios e as esperanças que habitam no nosso
coração, nos encontramos também com nossas fragilidades e fraquezas,
experimentamos derrotas e decepções e, às vezes, nos tornamos prisioneiros de
uma sensação de fracasso que nos paralisa. O Evangelho anuncia-nos que, mesmo
em tais momentos, não estamos sozinhos: o Senhor vem ao nosso encontro,
coloca-Se ao nosso lado, caminha pela nossa própria estrada com a discrição de um
amável viandante que deseja reabrir os olhos e inflamar de novo o nosso
coração. E quando o fracasso deixa espaço ao encontro com o Senhor, a vida
reabre-se à esperança e podemos reconciliar-nos conosco, com os irmãos e com
Deus.
Sigamos então o itinerário deste
caminho que poderíamos intitular do fracasso à esperança.
Primeiro, há a sensação de fracasso, que habita o coração destes dois discípulos depois da morte de Jesus. Tinham abraçado um sonho com entusiasmo. Em Jesus, tinham depositado todas as suas esperanças e desejos. Agora, depois da escandalosa morte na cruz, viram costas a Jerusalém para voltar a casa, à vida anterior. A deles é uma viagem de regresso, como se quisessem esquecer aquela experiência que encheu de amargura os seus corações, aquele Messias condenado à morte na cruz como um malfeitor. Voltam a casa abatidos, «com o rosto triste» (Lc 24,17): as expectativas que cultivavam deram em nada, as esperanças em que acreditavam desfizeram-se em pedaços, os sonhos que teriam querido realizar cedem lugar à desilusão e à amargura.
Trata-se de uma experiência que tem a
ver também com a nossa vida e com o próprio caminho espiritual, em todas as
ocasiões nas quais somos obrigados a redimensionar os nossos anseios e a lidar
com as ambiguidades da realidade, com as obscuridades da vida, com as nossas
fraquezas. Acontece-nos sempre que os nossos ideais se deparam com as decepções
da existência e os nossos propósitos são menosprezados por causa das nossas
fragilidades; quando cultivamos projetos de bem, mas depois não temos a
capacidade de realizá-los (cf. Rm 7,18);
nas atividades que realizamos ou nas nossas relações mais cedo ou mais tarde experimentamos
alguma derrota, algum erro, um fracasso, uma queda, e vemos desabar aquilo em
que tínhamos acreditado ou nos tínhamos empenhado, e nos sentimos ao mesmo
tempo esmagados pelo nosso pecado e pelos sentimentos de culpa.
É isto que acontece a Adão e Eva, como
escutamos na 1ª leitura. O seu pecado não só os afastou de Deus, mas tornou-os
distantes entre si: conseguem apenas acusar-se um ao outro. E vemo-lo também
nos discípulos de Emaús, cuja contrariedade por terem visto desabar o projeto
de Jesus deixa espaço apenas a uma estéril discussão. E o mesmo pode
verificar-se também na vida da Igreja, a comunidade dos discípulos do Senhor,
representados naqueles dois de Emaús. Apesar de ser a comunidade do
Ressuscitado, pode encontrar-se a vagar perdida e desiludida perante o
escândalo do mal e a violência do Calvário. Então nada mais consegue fazer
senão apertar nas mãos a sensação de fracasso e interrogar-se: O que aconteceu?
Por que aconteceu? Como pôde acontecer?
Irmãos e irmãs, são as perguntas que
cada um põe a si mesmo; e são também as ardentes interrogações que esta Igreja
peregrina no Canadá faz ressoar no seu coração, em um árduo caminho de cura e
reconciliação. Também nós, perante o escândalo do mal e do Corpo de Cristo
ferido na carne dos nossos irmãos indígenas, caímos na amargura e sentimos o
peso do fracasso. Permiti então que me una espiritualmente a tantos peregrinos
que percorrem aqui a “Escada Santa”, que evoca a escada subida por Jesus até ao
Pretório de Pilatos, e vos acompanhe como Igreja nestas interrogações que
brotam de um coração cheio de pesar: Por que aconteceu tudo isto? Como pôde
isto acontecer na comunidade daqueles que seguem Jesus?
Aqui, porém, devemos ter cuidado com a tentação
da fuga, presente nos dois discípulos do Evangelho: fugir, percorrer em
sentido inverso o caminho, escapar do lugar onde sucederam os fatos, tentar
removê-los, procurar um «lugar tranquilo» como Emaús para esquecê-los. Não há
nada pior, perante os fracassos da vida, do que fugir para não enfrentá-los. É
uma tentação do inimigo, que ameaça o nosso caminho espiritual e o caminho da
Igreja: ele quer fazer-nos acreditar que aquele fracasso é definitivo, quer
paralisar-nos na amargura e na tristeza, convencer-nos de que não há mais nada
a fazer e, consequentemente, não vale a pena encontrar uma estrada para
recomeçar.
O Evangelho, ao contrário, revela-nos
que precisamente nas situações de decepção e tristeza, precisamente quando, atônitos,
experimentamos a violência do mal e a vergonha da culpa, quando o rio da nossa
vida seca no pecado e no fracasso, quando, despojados de tudo, parece que não
temos mais nada, precisamente então é que o Senhor vem ao nosso encontro e
caminha conosco. No caminho de Emaús, coloca-Se discretamente ao lado para
acompanhar e partilhar os passos resignados daqueles discípulos tristes. E que
faz? Não oferece palavras genéricas de encorajamento, expressões de
circunstância ou consolações fáceis, mas, desvendando nas Sagradas Escrituras o
mistério de sua Morte e Ressurreição, ilumina a sua história e os
acontecimentos que viveram. Assim abre os olhos deles para uma nova visão das
coisas. Também nós, que partilhamos a Eucaristia nesta Basílica, podemos reler
muitos acontecimentos da história. Neste mesmo terreno, já houve anteriormente
três templos; e houve aqueles que não fugiram diante das dificuldades, voltaram
a sonhar apesar dos erros próprios e alheios; não se deixaram vencer pelo
incêndio devastador há cem anos e edificaram, com coragem e criatividade, este
templo. E quantos partilham aqui a Eucaristia, vindos das vizinhas “Planícies
de Abraão”, podem também perceber o ânimo daqueles que não se deixaram cair
reféns do ódio da guerra, da destruição e do sofrimento, mas souberam voltar a
planear uma cidade e um país.
Por fim, diante dos discípulos de
Emaús, Jesus parte o pão, reabrindo os seus olhos e mostrando-Se mais uma vez
como o Deus do amor que oferece a vida pelos seus amigos. Deste modo, ajuda-os
a retomar o caminho com alegria, recomeçar, passar do fracasso à esperança.
Irmãos e irmãs, o Senhor quer fazer o mesmo com cada um de nós e com a sua
Igreja. E como podem ser reabertos os nossos olhos, como pode ainda o coração
inflamar-se em nós pelo Evangelho? Que devemos fazer enquanto nos vemos atribulados
por várias provações espirituais e materiais, enquanto procuramos a estrada
para uma sociedade mais justa e fraterna, enquanto desejamos nos recuperar das
nossas decepções e fadigas, enquanto esperamos sarar das feridas do passado e
reconciliar-nos com Deus e entre nós?
Só há uma estrada, um único caminho: é
o caminho de Jesus, é o caminho que é Jesus (cf. Jo 14,6).
Acreditemos que Jesus vem juntar-Se ao nosso caminho, deixemo-nos encontrar por
Ele; deixemos que seja a sua Palavra a interpretar a história que vivemos como
indivíduos e como comunidades, e a indicar-nos o caminho para nos curarmos e
reconciliarmos; com fé, partamos juntos o Pão Eucarístico para que, ao redor
desta Mesa, possamos redescobrir-nos filhos amados do Pai, chamados a ser todos
irmãos. Quando parte o pão, Jesus confirma aquilo que os discípulos já tinham
recebido como testemunho das mulheres e em que não quiseram acreditar: que Ele
ressuscitou! Nesta Basílica, onde recordamos a mãe da Virgem Maria, e onde se
encontra também a cripta dedicada à Imaculada Conceição, não podemos senão pôr
em evidência o papel que Deus quis dar à mulher no seu plano de salvação. Santa
Ana, a Santíssima Virgem Maria, as mulheres da manhã de Páscoa apontam-nos um
novo caminho de reconciliação: a ternura materna de tantas mulheres pode
acompanhar-nos - como Igreja - rumo a tempos novamente fecundos, nos quais
deixemos para trás tanta esterilidade e tanta morte, e no centro colocar de
novo Jesus, o Crucificado Ressuscitado.
De fato, no centro das nossas interrogações,
das fadigas que acumulamos, da própria vida pastoral, não podemos colocar-nos a
nós mesmos e ao nosso fracasso; devemos colocar Ele, o Senhor Jesus. No coração
de cada coisa, coloquemos a sua Palavra, que ilumina os acontecimentos e
reabre-nos os olhos para ver a presença operante do amor de Deus e a
possibilidade do bem mesmo em situações aparentemente perdidas; coloquemos o
Pão da Eucaristia, que Jesus ainda hoje parte para nós, para partilhar a sua
vida com a nossa, abraçar as nossas fragilidades, sustentar os nossos passos
cansados e conceder-nos a cura do coração. E, reconciliados com Deus, com os
outros e conosco, podemos também nós tornar-nos instrumentos de reconciliação e
de paz na sociedade em que vivemos.
Senhor Jesus, nosso caminho, nossa
força e consolação, a Vós nos dirigimos como os discípulos de Emaús: «Fica conosco,
Senhor, pois a noite já vai caindo» (Lc 24,29).
Fica conosco, Senhor, quando a
esperança conhece o ocaso e desce, escura, a noite da decepção.
Fica conosco, porque contigo, Jesus,
muda o rumo do caminho e, dos becos sem saída da desconfiança, renasce a
maravilha da alegria.
Fica conosco, Senhor, porque contigo a
noite da tristeza transforma-se em manhã radiosa da vida.
Simplesmente dizemos: Fica conosco, Senhor,
porque, se caminhas ao nosso lado, o fracasso abre-se à esperança de uma nova
vida. Amém.
Fonte: Santa Sé.
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