Com esta postagem damos início à seção sobre “Deus Pai todo-poderoso” dentro das Catequeses do Papa São João Paulo II sobre Deus Pai.
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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM DEUS PAI
II. Deus Pai todo-poderoso (nn. 4-12)
4. O Deus da nossa fé
João Paulo II - 24 de julho de 1985
1. Nas Catequeses do ciclo
anterior busquei explicar o que significa a frase: “Eu creio”, o que quer dizer:
“crer como cristão”. No ciclo que agora começamos, desejo concentrar as
Catequeses sobre o primeiro artigo da fé: “Creio em Deus” ou, mais plenamente: “Creio
em Deus, Pai todo-poderoso, criador...”. Assim soa esta primeira e
fundamental verdade da fé no Símbolo Apostólico. E quase identicamente no
Símbolo Niceno-Constantinopolitano: “Creio
em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador...”. Assim,
o tema das Catequeses deste ciclo será Deus: o Deus da nossa fé. E uma
vez que a fé é a resposta à Revelação, o tema das Catequeses seguintes será esse
Deus que se deu a conhecer ao homem, ao qual “aprouve, em sua bondade,
revelar-se e dar a conhecer o mistério da sua vontade” (cf. Dei Verbum, n. 2).
Deus, Alfa e Ômega, princípio e fim de nossa fé (Rafaellino del Colle) |
2. Desse Deus trata o primeiro
artigo do “Creio”; d’Ele falam indiretamente todos os artigos sucessivos dos
Símbolos da fé. Eles, com efeito, estão todos unidos de modo orgânico à primeira
e fundamental verdade sobre Deus, que é a fonte da qual derivam. Deus é “o Alfa e o Ômega” (Ap 1,8); Ele é também o início e o fim da nossa
fé. Podemos dizer, pois, que todas as sucessivas verdades enunciadas no “Credo”
nos permitem conhecer cada vez mais plenamente o Deus da nossa fé, do qual fala
o primeiro artigo: fazem-nos conhecer melhor quem é Deus em Si mesmo e
na sua vida íntima. Com efeito, conhecendo suas obras - a obra da criação e
da redenção -, conhecendo todo o seu plano de salvação a respeito do homem,
adentramos cada vez mais profundamente na verdade de Deus, tal como se revela
na antiga e na nova aliança. Trata-se de uma revelação progressiva, cujo conteúdo
foi formulado sinteticamente nos Símbolos da fé. No desenrolar-se dos artigos
dos Símbolos adquire plenitude de significado a verdade expressa nas primeiras
palavras: “Creio em Deus”. Naturalmente, dentro dos limites nos quais o
mistério de Deus é acessível a nós mediante a Revelação.
3. O Deus da nossa fé, Aquele
que professamos no “Creio”, é o Deus de Abraão, nosso pai na fé (cf. Rm 4,12-16). É “o
Deus de Isaac e de Jacó”, isto é, de Israel (cf. Mc 12,26), o Deus de Moisés e, finalmente e
sobretudo, é o “Deus, Pai de Jesus Cristo” (cf. Rm 15,6). Isto afirmamos quando dizemos: “Creio
em Deus Pai...”. É o único e idêntico Deus, do qual nos diz a Carta aos Hebreus que “muitas vezes e de
muitos modos falou outrora aos nossos pais, pelos profetas” e “nestes dias, que
são os últimos, falou-nos por meio do Filho” (Hb 1,1-2). Ele, que é
a fonte da Palavra, que descreve sua progressiva automanifestação na historia,
se revela plenamente no Verbo Encarnado, Filho eterno do Pai. Neste Filho - Jesus
Cristo - o Deus da nossa fé se confirma definitivamente como Pai. Jesus
o reconhece e glorifica como tal, rezando: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e
da terra...” (Mt 11,25), e ensinando claramente também a nós a descobrir neste Deus, Senhor do céu e da
terra, o “nosso” Pai (Mt 6,9).
4. Assim, o Deus da Revelação,
“Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 15,6) se coloca
diante da nossa fé como um Deus pessoal, como um inescrutável “Eu” divino diante
do nosso “eu” humano, diante de cada um e diante de todos. É um “Eu” inescrutável,
sim, no seu profundo mistério, mas que se “abriu” a nós na Revelação, de modo
que podemos nos dirigir a Ele como o santíssimo “Tu” divino. Cada um de nós é capaz
de fazê-lo, porque o nosso Deus, que abraça em Si e supera e transcende de modo
infinito todo aquilo que existe, está muito próximo de todos, e mais ainda,
íntimo ao nosso mais íntimo ser: “interior
intimo meo”, como escreve Santo Agostinho (Confissões, III, cap. VI,
11: PL 32, 687).
5. Este Deus, o Deus da nossa fé,
Deus e Pai de Jesus Cristo, Deus e Pai nosso, é ao mesmo tempo o “Senhor do
céu e da terra”, como o próprio Jesus o invocou (Mt 11,25).
Ele, com efeito, é o Criador.
Quando o Apóstolo Paulo de Tarso se apresenta diante dos atenienses no Areópago,
proclama: “Atenienses... observando, ao passar, os vossos monumentos sagrados [as
estátuas dos deuses venerados na religião da antiga Grécia], encontrei um altar
com esta inscrição: ‘A um deus desconhecido’. Pois bem,
aquilo que adorais sem conhecer, eu vos anuncio. O Deus que fez o mundo
e tudo o que nele existe, sendo
Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mão humana.
Também não é servido por mãos humanas, como se precisasse de alguma coisa; pois
é Ele quem dá a todos vida, respiração e tudo o mais. Ele ... estabeleceu o
ritmo dos tempos e os limites de sua habitação [dos homens]. Assim fez para
que buscassem a Deus e,
talvez às apalpadelas, o encontrassem, a Ele que na realidade não está longe
de cada um de nós; de fato, n’Ele vivemos, nos movemos e existimos...” (At 17,23-28).
Com estas palavras Paulo de Tarso,
o Apóstolo de Jesus Cristo, anuncia no Areópago de Atenas a primeira e
fundamental verdade da fé cristã. É a verdade que também nós confessamos com as
palavras: “Creio em Deus [em um só Deus], Pai todo-poderoso, criador do céu e
da terra”. Este Deus - o Deus da Revelação - ainda hoje como então continua
sendo para muitos “um deus desconhecido”. É aquele Deus que muitos hoje,
como outrora, buscam como que
“às apalpadelas” (At 17,27).
Ele é o Deus inescrutável e inefável. Mas é Aquele que tudo compreende;
“n’Ele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17,28). A este Deus buscaremos
aproximarmo-nos gradualmente nos próximos encontros.
5. Aquele que é
João Paulo II - 31 de julho de 1985
1. Pronunciando as palavras “Creio
em Deus”, nós expressamos antes de tudo a convicção de que Deus existe.
Este é um tema que tratamos nas Catequeses do ciclo anterior, a respeito do
significado da palavra “creio”. Segundo o ensinamento da Igreja a verdade sobre
a existência de Deus é acessível mesmo à razão humana, se livre de preconceitos,
como testemunham as passagens do Livro da
Sabedoria (Sb 13,1-9) e da Carta aos Romanos (Rm 1,19-20) citados anteriormente. Essas passagens falam do conhecimento
de Deus como criador (ou causa primeira). Esta verdade aparece também em outras
páginas da Sagrada Escritura. O Deus invisível se faz de certa forma
“visível” através de suas obras.
“Os céus proclamam a glória de Deus,
e o firmamento anuncia as obras de suas mãos. O dia transmite ao dia a mensagem,
e a noite dá conhecimento à outra noite” (Sl 18/19,2-3).
Este hino cósmico de exaltação das
criaturas é um canto de louvor a
Deus como criador. Eis aqui alguns outros textos:
“Quão numerosas as tuas obras, ó
Senhor! Todas fizeste com sabedoria, e a terra encheu-se das tuas criaturas” (Sl 103/104,24).
“Em seu poder, Ele fez a terra, com
sabedoria firmou o orbe e com sua inteligência estendeu o céu. (...) Todos
ficam tolos, sem entender...” (Jr 10,12.14).
“As coisas que Ele fez são todas
boas a seu tempo (...). Aprendi que tudo o que Deus faz é para sempre. A isso
nada podemos acrescentar, nem disso podemos tirar” (Ecl 3,11.14).
2. São apenas algumas passagens
nas quais os autores inspirados exprimem a verdade religiosa sobre Deus-Criador,
utilizando a imagem de mundo que lhes era contemporânea. É
certamente uma imagem pré-científica, mas religiosamente verdadeira e poeticamente
refinada. A imagem de que dispõe o homem do nosso tempo, graças ao desenvolvimento
da cosmologia filosófica e científica, é incomparavelmente mais significativa e
eficaz para quem procede com espírito livre de preconceitos.
As maravilhas que as diversas ciências
específicas nos desvelam sobre o homem e sobre o mundo, sobre o microcosmo e sobre o macrocosmo, sobre a estrutura interna da
matéria e sobre as profundidades da psique
humana, são tais que confirmam as palavras dos autores sagrados, induzindo a reconhecer
a existência de uma suprema inteligência criadora e ordenadora do universo.
3. As palavras “Creio em Deus”
referem-se antes de tudo Àquele que revelou a Si mesmo. Deus que se
revela é Aquele que existe: com efeito, pode revelar a Si mesmo somente
Aquele que realmente existe. Da questão da existência de Deus a Revelação se
ocupa em certo sentido marginalmente e de modo indireto. E tampouco no Símbolo
da fé a existência de Deus é apresentada como uma interrogação ou um problema em
si mesmo. Como já dissemos, a Sagrada Escritura, a Tradição e o Magistério
afirmam a possibilidade de um conhecimento seguro de Deus mediante a
razão (cf. Sb 13,1-9;
Rm 1,19-20; Dei Filius,
cap. 2; Dei Verbum, n. 6). Indiretamente tal afirmação encerra o
postulado de que o conhecimento da existência de Deus mediante a fé, que expressamos
com as palavras “Creio em Deus”, possui um caráter racional, que a razão pode aprofundar.
“Credo, ut intelligam” como também “intelligo, ut credam” [Creio, para
compreender; compreendo, para crer]: este é o caminho da fé à teologia.
4. Quando dizemos “Creio em Deus”,
as nossas palavras possuem um caráter preciso de “confissão”. Confessando,
respondemos a Deus que revelou a Si mesmo. Confessando, nos tornamos
participantes da verdade que Deus revelou e a expressamos como conteúdo da
nossa convicção. Aquele que revela a Si mesmo não só nos permite saber que Ele
existe, mas nos permite também conhecer quem Ele é e como Ele é. Assim, a autorrevelação de Deus nos conduz
à pergunta sobre a essência de Deus: quem é Deus?
5. Façamos referência aqui ao acontecimento
bíblico narrado no Livro do Êxodo (Ex 3,1-14). Moisés, que apascentava
o rebanho nas proximidades do monte Horeb, nota um fenômeno extraordinário. “Moisés
olhou e viu que a sarça ardia no fogo, mas não se consumia” (v. 2). Aproximou-se
e, “do meio da sarça, Deus o chamou e disse: ‘Moisés! Moisés!’. Ele respondeu: ‘Eis-me
aqui’. Deus lhe disse: “Não te aproximes! Tira as sandálias dos teus pés, porque
o lugar onde estás é solo sagrado’. E acrescentou: ‘Eu sou o Deus de teu pai,
o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó’. E Moisés escondeu o rosto,
pois temia olhar para Deus” (vv. 4-6).
O acontecimento descrito pelo Libro do Êxodo é definido como uma
“teofania” - isto é, uma manifestação de Deus em um sinal extraordinário - e
aparece, entre todas as teofanias do Antigo Testamento, particularmente
sugestiva como sinal da presença de Deus. A teofania não é uma
revelação direta de Deus, mas apenas a manifestação de uma particular presença sua.
Em nosso caso esta presença se dá a conhecer seja mediante as palavras pronunciadas
do interior da sarça ardente, seja mediante a mesma sarça que arde no fogo sem
consumir-se.
6. Deus revela a Moisés a missão
que pretende confiar-lhe: deve libertar os israelitas da escravidão egípcia e conduzi-los
à Terra Prometida. Deus lhe promete também sua poderosa ajuda no cumprimento
desta missão: “Eu estarei contigo” (Ex
3,12). Então Moisés se dirige a Deus: “Mas, se eu for aos israelitas e lhes
disser: ‘O Deus de vossos pais enviou-me
a vós’, e eles me perguntarem: ‘Qual é o seu nome’, que devo responder?”. Deus disse a
Moisés: “Eu sou Aquele que sou”. E acrescentou: “Assim responderás aos israelitas: ‘Eu
sou enviou-me a vós’” (Ex 3,12-14).
Assim, pois, o Deus da nossa fé - o
Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó - revela o seu nome. Diz: “Eu sou Aquele que
sou!”. Segundo a tradição de Israel, o nome exprime a essência.
A Sagrada Escritura dá a Deus
diversos “nomes’; entre eles: “Senhor” (por exemplo: Sb 1,1), “Amor”
(1Jo 4,16),
“Compassivo” (por exemplo: Sl 85/86,15), “Fiel” (1Cor 1,9),
“Santo” (Is 6,3). Mas o nome que Moisés ouviu do profundo da sarça
ardente constitui como que a raiz de todos os demais. “Aquele que é” diz a própria essência
de Deus que é o Ser em si mesmo, o Ser subsistente,
como precisam os teólogos e os filósofos. Diante d’Ele não podemos senão prostrar-nos
e adorar.
Para saber mais sobre o Nome de Deus e suas interpretações, confira nossa postagem sobre a devoção ao Santíssimo Nome de Jesus.
Deus revela seu Nome a Moisés na sarça ardente |
Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (24 de julho e 31 de julho de 1985).
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