De 03 a 28 de outubro de 2018 aconteceu em Roma a XV
Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, com o tema “Os jovens, a fé e
o discernimento vocacional”.
Já publicamos aqui no blog uma análise do Instrumentum laboris (Instrumento de
trabalho) do Sínodo sob a perspectiva da Liturgia. Nesta postagem propomos o
mesmo em relação ao Documento Final, promulgado pelos Padres Sinodais na
conclusão dos trabalhos, enquanto aguardamos a publicação da Exortação
Apostólica assinada pelo Papa Francisco, a ser divulgada no próximo dia 25 de
março.
O Documento Final deve ser lido como um texto
complementar ao Instrumentum laboris
(cf. Documento Final, n. 3). Por isso temos muitos acréscimos que surgiram
durante as discussões. Segue, portanto, nossa análise dos 23 parágrafos (dos
167 do Documento) que fazem referência, direta ou indireta, à Liturgia, Sacramentos
e piedade popular.
I PARTE:
«PÔS-SE COM ELES A CAMINHO»
A primeira referência à Liturgia no Documento diz
respeito à Iniciação cristã, particularmente ao sacramento da Confirmação. Era
um tema ausente no Instrumentum laboris,
acrescentado aqui a pedido dos Padres Sinodais.
Trata-se do n. 19, que integra a parte intitulada “Um primeiro olhar sobre a Igreja de hoje” (nn. 15-20). É um parágrafo crítico,
que constata que “os percursos da iniciação cristã nem sempre conseguem
introduzir crianças, adolescentes e jovens na beleza da experiência de fé (...)
a iniciação cristã é erroneamente entendida como um
curso de instrução religiosa que em geral termina com o sacramento da
Confirmação”.
Pede-se que os itinerários de iniciação cristã sejam repensados urgentemente.
Papa Francisco crisma um jovem (Vigília Pascal de 2018) |
Capítulo
IV: Ser jovem hoje - Aspectos
da cultura juvenil atual
No
capítulo IV da I Parte temos cinco referências à Liturgia. A primeira delas
encontra-se no n. 47, que trata de “Arte, música e esporte”, no qual se destaca a importância da
música para os jovens, inclusive em contexto litúrgico: “A linguagem musical constitui também um
recurso pastoral, que interpela de modo especial a Liturgia e a sua renovação.
Às vezes, a homologação dos gostos numa perspectiva comercial ameaça
comprometer o vínculo com as formas tradicionais de expressão musical e
inclusive litúrgica”.
No
tópico “Espiritualidade e religiosidade”
(nn. 48-51) há duas referências: primeiramente, o n. 49 sobre “A busca religiosa” destaca o interesse
dos jovens pela piedade popular: “mantêm-se
vivas algumas práticas transmitidas pela tradição, como as peregrinações aos
santuários, que às vezes envolvem um grande número de jovens, e expressões da
piedade popular, frequentemente ligadas à devoção a Maria e aos Santos, que
preservam a experiência de fé dum povo”. Este tema já estava presente no n.
32 do Instrumentum laboris.
O n. 51,
por sua vez, intitulado “O desejo por uma Liturgia
viva”, remete aos nn. 30 e 69 do Instrumentum laboris. Dada a importância deste parágrafo, reproduzimo-lo na íntegra:
“Em vários contextos, os jovens
católicos pedem propostas de oração e momentos sacramentais capazes de tocar a
sua vida quotidiana, com uma Liturgia dinâmica, autêntica e jubilosa. Em muitas
regiões do mundo, a experiência litúrgica constitui o principal recurso para a
identidade cristã e conta com uma participação ampla e convicta. Os jovens
reconhecem nela um momento privilegiado de experiência de Deus e da comunidade
eclesial e um ponto de partida para a missão. Em contrapartida, noutros lugares
assiste-se a um certo afastamento dos sacramentos e da Eucaristia dominical,
sentida mais como preceito moral do que feliz encontro com o Senhor
Ressuscitado e com a comunidade. Em geral verifica-se, mesmo onde se oferece a
catequese sobre os sacramentos, que é insuficiente o acompanhamento educativo
para se viver a celebração em profundidade, entrar na riqueza mistérica dos
seus símbolos e dos seus ritos”.
Por
fim, o tópico “Participação e
protagonismo” (nn. 52-57) traz outras duas referências à Liturgia. O n. 53,
intitulado “As razões da distância”, apresenta algumas críticas dos jovens à
Igreja, dentre as quais inclui um tema já citado no n. 69 do Instrumentum laboris: o “pouco cuidado na preparação da homilia e na
apresentação da Palavra de Deus”.
“Os jovens na Igreja”, título do n. 54, traz
o tema da “animação da catequese e da
Liturgia” como um dos espaços onde os jovens encontram protagonismo. Este
tema já estava presente no n. 32 do Instrumentum laboris.
II PARTE: «OS
OLHOS ABRIRAM-SE»
No
início da II Parte do Documento, no tópico “Um
novo Pentecostes” (nn. 59-62), especificamente no n. 61 (“O Espírito na vida do crente”),
temos outra referência à Iniciação cristã, destacando a importância destes
sacramentos. Segue o parágrafo na íntegra:
“A vocação do cristão é seguir
Cristo, passando através das águas do Batismo, recebendo o selo da Confirmação
e, na Eucaristia, tornando-se parte do seu Corpo. «Vem, pois, o Espírito Santo:
depois da água, o fogo, e sereis transformados em pão, que é o Corpo de Cristo»
(Agostinho, Sermão 227). No percurso da iniciação cristã, é
sobretudo a Confirmação que permite aos crentes reviverem a experiência do
Pentecostes com uma nova efusão do Espírito para o crescimento e a missão. É
importante voltar a descobrir a riqueza deste sacramento, compreender o seu
vínculo com a vocação pessoal de cada batizado e com a teologia dos carismas, e
cuidar melhor da sua pastoral, a fim de que não se torne um momento formal e
pouco significativo. Cada caminho vocacional tem o Espírito Santo como
protagonista: Ele é o ‘mestre interior’ pelo qual devemos deixar-nos conduzir”.
Capítulo III: A
missão de acompanhar - A Igreja que acompanha
Já no
início do Capítulo III desta II Parte temos uma importante referência à
Eucaristia no n. 92, intitulado justamente “Partir, juntos,
o pão”. Importante recordar que o
Documento foi escrito seguindo a dinâmica do relato dos discípulos de Emaús (Lc
24,13-35), por isso a referência a este episódio no parágrafo:
“Como ensina a narração dos
discípulos de Emaús, o acompanhamento exige a disponibilidade para percorrer
juntos um trecho do caminho, estabelecendo uma relação significativa. A origem
do termo ‘acompanhar’ remete para o pão partido e compartilhado (cum pane),
com toda a riqueza simbólica humana e sacramental desta referência. (...) A
Eucaristia é memória viva do evento pascal, lugar privilegiado da evangelização
e da transmissão da fé tendo em vista a missão. Na assembleia congregada na Celebração
Eucarística, a experiência de ser pessoalmente tocado, instruído e curado por
Jesus acompanha cada um no seu percurso de crescimento pessoal”.
Consagração (Missa de abertura do Sínodo dos Jovens) |
O
tópico “O acompanhamento comunitário, de grupo e pessoal” (nn. 95-100) traz duas referências à
Liturgia. A primeira delas, no n. 95 (“Uma
tensão fecunda”), recorda pela
primeira vez o Matrimônio, propondo-se uma preparação para este sacramento em
estilo catecumenal: “salienta-se
a urgência de acompanhar pessoalmente seminaristas e jovens sacerdotes,
religiosos em formação, assim como os pares de noivos no caminho de preparação
para o Matrimônio e nos primeiros tempos depois da celebração do sacramento,
inspirando-se no catecumenato”.
O n.
98, por sua vez, apresenta o tema do sacramento da Reconciliação, como indica
seu título (“Acompanhamento e sacramento da
Reconciliação”). Este tema já
fora abordado no n. 126 do Instrumentum laboris. Ressalta-se a distinção
entre acompanhamento espiritual e sacramento da Reconciliação, enquanto
propõem-se “percursos
penitenciais, com o envolvimento de uma pluralidade de figuras educativas, que
ajudem os jovens a ler a sua vida moral, a amadurecer uma noção correta do
pecado e, sobretudo, a abrir-se à alegria libertadora da misericórdia”. As
celebrações presentes no Ritual da Penitência podem ser uma boa alternativa
neste sentido.
Capítulo IV: A arte
de discernir - A Igreja, ambiente para discernir
O início do Capítulo IV desta II Parte, por
sua vez, traz dois parágrafos que destacam a importância dos sacramentos. O n.
104 (“Uma constelação de significados na variedade das tradições espirituais”)
apresenta “o papel da oração, da vida
sacramental e da ascese” como elementos comuns nos processos de discernimento vocacional,
enquanto o n. 105 (“A referência constitutiva à
Palavra e à Igreja”) reforça a importância da comunidade eclesial, na
qual o jovem encontra “os sacramentos -
de modo particular a Eucaristia e a Reconciliação - [que] alimentam e amparam
quem se põe à procura da vontade de Deus”.
Ainda
neste Capítulo IV, o n. 108 (“A formação da
consciência”), que integra o tópico “A consciência em discernimento” (nn. 106-109), recorda “o suporte da prática sacramental” no
processo de formação da consciência.
Por
fim, concluindo o capítulo IV, o tópico “A
prática do discernimento” (nn. 110-113) afirma no n. 110 (“A familiaridade com o Senhor”) que o
processo de discernimento só é possível unido à oração. Recordam-se, pois, as “peregrinações”, importante componente
da piedade popular, e “os sacramentos,
particularmente a Eucaristia e a Reconciliação”.
III PARTE: «VOLTARAM IMEDIATAMENTE»
No
início da III Parte, no tópico “Uma Igreja jovem” (nn. 115-118), particularmente no n. 118 (“Conversão espiritual, pastoral e missionária”), apresenta-se mais uma vez o tema da
Eucaristia e sua importância para a Igreja: “A Igreja deve realmente deixar-se moldar pela Eucaristia, que celebra
como ápice e fonte da sua vida: tomar a forma daquele pão, feito a partir de
muitas espigas e partido para a vida do mundo”.
O
Capítulo II desta III Parte traz as mais importantes contribuições do Documento
sobre o tema da Liturgia, de maneira análoga ao III Capítulo da III Parte do Instrumentum laboris.
O n.
128 (“Da delegação ao envolvimento”), primeiro parágrafo deste capítulo, salienta
a importância da união entre família e paróquia nos processos de preparação
para os sacramentos:
“Podemos referir-nos, por exemplo, aos
percursos catequéticos de preparação para os sacramentos, uma tarefa que muitas
famílias delegam inteiramente à paróquia. Esta mentalidade tem como
consequência que os adolescentes correm o risco de conceber a fé não como uma
realidade que ilumina a vida de todos os dias, mas como um conjunto de noções e
regras que pertencem a um âmbito separado da sua existência. Pelo contrário, é
necessário caminhar juntos: a paróquia precisa da família para fazer com que os
jovens experimentem o realismo quotidiano da fé; em contrapartida, a família
tem necessidade do ministério dos catequistas e da estrutura paroquial para
oferecer aos filhos uma visão mais orgânica do cristianismo, introduzi-los na
comunidade e abri-los a horizontes mais amplos. Por isso, não é suficiente
dispor de estruturas; é preciso que nelas se desenvolvam relações autênticas;
efetivamente é a qualidade de tais relações que evangeliza”.
O n.
133 (“Querigma e catequese”), que integra o tópico “A vida da comunidade” (nn. 131-137), ressalta a importante
integração entre Catequese e Liturgia: “Há
que manter vivo o compromisso de oferecer itinerários continuados e orgânicos
que saibam integrar: um conhecimento vivo de Jesus Cristo e do seu Evangelho, a
capacidade de ler na fé a experiência pessoal e os acontecimentos da história,
um acompanhamento em ordem à oração e à celebração da Liturgia, a introdução
à lectio divina e o apoio ao testemunho da caridade e à
promoção da justiça, propondo assim uma autêntica espiritualidade juvenil”.
Os nn.
134-136, “herdeiros” dos nn. 187-189 do Instrumentum laboris, são os principais parágrafos do Documento sobre a Liturgia, como
indica seu título: “A centralidade da Liturgia”.
O n.
134 traz a importância da Celebração Eucarística, propondo a participação ativa
dos jovens unida à educação para o silêncio e a contemplação:
“A celebração eucarística é
geradora da vida da comunidade e da sinodalidade da Igreja: lugar de
transmissão da fé e de formação para a missão, onde se torna evidente que a
comunidade vive, não da obra de suas mãos, mas da graça. Com as palavras da
tradição oriental, podemos afirmar que a Liturgia é encontro com o Servo
Divino, que enfaixa as nossas feridas e prepara, para nós, o banquete pascal,
enviando-nos a fazer o mesmo com os nossos irmãos e irmãs. Portanto, é preciso
reafirmar com clareza que o compromisso de celebrar com nobre simplicidade e
com o envolvimento dos vários ministérios laicais constitui um momento
essencial da conversão missionária da Igreja. Os jovens mostraram que são
capazes de apreciar e viver com intensidade celebrações autênticas, nas quais a
beleza dos sinais, o cuidado da pregação e o envolvimento comunitário falam
realmente de Deus. Por conseguinte, é necessário favorecer a sua participação
ativa, mas mantendo viva a admiração pelo Mistério; ir ao encontro da sua
sensibilidade musical e artística, mas ajudá-los a compreender que a Liturgia
não é puramente expressão de nós próprios, mas ação de Cristo e da Igreja. É
igualmente importante acompanhar os jovens na descoberta do valor da adoração
eucarística como prolongamento da celebração, durante o qual viver a
contemplação e a oração silenciosa”.
O n.
135 versa sobre o Sacramento da Reconciliação e as celebrações penitenciais
comunitárias:
“Nos percursos da fé, tem grande
importância também a prática do sacramento da Reconciliação. Os jovens têm
necessidade de se sentir amados, perdoados, reconciliados, e têm uma secreta
nostalgia do abraço misericordioso do Pai. Por isso, é fundamental que os
presbíteros manifestem uma disponibilidade generosa para a celebração deste
sacramento. As celebrações penitenciais comunitárias ajudam os jovens a
aproximar-se da confissão individual e tornam mais explícita a dimensão
eclesial deste sacramento”.
O Papa ouve as confissões dos jovens durante o Ano da Misericórdia |
Por
fim, o n. 136 traz o tema da piedade popular e particularmente das
peregrinações:
“Em muitos contextos, a piedade
popular desempenha um importante papel no acesso dos jovens à vida de fé de
maneira prática, sensível e imediata. Valorizando a linguagem do corpo e a
participação afetiva, a piedade popular traz consigo o desejo de entrar em
contato com o Deus que salva, frequentemente através da mediação da Mãe de Deus
e dos Santos.
Para os jovens, a peregrinação
constitui uma experiência de caminho que se torna metáfora da vida e da Igreja:
assim, na contemplação da beleza da criação e da arte, na vivência da
fraternidade e na oração que os une ao Senhor, veem aflorar as melhores
condições do discernimento”.
O
Capítulo IV desta III Parte traz as últimas contribuições do Documento sobre a
Liturgia nos nn. 160-162.
O n.
160 (“Formar discípulos missionários”)
expressa o desejo dos jovens por formação litúrgica: “Como oferecer melhores instrumentos aos jovens, para que sejam testemunhas
autênticas do Evangelho? Esta pergunta coincide também com o desejo que muitos
jovens têm de conhecer melhor a própria fé: descobrir as suas raízes bíblicas,
compreender o desenvolvimento histórico da doutrina, o sentido dos dogmas e a
riqueza da Liturgia”.
O n.
161 (“Um tempo de acompanhamento para o
discernimento”), por sua vez, recorda que a espiritualidade cristã tem
sua raiz nos sacramentos: “uma oferta de
espiritualidade radicada na oração e na vida sacramental”.
Por
fim, o n. 162 (“Acompanhamento para o Matrimônio”),
como o título indica, retoma o tema do sacramento do Matrimônio:
“É necessário reiterar a
importância de acompanhar os noivos ao longo do caminho de preparação para o Matrimônio,
tendo em consideração que existem várias formas legítimas de organizar tais
itinerários. Como afirma o número 207 da Amoris laetitia, «não
se trata de lhes ministrar o Catecismo inteiro, nem de os saturar com
demasiados temas (...). Trata-se duma espécie de ‘iniciação’ ao sacramento do Matrimônio,
que lhes forneça os elementos necessários para poderem recebê-lo com as
melhores disposições e iniciar com uma certa solidez a vida familiar». É
importante continuar o acompanhamento das jovens famílias, sobretudo nos
primeiros anos de casamento, ajudando-as também a tornar-se parte ativa da
comunidade cristã”.
Papa Francisco saúda uma jovem família (Missa de conclusão do Sínodo) |
Confira o Documento Final na íntegra no site da Santa Sé.
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