quarta-feira, 6 de julho de 2022

Ordenações Presbiterais em Lisboa: Homilia

No dia 03 de julho de 2022 o Patriarca de Lisboa, Cardeal Manuel José Macário do Nascimento Clemente, celebrou a Santa Missa na igreja de Santa Maria de Belém, o Mosteiro dos Jerônimos, para a Ordenação Presbiteral de 10 novos sacerdotes.

Foi celebrada a Missa Ritual das Ordenações com as leituras do XIV Domingo do Tempo Comum (Ano C). Eis a homilia do Patriarca na ocasião:

Homilia na Missa de Ordenação de Presbíteros

Caríssimos ordenandos e todos vós aqui presentes nesta bela celebração - bela porque repleta de verdade pessoal e eclesial, bela porque manifesta a bondade de Deus, que não abandona o seu povo e assim vem ao nosso encontro em cada um dos ordenandos de hoje, tornados sacramento de Cristo sacerdote e pastor no meio de nós.
Acabamos de ouvir no Evangelho um conjunto de indicações que, podendo aplicar-se a todos os discípulos de Cristo, têm particular incidência em cada um de vós, os ordenandos.
Como seja o envio: «Naquele tempo, designou o Senhor setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir» (Lc 10,1). Na verdade, o que acontece convosco não é iniciativa vossa, mas um envio divino.
Não é iniciativa vossa, nem poderia ser. É algo de tão profundo e decisivo que só de Deus pode provir. Foi há dois mil anos e é agora convosco, a partir da vontade de Cristo, que se torna vida das pessoas concretas que sois, na história que vos trouxe aqui e vos impele além.
Também porque vos envia a preparar a sua chegada aonde fordes. Por nós, só por nós, vamos aonde queremos ou temos de ir, com finalidades que não ultrapassam o nosso desejo e medida. Mas neste caso - no vosso caso - ides em função de Cristo que vos envia, para que a vossa vida se transforme em sinal da sua própria chegada e precisamente aí.


Fostes tomados por Cristo e certamente o sentistes já, como vocação e destino. Tendo como toda a gente propensões naturais e projetos próprios, fostes desapropriados deles para assumirdes de alma e coração o projeto de Deus a vosso respeito e em função de todos.
Daqui a pouco, na prostração que fareis, vivereis o momento de Cristo, naquele horto em que deixou que a vontade do Pai fosse também a sua, ainda que passasse pela cruz para nos salvar a todos com o dom da sua vida. Sim, o vosso destino é inteiramente pascal.
No dia a dia da vossa vida sacerdotal, é este envio que vos determinará, para que a presença salvadora de Cristo possa chegar também a cada pessoa e circunstância que for.

Será essa também a vossa paz. Isso mesmo direis onde chegardes, como a seguir ouvimos: «Quando entrardes nalguma casa, dizei primeiro: “Paz a esta casa!”» (Lc 10,5). Só o dirá deveras quem a conhecer já por si mesmo e tanto mais quanto assim for. Aliás, no vosso percurso pessoal, caros ordenandos, certamente que experimentastes já aquela harmonia e quietação de espírito que se alcançam apenas em Deus e com Deus. Essa mesma que levareis a todos.
Assim se alimentava Cristo da vontade de Deus Pai e assim mesmo serenava as vagas de qualquer mar, exterior ou interior que fosse. É com esta paz que haveis de sossegar tanta agitação que encontrareis, exterior ou interior, quando o mar se encapelar nas circunstâncias várias da Igreja ou do mundo, sorte comum da humanidade que somos, tão promissora como frágil. Humanidade da qual Deus não desiste e que Cristo salva. Como bem sabeis e testemunhareis.
Humanidade enferma, como realmente é. A pandemia que nos chegou tornou mais evidente esta realidade, da qual talvez nos julgássemos a salvo, ao menos na dimensão que teve. Aliás, tanto a crise ecológica como a globalização viral alertam-nos para um futuro incerto e requerem-nos outra atuação solidária. Mas a enfermidade humana, ou seja, a natureza pouco firme e tão precária de cada um de nós, tem outros contornos de espírito, que requer socorros além dos físicos.
Por isso os milagres de Jesus foram sempre integrais, como a ecologia agora requer e chegando ao lugar mais íntimo em que a vida de cada um se resolve e salva. É essa a dimensão do “reino de Deus”, não deixando de fora nada nem ninguém, na totalidade do que somos em nós e com os outros.
Assim o ouvimos igualmente: «Quando entrardes nalguma cidade e vos receberem, comei do que vos servirem, curai os enfermos que nela houver e dizei-lhes: “Está perto de vós o Reino de Deus”» (Lc 10,8-9). Tudo se conjuga: o envio, a chegada, a partilha, a cura e com tudo isto a proximidade do Reino.
O melhor que vos acontecerá, caros ordenandos, é ativar e verificar tudo isto onde chegardes. Porque o Reino não é uma “utopia” a imaginar, mas uma realidade a acontecer. Se não a tivésseis experimentado já, não estaríeis aqui agora - nem nós convosco e como estamos, em jubilosa ação de graças pela vossa ordenação.

O júbilo, vosso e nosso, é o que sentiram os discípulos que o Evangelho refere: «Os setenta e dois discípulos voltaram cheios de alegria, dizendo: “Senhor, até os demónios nos obedeciam em teu nome!» (Lc 10,17). É de uma alegria profunda que se trata, bem maior do que as superficiais, tão fugazes que são. Alcança-se unicamente pelo nome e o poder de Cristo, que vence o mal na sua raiz, por mais entranhada e nociva que seja.
Mantende-vos em Cristo e sentireis o mesmo que os discípulos daquela altura. Rezareis e ensinareis a rezar o Pai-nosso até à exclamação final: «Mas livra-nos do mal!», franqueando aí mesmo as portas da alegria. Como o nosso mundo e até a nossa Igreja precisam alcançá-la agora e como acontecerá também através de vós, caros ordenandos!
Finalmente, como tudo começou em Deus, que vos escolheu e envia, também é em Deus que tudo culminará plenamente, no arco total da vossa existência pessoal e do vosso serviço eclesial. Assim lhes disse Cristo: «Alegrai-vos antes porque os vossos nomes estão escritos nos Céus!» (Lc 10,20). E assim nos alegraremos todos, na celebração eterna a que nos destinamos convosco.
Este alegre anúncio terá ocasião por excelência na Jornada Mundial da Juventude, que daqui a um ano ofereceremos a uma multidão de gente nova, provinda de todos os continentes. Será para vós, ordenandos de hoje, um marco inicial do vosso ministério, caracterizando-o especialmente como serviço da verdadeira alegria, que só em Cristo se consegue e com Cristo se partilha. Assim a levou a Virgem Mãe, partindo apressadamente ao encontro de Isabel. Assim ireis vós, ao encontro de tantos que vos esperam!

Lisboa, Santa Maria de Belém, 03 de julho de 2022.


Manuel, Cardeal-Patriarca


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