São Gregório Magno
Sermão sobre o Evangelho de São João
“As
redes continuam lançadas”
Podíamos também
perguntar: por que o Senhor se mostrou na margem aos discípulos que estavam
trabalhando no mar, agora após sua sagrada Ressurreição, e antes de sua Paixão
mostrou-se a eles nas ondas do mar, andando sobre elas? E se pensarmos bem a
causa de tudo, facilmente acharemos o motivo para que procedesse assim.
O mar não nos
denota outra coisa a não ser o século presente, que continuamente se move com
alterações de muitas e diversas questões como com diferentes ondas. Pela
segurança e repouso da margem, o que podemos entender, a não ser aquele repouso
da vida eterna? Portanto, dos discípulos que ainda estavam nas ondas da
mortalidade, dizemos que trabalhavam no mar; enquanto que nosso Redentor já
estava livre da corrupção da carne, viram-lhe depois da Ressurreição na margem,
como se pelo fato de estar na margem ressuscitado, falasse com seus discípulos
dizendo: “Já não me revelo no mar, porque não estou convosco nas ondas dos
trabalhos em que primeiro me encontrava”; e, de acordo com isto, disse o Senhor
em outro lugar após sua Ressurreição: Estas
são as palavras que vos falei “quando ainda estava convosco”.
E mesmo que
digamos que estava com eles - pois corporalmente mostrava-se a eles com sua
presença -, disse que não está com eles, porque com a imortalidade estava
afastado da mortalidade deles; e que ele diga que não está ali com eles, está
muito claro, pois eles estão navegando nas águas, e o Senhor está na margem.
Advindo aos sagrados discípulos uma necessidade na pesca, permitindo-o Deus,
para que o auxílio de seu Mestre lhes causasse grande assombro; e vendo-os em
necessidade dissesse: Lançai a rede à
direita da barca e achareis.
Duas vezes lemos
nos Evangelhos que o Senhor tenha mandado lançar as redes para pescar. Uma vez
foi antes de sua Paixão, e a outra foi depois da Ressurreição. Antes que nosso
Senhor sofresse sua Paixão e ressuscitasse, é verdade que mandou lançarem a
rede para pescar, mas não encontramos que a mandou lançar à sua direita, nem à
sua esquerda. Aparecendo aos seus discípulos após a Ressurreição, encontramos
que lhes mande lançar a mão direita, e os peixes que pegaram na primeira pesca
foram tantos que se romperam as redes. Nesta segunda foram muitos os que
pescaram, mas as redes não se romperam.
Todos sabemos
que os maus são representados pela esquerda, e os bons pela direita. Diremos,
pois, que a primeira pesca, aonde o Senhor não assinala a que lado lançar a
rede, representa o estado da Igreja militante, na qual todos estão recolhidos:
os bons e os maus; e ainda não os separa uns dos outros, porque enquanto
estamos aqui, convém que bons e maus estejam juntos, para que os bons mereçam
mais sofrendo pela ação dos maus, e os maus no dia do juízo não tenham desculpa
de que lhes faltou o exemplo dos bons.
Mas esta pesca
que se fez depois da Ressurreição do Senhor foi mandada que a fizessem ao lado
direito da barca, denotando que só a Igreja dos escolhidos é que alcança a
visão da claridade da glória soberana; e que os membros desta Igreja não têm
pacto algum com o lado esquerdo. Na primeira pesca falamos que se rompia a rede
com a multidão dos pescados, porque naquela entram bons e maus misturados, como
o vemos nesta Igreja militante, onde à volta dos bons há um grande número de
maus, e alguns hereges e cismáticos que saem da rede da Igreja. Já nesta pesca
da Igreja soberana, são recebidos muitos pescados grandes, e a rede não se
rompe, porque aquela Igreja santa dos escolhidos, repousando na paz do Criador
não pode ser alterada com discórdia nem com provação alguma.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 600-601. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
Confira também uma homilia de Santo Agostinho para este domingo clicando aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário