Há dois meses, no dia 25 de março de 2019, Solenidade da
Anunciação do Senhor, o Papa Francisco assinou no Santuário de Nossa Senhora em Loreto a Exortação Apostólica Christus
vivit (Cristo vive), fruto do Sínodo dos Bispos de 2018 com o tema “Os
jovens, a fé e o discernimento vocacional”.
Como fizemos com o Instrumentum laboris e com o Documento Final do Sínodo, analisaremos nesta postagem a
Exortação Apostólica do Papa sob a perspectiva da Liturgia.
Embora boa parte da Exortação retome trechos do Documento
Final, há nela também algumas novidades. De seus 299 parágrafos, divididos em 9
capítulos, há 12 que fazem referência à Liturgia, aos Sacramentos e à piedade
popular.
Capítulo II: JESUS CRISTO SEMPRE JOVEM
A primeira referência à Liturgia aparece no II capítulo, no
qual o Papa Francisco propõe a pessoa de Jesus Cristo como modelo para os
jovens e para a Igreja. No parágrafo 35 o Papa pede uma Igreja jovem e indica
onde ela pode encontrar esta juventude: “é jovem quando é ela mesma,
quando recebe a força sempre nova da Palavra de Deus, da Eucaristia, da presença de Cristo e da força do seu Espírito em
cada dia. É jovem quando consegue voltar continuamente à sua fonte”.
Vemos
nesta afirmação um eco das palavras de São João Paulo II, que afirmava: “A
Igreja vive da Eucaristia” (Ecclesia de
Eucharistia, n. 1). Aqui Francisco continua: “A Igreja descobre sua
juventude, encontra sua força na Eucaristia”.
Capítulo V: PERCURSOS DE JUVENTUDE
No capítulo V, durante o qual o Santo Padre reflete sobre a
realidade da juventude hoje, há outras duas referências à importância da
Eucaristia: primeiramente, no parágrafo 161, refletindo sobre o tema do
crescimento e da maturidade, Francisco afirma: “Crescer quer dizer
conservar e alimentar as coisas mais preciosas que te oferece a juventude, mas
ao mesmo tempo significa estar disponível para purificar o que não é bom e
receber novos dons de Deus, que te chama a desenvolver o que tem valor”. Por isso, aconselha, “é melhor deixares-te amar por Deus, que te
ama como és, aprecia-te e respeita-te, não cessando, porém, de te cumular cada
vez mais da sua amizade, fervor na oração, fome da sua Palavra, anseio de
receber Cristo na Eucaristia,
vontade de viver o seu Evangelho, força interior, paz e alegria espiritual”.
No n. 173, por sua vez, ao convidar os jovens a assumirem
compromissos na Igreja e na sociedade, Francisco mais uma vez afirma que a
Eucaristia é a fonte viva onde encontrar a força para a missão: “Como no milagre de Jesus, os pães e os peixes dos jovens podem
multiplicar-se (cf. Jo 6,4-13).
Como na parábola, as pequenas sementes dos jovens tornam-se árvores e frutos de
colheita (cf. Mt 13,23.31-32).
Tudo isto se realiza a partir da fonte
viva da Eucaristia, na qual o
nosso pão e o nosso vinho se transformam para nos dar a Vida eterna”.
Adoração Eucarística na JMJ 2019 (Panamá) |
Capítulo VII: A PASTORAL DOS JOVENS
O capítulo VII, no qual o Pontífice apresenta propostas
concretas para a Pastoral da Juventude, contém cinco referências ao tema da
Liturgia. O número 224 reflete primeiramente sobre a busca dos jovens por momentos
de oração, incluindo a adoração eucarística, nos quais se valorize o silêncio:
“Muitos jovens são capazes de aprender a amar
o silêncio e a intimidade com Deus.
Aumentou também o número dos grupos que se reúnem para adorar o Santíssimo Sacramento e rezar com a Palavra de Deus. Não
se subestimem os jovens como se fossem incapazes de abrir-se a propostas contemplativas;
basta encontrar os estilos e modalidades adequados para os ajudar a entrar
nesta experiência de tão alto valor”.
Neste
mesmo parágrafo 224 há uma citação do Documento Final do Sínodo, em seu número
51, no qual os Padre Sinodais expressaram o desejo dos jovens por uma Liturgia
viva e cheia de sentido: “Relativamente
aos setores do culto e da oração, «em diferentes contextos, os jovens católicos
pedem propostas de oração e momentos sacramentais capazes de tocar a sua vida
diária, numa Liturgia nova, autêntica e
jubilosa» (Documento Final, n. 51)”.
Por
fim, o parágrafo conclui com um acréscimo do Papa Francisco, no qual este
aconselha valorizar a pedagogia própria do Ano Litúrgico: “É importante valorizar os
momentos mais fortes do Ano Litúrgico, particularmente a Semana Santa, o
Pentecostes e o Natal. Prezam muito também outros encontros de festa, que
quebram a rotina e ajudam a experimentar a alegria da fé”.
Continuando nossa análise do capítulo VII, temos no
parágrafo 226 uma referência à importância da música para os jovens, inclusive
no contexto da Liturgia, retomando o n. 47 do Documento Final do Sínodo: “«De importância muito peculiar se reveste a música, que representa um
verdadeiro e próprio ambiente onde os jovens estão constantemente imersos, bem
como uma cultura e uma linguagem capazes de suscitar emoções e moldar a
identidade. A linguagem musical
constitui também um recurso pastoral, que interpela de modo particular a Liturgia e a sua renovação» (Documento
Final, n. 47)”.
O Papa Francisco acrescentou ainda uma citação
de Santo Agostinho sobre a música: “O
canto pode ser um grande estímulo no percurso dos jovens. Dizia Santo
Agostinho: «Canta, mas caminha; cantando, alivia a fadiga, mas não te dês à
preguiça; canta e caminha. (...) Tu, se progrides, caminhas. Mas progride no
bem, progride na verdadeira fé, progride na vida santa. Canta e caminha» (Agostinho, Sermão 256)”.
Concluindo a série de propostas pastorais iniciadas no n.
224, no parágrafo 229 o Papa sintetiza recordando a importância da Palavra e
dos sacramentos: “há dons de Deus que são sempre atuais e
contêm uma força que transcende todos os tempos e circunstâncias: a Palavra do
Senhor sempre viva e eficaz, a presença
de Cristo na Eucaristia que nos alimenta e o Sacramento do Perdão que nos liberta e fortalece”.
Papa Francisco atende confissões durante a JMJ 2019 (Panamá) |
No n. 238 da Exortação, Francisco recorda um tema abordado
reiteradas vezes em seu pontificado: a piedade popular. Neste parágrafo há
inclusive duas citações da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium:
“As várias manifestações de piedade popular, especialmente as
peregrinações, atraem jovens que não se inserem facilmente nas estruturas
eclesiais e são uma expressão concreta da confiança em Deus. Estas formas de
busca de Deus, presentes particularmente nos jovens mais pobres mas também nos
outros setores da sociedade, não devem ser desprezadas, mas encorajadas e
estimuladas. Porque a piedade popular «é uma maneira legítima de viver a fé» (Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, n. 124) e é
«expressão da atividade missionária espontânea do povo de Deus» (ibid., n. 122)”.
Por fim, o último parágrafo do capítulo VII sobre o tema da
Liturgia, versa sobre o tema do sacramento do Matrimônio. Ao falar sobre o
acompanhamento dos jovens pelos adultos, o Papa Francisco afirma no n. 242 da
Exortação que a Pastoral da Juventude, unida à Pastoral Familiar, deve ajudar
os jovens na preparação para o Matrimônio:
“A pastoral juvenil propõe um projeto de vida
baseado em Cristo: a edificação duma casa, duma família construída sobre a
rocha (cf. Mt 7,24-25).
Para a maioria deles, esta família, este projeto concretizar-se-á no Matrimônio e na caridade conjugal. Por
isso, é necessário que a pastoral juvenil e a pastoral familiar tenham uma
continuidade natural, trabalhando de maneira coordenada e integrada para poder
acompanhar adequadamente o processo vocacional”.
Capítulo VIII: A VOCAÇÃO
O tema da preparação para o Matrimônio, já referido acima, é
retomado no Capítulo VIII, que versa sobre o tema da vocação, especificamente no
bloco de parágrafos que trata do amor e da família (nn. 259-267).
Primeiramente no n. 260 o Papa Francisco recorda seu discurso
aos jovens durante sua visita à Assis em 2013: “Apraz-me pensar
que «dois cristãos que casam reconheceram na sua história de amor a chamada do
Senhor, a vocação a formar de duas pessoas, varão e mulher, uma só carne, uma
só vida. E o sacramento do Matrimônio
corrobora este amor com a graça de Deus, arraigando-o no próprio Deus. Com este
dom, com a certeza desta vocação, é possível começar com segurança, sem medo de
nada, para juntos enfrentar tudo!»”.
O n. 264, por sua vez, retoma o discurso do Papa aos
voluntários da Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro em 2013, quando encoraja
os jovens ao Matrimônio em oposição à “cultura do provisório”:
“Reina hoje a cultura do provisório, que é
uma ilusão. Julgar que nada pode ser definitivo é um engano e uma mentira.
Muitas vezes ouvis dizer que «hoje o casamento está ‘fora de moda’ (…). Na
cultura do provisório, do relativo, muitos pregam que o importante é ‘curtir’ o
momento, que não vale a pena comprometer-se por toda a vida, fazer escolhas
definitivas (…). Em vez disso, peço-vos para serdes revolucionários, peço-vos
para irdes contracorrente; sim, nisto, peço que vos rebeleis: que vos rebeleis
contra esta cultura do provisório que, no fundo, crê que vós não sois capazes
de assumir responsabilidades, crê que vós não sois capazes de amar de verdade».
Ao contrário, eu tenho confiança em vós e, por isso, vos encorajo a optar pelo Matrimônio”.
Por
fim, no n. 265, o Papa exorta à preparação para o Matrimônio pela educação para
as virtudes: “É necessário preparar-se
para o Matrimônio; isto requer
educar-se a si mesmo, desenvolver as melhores virtudes, sobretudo o amor, a
paciência, a capacidade de diálogo e de serviço. Implica também educar a
própria sexualidade, para que seja sempre menos um instrumento para usar os
outros, e cada vez mais uma capacidade de se doar plenamente a uma pessoa, de
maneira exclusiva e generosa”.
Capítulo IX: O
DISCERNIMENTO
A última referência à Liturgia na Exortação é justamente no
parágrafo final, n. 299, no qual o Papa retoma um trecho do seu discurso aos
jovens italianos durante um encontro de oração em preparação ao Sínodo em
agosto de 2018. Neste discurso Francisco menciona mais uma vez a importância da
presença de Cristo na Eucaristia, exortando aos jovens: “Correi
«atraídos por aquele Rosto tão amado, que adoramos na sagrada Eucaristia e reconhecemos na carne do
irmão que sofre. O Espírito Santo vos impulsione nesta corrida para a frente. A
Igreja precisa do vosso ímpeto, das vossas intuições, da vossa fé. Nós temos
necessidade disto! E quando chegardes aonde nós ainda não chegamos, tende a
paciência de esperar por nós»”.
Missa de encerramento da JMJ 2019 (Panamá) |
Confira a Exortação na íntegra no site da Santa Sé.
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