quinta-feira, 21 de julho de 2022

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Deus Pai 2

A breve seção introdutória das Catequeses do Papa São João Paulo II sobre Deus Pai - “A existência de Deus” - conclui-se com as reflexões nn. 2-3, que reproduzimos a seguir.

Para acessar a postagem que serve de introdução geral às Catequeses sobre o Creio, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM DEUS PAI

2. As provas da existência de Deus
João Paulo II - 10 de julho de 1985

1. Quando nos perguntamos: “Por que cremos em Deus?”, a primeira resposta é aquela da nossa fé: Deus se revelou à humanidade, entrou em contato com os homens. A suprema revelação de Deus veio a nós em Jesus Cristo, Deus encarnado. Nós cremos em Deus porque Ele se fez descobrir por nós como o ser supremo, o grande “Existente”.
No entanto, esta fé em um Deus que se revela também encontra apoio nos raciocínios da nossa inteligência. Quando refletimos, constatamos que não faltam provas da existência de Deus. Estas foram elaboradas por pensadores sob a forma de demonstrações filosóficas, segundo a concatenação de uma lógica rigorosa. Mas essas provas podem também revestir-se de uma forma mais simples e, como tais, são acessíveis a todo homem que busca compreender o que significa o mundo que o rodeia.

Nebulosa Carina (Telescópio Webb, Nasa)
"Ó galáxias dos céus imensos, louvai o Senhor!"

2. Quando se fala de provas da existência de Deus, devemos sublinhar que não se tratam de provas de ordem científico-experimental. As provas científicas, no sentido moderno da palavra, valem apenas para as coisas perceptíveis pelos sentidos, uma vez que apenas sobre estas podem ser exercidos os instrumentos de investigação e de verificação dos quais se serve a ciência. Querer uma prova científica de Deus significaria rebaixá-lo ao nível dos seres do nosso mundo, e assim equivocar-se já metodologicamente sobre aquilo que Deus é. A ciência deve reconhecer seus limites e a sua impotência em alcançar a existência de Deus: ela não pode nem afirmar nem negar esta existência.
No entanto, não se deve concluir disso que os cientistas são incapazes de encontrar, em seus estudos científicos, razões válidas para admitir a existência de Deus. Se a ciência como tal, não pode alcançar a Deus, o cientista, que possui uma inteligência cujo objeto não está limitado às coisas sensíveis, pode descobrir no mundo as razões para afirmar a existência de um Ser que o supera. Muitos cientistas fizeram e fazem esta descoberta.
Aquele que, com um espírito aberto, reflete sobre aquilo que está implicado na existência do universo não pode deixar de colocar-se o problema da origem. Instintivamente, quando somos testemunhas de certos acontecimentos, nos perguntamos sobre quais são as suas causas. Como não fazer a mesma pregunta para o conjunto dos seres e dos fenômenos que descobrimos no mundo?

3. Uma hipótese científica como a da expansão do universo faz aparecer mais claramente o problema: se o universo se encontra em continua expansão, não deveríamos voltar no tempo até aquele que se poderia chamar o “momento inicial”, aquele no qual começou essa expansão? Porém, seja qual for a teoria adotada sobre a origem do universo, a questão mais fundamental não pode ser evitada. Este universo em constante movimento postula a existência de uma causa que, dando-lhe o “ser”, comunicou-lhe esse movimento e continua a alimentá-lo. Sem essa causa suprema, o mundo e todo o movimento existente nele permaneceriam “inexplicados” e “inexplicáveis”, e nossa inteligência não poderia estar satisfeita. O espírito humano só pode receber uma resposta às suas interrogações admitindo um Ser que criou o mundo com todo o seu dinamismo e que continua sustentando-o na existência.

4. A necessidade de remontar a uma causa suprema se impõe ainda mais quando se considera a perfeita organização que a ciência não cessa de descobrir na estrutura da matéria. Quando a inteligência humana se aplica com tanta fadiga a determinar a constituição e as modalidades de ação das partículas materiais, não é induzida, talvez, a buscar a origem em uma inteligência superior, que tudo concebeu? Diante das maravilhas daquilo que se pode chamar o mundo imensamente pequeno do átomo, e o mundo imensamente grande do cosmos, o espírito do homem se sente totalmente superado nas suas possibilidades de criação e inclusive de imaginação, e compreende que uma obra de tal qualidade e de tais proporções requer um Criador, cuja sabedoria transcenda toda medida, cuja potência seja infinita.

5. Todas as observações a respeito do desenvolvimento da vida levam a uma conclusão análoga. A evolução dos seres vivos, da qual a ciência busca determinar as etapas e discernir o mecanismo, apresenta uma finalidade interna que suscita admiração. Esta finalidade que orienta os seres em uma direção, da qual não são donos nem responsáveis, obriga a supor um Espírito que é seu inventor, o Criador.
A história da humanidade e a vida de cada persona humana manifestam uma finalidade ainda mais impressionante. Certamente o homem não pode explicar a si mesmo o sentido de tudo o que lhe sucede, e portanto deve reconhecer que não é dono do próprio destino. Ele não só não fez a si mesmo, mas também não tem o poder de dominar o curso dos acontecimentos nem o desenvolvimento da sua existência. No entanto, está convencido de possuir um destino e trata de descobrir como o recebeu, como está inscrito em seu ser. Em certos momentos pode discernir mais facilmente uma finalidade secreta, que transparece de um conjunto de circunstâncias ou de acontecimentos. Assim, é levado a afirmar a soberania d’Aquele que o criou e que dirige a sua vida presente.

6. Por fim, entre as qualidades deste mundo que nos impulsionam a olhar para o alto está a beleza. Ela se manifesta nas multiformes maravilhas da natureza; traduz-se nas inumeráveis obras de arte, literatura, música, pintura, artes plásticas. Faz-se apreciar também na conduta moral: há tantos bons sentimentos, tantos gestos estupendos. O homem é consciente de “receber” toda esta beleza, ainda que com a sua ação contribua para sua manifestação. Ele a descobre e admira plenamente apenas quando reconhece sua fonte, a beleza transcendente de Deus.

7. A todas estas “indicações” sobre a existência de Deus criador, alguns opõem a força do acaso ou de mecanismos próprios da matéria. Falar de acaso em um universo que apresenta uma organização tão complexa nos elementos e uma finalidade tão maravilhosa na vida significa renunciar à busca de uma explicação do mundo como nos aparece. Na realidade, isso equivale a querer admitir efeitos sem causa. Trata-se de uma abdicação da inteligência humana que renunciaria assim a pensar, a buscar uma solução para os seus questionamentos.
Em conclusão, uma miríade de indícios impulsiona o homem, que se esforça em compreender o universo no qual vive, a orientar seu olhar para o Criador. As provas da existência de Deus são múltiplas e convergentes. Elas contribuem para mostrar que a fé não mortifica a inteligência humana, mas que a estimula a refletir e lhe permite compreender melhor todos os “porquês” colocados pela observação do real.

3. Os homens da ciência e Deus
João Paulo II - 17 de julho de 1985

1. É opinião bastante difundida que os homens da ciência são geralmente agnósticos e que a ciência afasta de Deus. Que há de verdadeiro nesta opinião?
Os extraordinários progressos realizados pela ciência, particularmente nos últimos dois séculos, induziram às vezes a crer que a ciência seja capaz de responder sozinha a todas as interrogações do homem e de resolver todos os problemas. Alguns deduziram disso que não haveria mais nenhuma necessidade de Deus. A confiança na ciência teria suplantado a fé.
Dizia-se que é necessário fazer uma escolha entre ciência e fé: ou se crê em uma ou se abraça a outra. Quem busca o esforço da investigação científica não teria mais necessidade de Deus; e, ao contrário, quem crê em Deus não poderia ser um cientista sério, porque entre ciência e fé haveria um contraste irredutível.

2. O Concilio Vaticano II expressou uma convicção bem distinta. Na Constituição Gaudium et spes se afirma: «A pesquisa metódica em todas as disciplinas, se for feita de maneira verdadeiramente científica e segundo as normas morais, realmente jamais se oporá à fé, porque as realidades profanas e as da fé originam-se do mesmo Deus. E mais, quem se esforça por perscrutar com humildade e constância os segredos das coisas, mesmo que disso não tenha consciência, é como que conduzido pela mão de Deus, que sustenta todas as coisas e faz que sejam o que são» (Gaudium et spes, n. 36).
De fato, pode-se observar que sempre existiram e ainda existem eminentes homens de ciência que, no contexto da sua experiência humana e científica, positiva e beneficamente creram (e creem) em Deus. Uma pesquisa realizada há cinquenta anos com 398 entre os mais ilustres cientistas, observou que apenas 16 se declararam não crentes, 15 agnósticos e 367 crentes (cf. A. Eymieu. La part des croyants dans les progrès de la Science. Perrin, 1935, p. 274).

3. Ainda mais interessante e profícuo é perceber por que muitos científicos de ontem e de hoje vêm a investigação científica rigorosamente realizada e o sincero e alegre reconhecimento da existência de Deus não só como conciliáveis, mas mesmo como felizmente integrados.
Das considerações que acompanham seu empenho científico - muitas vezes como um diário espiritual - é fácil ver o entrecruzar-se de dois elementos: o primeiro é como a própria investigação, no grande e no pequeno, realizada com extremo rigor, deixa sempre espaço a ulteriores perguntas em um processo sem fim, que descobre na realidade uma imensidade, uma harmonia, uma finalidade inexplicável em termos de causalidade ou mediante apenas os recursos científicos. A isso se acrescenta a inevitável busca de sentido, de racionalidade superior, antes, de algo ou de Alguém capaz de satisfazer necessidades interiores que o mesmo progresso científico, longe de suprimir, acrescenta.

4. Na verdade, a passagem à afirmação religiosa não ocorre por força do método científico experimental, mas em virtude de princípios filosóficos elementares - entre os quais o da causalidade, da finalidade, da razão suficiente -, com os quais um cientista, como homem, se encontra no contato quotidiano com a vida e com a realidade que estuda. Antes, a condição de sentinela do mundo moderno, que por primeiro entrevê a enorme complexidade e ao mesmo tempo a maravilhosa harmonia da realidade, faz do cientista uma testemunha privilegiada da plausibilidade do dado religioso, um homem capaz de mostrar como a admissão da transcendência, longe de prejudicar a autonomia e os fins da investigação, na verdade a estimula a superar-se continuamente, em uma experiência de autotranscedência reveladora do mistério humano.
Ao considerarmos, pois, que hoje os dilatados horizontes da investigação, sobretudo no que se refere às próprias fontes da vida, levantam inquietantes interrogações acerca do reto uso das conquistas científicas, não nos surpreende que cada vez mais frequentemente se manifeste nos cientistas a busca por critérios morais seguros, capazes de subtrair o homem de decisões arbitrárias. E quem, senão Deus, poderá fundamentar uma ordem moral na qual a dignidade do homem, de todo homem, seja estavelmente tutelada e promovida?
Certamente a religião cristã, se não pode considerar razoáveis certas confissões de ateísmo ou de agnosticismo em nome da ciência, é igualmente firme em rejeitar afirmações sobre Deus que provenham de formas não rigorosamente atentas aos processos racionais.

5. Sobre este ponto seria muito belo fazer ouvir de algum modo as razões pelas quais não poucos cientistas afirmam positivamente a existência de Deus e ver a pessoal relação que eles mantêm com Deus, com o homem e com os grandes problemas e valores supremos da vida; como muitas vezes o silêncio, a meditação, a imaginação criativa, o sereno desapego das coisas, o sentido social da descoberta, a pureza de coração são poderosos fatores que lhes abrem um mundo de significados que não podem ser desprezados por qualquer um que proceda com igual lealdade e amor à verdade.
É suficiente aqui a referência a um cientista italiano, Enrico Medi (†1974). Na sua intervenção no Congresso Catequético Internacional de Roma, em 1971, ele afirmava: «Quando digo a um jovem: olha, lá há uma nova estrela, uma galáxia, uma estrela de nêutrons, a cem milhões de anos luz de distância. E, no entanto, os prótons, os elétrons, os nêutrons, os mésons que existem lá são idênticos aos que estão neste microfone (...). A identidade exclui a probabilidade. O que é idêntico não é provável (...). Portanto, há uma causa, fora do espaço, fora do tempo, senhora do ser, que, ao ser, lhe concedeu ser assim. E esta [causa] é Deus (...).
O ser, falo cientificamente, que concedeu às coisas ser idênticas em um bilhão de anos-luz de distância, existe. E partículas idênticas no universo as temos 10 elevadas à 85ª potência (...) Queremos acolher então o canto das galáxias? Se eu fosse Francisco de Assis, diria: “Ó galáxias dos céus imensos, louvai o meu Senhor, porque é onipotente e bom! Ó átomos, prótons, elétrons... Ó canto dos pássaros, ó rumor das folhas e do vento, cantai, através das mãos do homem, como oração, o hino que chega até Deus!”» (Atti del II Congreso Catechistico Internazionale: Roma, 20-25 settembre 1971. Roma, Studium, 1972, pp. 449-450).

"Ó átomos, prótons, elétrons, louvai o Senhor!"

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (10 de julho e 17 de julho de 1985).

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