Viagem Apostólica do Papa Francisco ao Canadá
Santa Missa
Homilia do Santo Padre
Commonwealth Stadium, Edmonton - 26 de julho de 2022
Hoje é a festa dos avós de Jesus; o
Senhor quis que nos encontrássemos em tão grande número precisamente nesta
ocasião muito querida tanto para vós como para mim. Na casa de Joaquim e Ana, o
pequeno Jesus conheceu os idosos da sua família e experimentou a proximidade, a
ternura e a sabedoria dos avós. Pensemos, também nós, nos nossos avós e
reflitamos sobre dois aspectos importantes.
O primeiro: somos filhos de uma
história que devemos guardar. Não somos indivíduos isolados, não somos
ilhas; ninguém vem ao mundo desligado dos outros. As nossas raízes, o amor com
que fomos aguardados e que recebemos ao vir ao mundo, os ambientes familiares
onde crescemos, fazem parte de uma única história, que nos precedeu e gerou.
Não a escolhemos nós, mas a recebemos de presente; é um presente que somos
chamados a guardar. Pois, como lembrou-nos o Livro do Eclesiástico, somos «a posteridade» de quem nos precedeu,
somos a sua «rica herança» (cf. Eclo 44,11).
Uma herança cujo centro, mais do que nas proezas ou na autoridade de uns, na
inteligência ou na criatividade do canto e da poesia de outros, está na
justiça, na fidelidade a Deus e à sua vontade. E isto no-lo transmitiram. Para
acolher verdadeiramente quem somos e quão preciosos somos, precisamos assumir
em nós aqueles de quem descendemos, aqueles que não pensaram só em si
mesmos, mas transmitiram-nos o tesouro da vida. Estamos aqui graças aos pais,
mas também graças aos avós que nos fizeram experimentar ser bem-vindos no
mundo. Muitas vezes foram eles a amar-nos sem reservas e sem nada esperar de
nós: tomaram-nos pela mão quando tínhamos medo, tranquilizaram-nos na escuridão
da noite, encorajaram-nos quando, à luz do sol, devíamos enfrentar as opções da
vida. Graças aos nossos avós, recebemos uma carícia da parte da história que
nos precedeu: aprendemos que o bem, a ternura e a sabedoria são raízes
sólidas da humanidade. Na casa dos avós, muitos de nós respiramos o perfume do
Evangelho, a força de uma fé que tem o sabor de casa. Graças a eles,
descobrimos uma fé familiar, uma fé doméstica; sim, porque é deste modo que se
comunica essencialmente a fé: comunica-se «em dialeto», comunica-se através do
afeto e do encorajamento, da solicitude e da proximidade.
Esta é a nossa história, que deve ser
guardada, a história da qual somos herdeiros: somos filhos, porque somos netos.
Os avós imprimiram em nós o cunho original do seu modo de ser, dando-nos
dignidade, confiança em nós e nos outros. Transmitiram-nos algo que não poderá
jamais ser cancelado dentro de nós e, ao mesmo tempo, permitiram-nos ser
pessoas únicas, originais e livres. Assim, foi precisamente dos avós que
aprendemos que o amor nunca é constrição, nunca priva o outro da sua liberdade
interior. Joaquim e Ana amaram Maria e Jesus assim; e Maria amou assim Jesus,
com um amor que nunca O sufocou nem tolheu, mas O encaminhou, a fim de abraçar
a missão para a qual veio ao mundo. Procuremos aprender isto seja como
indivíduos, seja como Igreja: nunca oprimir a consciência do outro, nunca
acorrentar a liberdade de quem está à nossa frente e, sobretudo, nunca faltar
ao amor e ao respeito pelas pessoas que nos precederam e que nos foram
confiadas, tesouros preciosos que guardam uma história maior do que eles.
E o Livro
do Eclesiástico diz-nos ainda que guardar a história que nos gerou
significa não ofuscar a «glória» dos antepassados: não perder a sua memória,
não nos esquecermos da história que deu à luz a nossa vida, recordarmos sempre aquelas
mãos que nos acarinharam e seguraram nos braços, porque é nesta fonte que
encontramos consolação nos momentos de desânimo, luz no discernimento, coragem
para enfrentar os desafios da vida. Mas guardar a história que nos gerou
significa também voltar sempre àquela escola, onde aprendemos e vivemos o amor.
Significa perguntar-nos, perante as opções que devemos tomar hoje, que fariam
no nosso lugar os idosos mais sábios que conhecemos, o que nos aconselham ou
aconselhariam os nossos avós e bisavós.
Queridos irmãos e irmãs, perguntemo-nos
então: Somos filhos e netos que sabemos guardar a riqueza recebida? Recordamos
os bons ensinamentos herdados? Falamos com os nossos idosos, reservamos tempo para
escutá-los? E ainda: nas nossas casas, cada vez melhor equipadas, modernas e
funcionais, sabemos preparar um espaço digno para conservar as suas
recordações, um lugar próprio, um pequeno oratório familiar que nos permita,
através de imagens e objetos queridos, elevar também o pensamento e a oração
por quem nos precedeu? Conservamos a Bíblia e o terço dos nossos antepassados?
Devemos rezar por eles e em união com eles, dedicar tempo a repassá-los na
memória, guardar a herança: na bruma do esquecimento que invade os nossos
tempos vertiginosos, irmãos e irmãs, é fundamental cuidar das raízes.
É assim que cresce a árvore; é assim que se constrói o futuro.
Chegamos assim ao segundo aspecto sobre
o qual queremos refletir: além de filhos de uma história a guardar,
somos artesãos de uma história a construir. Cada um pode reconhecer
aquilo que é, com as suas luzes e sombras, conforme o amor que recebeu ou que
lhe faltou. O mistério da vida humana é este: todos somos filhos de alguém,
gerados e plasmados por alguém, mas, uma vez que nos tornamos adultos, somos
também chamados a ser geradores, pais, mães e avós de outrem. Por conseguinte,
olhando para a pessoa que somos hoje, que queremos fazer de nós mesmos? Os avós
de quem descendemos, os idosos que sonharam, esperaram e se sacrificaram por
nós, lançam-nos uma pergunta fundamental: Que sociedade queremos construir?
Recebemos tanto das mãos de quem nos precedeu, o que queremos deixar em herança
à nossa posteridade? Uma fé viva ou uma fé tipo «água de colônia», uma
sociedade fundada no lucro dos indivíduos ou na fraternidade, um mundo em paz
ou em guerra, uma criação devastada ou uma casa ainda acolhedora?
E não nos esqueçamos de que este
movimento que dá vida sobe das raízes para os ramos, as folhas, as flores, os
frutos da árvore. A verdadeira tradição se expressa nesta dimensão vertical: de
baixo para o alto. Tenhamos cuidado para não cair em uma caricatura da
tradição, que não se moveria em uma linha vertical - das raízes para os frutos -,
mas em uma linha horizontal - da frente para trás - que nos leva à cultura do
«retrogradismo» como um refúgio egoísta, que se limita a encaixar o presente,
conservando-o na lógica do «sempre se fez assim».
No Evangelho que ouvimos, Jesus diz aos
discípulos que são bem-aventurados porque podem ver e ouvir o que muitos
profetas e justos só puderam desejar (cf. Mt 13,16-17).
Com efeito, muitos acreditaram na promessa de Deus sobre a vinda do Messias,
prepararam-Lhe o caminho, anunciaram a sua chegada. Mas, agora que o Messias
chegou, os que podem vê-Lo e ouvi-Lo são chamados a acolhê-Lo e anunciá-Lo.
Irmãos e irmãs, isto vale também para
nós. Aqueles que nos precederam transmitiram-nos uma paixão, uma força e um
anseio, um fogo que nos cabe reavivar; não se trata de guardar cinzas, mas
reavivar o fogo que eles acenderam. Os nossos avós e os nossos idosos desejaram
ver um mundo mais justo, mais fraterno e mais solidário, e lutaram para nos dar
um futuro. Agora, a nós, cabe não decepcioná-los. Cabe a nós cuidar dessa
tradição que recebemos, porque a tradição é a fé viva dos nossos mortos. Por
favor, não a transformemos em tradicionalismo que, como disse um pensador, é a
fé morta dos vivos. Sustentados por eles, pelos nossos idosos, que são as
nossas raízes, cabe a nós dar fruto. Somos nós os ramos que devem florescer e
introduzir sementes novas na história. Coloquemo-nos, pois, uma pergunta
concreta: Eu, perante a história de salvação a que pertenço, diante de quem me
precedeu e amou, que faço? Tenho um papel único e insubstituível na história...
que marcas estou deixando para trás no meu caminho, que estou fazendo, que
estou deixando para quem me segue, que estou dando de mim? Muitas vezes
avalia-se a vida com base no dinheiro que se ganha, na carreira que se faz, no
sucesso e consideração que se recebem dos outros. Mas estes não são critérios
geradores. O problema é: que estou gerando? Estou gerando vida? Estou
introduzindo na história um novo e renovado amor? Estou anunciando o Evangelho
onde vivo, estou servindo alguém gratuitamente, como fez comigo quem me
precedeu? Que faço pela minha Igreja, pela minha cidade e pela minha sociedade?
Irmãos e irmãs, é fácil criticar, mas o Senhor não nos quer apenas críticos do
sistema, não nos quer fechados, não nos quer «retrógrados», do número daqueles
que se voltam para trás, como diz o autor da Carta aos Hebreus (cf. Hb
10,39), mas quer que sejamos artesãos de uma história nova, tecelões de
esperança, construtores do futuro, operadores de paz.
Joaquim e Ana intercedam por nós!
Ajudem-nos a guardar a história que nos gerou e a construir uma história
geradora. Que eles nos recordem a importância espiritual de honrar os nossos
avós e os nossos idosos, aprender com a sua presença para construir um futuro
melhor: um futuro onde os idosos não sejam descartados porque «já não são úteis»;
um futuro que não julgue o valor das pessoas só pelo que produzem; um futuro
que não seja indiferente com quem, já em idade avançada, precisa de mais tempo,
escuta e solicitude; um futuro onde para ninguém se repita a história de
violência e marginalização sofrida pelos nossos irmãos e irmãs indígenas. É um
futuro possível se, com a ajuda de Deus, não quebrarmos o vínculo com quem nos
precedeu e alimentarmos o diálogo com quem virá depois de nós: jovens e idosos,
avós e netos, em conjunto. Avancemos juntos, sonhemos juntos. E não esqueçamos
o conselho de Paulo ao seu discípulo Timóteo: «Recorda-te da tua mãe e da tua
avó» (cf. 2Tm 1,5).
Fonte: Santa Sé.
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