sábado, 6 de outubro de 2018

O Sínodo dos Jovens e a Liturgia: Instrumentum laboris

O Papa Francisco abriu a XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos no último dia 03 de outubro. Esta Assembleia, que se conclui no próximo dia 28, tem como tema “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”.

Recentemente foi publicado pela Santa Sé o Instrumentum laboris (Instrumento de trabalho) que está servindo de base para as discussões dos Padres Sinodais. Embora o tema da Liturgia não seja o mais abordado no documento, ele ocupa sem dúvidas um papel importante, considerando que a Liturgia é “a fonte e o ápice de toda a ação da Igreja” (Sacrosanctum Concilium, n. 10).

Diante disto, apresentamos aqui uma síntese das reflexões sobre a Liturgia, os Sacramentos e a piedade popular presentes no documento. Dos seus 214 parágrafos, 14 fazem referência, direta ou indireta, a um destes temas.

PARTE I: RECONHECER - A IGREJA À ESCUTA DA REALIDADE

Capítulo II: Experiências e linguagens
No capítulo II da I parte há duas menções à Liturgia: nn. 30 e 32. Primeiramente, no n. 30, que reflete sobre “Espiritualidade e religiosidade” (nn. 29-30), após tecer uma crítica a um modelo de cristianismo que apresenta a santidade como algo além das capacidades humanas, quase que inalcançável, “os jovens católicos pedem propostas de oração e momentos sacramentais que possam compreender a sua vida quotidiana” (n. 30).

Ainda neste capítulo, o tema da Liturgia reaparece dois parágrafos à frente (n. 32), quando se apresenta o tema “Os jovens na vida da Igreja” (nn. 31-33). Neste parágrafo se recordam algumas atividades eclesiais onde os jovens encontram certo espaço. Dentre elas mencionam-se a animação da catequese e da Liturgia” e “a piedade popular”, que “continua a ser um importante acesso à fé para as jovens gerações, que encontram no corpo, na afetividade, na música e no canto importantes canais de expressão” (n. 32). Há uma referência positiva ainda a encontros como a Jornada Mundial da Juventude, na qual estão presentes também momentos de celebração.

Missa da JMJ 2013 no Rio de Janeiro
Capítulo V: À escuta dos jovens
No capítulo V da I parte há também duas menções ao tema da Liturgia: nn. 69 e 72. No n. 69, que apresenta o pedido dos jovens por “uma Igreja mais relacional” (nn. 68-70), há uma afirmação muito importante: o tema da Liturgia “retorna com frequência” nas contribuições dos jovens para o Sínodo. Citamos o parágrafo na íntegra:

Os jovens mais envolvidos na vida da Igreja expressaram vários pedidos específicos. Retorna com frequência o tema da Liturgia, a qual eles gostariam que fosse viva e próxima, enquanto muitas vezes não permite experimentar «nenhum sentido de comunidade ou de família enquanto Corpo de Cristo» (RP 7), e das homilias, que muitos consideram inadequadas para acompanhá-los no discernimento de sua situação à luz do Evangelho. «Os jovens são atraídos pela alegria, que deveria ser um sinal distintivo da nossa fé» (RP 7), mas muitas vezes as comunidades cristãs parecem não ser capazes de transmitir” (n. 69 - RP refere-se às conclusões da Reunião Pré-Sinodal).

O n. 72, por sua vez, recolhe “a palavra dos seminaristas e dos jovens religiosos”. Foram três as constatações apresentadas por este grupo: pedem uma Igreja mais fraterna, mais espiritual e mais coerente. Do segundo pedido deriva a referência à Liturgia, que citamos na íntegra:

“Há, depois, uma exigência de espiritualidade, de uma Igreja em cujo centro há a oração e a intimidade com Deus. Em algumas partes do mundo há uma espontânea abertura à transcendência; em outras, dominadas por um ‘humanismo exclusivo’, o pedido à Igreja é que seja mística, capaz de abrir vislumbres de transcendência na vida de homens e mulheres. Por isso alguns veem a Liturgia como uma ocasião de profecia” (n. 72).

PARTE II: INTERPRETAR - FÉ E DISCERNIMENTO VOCACIONAL

Capítulo IV: A arte de acompanhar
No capítulo IV da II parte, dedicado ao tema do acompanhamento, há uma referência à Liturgia, mais especificamente ao sacramento da Reconciliação. No n. 126, após salientar a diferença entre acompanhamento espiritual e sacramento da Reconciliação, o documento destaca a importância deste: “o encontro no sacramento com a misericórdia de Deus é, porém, indispensável para prosseguir no caminho” (n. 126).

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III PARTE: ESCOLHER - PERCURSOS DE CONVERSÃO PASTORAL E MISSIONÁRIA

Capítulo II: Imersos no tecido da vida quotidiana
No capítulo II da III parte há apenas uma referência indireta à Liturgia: o n. 162 apresenta a importância que a música ocupa na vida dos jovens. Como esta ocupa igualmente um papel importante nas celebrações litúrgicas, julgamos correto mencionar aqui este parágrafo.
O documento alerta para a “necessidade de cuidar do canto e da música dentro da vida e do caminho de fé da comunidade”. Ou seja, a música que se executa na Liturgia deve ser expressão da fé que se celebra. Os próprios jovens advertem que “as propostas que imitam as linguagens musicais contemporâneas mais comerciais não favorecem a reflexão e a escuta interior”. O parágrafo menciona ainda a atração de alguns jovens pelo canto gregoriano e pelos cantos das tradições cristãs orientais.

Capítulo III: Uma comunidade evangelizada e evangelizadora
O capítulo III da III parte é o bloco que apresenta mais referências à Liturgia: são sete ao todo (nn. 178; 183-184; 187-189; 192), metade das referências do documento.

Uma experiência familiar de Igreja
Primeiramente, no n. 178, que apresenta a proposta de “uma experiência familiar de Igreja”, os jovens pedem que também na Liturgia transpareça a imagem da Igreja como família. O “estilo familiar da Igreja” refere-se “à qualificação das celebrações, porque na Liturgia se manifesta o estilo de uma Igreja convocada por Deus para ser sua família” (n. 178). O mesmo parágrafo afirma que ”em meio a uma vida barulhenta e caótica, muitos jovens pedem à Igreja que seja uma casa espiritual” (ibid).

À escuta e em diálogo com o Senhor
O nn. 183-184 apresentam o tema da espiritualidade. O n. 183 inicia elencando algumas práticas que favorecem “a escuta e o diálogo com Deus”: dentre elas destacam-se os “dias de retiro e exercícios espirituais”, os quais incluem os momentos de celebração, e as “peregrinações nacionais e diocesanas, experiências partilhadas de oração”. Ligado ao tema das peregrinações aparece a referência aos santuários, espaços privilegiados do encontro com Deus e da vivência da piedade popular.

O n. 184, por sua vez, continua a reflexão acerca da espiritualidade, salientando sua dimensão comunitária: “na qualidade espiritual da vida comunitária encontram-se grandes oportunidades para aproximar os jovens da fé e da Igreja”. A celebração litúrgica, que é sempre ação comunitária, deve ser, antes de tudo, ação espiritual, pois a Liturgia é oração.

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O gosto e a beleza da Liturgia
Os nn. 187-189 contêm as principais reflexões sobre a Liturgia presentes no Instrumentum laboris, portanto, reproduzimo-los na íntegra na sequência.

Primeiramente, o n. 187 destaca a sensibilidade dos jovens à qualidade da Liturgia e particularmente das homilias, destacando que eles não vêm à igreja buscar algo que podem encontrar fora dela, mas buscam uma experiência autêntica:

Uma Conferência Episcopal afirma que os jovens «não vêm à igreja para encontrar algo que poderiam obter em outros lugares, mas buscam uma experiência religiosa autêntica e até radical». Muitas respostas ao Questionário indicam que os jovens são sensíveis à qualidade da Liturgia. De forma provocativa, a RP afirma que «os cristãos professam um Deus vivo, mas não obstante a isso, encontramos celebrações e comunidades que parecem mortas» (RP 7). No que se refere à linguagem e à qualidade das homilias, uma CE aponta que «os jovens sentem falta de uma sintonia com a Igreja», e acrescenta: «Parece que não compreendemos o vocabulário e, portanto, também as necessidades dos jovens». Informações valiosas a esse respeito encontram-se na Evangelii Gaudium, nn. 135-144” (n. 187).

O n. 188 trata da relação entre Liturgia e fé (para usar o célebre axioma: lex orandi, lex credendi, isto é, a lei da oração é a lei da fé), destaca a centralidade da Eucaristia e incentiva a pastoral dos ministrantes (coroinhas e “acólitos”):

Considerando que «a fé tem uma estrutura sacramental» (Lumen Fidei, n. 40), algumas Conferências Episcopais pedem que se desenvolva o vínculo genético entre fé, sacramentos e Liturgia na concepção de percursos das pastorais juvenis, a partir da centralidade da Eucaristia «fonte e centro de toda a vida cristã» (LG 11) e «fonte e coroa de toda a evangelização» (Presbyterorum ordinis, 5). Tantas CE garantem que onde a Liturgia e a ars celebrandi são bem-feitas há sempre uma presença significativa de jovens ativos e partícipes. Considerando que na sensibilidade juvenil não são os conceitos que falam, mas as experiências, não as noções, mas as relações, algumas CE observam que as celebrações eucarísticas e outros momentos litúrgicos – frequentemente considerados pontos de chegada – podem tornar-se um lugar e uma ocasião para um renovado primeiro anúncio aos jovens. As Conferências Episcopais de alguns países testemunham a eficácia da ‘pastoral dos ministrantes’ para fazer com que os jovens experimentem o espírito da Liturgia; contudo, será oportuno refletir sobre como oferecer uma adequada formação litúrgica a todos os jovens” (n. 188).

Por fim, o n. 189 traz o tema da piedade popular, diretamente ligada à Liturgia:

Também merece atenção o tema da piedade popular que em vários contextos oferece aos jovens um acesso privilegiado à fé, tanto por estar relacionada à cultura e às tradições locais, como por valorizar a linguagem do corpo e dos afetos, elementos que dificilmente encontram espaço na Liturgia” (n. 189).

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Nutrir a fé na catequese
O n. 192, que compõe a reflexão sobre a catequese (nn. 190-193) destaca a relação intrínseca entre Catequese e Liturgia, sugerindo valorizar o “caminho da beleza” (via pulchritudinis), propondo aos jovens valorizar “o imenso patrimônio artístico e arquitetônico da Igreja” e “o encanto da Liturgia da Igreja em todos os seus aspectos e ritos” (n. 192).

CONCLUSÃO

Na conclusão do documento, toda ela centrada no tema da santidade, destaca-se no n. 213, intitulado “A juventude, um tempo para a santidade”, o valor educativo dos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação” (n. 213). Recomenda-se aos jovens, por fim, contemplar o exemplo dos santos jovens, muitos deles celebrados ao ritmo da Liturgia. “Na santidade de inúmeros jovens, a Igreja reconhece a graça de Deus que impede e acompanha a história de cada pessoa” (ibid).

Fonte: Instrumentum laboris do Sínodo 2018

Apoio: Santa Inês Paramentos

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