Na postagem anterior aqui em nosso blog começamos a publicar a Carta
Apostólica Desiderio desideravi
(Desejei ardentemente) sobre a formação litúrgica do povo de Deus, promulgada
pelo Papa Francisco no dia 29 de junho de 2022.
Nossa tradução da Carta na íntegra está dividida em três
partes. Assim, após os parágrafos nn. 01-26,
confira a seguir os nn. 27-47:
Papa Francisco
Carta Apostólica Desiderio desideravi
Aos Bispos, aos presbíteros e aos diáconos, às pessoas consagradas e aos fiéis leigos
Sobre a formação litúrgica do povo de Deus
A necessidade de uma séria e vital formação litúrgica
27. A questão fundamental é, portanto, esta: como
recuperar a capacidade de viver em plenitude a ação litúrgica? Esse foi o objetivo
da reforma do Concílio. O desafio é muito exigente porque o homem moderno - não
do mesmo modo em todas as culturas - perdeu a capacidade de confrontar-se com a
ação simbólica, que é uma característica essencial do ato litúrgico.
"A única grande reflexão do Concílio começou pela Liturgia" |
28. A pós-modernidade - na qual o homem se sente
ainda mais perdido, sem referências de qualquer tipo, desprovido de valores,
porque se tornou indiferente, órfão de tudo, em uma fragmentação na qual parece
impossível um horizonte de sentido - continua sobrecarregada pela pesada herança
que a época precedente nos deixou, feita de individualismo e subjetivismo (que mais
uma vez recordam o pelagianismo e o gnosticismo), bem como de um espiritualismo
abstrato que contradiz a própria natureza do homem, espírito encarnado e,
portanto, em si mesmo capaz de ação e de compreensão simbólicas.
29. É com a realidade da modernidade que a Igreja
reunida no Concílio quis confrontar-se, reafirmando a consciência de ser
sacramento de Cristo, luz dos povos (Lumen gentium), colocando-se em
religiosa escuta da Palavra de Deus (Dei Verbum) e reconhecendo como próprias
as alegrias e as esperanças (Gaudium et spes) dos homens de hoje. As
grandes Constituições conciliares não são separáveis e não é por acaso que
esta única grande reflexão do Concílio Ecumênico - máxima expressão da
sinodalidade da Igreja, de cuja riqueza sou chamado a ser, com todos vós, o
guardião - começou pela Liturgia (Sacrosanctum
Concilium).
30. Encerrando a segunda sessão do Concílio (04 de
dezembro de 1963), São Paulo VI assim se expressava:
“Esta discussão apaixonada e complexa não ficou de
modo algum sem frutos abundantes: de fato, aquele tema que foi abordado em
primeiro lugar e que, em certo sentido, é preeminente na Igreja, tanto por sua
natureza quanto por sua dignidade - queremos dizer, a sagrada Liturgia - chegou
a uma feliz conclusão, promulgada hoje por nós com um rito solene. Por isso
nossa alma exulta com alegria sincera. Neste fato reconhecemos, com efeito, ter
sido respeitada a justa ordem dos valores e dos deveres: deste modo
reconhecemos que o lugar de honra deve ser reservado a Deus; que nós, como
primeiro dever, devemos elevar orações a Deus; que a sagrada Liturgia é a fonte
primária daquele intercâmbio divino através do qual nos é comunicada a vida de
Deus, é a primeira escola da nossa alma, é o primeiro dom que deve ser dado por
nós ao povo cristão, unido a nós na fé e na assiduidade à oração; enfim, o primeiro
convite à humanidade para soltar a sua língua muda em orações santas e sinceras
e sentir aquela inefável força regeneradora da alma que é inerente ao cantar
conosco os louvores de Deus e na esperança dos homens, por Jesus Cristo e no
espírito Santo” [7].
31. Nesta Carta não posso deter-me sobre a riqueza
das expressões individuais, que deixo para vossa meditação. Se a Liturgia é “o
ápice para o qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de onde
emana toda a sua força” (Sacrosanctum
Concilium, n.10), compreendemos bem o que está em jogo na questão
litúrgica. Seria banal ler as tensões, infelizmente presentes em torno da
celebração, como uma simples divergência entre diferentes sensibilidades em
relação a uma forma ritual. O problema é antes de tudo eclesiológico. Não vejo
como podemos dizer que reconhecemos a validade do Concílio - ainda que me
surpreenda um pouco que um católico possa presumir não fazê-lo - e não acolher
a reforma litúrgica nascida da Sacrosanctum
Concilium, que exprime a realidade da Liturgia em íntima conexão com a
visão da Igreja admiravelmente descrita pela Lumen gentium. Por isso - como expliquei na Carta enviada a todos
os Bispos - senti o dever de afirmar que “os livros litúrgicos promulgados
pelos Santos Pontífices Paulo VI e João Paulo II, em conformidade com os
decretos do Concílio Vaticano II, são a única expressão da lex orandi do Rito Romano” (Motu
Proprio Traditionis custodes, art. 1).
A não aceitação da reforma, assim como uma
compreensão superficial dela, nos desvia do compromisso de encontrar as
respostas à pergunta que volto a repetir: como crescer na capacidade de viver em
plenitude a ação litúrgica? Como continuar a nos maravilhar com o que acontece
diante de nossos olhos na celebração? Precisamos de uma séria e vital formação
litúrgica.
"A Liturgia é o ápice para o qual tende a ação da Igreja e a fonte de onde emana toda a sua força" |
32. Voltemos ainda uma vez ao Cenáculo em
Jerusalém: na manhã de Pentecostes, nasce a Igreja, célula inicial da nova
humanidade. Só a comunidade de homens e mulheres reconciliados porque
perdoados, vivos porque Ele está vivo, verdadeiros porque habitados pelo
Espírito da verdade, pode abrir o estreito espaço do individualismo espiritual.
33. É a comunidade de Pentecostes que pode partir o
Pão na certeza de que o Senhor está vivo, ressuscitado dos mortos, presente com
a sua palavra, com os seus gestos, com a oferta do seu Corpo e do seu Sangue. A
partir desse momento a celebração torna-se o lugar privilegiado, não o único,
do encontro com Ele. Sabemos que só graças a este encontro o homem se torna
plenamente homem. Só a Igreja de Pentecostes pode conceber o homem como pessoa,
aberto a uma relação plena com Deus, com a criação e com os irmãos.
34. Aqui surge a questão decisiva da formação
litúrgica. Diz Romano Guardini: “Assim se delineia também a primeira tarefa
prática: sustentados por essa transformação interior do nosso tempo, devemos novamente
aprender a ‘encarar’ a relação religiosa como homens em sentido pleno” [8]. É
isso que a Liturgia torna possível, para isso devemos ser formados. O mesmo
Guardini não hesita em afirmar que, sem formação litúrgica, “as reformas no
rito e no texto não ajudam muito” [9]. Não pretendo tratar aqui de modo
exaustivo o riquíssimo tema da formação litúrgica: gostaria apenas de oferecer
alguns pontos para reflexão. Penso que podemos distinguir dois aspectos: a formação
para a Liturgia e a formação pela Liturgia. O primeiro está em função
do segundo, que é essencial.
35. É necessário encontrar os meios para uma
formação como estudo da Liturgia: a partir do Movimento Litúrgico muito tem
sido feito nesse sentido, com valiosas contribuições de muitos estudiosos e
instituições acadêmicas. É necessário, no entanto, difundir este conhecimento
fora do âmbito acadêmico, de modo acessível, para que cada fiel cresça no
conhecimento do significado teológico da Liturgia - esta é a questão decisiva e
fundamental de todo conhecimento e toda prática litúrgica - bem como do
desenvolvimento da celebração cristã, adquirindo a capacidade de compreender os
textos eucológicos, os dinamismos rituais e o seu valor antropológico.
36. Penso na normalidade das nossas assembleias que se reúnem para celebrar a Eucaristia no dia do Senhor, domingo após domingo, Páscoa após Páscoa, em momentos particulares da vida das pessoas e das comunidades, nas várias idades da vida: os ministros ordenados realizam uma ação pastoral de primeira importância quando tomam pela mão os fiéis batizados para conduzi-los à repetida experiência da Páscoa. Recordemos sempre que é a Igreja, Corpo de Cristo, o sujeito celebrante, não apenas o sacerdote. O conhecimento que vem do estudo é apenas o primeiro passo para poder entrar no mistério celebrado. É evidente que para poder conduzir os irmãos e irmãs, os ministros que presidem a assembleia devem conhecer o caminho, seja por tê-lo estudado no mapa da ciência teológica, seja por tê-lo percorrido na prática de uma experiência de fé viva, nutrida pela oração, certamente não apenas como um compromisso a ser cumprido. No dia da ordenação todo presbítero ouve o Bispo dizer: “Toma consciência do que vais fazer e põe em prática o que vais celebrar, conformando tua vida ao mistério da cruz do Senhor” [10].
37. Mesmo a abordagem do estudo da Liturgia nos seminários deve levar em conta a extraordinária capacidade que a celebração tem em si mesma de oferecer uma visão orgânica do saber teológico. Toda disciplina da teologia, cada uma segundo a sua perspectiva, deve mostrar a sua íntima conexão com a Liturgia, em virtude da qual se revela e se realiza a unidade da formação sacerdotal (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 16). Uma abordagem litúrgico-sapiencial da formação teológica nos seminários teria certamente efeitos positivos também na ação pastoral. Não há aspecto da vida eclesial que não encontre nela o seu ápice e a sua fonte. A pastoral de conjunto, orgânica, integrada, mais que ser o resultado de elaborados programas, é a consequência de colocar no centro da vida da comunidade a Celebração Eucarística dominical, fundamento da comunhão. A compreensão teológica da Liturgia não nos permite de nenhum modo, porém, compreender estas palavras como se tudo se reduzisse ao aspecto cultual. Uma celebração que não evangeliza não é autêntica, como não é autêntico um anúncio que não leva ao encontro com o Ressuscitado na celebração: ambos, sem o testemunho da caridade, são como bronze que soa ou como címbalo que retine (cf. 1Cor 13,1).
"Uma celebração que não evangeliza não é autêntica" |
38. Para os ministros e para todos os batizados, a
formação litúrgica, nesse seu primeiro sentido, não é algo que possamos pensar
em conquistar de uma vez para sempre: visto que o dom do mistério celebrado supera
a nossa capacidade de conhecimento, este empenho deverá certamente acompanhar a
formação permanente de cada um, com a humildade dos pequenos, atitude que se
abre ao assombro.
39. Uma última observação sobre os seminários: além
do estudo, devem oferecer também a possibilidade de vivenciar uma celebração
não apenas exemplar do ponto de vista ritual, mas autêntica, vital, que permita
viver aquela verdadeira comunhão com Deus à qual também o saber teológico deve tender.
Somente a ação do Espírito pode aperfeiçoar o nosso conhecimento do mistério de
Deus, que não é uma questão de compreensão mental, mas de relação que toca a
vida. Tal experiência é fundamental para que, uma vez que se tornem ministros ordenados,
possam acompanhar as comunidades no mesmo percurso de conhecimento do mistério
de Deus, que é mistério de amor.
40. Esta última consideração leva-nos a refletir
sobre o segundo sentido com o qual podemos entender a expressão “formação
litúrgica”. Refiro-me a ser formados, cada um segundo a sua vocação, pela
participação na celebração litúrgica. Mesmo o conhecimento de estudo que acabo
de mencionar, para que não se torne racionalismo, deve estar em função do
cumprimento da ação formativa da Liturgia em cada fiel em Cristo.
41. De tudo o que dissemos sobre a natureza da
Liturgia fica evidente que o conhecimento do mistério de Cristo, questão
decisiva para a nossa vida, não consiste na assimilação mental de uma ideia,
mas um real envolvimento existencial com a sua pessoa. Nesse sentido, a Liturgia
não diz respeito tanto ao “conhecimento” e sua finalidade não é primordialmente
pedagógica (embora possua um grande valor pedagógico: cf. Sacrosanctum Concilium, n. 33), mas é o louvor, a ação de
graças pela Páscoa do Filho, cuja força de salvação atinge à nossa vida. A celebração diz respeito à realidade do nosso
ser dóceis à ação do Espírito que nela opera, até que Cristo seja formado em
nós (cf. Gl 4,19). A plenitude da
nossa formação é a conformação a Cristo. Repito: não se trata de um processo
mental, abstrato, mas de tornar-se Ele. Esta é a finalidade para a qual nos foi
dado o Espírito, cuja ação é sempre e somente fazer o Corpo de Cristo. É assim
com o pão eucarístico, é assim para cada batizado chamado a tornar-se cada vez
mais aquilo que recebeu de dom no Batismo, ou seja, ser membro do Corpo de
Cristo. Escreve Leão Magno: “A nossa participação no Corpo e no Sangue de
Cristo não tem outro fim senão o de nos transformar naquilo que comemos” [11].
42. Esse envolvimento existencial ocorre - em continuidade e coerência com o método da Encarnação - pela via sacramental. A Liturgia é feita de coisas que são exatamente o oposto das abstrações espirituais: pão, vinho, óleo, água, perfume, fogo, cinza, pedra, tecido, cores, corpo, palavras, sons, silêncios, gestos, espaço, movimento, ação, ordem, tempo, luz. Toda a criação é manifestação do amor de Deus: desde que o próprio amor se manifestou em plenitude na cruz de Jesus, toda a criação foi atraída para ele. Toda a criação é assumida para ser colocada a serviço do encontro com o Verbo encarnado, crucificado, morto, ressuscitado, ascendido ao Pai. Assim como canta a oração sobre a água para a fonte batismal, mas também aquela sobre o óleo para o sagrado crisma e as palavras da apresentação do pão e do vinho, frutos da terra e do trabalho do homem.
43. A Liturgia dá glória a Deus não porque possamos
acrescentar algo à beleza da luz inacessível na qual Ele habita (cf. 1Tm 6,16) ou à perfeição do canto angélico
que ressoa eternamente nas moradas celestes. A Liturgia dá glória a Deus porque
nos permite, aqui na terra, ver Deus na celebração dos mistérios e, ao vê-lo, receber
vida da sua Páscoa: nós, que de mortos que éramos pelo pecado, pela graça foram
revividos com Cristo (cf. Ef 2,5). Nós
somos a glória de Deus. Irineu, Doctor
unitatis, o recorda: “A glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem
consiste na visão de Deus. Se já a revelação de Deus através da criação dá vida
a todos os seres que vivem na terra, quanto mais a manifestação do Pai através
do Verbo é causa de vida para aquele que veem a Deus!” [12].
O teólogo Romano Guardini (†1968): Citado quatro vezes ao longo da Carta |
44. Escreve Romano Guardini: “Com isso se delineia a primeira tarefa do trabalho de formação litúrgica: o homem deve se tornar novamente capaz de símbolos” [13]. Este empenho diz respeito a todos, ministros ordenados e fiéis. A tarefa não é fácil, porque o homem moderno se tornou analfabeto, não sabe mais ler símbolos, mal conhece a sua existência. Isso acontece também com o símbolo do nosso corpo. É símbolo porque é íntima união de alma e corpo, visibilidade da alma espiritual na ordem do corpóreo e nisso consiste a singularidade humana, a especificidade da pessoa irredutível a qualquer outra forma de ser vivo. A nossa abertura ao transcendente, a Deus, é constitutiva: não reconhecê-la nos leva inevitavelmente a um desconhecimento não só de Deus, mas também de nós mesmos. Basta ver a forma paradoxal de como o corpo é tratado, ora cuidado de forma quase obsessiva, seguindo o “mito de uma eterna juventude”, ora reduzido a uma materialidade à qual é negada toda dignidade. O fato é que não se pode dar valor ao corpo partindo apenas do corpo. Todo símbolo é ao mesmo tempo poderoso e frágil: se não for respeitado, se não for tratado como aquilo que é, quebra, perde a força, torna-se insignificante.
Não temos mais o olhar de São Francisco que olhava
o sol - a quem chamava irmão, porque assim o sentia -, o via belo e radiante com grande esplendor e,
cheio de assombro, cantava: De ti,
Altíssimo, carrega a significação [14]. A perda da capacidade de compreender
o valor simbólico do corpo e de cada criatura torna a linguagem simbólica da
Liturgia quase inacessível ao homem moderno. Não se trata, no entanto, de
renunciar a esta linguagem: não é possível renunciar a ela porque é a linguagem
que a Santíssima Trindade escolheu para nos alcançar na carne do Verbo.
Trata-se, ao contrário, de recuperar a capacidade de situar e compreender os
símbolos da Liturgia. Não devemos nos desesperar, porque essa dimensão, como disse,
é constitutiva ao homem e, apesar dos males do materialismo e do espiritualismo
- ambos negações da unidade entre corpo e alma - está sempre pronta a
ressurgir, como toda verdade.
45. A pergunta que nos fazemos é, portanto, como
voltar a ser capazes de símbolos? Como voltar a saber lê-los para poder vivê-los?
Sabemos bem que a celebração dos sacramentos é - pela graça de Deus - eficaz em
si mesma (ex opere operato), mas isso
não garante um pleno envolvimento das pessoas sem um modo adequado de situar-se
diante da linguagem da celebração. A leitura simbólica não é uma questão de
conhecimento mental, de aquisição de conceitos, mas experiência vital.
46. Antes de tudo devemos recuperar a confiança na
criação. Quero dizer que as coisas - com as quais os sacramentos “são feitos” -
vêm de Deus, são orientadas para Ele e foram assumidas por Ele, de modo
particular com a Encarnação, para que se tornassem instrumentos de salvação,
veículos do Espírito, canais de graça. Aqui se sente toda a distância seja da
visão materialista seja daquela espiritualista. Se as coisas criadas são parte
irrenunciável da ação sacramental que opera nossa salvação, devemos nos situar
diante delas com um olhar novo, não superficial, mas respeitoso, grato. Desde o
início elas contêm o germe da graça santificante dos sacramentos.
47. Outra questão decisiva - sempre refletindo
sobre como a Liturgia nos forma - é a educação necessária para poder adquirir a
atitude interior que nos permite situar e compreender os símbolos litúrgicos. Expresso-o
de forma simples. Penso nos pais e, mais ainda, nos avós, mas também nos nossos
párocos e catequistas. Muitos de nós aprendemos o poder dos gestos litúrgicos –
como, por exemplo, o sinal da cruz, o estar de joelhos, as fórmulas da nossa fé
- justamente deles. Talvez não tenhamos a memória viva disso, mas facilmente podemos
imaginar o gesto de uma mão maior que toma a pequena mão de uma criança e a
acompanha lentamente, traçando pela primeira vez o sinal da nossa salvação. O
movimento é acompanhado por palavras, que também são lentas, como se tomassem
posse de cada instante daquele gesto, de todo o corpo: “Em nome do Pai... e do
Filho... e do Espírito Santo... Amém”.
Para depois soltar a mão da criança e observá-la
repetir por si mesma, pronta para ajudá-la. Aquele gesto, assim entregue, crescerá
como um hábito com ela, vestindo-a da maneira que só o Espírito conhece. A
partir daquele momento esse gesto, a sua força simbólica, nos pertence ou,
melhor dizendo, nós pertencemos a esse gesto, ele nos dá forma, somos formados
por ele. Não são necessários muitos discursos, não é preciso ter compreendido
tudo sobre aquele gesto: é preciso ser pequeno, tanto em entregá-lo quanto em
recebê-lo. O resto é obra do Espírito. Assim fomos iniciados na linguagem
simbólica. Não podemos deixar que nos roubem essa riqueza. Crescendo poderemos
ter mais meios de compreender, mas sempre com a condição de permanecer
pequenos.
Notas:
[7] AAS 56 (1964), 34.
[8] Romano Guardini, Liturgische Bildung (1923); in:
Liturgie und liturgische Bildung. Mainz,
1992, p. 43 (trad. ital.: Formazione
Liturgica. Brescia, 2022, p. 69).
[9] idem, Der
Kultakt und die gegenwärtige Aufgabe der Liturgischen Bildung (1964); in: Liturgie
und liturgische Bildung, p. 14 (trad. ital.: L’atto di culto e il compito attuale della formazione liturgica. Una lettera (1964); in: Formazione Liturgica,
p. 33).
[10] Pontifical Romano. Rito de ordenação de
presbíteros, p. 117 (“Agnosce quod ages,
imitare quod tractabis, et vitam tuam mysterio dominicae crucis conforma”).
[11] Leão Magno, Sermão XII: De Passione
III, 7.
[12] Irineu de Lião, Adversus haereses IV, 20, 7.
[13] Romano Guardini, Liturgische Bildung (1923) in:
op. cit., p. 36 (trad. ital.: p. 60).
[14] “Laudato
sie, mi Signore, cun tucte le tue creature, spetialmente messor lo frate sole, lo
qual' è iorno, et allumini noi per loi. Et ellu è bellu e radiante cun grande
splendore, de te, Altissimo, porta significatione” (Cântico das Criaturas; in:
Fontes Franciscanas, n. 263).
Atualização: Para acessar a Terceira parte, com os nn. 48-65 da Carta, clique aqui.
Tradução nossa a partir do texto italiano da Carta, disponível no site da Santa Sé.
Nenhum comentário:
Postar um comentário